Folha de S. Paulo
Rubens Ricupero: O dever dos neutros
É preciso lutar por uma frente democrática
"Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível". Rui Barbosa (1849-1923) pronunciou essas palavras em Buenos Aires (1916) no contexto da Primeira Guerra Mundial. Neutralidade, explicava, "não quer dizer impassibilidade: quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça".
A clareza da distinção pode ajudar-nos a enfrentar o dilema eleitoral na definição do dicionário: situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas. Vejamos em concreto se há diferença entre essas saídas.
Não há lugar, creio, para imparcialidade entre quem quer retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre clima e quem deseja honrá-lo. Tampouco sou imparcial entre quem defende a proteção dos ecossistemas tal como prescrito na lei e os que atacam suposta indústria de multas do Ibama contra desmatadores ilegais.
Os mesmos que tencionam suprimir o Ministério do Meio Ambiente e subordiná-lo ao da Agricultura em ótica meramente produtivista, sem olhar as consequências de devastação ambiental e da concentração de renda.
Entre os defensores da Constituição, da democracia liberal, da tolerância, da diversidade, da civilidade na vida política e seus detratores, escolho sem hesitar os primeiros. Coloco-me ao lado dos promotores dos direitos humanos, da prioridade de combater a desigualdade, suprimir a miséria; sou contra os críticos de tais posições.
Prefiro diplomacia que preserve o papel construtivo do Brasil como fator de moderação e equilíbrio no continente e no mundo aos que advogam atitudes que nos isolariam da maioria da humanidade.
Um exemplo é a intenção de Bolsonaro de transferir a Jerusalém nossa embaixada em Israel na ausência de acordo com todos os interessados. Isso nos relegaria a situação ridícula, abaixo do Paraguai, que teve o bom senso de recuar dessa tresloucada ideia.
Entre valores e contravalores não tenho o direito de ser neutro. Darei meu voto ao candidato que encarnar valores absolutos e inegociáveis como os mencionados acima.
Dito isso, penso que o dever dos neutros é ir além do voto e lutar por uma frente democrática que una o mais amplo espectro de opinião possível.
Concordo com os pontos levantados por Celso Rocha de Barros no artigo publicado por esta Folha na última segunda-feira (8). Por definição, uma aliança não deve refletir hegemonia de nenhum partido. Tem de acolher a exigência popular de combate à corrupção, ajuste fiscal, responsabilidade no uso de recursos escassos --o que falta no programa do PT, além da autocrítica.
Não se vai ganhar só com o PT e a esquerda. Reconhecer esse fato obriga a ter um programa de mínimo denominador comum que conquiste os moderados.
E, no caso de difícil vitória, dê garantia a todos de que se terá um governo não sectário, pacificador e unificador da sociedade brasileira.
*Rubens Ricupero, diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar)
Bruno Boghossian: Bolsonaro deixa de exercer papel de líder diante de intolerância
Candidato usou retórica de desrespeito, mas deve condenar agressões com veemência
Jair Bolsonaro afirmou que dispensa o apoio de quem pratica violência contra seus opositores. No lugar de uma condenação veemente, publicou uma mensagem com um esforço banal de se descolar de ataques com motivação política registrados nos últimos dias: “A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência”.
A não ser que esteja concorrendo a vereador em Serra da Saudade (MG), Bolsonaro deveria estar mais preocupado. O próximo presidente vai assumir o comando do país num momento em que pessoas agridem e matam outras por razões políticas.
O presidenciável conhece como poucos a intolerância que esta eleição despertou. O bárbaro atentado que sofreu há pouco mais de um mês foi um sinal dramático de que a situação ameaçava sair do controle.
Na ocasião, seus adversários na disputa repudiaram o episódio, mas alguns deram de ombros. Embora tenha emitido um lamento, Dilma Rousseff disse que Bolsonaro plantou o ódio que se voltou contra ele. Recomenda-se que o candidato não reproduza a insensatez de seus rivais.
Quando o capoeirista Moa do Katendê foi morto com 12 facadas numa discussão política, Bolsonaro disse que o criminoso cometeu um “excesso”. A vítima declarava voto no PT. O assassino defendia o candidato do PSL e disse ter sido xingado. O presidenciável perguntou: “O que eu tenho a ver com isso?”.
A maioria dos eleitores de Bolsonaro obviamente reprova essa selvageria. É papel digno de um líder entrar em sintonia com seus apoiadores, manifestar repulsa e censurar qualquer comportamento agressivo.
Sem provas, o deputado diz suspeitar que alguns casos de violência são forjados para prejudicá-lo. Não custa demonstrar indignação enquanto aguarda as investigações.
O candidato conquistou apoio com uma retórica de desrespeito a adversários políticos e minorias. Um presidente não pode legitimar a intolerância. A panela foi destampada e há poucos indícios de que a temperatura vai cair após a eleição.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro já busca executivos do setor privado para governo e estatais
Lista inclui conselheiros de Paulo Guedes que atuam em bancos, teles e gestoras de investimento
Mariana Carneiro e Julio Wiziack, da Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - A equipe de Jair Bolsonaro (PSL) está reunindo apoio do setor privado para levar executivos ao governo, caso o capitão reformado vença o segundo turno da eleição presidencial, no dia 28 deste mês.
São pessoas que aconselharam o economista do candidato, Paulo Guedes, e as equipes do presidenciável nos últimos meses, e por isso sua participação no governo passou a ser discutida.
Fazem parte da lista Alexandre Bettamio, presidente-executivo para a América Latina do Bank of America, João Cox, presidente do conselho de administração da TIM, e Sergio Eraldo de Salles Pinto, da Bozano Investimentos (gestora de investimentos presidida por Guedes).
Para integrantes da campanha de Bolsonaro, Bettamio poderia assumir a presidência do Banco do Brasil, dada sua experiência no setor bancário. O executivo mora atualmente em Nova York.
Os demais poderiam ocupar postos-chave, mas isso ainda não está definido. Convites formais só devem ocorrer após a eleição.
Do setor financeiro, há outros "paraquedistas" —como estão sendo chamados esses executivos nos bastidores— sendo aguardados: Maria Silvia Bastos Marques, presidente-executivo da Goldman Sachs no Brasil e ex-presidente do BNDES, e Roberto Campos Neto, diretor do Santander e neto do renomado economista liberal.
A entrada dele no time é tratada como o símbolo da chegada dos chamados liberais autênticos ao poder e por isso passou a ser considerada como bastante provável entre apoiadores paulistas de Bolsonaro.
Por sua experiência, Roberto Campos Neto poderia eventualmente assumir o Banco Central, caso a primeira opção, Ilan Goldfajn, não queira permanecer no cargo.
Conforme mostrou a Folha, o atual presidente do BC é cotado para ficar e, em conversas reservas, Guedes já teria demonstrado o interesse em mantê-lo no cargo.
Mas Goldfajn é ligado ao PSDB, colaborou com Arminio Fraga na campanha de Aécio Neves em 2014 e pode optar por deixar o BC.
Os executivos "paraquedistas" teriam como missão desembarcar no governo trazendo a experiência que adquiriram no setor privado, uma vez que o partido de Bolsonaro, o PSL, não tem quadros técnicos para ocupar as vagas que serão abertas na Esplanada dos Ministérios, estatais federais e autarquias.
Embora ganhem muito mais na iniciativa privada, os executivos estariam dispostos a ir para o governo como forma de colaborar com a agenda liberal comandada por Guedes, segundo colaboradores de Bolsonaro.
Um dos argumentos usados para atraí-los é a garantia de que poderão trabalhar sem interferência política.
O time do setor privado é composto ainda por Fábio Abraão, da gestora de investimentos carioca Infra Partners, especialista em logística e infraestrutura, e por Roberto Castello Branco, ex-executivo da Vale e hoje na FGV, que traria a sua experiência no setor de mineração e de óleo e gás.
Outros nomes desembarcam de candidaturas rivais no primeiro turno, como Salim Mattar, dono da Localiza e amigo de Guedes há mais de 20 anos.
Mattar apoiava o Partido Novo no primeiro turno e poderia assumir a gestão de uma estatal caso Bolsonaro viesse a ser eleito e Guedes ascendesse a ministro da Economia, como planejado.
Outro do Novo que pode ser convidado a embarcar em um governo Bolsonaro é Eduardo Mufarej, ex-sócio da gestora de investimentos Tarpon e hoje integrante do RenovaBR, de formação de novos quadros na política.
Nesta eleição, o Renova elegeu 120 deputados.
Os aliados de Bolsonaro evitam falar quais cargos esses executivos poderiam ocupar, usando uma metáfora esportiva. Eles dizem que estão formando um time de basquete, em que todos atacam e defendem, e não de futebol, no qual cada um tem uma posição predefinida em campo.
Matar disse à Folha que Guedes é bem relacionado na comunidade econômica e empresarial, dada sua atuação no mercado financeiro como investidor de empresas em fase de crescimento.
Os principais fundos de investimento da Bozano são de private equity e venture capital (que aplicam em empresas que captam recursos para expandir e eventualmente chegar à Bolsa). A gestora administra um patrimônio de quase R$ 3 bilhões.
"Paulo é uma pessoa que trabalha em equipe, é cobrador de resultados e está procurando gente que teve sucesso da iniciativa privada para compor o governo", afirmou.
Mattar disse que os colaboradores são atraídos principalmente pela "agenda disruptiva" oferecida por Bolsonaro e Guedes, que prometem aos interlocutores fazer uma gestão técnica e apartada dos políticos, diferente daquela empregada pelos partidos que ocuparam a Presidência.
"Nem sei se vou para o governo, não recebi o convite e não parei para pensar nisso, mas estou colaborando", disse Mattar.
O empresário afirmou que pretende ainda entregar a Guedes uma lista com dezenas de nomes que poderiam ocupar vagas no segundo e terceiro escalão do governo, caso seja necessário.
"Há muitas pessoas que têm capacidade de trabalhar no governo e e gostariam de contribuir."
Segundo aliados de Bolsonaro, Guedes também poderá aproveitar integrantes da atual equipe econômica, caso eles queiram permanecer nos cargos.
O economista participou de algumas reuniões em Brasília nos últimos meses para tomar pé da situação econômica e se preparar para uma eventual transição.
Nesses encontros, ele ficou próximo de Marcos Mendes e de Mansueto Almeida, do Ministério da Fazenda. Mendes é o chefe da assessoria especial da pasta. Almeida é o atual secretário do Tesouro.
No primeiro turno, Bolsonaro obteve 46,03% dos votos válidos, e Fernando Haddad (PT), 29,28%.
Bruno Boghossian: Maré final amplia máquina política de Bolsonaro e reduz apelo ao centro
A maré final que impulsionou Jair Bolsonaro sugere que ele precisará fazer concessões modestas em sua plataforma para o embate direto com Fernando Haddad (PT). O forte desempenho do candidato do PSL e de políticos que pegaram carona em seu nome deve facilitar a formação de uma aliança para ampliar seu eleitorado no segundo turno.
O resultado deste domingo (7) foi uma boa notícia para Bolsonaro em três dimensões: ele partirá de um patamar de votos próximo dos 50% para o confronto final; terá palanques sólidos em disputas de segundo turno nos principais estados do país; e contará com a adesão de candidatos de diversos partidos, que se elegeram em sua esteira no primeiro turno.
Em posição mais confortável que seu rival, o presidenciável do PSL terá a opção de reforçar suas trincheiras em vez de amenizar o tom seu discurso para conquistar novos votos. Os acenos ao eleitorado de centro podem se resumir a gestos limitados, suficientes para atrair o apoio que falta para empurrá-lo à vitória.
Ao longo do primeiro turno, Bolsonaro preferiu fortalecer um viés conservador, antipolítico e de linha dura na segurança para cristalizar e expandir seu eleitorado.
A estratégia deu certo, e a carta da moderação ficou guardada para um eventual segundo turno. O cenário oferece a ele o privilégio de decidir com que intensidade vai aplicá-la. Essa escolha dependerá mais de uma grandeza política (que ele ainda não demonstrou) do que de uma necessidade eleitoral.
O quadro é bem menos cômodo para Fernando Haddad. Ele deverá atrair com facilidade boa parte dos eleitores de Ciro Gomes (PDT), mas precisará dar um passo largo para fazer frente ao campo de Bolsonaro.
O petista já planejava um movimento significativo em direção ao centro para expandir seu alcance. Pretendia fazer esse gesto já no primeiro turno, mas a dificuldade de crescimento na reta final da campanha obrigou o candidato a reforçar seus tons de vermelho.
No segundo turno, Haddad deve se reapresentar como um candidato moderado, com acenos de reaproximação com o mercado financeiro e ajustes na plataforma econômica elaborada pelo PT.
Para ampliar seu eleitorado, o petista enfrentará principalmente uma dificuldade de articulação política em alguns dos principais estados do país –principalmente São Paulo, Minas Gerais e Rio.
Com poucos candidatos competitivos no Sudeste, o PT ficou fora do segundo turno nesses três estados. Em Minas e no Rio, deve ficar absolutamente isolado, já que os candidatos que continuam na disputa são adversários dos petistas.
No Rio, o candidato de Bolsonaro, Wilson Witzel (PSC), disparou na reta final e terminou com mais de 40% dos votos. Seu adversário no segundo turno será Eduardo Paes, que já foi aliado do PT, mas se transferiu para o DEM.
O revés do governador petista Fernando Pimentel em Minas também prejudica a vida de Haddad para o segundo turno. O presidenciável do PT ficará sem palanque no estado nas próximas três semanas, enquanto Bolsonaro poderá contar com o apoio de Romeu Zema (Novo) –que enfrentará o tucano Antonio Anastasia (PSDB).
Em São Paulo, o presidenciável do PSL terá o já anunciado palanque de João Doria (PSDB), enquanto Haddad precisaria buscar Márcio França (PSB), que chegou ao segundo turno na disputa pelo governo estadual.
Os petistas poderão contar com os governadores reeleitos em primeiro turno no Nordeste, como Rui Costa (PT) na Bahia, Camilo Santana (PT) no Ceará e Renan Filho (MDB) em Alagoas. Esses governadores não terão um palanque eleitoral próprio para emprestar a Haddad, mas poderão usar as máquinas de seus governos.
Em 2014, petistas consideraram a vitória de Pimentel no primeiro turno em Minas um passo crucial para fortalecer a candidatura de Dilma no estado para o embate final com Aécio Neves (PSDB). O governador eleito passou a mobilizar prefeitos, oferecendo o apoio do governo estadual em troca de engajamento na campanha à reeleição da então presidente. Dilma venceu Aécio no segundo turno entre os mineiros.
O candidato do PSL, por outro lado, ainda terá o Sul do país a seu favor. O governador eleito do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), se alinhou a seu campo durante o primeiro turno. A força de Bolsonaro ainda impulsionou o candidato do PSL em Santa Catarina, Comandante Moisés. Ele chegou ao segundo turno e dará palanque a Bolsonaro para o embate com Haddad.
O presidenciável também pode se beneficiar de candidatos de seu grupo que foram eleitos para o Congresso. O desempenho de políticos do PSL e de nomes que se aproximaram do presidenciável para se eleger forma uma tropa de cabos eleitorais gratuitos para sua campanha no segundo turno.
O bom desempenho de Bolsonaro nas urnas deve facilitar ainda a adesão de caciques de partidos tradicionais a sua candidatura. A perspectiva de poder costuma falar alto nesses momentos. Políticos de siglas como MDB, DEM, PSDB e do chamado “centrão” chegaram a indicar apoio ao candidato do PSL ainda no primeiro turno. Os números deste domingo devem estimular novas alianças.
Folha de S Paulo: Aécio, Renan, Jader e mais 33 alvos da Lava Jato se elegem
Outros 46 investigados na operação acabaram derrotados no pleito
O desgaste com delações e menções na Lava Jato não impediu que aos menos seis réus, 24 investigados e seis denunciados fossem eleitos nas eleições deste domingo (7) pelo país.
Outros cinco alvos da operação vão ainda disputar o segundo turno.
Na lista de eleitos, estão políticos que foram intensamente alvejados na Lava Jato, como os senadores reeleitos Renan Calheiros (MDB), em Alagoas, e Ciro Nogueira (PI), no Piauí, que chegou a ser alvo de buscas já na reta final da campanha, em desdobramento da delação da Odebrecht.
O veterano Jader Barbalho (MDB) foi o mais votado para o Senado no Pará.
Houve ainda três investigados que conseguiram se eleger, mas foram "rebaixados": os hoje senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR), Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN), que, desgastados pelas investigações, decidiram concorrer a deputado federal. Gleisi, presidente nacional do PT, foi a terceira mais votada em seu estado.
A reportagem levantou entre os candidatos ao menos 18 réus (em ações penais, cíveis ou eleitorais), 12 alvos de acusações já concluídas no Ministério Público (denúncias apresentadas ou ações de improbidade) e outros 57 com investigações em andamento com relação à operação iniciada no Paraná.
A maior parte envolve desdobramentos das "listas de Janot", como ficaram conhecidos os inquéritos pedidos pelo então procurador-geral da República em decorrência das delações da Lava Jato.
Essas candidaturas foram mais favorecidas com recursos do fundo eleitoral, já que os partidos direcionaram mais dinheiro a políticos com mandato ou mais conhecidos.
Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o foro especial, parte das investigações e procedimentos sobre esses políticos vem sendo enviada a instâncias inferiores nos estados.
Entre os 46 alvos da operação que concorreram e foram derrotados, há nomes de primeira grandeza da política nacional, como a ex-presidente Dilma Rousseff (duas vezes denunciada pela Procuradoria-Geral da República), o ex-governador paranaense Beto Richa, que chegou a ser preso durante a campanha, e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).
A lista inclui ainda o senador Romero Jucá (MDB-RR), líderes tucanos, como Cássio Cunha Lima (PB) e Marconi Perillo, e petistas conhecidos do Congresso, como Marco Maia (RS) e Lindbergh Farias (RJ).
Réu em ação penal aberta pelo juiz Sergio Moro, o ex-deputado Cândido Vaccarezza, que era do PT e agora está no Avante, tentou voltar a Câmara dos Deputados e fez apenas 5.200 votos em São Paulo.
Ao longo da campanha, houve críticas a iniciativas de autoridades ligadas à operação que atingiram candidatos em plena campanha. Faltando um mês para o primeiro turno, os presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), por exemplo, foram alvos, respectivamente, de ação de improbidade e de denúncia, derivadas de delações de empreiteiras.
No Rio de Janeiro, além dos investigados que sofreram reveses nas urnas, filhos de dois dos principais presos da Lava Jato também acabaram não eleitos. O deputado federal Marco Antonio Cabral (MDB), filho do ex-governador Sérgio Cabral, não foi reeleito, e Danielle Cunha (MDB), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, foi derrotada. Danielle havia obtido R$ 2 milhões do MDB do Rio, via fundo eleitoral, para financiar sua campanha.
Outros 11 congressistas que são réus no Supremo Tribunal Federal, em casos não ligados à Lava Jato, disputaram a eleição. Desses, oito foram derrotados, como André Moura (PSC), líder do governo Michel Temer no Congresso, que tentou o Senado em Sergipe, Sebastião Bala Rocha (PSDB-AP), que concorreu ao Senado, e Alberto Fraga (DEM), que ficou em sexto lugar na disputa pelo governo do DF.
O deputado federal Silas Câmara (PRB) foi um dos mais votados do Amazonas.
RÉUS DA LAVA JATO ELEITOS
- Aécio Neves (PSDB-MG)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Arthur Lira (PP-AL)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Eduardo da Fonte (PP-PE)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Agripino Maia (DEM-RN)
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
- Mário Negromonte Jr.
eleito deputado federal e réu em ação de improbidade no Paraná
- Vander Loubet
eleito deputado federal e réu em ação penal no STF
DENUNCIADOS PELA PGR ELEITOS
- Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - Câmara
- Ciro Nogueira (PP-PI) - Senado
- Gleisi Hoffmann (PT-PR) - Câmara
- Jader Barbalho (MDB-PA) - Senado
- Odair Cunha (PT-MG) - Câmara
- Renan Calheiros (MDBL-AL) - Senado
Folha de S. Paulo: São Paulo elege palhaço, general, príncipe e ator pornô
Filho de Bolsonaro é o campeão de votos
Por Fábio Fabrini, Camila Mattoso e Ranier Bragon
A galeria de eleitos para integrar a bancada paulista na Câmara dos Deputados tem general, palhaço, príncipe e astro de filme pornô. Os novos deputados assumem em fevereiro para mandatos de quatro anos.
Num discurso em dezembro de 2017, o comediante Tiririca (PR) avisou que não tentaria a reeleição, se dizendo “decepcionado com a política”, mas recuou da decisão e conseguiu se manter no Legislativo.
Teve votos de sobra para se reeleger (445 mil), o quinto mais votado, mas bem menos do que obteve em 2014 (1 milhão). Nas últimas eleições, a votação foi suficiente para carregar para a Câmara outros candidatos, de desempenho pior, o que inspirou o que se chama hoje de “efeito Tiririca”.
Ele é conhecido por se envolver em polêmicas. Em 2015, foi acusado de fazer apologia ao estupro. Num programa de TV, o “Agora é Tarde”, relatou ter feito sexo com uma mulher desacordada.
Depois que fez cenas com a ex-chacrete Rita Cadilac, afirmou ter sido como “transar com a avó”.
Num vídeo, em tom descontraído, Bolsonaro chegou a sugerir Frota para ministro da Cultura em seu eventual governo. Com a repercussão da declaração, ele explicou que isso não acontecerá até porque pretende extinguir a pasta.
Cogitado para vice na chapa do presidenciável do PSL, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), descendente da família real brasileira, acabou não emplacando na vaga, mas concorreu a uma cadeira na Câmara e teve sucesso, com 116 mil votos.
Conhecido como “príncipe”, ele é trineto da Princesa Isabel, tetraneto de dom Pedro 2º e hexaneto de dom João 6º.
Outro eleito, também do partido de Bolsonaro, o general Sebastião Peternelli também vai integrar a bancada paulista. Teve 73 mil votos.
Indicado para presidir a Funai (Fundação Nacional do Índio), ele acabou sendo desconvidado após protestos de movimentos indígenas.
Em uma página na internet, em março de 2016, homenageou o golpe militar de 1964: "52 anos em que o Brasil foi livre do maldito comunismo. Viva nossos bravos militares! O Brasil nunca vai ser comunista", diz a postagem, compartilhada por 750 internautas.
O campeão de votos em São Paulo foi Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do candidato à Presidência. Ele teve 1,8 milhão de votos.
Em segundo lugar, também do mesmo partido, aparece Joice Hasselmann, com 1 milhão de votos.
Líder do MBL (Movimento Brasil Livre), Kim Kataguiri foi o quarto mais votado, com 465 mil votos, atrás de Celso Russomano, o terceiro do ranking, com 521 mil.
CELEBRIDADES ELEITAS NO PAÍS
Candidatos que já eram conhecidos antes de entrar na política e conseguiram votações expressivas nestas eleições
Leila do Vôlei (PSB-DF)
Bronze em Atlanta-1996 e Sydney-2000, foi a senadora mais votada do Distrito Federal, com 18% dos votos
Tiririca (PR-SP)
O palhaço voltou a ter boa votação para deputado federal e conseguiu sua reeleição com cerca de 445 mil voto
Joice Hasselmann (PSL-SP)
A jornalista se candidatou pelo partido de Bolsonaro, conseguiu mais de 1 milhão de votos chegou à Câmara
Alexandre Frota (PSL-SP)
O ator superou a marca 152 mil votos e se elegeu deputado federal pelo partido de Jair Bolsonaro
Celso Russomanno (PRB-SP)
Mais votado em 2014, não teve o mesmo sucesso. Mesmo assim, com cerca de 513 mil votos, se reelegeu
OUTROS DESTAQUES
Nomes conhecidos da política nacional e candidatos que surpreenderam no pleito de domingo
Policial Katia Sastre (PR-SP)
PM conhecida por matar assaltante na porta de escola se elegeu para a Câmara com mais de 260 mil votos
Kim Kataguiri (DEM-SP)
Candidato a deputado federal, o líder do MBL conseguiu se eleger com mais de 450 mil votos
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Senadora e presidente do PT, ela foi a terceira candidata mais votada para a Câmara no Paraná, com 212 mil votos
Magno Malta (PR-ES)
Um dos principais apoiadores de Bolsonaro, não conseguiu se reeleger no Senado. Ficou em 3º, com 17% dos votos
Levy Fidelix (PRTB-SP)
Outro grande apoiador de Bolsonaro, teve 31 mil votos ficou longe da vaga na Câmara dos Deputados
Samuel Pessôa: Difícil debate
É ou não possível acabar com o déficit fiscal com imposto de 1% sobre fortunas?
Em um tuíte de 8 de setembro, um dos responsáveis pelo programa econômico do PT, Marcio Pochmann, escreveu: "Déficit primário nas contas públicas, estimado para 2019 pelo neoliberalismo de Temer, poderia ser superado pela cobrança de 1% sobre grandes fortunas. Solução para o Brasil tem, mas precisa do voto popular para garantir a renovação na política. O voto vale".
A afirmação tem duas características muito importantes. Primeira, é precisa e, portanto, facilmente verificável. Segunda, tem importantes implicações para a economia. Assevera que há uma maneira relativamente simples e indolor de resolver boa parte de nosso problema fiscal.
Vindo de um dos principais economistas do grupo político associado a um candidato bem colocado nas pesquisas eleitorais para a Presidência da República, a afirmação adquire enorme relevância.
Meu colega Alexandre Schwartsman, que ocupa este espaço às quartas-feiras, aceitando de forma iluminista os termos em que Pochmann estabeleceu o tema, resolveu verificar a veracidade da afirmação.
Baixou os dados da Receita Federal e documentou, em sua coluna de 12 de setembro, que essa base tributária não arrecadaria nem 10% do déficit fiscal.
Li com interesse a réplica de Pochmann a Alex nesta Folha na edição de 14 de setembro, procurando qual teria sido o erro cometido por Alex.
Pochmann discorreu sobre vários temas. Não houve menção aos números. Pochmann reagiu de forma idêntica à do batedor de carteira que, após o ato, vira de lado, levanta o braço e grita "pega ladrão!".
Penso, aliás, que, em debates dessa natureza --em que a questão debatida é muito clara e circunscrita--, a réplica não deveria ser publicada se não tratar diretamente do tema.
Na coluna de 26 de setembro, Alex escreve que Pochmann irá ganhar o merecido título de economista mais desonesto do Brasil.
Na edição de 28 de setembro, o professor de economia brasileira do departamento de administração da FEA-USP Paulo Feldmann reclama da falta de "decoro" de Alex com Pochmann. Afirma que em "economia não há uma única forma de enxergar ou interpretar fatos".
Ora, o debate não é de interpretação. Há um fato. É ou não possível acabar com o déficit fiscal com um imposto de 1% sobre grandes fortunas? Não há interpretação aqui. Trata-se de aplicar a alíquota de 1% sobre a base e saber se chega ou não perto de R$ 150 bilhões.
Não satisfeito, afirma Feldmann: "Segundo dados da Receita Federal, as 70 mil famílias (0,14% do total) mais ricas do país pagam um imposto efetivo de apenas 6% da renda, enquanto a classe média paga 12%. Se os muito ricos passassem a pagar um imposto efetivo igual ao pago pela classe média, acabaríamos com o déficit primário. Simples assim".
Recoloca o debate em termos simples, claros e falseáveis.
Na sua resposta em 4 de outubro, novamente Alex mostra que os números de Feldmann não sobrevivem às quatro operações. A resposta dos dois ilusionistas na mesma edição do dia 4 é alegar o relativismo do conhecimento econômico --meus Deus, o debate é contábil!-- e afirmar que Alex trabalhou no mercado financeiro.
Os dois precisam mostrar aos leitores qual foi o erro de conta que Alex cometeu.
Jânio de Freitas, em coluna de 23 de setembro, observou ser insultante o procurador do Ministério Público Carlos Fernando do Santos Lima se aposentar com 54 anos e remuneração mensal de R$ 30 mil aproximadamente.
Faltou lembrar que, se a reforma da Previdência de Temer tivesse sido aprovada, ele teria de trabalhar até os 65 anos.
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
Bruno Boghossian: Campanha barulhenta só alimentou incertezas sobre futuro do país
Primeiro turno chega sem respostas para problemas e com dúvidas sobre democracia
Ficou no passado a esperança de que a eleição seria uma oportunidade de reencontro com a normalidade após o impeachment e a crise econômica. O domingo (7) pode terminar com a escolha de um presidente que representa mais riscos do que certezas ou com uma polarização que parece fora de controle.
O peso inédito das redes sociais inaugurou um novo modelo de disputa eleitoral. A influência modesta da TV reduziu o poder dos grandes partidos e multiplicou o número de vozes na arena política. Mas esse quadro produziu também um debate fechado em bolhas e um terreno fértil para discursos de ódio e para a propagação de mentiras.
Uma campanha atípica desaguou num cenário fora dos padrões. Os dois líderes das pesquisas chegaram a índices recordes de rejeição. Historicamente, analistas consideravam impossível eleger um candidato com taxa negativa acima de 30%. Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) estão para lá de 40%.
Um candidato precisou fazer campanha do hospital depois de sofrer um grave atentado durante um ato público. Outro substituiu seu padrinho político, que chegou a ter o apoio de quatro em cada dez eleitores depois que foi preso por corrupção.
Tantas circunstâncias excepcionais e momentos traumáticos transformaram a disputa mais importante em décadas numa barulheira. O fato de restarem tantas incertezas sobre o destino do país em 2019 indica que faltaram mensagens essenciais no meio de toda a confusão.
É grave que tenhamos chegado ao primeiro turno sob dúvidas em relação à democracia. Se a sociedade corre o risco de sair rachada das urnas, a primeira garantia que deveria ser dada por aqueles que pretendem chegar ao poder é de respeito ao outro lado. O líder nas pesquisas alimentou exatamente o contrário.
As dificuldades econômicas, a desigualdade e o esfarelamento da política demandam grandeza extraordinária do próximo governo. Sem um plano objetivo e sensato, o país continuará brigando à beira do abismo.
Demétrio Magnoli: Fux e as crianças
Imerso em sua arrogância, ministro diz que protegerá os cidadãos
Luiz Fux é um homem de muitos princípios — tantos, que seleciona o mais conveniente para cada circunstância. O juiz chegou ao STF quando sugeriu a José Dirceu que absolveria os réus do mensalão (“eu mato no peito”).
Já ministro, entre a lei e a palavra empenhada, optou pela primeira, condenando-os. Mais tarde, empurrou a lei para um bueiro e escolheu o corporativismo, estendendo o auxílio moradia a toda a magistratura. Agora, tritura a Constituição para reinstalar a censura prévia, proibindo a realização e a publicação de entrevistas com o presidiário Lula.
No seu despacho, o principista invoca os limites legais à propaganda eleitoral para justificar seu veto ao trabalho jornalístico, confundindo deliberadamente assuntos desconexos. Ele sabe que viola a lei. Mas o faz porque quer e pode, operando no terreno da desinstitucionalização do país e da anarquia judiciária.
A confirmação da liminar fuxiana pelo presidente da corte, Dias Toffoli, acelera a “autofagia” do Supremo (apud ministro Marco Aurélio). Mas, sobretudo, sedimenta um precedente: de direito dos cidadãos, a liberdade de imprensa fica rebaixada à concessão de uma reinventada “Divisão de Censura Federal”, que passa a funcionar clandestinamente no gabinete dos ministros do STF.
O episódio guarda um segredo. O pedido de liminar oriundo do Partido Novo — uma igrejinha de auto-intitulados liberais sempre prontos a apelar pelo veto de candidaturas e pela censura à imprensa — foi encaminhado ao presidente do STF, que estava no país, mas desviou-se misteriosamente até o colo de Fux. A decisão do Censor, derrubada por Lewandowski, acabou reimposta por um Toffoli ressurgido da noite escura. A triangulação entre o partido e dois ministros que fazem tabelinha tem os contornos clássicos de uma ação entre amigos. A exposição do segredo é, porém, menos relevante que o exame das bases filosóficas da restaurada censura prévia.
Num artigo recente, publicado pela Revista de Jornalismo ESPM, Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins da Silva identificaram a emergência do “jusbonapartismo” — o poder bonapartista de um Judiciário que se ergue acima da lei. Eis a chave para decifrar o ato de censura prévia. Fux argumenta que a “relativização excepcional da liberdade de imprensa” (isto é, a censura prévia) destina-se a evitar a “desinformação do eleitor”, a “confusão do eleitorado”.
É direito criativo em estado puro: a fabricação expressa de uma Constituição alternativa. Imerso no lago de sua arrogância, o Censor declara que protegerá os cidadãos de si mesmos. A nação, formada por crianças, será tutelada por um ente de consciência paternal, que é ele mesmo.
Desde o mensalão, o PT clama aos céus pela implantação do “controle social da mídia”. No núcleo do conceito petista, encontra-se a noção de que uma representação da “sociedade” deve exercer a prerrogativa de censura, a fim de presevar os cidadãos indefesos de ideias venenosas propagadas pela “mídia”. Ironicamente, é Fux, esse militante improvável, quem realiza o sonho do partido. Só que no lugar de “conferências” “conselhos” ou “comitês populares” gerados pelo governo (isto é, de fato, pelo Partido), o ministro atribui ao STF o papel de Poder Tutelar.
Num tuíte de agosto, Trump referiu-se do seguinte modo aos jornalistas: “De propósito, eles causam grande divisão e desconfiança. Eles também podem provocar guerra! Eles são muito perigosos e doentes!”. O arco do “controle social da mídia” abrange correntes ultranacionalistas de direita nos EUA e na Europa e regimes autoritários de esquerda, como os de Cuba e da Venezuela. No Brasil, funciona como ponto de encontro do lulismo (“mídia golpista”) com o bolsonarismo (“mídia vermelha”). Fux, o Censor, não proíbe a entrevista de Lula por divergir do lulismo, mas por concordar doutrinariamente com ele.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Steven Levitsky: Por que defender a democracia
Vitória do autoritarismo no Brasil pode influenciar outros países da América Latina
Os brasileiros em breve enfrentarão um segundo turno no qual um dos dois candidatos será autoritário. Se eleito presidente, Jair Bolsonaro (PSL) representaria uma clara ameaça à democracia.
A popularidade de Bolsonaro não deveria nos surpreender. O Brasil sofreu uma tempestade perfeita: recessão profunda combinada ao maior escândalo de corrupção de qualquer democracia na história. Isso gerou profundo descontentamento com o status quo político —e com a elite política.
De acordo com pesquisas recentes, apenas 20% dos brasileiros estão satisfeitos com sua democracia. E muitos brasileiros afirmam, em pesquisas, que em certas circunstâncias apoiariam um golpe de Estado.
Esses são números perturbadores. A democracia do Brasil está vulnerável —vive seu momento mais vulnerável em uma geração. Os brasileiros precisam agir para defendê-la.
Por que os brasileiros deveriam defender a democracia?
Permita-me oferecer algumas razões.
Primeiro, não existem provas de que o autoritarismo ofereceria soluções melhores para os problemas do Brasil. Há muitas pesquisas que buscam determinar se ditaduras funcionam melhor do que democracias, economicamente.
E os resultados são claros: não funcionam. Algumas poucas ditaduras se saíram excepcionalmente bem (Cingapura, Taiwan, China). Mas elas são exceções. Para cada Cingapura ou China, existem dezenas de ditaduras em todo o mundo que fracassaram economicamente.
Em média, as ditaduras não geram crescimento mais alto, inflação mais baixa ou equilíbrio fiscal superior.
Também existem poucas indicações de que uma ditadura resolveria os demais problemas brasileiros.
Ditaduras não necessariamente se saem melhor na redução do crime, e não fazem um trabalho melhor no combate à corrupção. Na verdade, ditaduras são mais propensas à corrupção do que as democracias.
Assim, indicações vindas do mundo inteiro sugerem que haja pouco a ganhar com o autoritarismo.
Mas há muito a perder. É preciso tempo para construir instituições democráticas fortes. Estabelecer controle civil sólido sobre as Forças Armadas requer décadas. Estabelecer um Poder Judiciário independente e direitos civis e humanos básicos requer décadas. Os brasileiros realizaram essas coisas nas últimas três décadas.
Nunca antes na história brasileira o controle civil sobre as Forças Armadas, a independência do Judiciário e os direitos civis e humanos estiveram tão bem estabelecidos quanto no último quarto de século. Essa é uma grande realização.
Uma queda ao autoritarismo —mesmo que breve— eliminaria décadas de esforços de construção de instituições. Esse foi um problema que prejudicou por muito tempo países como Argentina, Bolívia, Equador e Peru. Historicamente, nesses países, a democracia entra em colapso a cada vez que acontece uma crise. Como resultado, as instituições jamais têm tempo para fincar raízes. É um círculo vicioso do qual os argentinos e peruanos continuam tentando escapar até hoje.
Para se consolidarem, as democracias precisam sobreviver a algumas tempestades muito fortes. Nos Estados Unidos, a democracia passou pela guerra civil, pela Grande Depressão da década de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial. Se você abandona a democracia sempre que surge uma crise, a democracia jamais se consolida. Esse é o caminho da Argentina.
Por fim, o destino da democracia brasileira tem consequências que vão além do Brasil. Os últimos 30 anos foram o período mais pacífico e democrático da história da América Latina. As Forças Armadas deixaram o palco; guerras civis e insurgências se encerraram.
Mas há nuvens de tempestade no horizonte. China e Rússia estão se tornando mais fortes. A Europa está em crise. E o atual governo dos Estados Unidos não tem interesse na democracia. Ao mesmo tempo, a confiança pública na democracia está em queda na América Latina. Não é só no Brasil: o descontentamento cresceu no México, Argentina, Peru, Colômbia —mesmo no Chile e na Costa Rica.
O Brasil é um país influente. Se a democracia brasileira falhar, isso poderia resultar em uma onda de rupturas democráticas na América Latina.
Não seria a primeira vez. O Golpe de 1964 teve enorme impacto na América Latina, encorajando os militares a tomar o poder na Argentina, Bolívia, no Chile, Equador, Panamá, Peru e Uruguai. Seria trágico se a história se repetisse.
Tradução de Paulo Migliacci
*Steven Levitsky é cientista político, autor do livro "Como as Democracias Morrem"
Luís Roberto Barroso: A República que ainda não foi
Nos 30 anos da Constituição, há muito que avançar
Ao celebrar o trigésimo aniversário da Constituição brasileira, é possível olhar para trás e fazer um balanço de conquistas e frustrações do período. Na contabilidade positiva, devem-se lançar: 30 anos de estabilidade institucional, a conquista de estabilidade monetária e uma expressiva inclusão social. Em uma geração, derrotamos a ditadura, a inflação descontrolada e obtivemos vitórias marcantes sobre a pobreza extrema. Nenhuma batalha é invencível.
A essas realizações se somam avanços importantes nos direitos humanos, com destaque para os direitos de mulheres, negros, gays e populações indígenas.
Além disso, consolidamos a liberdade de expressão em um país de tradição autoritária e cultura censória. E o SUS, com todas as dificuldades de subfinanciamento e gestão, é hoje o maior sistema público de saúde do mundo, do qual dependem 160 milhões de pessoas.
Na contabilidade negativa, não podem estar de fora: um sistema político que reprime o bem e potencializa o mal, e que precisa ser reformado para se tornar mais barato, mais representativo e facilitar a governabilidade; a revelação de um quadro de corrupção estrutural e sistêmica, que nos coloca no 96º lugar no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, e só agora passou a ser enfrentado pela sociedade e pelas instituições; e o fato de sermos o país mais violento do mundo, com 63 mil homicídios por ano.
As aflições do momento se devem aos embates para a superação da velha ordem. Olhando para o futuro, três itens devem estar na agenda brasileira: um pacto de integridade e republicanismo para substituir o modelo oligárquico de apropriação privada do Estado; um choque de livre iniciativa, com mais sociedade civil e menos oficialismo, sem desmonte dos programas sociais de proteção destinados a garantir dignidade e oportunidades para os menos favorecidos; e uma opção verdadeira e engajada em favor da educação. Elaboro esse último ponto.
Precisamos transformar a educação básica em um projeto nacional, suprapartidário e patriótico. Não um slogan, mas uma obsessão construtiva. Quando da transição do governo Dilma Rousseff para o governo Michel Temer, o grande debate no país foi acerca de quem seria o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e o presidente do BNDES. Todos compreensivelmente preocupados em escolher os melhores nomes e os melhores rumos.
A educação, no entanto, entrou no racha geral da política. Aliás, tivemos cinco ministros da Educação nos últimos quatro anos e meio. Não há política pública que possa resistir a tal fragmentação e descontinuidade.
Já temos diagnósticos de alguns dos principais problemas. Três deles são: não alfabetização da criança na idade própria; evasão escolar no ensino médio; déficit de aprendizado revelado nos exames de avaliação domésticos e internacionais.
Por outro lado, pesquisas mundiais documentam que um dos melhores investimentos que um país pode fazer é no ensino infantil de zero a três anos, fase da vida em que o cérebro absorve como uma esponja tudo o que seja a ele transmitido.
Essa é a hora de dar à criança nutrição, afeto, respeito, valores e capacidades cognitivas. Num país com muita pobreza e tantos lares desfeitos, a ampliação máxima do ensino nessa fase é um caminho para a superação dos três problemas referidos acima.
Em meio à polarização política, o país poderia celebrar dois pactos, que funcionariam como um denominador comum que uniria os extremos. O primeiro seria o compromisso de integridade, materializado em duas regras: na ética pública, não desviar dinheiro; e, na ética privada, não passar os outros para trás.
O segundo seria um plano estratégico, de curto, médio e longo prazos para a educação básica. A ser conduzido pelos melhores quadros possíveis, que não estejam à mercê dos prazos e circunstâncias do varejo político. Com atraso, mas não tarde demais, essa será a grande revolução brasileira, pacífica e construtiva.
*Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal; professor da Uerj e do UniCeub e colaborador acadêmico da Harvard Kennedy School (EUA)
Bruno Boghossian: Em apelo a eleitor lulista, PT corre risco de frustrar expectativas
O PT tentará travar nos próximos quatro dias uma batalha de reconquista. O crescimento de Jair Bolsonaro e a resistência a Fernando Haddad devem obrigar o partido a reforçar apelos ao eleitorado mais pobre no momento em que planejava emitir sinais para ampliar o alcance de seus domínios.
Os petistas já esboçavam um novo contorno em tons pastéis para sua imagem no segundo turno. A migração dos apoiadores de Lula era dada como certa e a campanha estudava a melhor maneira de acenar a investidores e a eleitores de centro-direita para superar Bolsonaro.
Os últimos dias demonstraram uma alteração desse curso. No debate da Record, Haddad comparou o rival a Michel Temer ao dizer que o programa de Bolsonaro seria uma continuação do pacote de austeridade do governo atual. Depois, levou à TV uma propaganda que acusava o adversário de ter votado contra a valorização do salário mínimo.
O discurso busca reproduzir a velha identificação dos oponentes petistas com o eleitorado mais rico, em uma tentativa de estabelecer uma espécie de monopólio do partido na defesa dos mais pobres.
Haddad era visto como um candidato que poderia se beneficiar dos votos de Lula nos segmentos de baixa renda e ainda expandir o eleitorado petista sob uma plataforma econômica moderada. O escorregão registrado nas últimas pesquisas e o leve avanço do candidato do PSL em redutos lulistas levou a campanha do PT de volta ao planeta vermelho.
O partido precisará conter o ímpeto de avançar o sinal nas promessas de prosperidade feitas à população mais pobre. A situação das contas públicas é dramática, exigirá medidas de aperto e deixará menos espaço para políticas sociais robustas.
Haddad conhece essas dificuldades. A retomada do eleitorado cativo pode até dar certo, mas pode frustrar expectativas caso o PT vença a disputa. Na campanha de 2014, Dilma Rousseff menosprezou dificuldades da economia. O estelionato eleitoral daquela disputa virou uma marca.