Folha de S. Paulo
Fábio Alves: O 1º grande teste de Bolsonaro
O maior risco é Bolsonaro jogar o MDB e Centrão nos braços da oposição
Para o mercado financeiro, com impacto nos preços da Bolsa e do dólar, o primeiro grande teste de um eventual governo Jair Bolsonaro, caso as pesquisas de intenção de voto confirmem a vitória do candidato do PSL no segundo turno da eleição presidencial, será a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A eleição para a presidência das duas Casas ocorre em 1.º de fevereiro de 2019 e os investidores estão monitorando atentamente as movimentações e negociações em torno da escolha dos candidatos para as posições mais cobiçadas no Congresso.
Há muito tempo que a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não assumia uma importância tão grande como a do ano que vem, pois, ao longo do processo até o pleito, o otimismo do mercado sobre o sucesso em relação ao eventual governo Bolsonaro poderá se consolidar ou se erodir.
Na visão dos investidores, quem Bolsonaro escolher apoiar para presidentes da Câmara e do Senado será um termômetro importante para medir se a sua eventual gestão será pautada por uma habilidade política que ainda o mercado não lhe confere.
Mais ainda: se ele poderá repetir um padrão da ex-presidente Dilma Rousseff, cuja falta de flexibilidade e habilidade política não permitiu tornar fiel uma ampla base de apoio e transformar essa coalizão em votos necessários para aprovação de reformas ou de medidas econômicas urgentes.
Nesse sentido, os investidores vão encarar o desempenho de Bolsonaro ao longo do processo para a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado também como um termômetro para avaliar as chances de seu eventual governo de conquistar os 308 votos necessários para aprovar uma reforma da Previdência. “Esses eventos [eleição dos presidentes da Câmara e do Senado] servirão como sinais claros quanto à disposição do Bolsonaro de construir sua base no Congresso e aprovar reformas”, diz o economista-chefe de uma grande instituição financeira. “Basicamente, estamos monitorando a disposição do Bolsonaro em trazer o Centrão para dentro de sua base de apoio.”
Já um experiente gestor de uma administradora de recursos se diz preocupado com a movimentação de vários parlamentares do PSL, que saiu da eleição com a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, mirando concorrer à presidência das duas Casas. “Se o PSL tentar disputar a presidência [da Câmara e do Senado], Bolsonaro corre o risco de refazer os erros de Dilma”, alerta o gestor. “Essa eleição para o comando no Congresso será uma amostra de como um governo Bolsonaro se comportaria em negociações políticas.”
E essa habilidade de negociação será testada já na decisão de Bolsonaro em escolher os candidatos certos para a eleição da presidência das duas Casas, os quais talvez tenham que surgir de um consenso com o Centrão. “Se essa eleição no Congresso em si não garantirá que reformas passarão, uma derrota pode acarretar consequências de longo prazo para passar qualquer coisa depois”, explica renomado economista de uma grande instituição estrangeira.
E quais os nomes para o comando das duas Casas que mais agradariam aos investidores, com impacto positivo nos preços dos ativos?
Por enquanto, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o favorito do mercado financeiro, que o vê como um parlamentar comprometido com a aprovação das reformas e com melhor trânsito do que outros nomes cotados para o cargo tanto com partidos de centro-direita, quanto os de esquerda.
Para o comando do Senado, o mercado ainda não escolheu um nome que lhe traria maior tranquilidade.
“Não está claro [quem seria melhor para o Senado]”, diz um experiente economista. “Eu diria um nome do MDB.” Já outro economista de uma instituição estrangeira acrescenta: “Mas Renan Calheiros (MDB-AL) na presidência do Senado não seria bom para Bolsonaro.”
Se no Senado, Bolsonaro não terá como ignorar o MDB, ainda a maior bancada, com 12 senadores, na Câmara o eventual presidente não pode deixar de lado o Centrão, que, embora com número menor de deputados eleitos, segue sendo uma força importante. O maior risco é, durante o processo de eleição para o comando das duas Casas, Bolsonaro alienar essas duas forças - MDB e Centrão - e jogá-las nos braços da oposição.
Bruno Boghossian: 'Faxina' de Bolsonaro é mais uma página de cartilha autoritária
Ataque direcionado indica interesse em usar o poder para punir opositores
Perto do poder, Jair Bolsonaro recita com desenvoltura a cartilha de líderes autoritários. Além dos frequentes sinais de desapreço pelas instituições do país, o candidato agora indica que pretende perseguir opositores e penalizar quem contraria seus interesses políticos.
No domingo (21), em discurso exibido nas manifestações a seu favor, o candidato fez um novo ataque ao PT e prometeu uma “faxina”, “uma limpeza nunca vista na história”.
“Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora, ou para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse.
A aplicação firme das leis está na ordem do dia, mas não se ouviu o mesmo sobre marginais azuis, laranjas, brancos ou verdes. Para Bolsonaro, a autoridade pode ser usada para expulsar ou prender opositores.
Na mesma fala, o presidenciável disse que Fernando Haddad e outros petistas “vão apodrecer na cadeia”. E ameaçou: “Vocês, petralhada, verão uma Polícia Civil e Militar com retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês”.
Bolsonaro tem uma plataforma de combate à corrupção, linha dura na segurança e defesa de valores morais. Eleito, terá legitimidade para fortalecer as instituições em busca desses objetivos, mas parece mais interessado em reprimir alvos políticos.
Quando artistas se manifestaram contra sua candidatura, ele disse que cortaria o financiamento cultural. Afirmou também que governadores que fizerem “oposição radical” terão “tratamento secundário”.
Em recado a grupos críticos, também declarou que vai “botar um ponto final em todos os ativismos”. Deve ter esquecido que era um ativista quando saía em protesto contra os baixos salários dos militares.
Já que aceitaram entrar no jogo da democracia, Bolsonaro e seu time precisam se habituar ao contraditório. Nessa arena, não entram presidentes dispostos a eliminar seus opositores, nem cabos e soldados despachados para fechar tribunais que tomam decisões contestáveis.
Leandro Colon: Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje e sobram dúvidas sobre governo
Nada indica, por ora, uma reação de Fernando Haddad (PT) capaz de impedir a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), hoje líder folgado nas pesquisas, no domingo (28).
Confirmada a previsão, Bolsonaro pode chegar ao Planalto em 1º de janeiro de 2019 apoiado por uma significativa maioria do eleitorado. Um respaldo que qualquer líder político gostaria de ter para assumir o poder.
Daqui a uns anos, provavelmente passado o calor de uma eleição peculiar e estranha, o fenômeno “bolsonarista” de 2018 será melhor depurado. Fato é que algumas razões que devem levar o capitão reformado à chefia da República já são nítidas.
O antipetismo (ou antilulismo) tem sido essencial para esse massacre anunciado nas urnas. Sob a batuta de Lula, o PT fortaleceu o ambiente de confronto político e de busca pelo descrédito da imprensa e do processo eleitoral (sob o lema “eleição sem Lula é fraude”). Atropelou possibilidades de movimentos que poderiam levar a esquerda, não necessariamente o PT, ao poder.
As descobertas da Lava Jato nos últimos quatro anos, mesmo com seus abusos investigativos e delações irresponsáveis (muitas delas infladas por nós, jornalistas), desnortearam a centro-direita. O recado mais visível desse efeito é a humilhação imposta a Geraldo Alckmin nas urnas.
Uma esquerda rachada e sem rumo e uma centro-direita desprezada pelo eleitorado contribuíram para que um deputado com carreira política pífia e irrelevante na Câmara surgisse como alternativa de poder.
O que Bolsonaro disse até aqui não o ameaçou nas pesquisas (ao que parece, só o ajudou). Defesa do método da tortura, elogios ao regime militar, compromisso frágil com a democracia, e declarações que simpatizam com homofobia, racismo e perseguição ao ativismo social. São certezas que não atrapalharam o candidato do PSL, o maior beneficiado pela nefasta onda de fake news.
Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje —um parlamentar limitado e inexpressivo. Sobram dúvidas sobre seu (cada vez mais provável) governo.
*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso
Celso Rocha de Barros: Bolsonaro representa facção das Forças Armadas que ganhou poder com a tortura
Jair Bolsonaro não representa o regime de 64. Representa sua dissidência extremista, que revoltou-se contra a abertura de Geisel. O ídolo de Bolsonaro não é o moderado Castelo Branco, que provavelmente gostaria mesmo de ter restaurado a democracia. Não é o Geisel, que matou gente, mas deu início à restauração. Não é nem, vejam só, o Médici.
O ídolo de Bolsonaro, o autor de seu livro de cabeceira (segundo ele mesmo disse no Roda Viva), a entidade a quem Bolsonaro consagrou o impeachment, é o torturador Brilhante Ustra. Com um santo protetor desses, não impressiona que Temer tenha dado o azar de receber o Joesley.
O culto a Ustra é lepra moral, mas não é só isso: é uma reivindicação de linhagem. Na convenção do PSL, Eduardo Bolsonaro comparou Ustra a Janaina Paschoal, possível candidata a vice na chapa de seu pai.
Janaina se disse chocada com a comparação, e ultra-bolsonaristas como Olavo de Carvalho pediram sua cabeça. O vice foi Mourão, que tem Ustra entre seus heróis. O discurso de Eduardo Bolsonaro foi um teste de lealdade.
Bolsonaro representa, enfim, a facção das Forças Armadas que ganhou poder quando a tortura se tornou parte importante do regime. Bolsonaro é o porão.
Leiam o Gaspari: os militares e policiais que controlavam do porão logo se tornaram bandidos comuns, que os generais temiam que instaurassem a baderna na hierarquia.
Aproveitaram-se do direito de atuar à margem da lei para ganhar dinheiro. Um célebre torturador se tornou um dos chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Outros se envolveram com esquadrões da morte, aquela turma que cobra dez para matar bandido e vinte para matar seu cunhado e mentir que ele era bandido.
Essa turma não queria voltar a ser guarda da esquina, não queria voltar a ser só capitão de Exército. Compraram briga contra a abertura de Geisel. Perderam.
Ainda houve, entretanto, tempo de Geisel reconhecer o velho inimigo de cara nova: em entrevista
ao CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da FGV], disse que Bolsonaro era um “mau militar”.
Bolsonaro não é o anti-Lula. Bolsonaro é o anti-Geisel.
Como combater o porão? Aprendendo com quem de fato já o venceu.
No segundo turno de 1989, Ulysses Guimarães deixou claro que apoiaria Lula se recebesse um telefonema dos petistas. O telefonema não veio. Lula até hoje se arrepende disso, e afirma que foi um dos maiores erros de sua vida. Foi mesmo. Só por essa, Lula já mereceu perder.
Lembrem-se: Ulysses era muito mais conservador do que a turma que hoje posa de “centro” no Brasil. Lula em 1989 era muito, mas muito mais radical do que Haddad jamais será. Collor era uma ameaça incomparavelmente menor do que Bolsonaro à democracia.
Mas Ulysses tinha os instintos morais certos, e sabia do que devia sentir ódio e nojo.
Ulysses não era um idealista ingênuo. Se Lula vencesse, Ulysses jogaria para moderá-lo, e jogaria pesado.
Era uma raposa como poucas, não um desses Cunhazinhos one-hit wonders que só fazem sucesso por um ano.
Jogaria contra o radicalismo petista com Congresso, mídia, Judiciário, o que mais estivesse à mão.
Mas na hora em que foi preciso, Ulysses apoiou Lula. Não fugia de guerra. Desse, o porão tinha medo.
Esse, sim, é mito.
Daqui a uma semana, só haverá duas opções: votar como Ulysses, ou votar contra Ulysses.
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Samuel Pessôa: Debater com a heterodoxia cansa
Eles falam, andam em círculos, mas conta que é bom não fazem; é mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres
Ninguém discorda de que o Brasil é muito desigual e que o peso dos tributos sobre os mais pobres é maior do que deveria ser.
É comum afirmar que tudo se resolveria facilmente com a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
As pessoas que têm se debruçado sobre esse problema espinhoso, a maneira de a política tributária reduzir as desigualdades sociais, têm um pouco mais de dúvidas sobre como fazer isso do que Pochmann e Feldman demonstraram em colunas recentes nesta Folha.
Em um primeiro momento, eles dizem literalmente que o déficit primário previsto para 2019 "poderia ser superado pela cobrança de 1% sobre grandes fortunas".
Quando demonstrado que seus números não se sustentam, escrevem que, com "a reformulação do Imposto sobre Heranças e Doações (ITCMD) e a taxação de dividendos e grandes fortunas, o potencial arrecadatório aproxima-se de 1,5% do PIB".
Passam assim de uma base tributária possível para outra como se elas fossem intercambiáveis e como se, no final, fosse tudo a mesma coisa.
Instados a apresentar os cálculos, eles silenciam. Feldman argumenta que dados da Receita Federal mostram que as 70 mil famílias mais ricas do país pagam um imposto efetivo de apenas 6% da renda, enquanto a classe média paga 12%.
Esses são dados conhecidos sobre as distorções da tributação da renda. Qual é mesmo a arrecadação possível? Nossos economistas heterodoxos escrevem, falam, andam em círculos, mas conta que é bom mesmo não fazem. É mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres.
As distorções do sistema tributário brasileiro são conhecidas. A complexidade da tributação indireta é a principal. Mas também a tributação da renda precisa ser revista. Minha coluna da semana passada apontou haver consenso da necessidade de elevação da carga tributária sobre os mais ricos.
O que se espera daqueles que pretendem efetivamente contribuir para o debate é que enfrentem cuidadosamente o desafio de pensar como isso pode ser feito.
Um primeiro passo pode ser o de apresentar estimativas que tenham algum respaldo na realidade. Também contribuiria para o debate se os conceitos fossem empregados como um mínimo de rigor. Imposto sobre grandes fortunas incide sobre as grandes fortunas. Aumento de alíquota do ITCMD eleva a tributação sobre heranças e doações.
Ainda que o imposto sobre as grandes fortunas tenha sido abolido em quase todos os países da Europa, nada impede, em tese, que esse seja um caminho possível por aqui.
Mas, nesse caso, seria interessante que fossem analisados os problemas envolvidos na sua criação e implantação. Um problema conhecido é o da fuga de capitais.
Não é à toa que propostas recentes de criação de um imposto sobre grandes fortunas na Europa pensam o tributo no contexto da União Europeia como um todo, e não de cada país isoladamente.
Quando se trata da tributação da riqueza, a base "heranças e doações" é preferível em relação à base "grandes fortunas".
Estimativas fantasiosas em nada contribuem para a avaliação das potencialidades e riscos dos diversos caminhos possíveis.
Na coluna passada, mencionei o famoso discurso em que Churchill disse ao povo inglês que somente tinha "sangue, suor e lágrimas" para lhes oferecer. O correto é "sangue, labuta, lágrimas e suor". Escapou-me a labuta. Não deve ter sido simples esquecimento! Agradeço a meu amigo Manuel Thedim pela correção.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai mexer com salários de servidores e militares?
Não deveria ser problema para quem quer caçar marajás, mas é difícil para quem se diz adepto de direito adquirido
Jair Bolsonaro prometeu acabar com a "farra de marajás", funcionários públicos que juntam penduricalhos a seus salários altos. Prometeu também reforma da Previdência aguada: "Não podemos penalizar quem já tem direitos adquiridos. O servidor público já sofreu duas reformas".
O candidato parece perdido entre dois mundos. Ainda vive na Terra do Nunca programático, que fica entre o país liberal de seu economista-chefe, Paulo Guedes, e a ilha das corporações estatais, entre elas a militar, da qual fez parte.
No entanto, a arrumação das contas públicas depende de um plano que tem de bulir com servidores públicos e aposentados em geral.
Gastos previdenciários levam 47,7% da despesa total do governo federal; outros 22% vão para gastos com servidores (salários, aposentadorias e benefícios). Somados, dão quase 70%.
O gasto com militares leva um quarto da despesa federal com o funcionalismo. De cada R$ 3 gastos com a folha de pessoal dos militares, R$ 2 vão para aposentadorias e pensões, que custam cerca de R$ 47,5 bilhões por ano.
Aposentados e pensionistas militares custam o equivalente a um ano e meio de Bolsa Família, por exemplo. Outra comparação: os investimentos federais (em obras, como estradas, ou outros) levam apenas 0,8% da despesa total, uma miséria. O gasto com a folha dos militares leva 5,5%.
Por falar em investimento, o orçamento do Ministério da Defesa nessa área perde apenas para o do Ministério dos Transportes. Nos últimos 12 meses, os investimentos da Defesa chegaram a R$ 10,4 bilhões, um quinto do total de investimentos federais. No Ministério da Saúde, investem-se R$ 5,2 bilhões.
Em si mesma, a lista dos investimentos da Defesa parece razoável. Pela ordem, gasta-se em aviões de combate (a compra e o desenvolvimento do caça sueco da FAB e do cargueiro novo da Embraer), em blindados, construção de submarinos, estaleiro naval, barcos, helicópteros, foguetes de artilharia.
Há também gastos quase "civis", como no sistema de controle do espaço aéreo ou no de vigilância de fronteiras, em um projeto de reator nuclear ou na reconstrução da estação de pesquisa na Antártica, aquela que pegou fogo em 2012.
É muito? No caso dos salários, nem tanto.
O rendimento médio dos servidores civis da ativa é cerca de 70% superior ao dos militares. Mas o salário médio do setor público federal é cerca de 30% superior ao dos empregados do setor privado formal com as mesmas características pessoais (idade, instrução, sexo etc.).
Essa conta está em relatório de pesquisa de Izabela Karpowicz e Mauricio Soto, técnicos do FMI, publicado neste mês: "Rightsizing Brazil's Public-Sector Wage Bill" ("O Ajuste da Folha Salarial do Setor Público do Brasil").
De volta à folha dos servidores federais: seu custo equivale a 4,3% do PIB (dos quais 1,9% do PIB vão para aposentadorias e pensões). O pessoal do FMI acha que, para o ajuste das contas públicas dar certo até 2023, seria preciso reduzir tal despesa para 3,3% do PIB.
Um exemplo aritmético de como atingir esse objetivo: seria necessário conter reajustes salariais (mesmo pela inflação) e contratações por quatro anos, com o PIB crescendo a 3% ao ano. Não é uma receita, mas mostra o tamanho da encrenca.
Não deveria ser grande problema para quem quer caçar marajás, como Bolsonaro, mas é difícil para quem se diz adepto de direitos adquiridos —também como Bolsonaro.
Bruno Boghossian: Voto concentrado no Nordeste será desafio para o PT
Dos 31 milhões de votos obtidos por Fernando Haddad no primeiro turno, quase metade saiu das urnas do Nordeste. A popularidade do PT na região não é nenhuma novidade, mas o partido nunca dependeu tanto de seus principais redutos quanto agora.
Seja qual for o resultado da corrida presidencial, a composição do eleitorado petista passa por uma mudança este ano. O desgaste profundo da imagem da sigla e o avanço de Jair Bolsonaro (PSL) na classe média impulsionam esse rearranjo.
O eleitorado nordestino foi responsável por 46% dos votos dados a Haddad no dia 7. O peso da região é o mais alto do ciclo iniciado com a primeira eleição de Lula, há 16 anos. Ao longo desse período, o partido acumulou força e transformou esses estados em suas fortalezas.
No primeiro turno de 2002, os votos do Nordeste representaram apenas 24% do desempenho de Lula. O mapa eleitoral era relativamente equilibrado. O petista ficou na frente em 23 estados e no Distrito Federal.
Perdeu para Ciro Gomes no Ceará, para Anthony Garotinho no Rio e para José Serra em Alagoas.
As políticas sociais voltadas para a população de baixa renda mudaram o quadro eleitoral nos anos seguintes. Desde a eleição presidencial de 2006, o PT obtinha sempre um terço de seus votos no Nordeste.
É cedo para dizer se o crescimento dessa proporção em 2018 é pontual ou duradouro. Não há indícios suficientes de que o PT se tornará apenas um partido regional, mas a sigla sairá da eleição com um desafio.
Caso a vitória de Bolsonaro se confirme, os petistas terão uma bancada razoável no Congresso para fazer oposição nacional ao presidente. Por outro lado, sua máquina administrativa estará concentrada no Nordeste, nas mãos dos três ou quatro governadores eleitos pelo partido.
Com Lula fora de cena, o PT pode se ver obrigado a recuar para reforçar suas trincheiras. O futuro do partido dependerá do desempenho do próximo governo e, principalmente, da economia.
Folha de S. Paulo: Empresários recuam em onda de apoio a Bolsonaro para não se expor
Discrição busca evitar impacto negativo nos negócios e falas que prejudiquem vitória
Joana Cunha, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A despeito do relativo consenso do empresariado em torno da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, empresários que vinham se expondo publicamente ao lado do capitão reformado nos últimos meses agora decidem adotar posição mais discreta.
Meyer Nigri, acionista da construtora Tecnisa, Flávio Rocha, da rede de moda Riachuelo, Sebastião Bomfim, da varejista esportiva Centauro, e Salim Mattar, da locadora Localiza, são alguns dos que passaram a lidar com o tema com cautela, apesar de terem acenado a Bolsonaro durante a campanha em diferentes graus de entusiasmo.
O recuo é apenas formal, não significa que decidiram anular ou guinar seus votos para Fernando Haddad, até porque um dos principais fatores que os aglutina com Bolsonaro é o temor de que o PT, se eleito, possa derrubar a reforma trabalhista.
Trata-se agora de uma discrição, muito parecida com o que levou a equipe de campanha de Bolsonaro a rejeitar a participação em debates e cercear as falas do assessor econômico Paulo Guedes e do vice Hamilton Mourão.
A poucos dias da previsível vitória, com a liderança disparada do candidato nas pesquisas eleitorais, o que se quer evitar são declarações despreparadas que possam atrapalhar o candidato, como ocorreu antes do primeiro turno, quando vazou, de uma palestra de Guedes, que a CPMF, o antigo imposto do cheque, estava em análise.
Qualquer "escorregão ou palavra mal colocada" na reta final pode prejudicar, disse um dos empresários sob condição de anonimato.
Mas há outras razões.
Alguns afirmam que se precipitaram ao vir a público desde o início da campanha manifestando apoio a Bolsonaro sem medir as consequências, afirma outro peso pesado do empresariado brasileiro.
A falta de clareza nas propostas e o desafino de Bolsonaro em questões caras ao setor produtivo, como Previdência e privatizações, já alimentam o receio de que aliar o nome, com muita assertividade, ao do candidato pode gerar cobranças em caso de eventuais fracassos de um futuro governo.
Outras motivações para a discrição atual variam desde uma preocupação com a segurança da família até o receio de perder vendas diante da violenta polarização no país.
Sebastião Bomfim, que declarou voto em Bolsonaro e recebeu em troca um vídeo de agradecimento gravado pelo próprio candidato, passou a evitar o assunto.
Procurado pela Folha, não quis se manifestar e enviou nota em nome da Centauro, dizendo que a rede "não apoia nenhum candidato".
O comunicado distancia a Centauro das declarações de Bolsonaro consideradas homofóbicas: "A empresa abraça a diversidade e valoriza a liberdade de pensamento".
A rede recebeu ameaças de boicote nas redes sociais após Bomfim declarar seu voto.
Rocha, que em agosto participou de evento ao lado do candidato e chegou a ser cortejado com a hipótese de um ministério, calou-se. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa na quinta-feira (18), não quis confirmar ou negar apoio ao candidato.
Nigri, da Tecnisa, foi um dos primeiros apoiadores explícitos. Em entrevista à revista piauí, declarou apoio e ainda disse que vários judeus simpatizavam com Bolsonaro.
Seu movimento de recuo começou em fevereiro, depois que a fala foi malvista por parte da comunidade judaica.
Procurado pela Folha na quinta-feira (18) para comentar o assunto, Nigri retirou formalmente o endosso por meio de nota, afirmando que "não apoia nenhum candidato".
Outro entusiasta da candidatura bolsonarista, Mattar chegou a defender o voto útil em Bolsonaro para que a vitória tivesse vindo já no primeiro turno. Nesta semana, não se manifestou.
Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev (Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas), diz que a polarização da sociedade pode se refletir no comportamento do consumidor.
"Tem de preservar os clientes, e o empresário não quer desgaste. A economia já não vai bem, as margens das empresas estão apertadas, as promoções não estão fazendo efeito. Imagine colocar ingrediente político?", diz Araújo.
No caso da Riachuelo, que vende roupas femininas, a ligação de Rocha a Bolsonaro poderia ser mal interpretada por parte das consumidoras que rejeitam o presidenciável.
O catarinense Luciano Hang, das lojas de departamento Havan, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro no setor privado, lamenta ser um dos poucos que "não têm medo de dizer o que pensa".
O envolvimento de Hang nesta campanha é mais incisivo. Ele foi multado em R$ 10 mil pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em agosto por ter contratado serviço de impulsionamento de publicações no Facebook para expandir o alcance de vídeos favoráveis a Bolsonaro.
Reportagem da Folha desta quinta mostrou que a Havan é uma das empresas que compram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp, prática ilegal de doação de campanha.
Na outra ponta do espectro político, a chef Helena Rizzo, do restaurante Maní, publicou, na véspera do primeiro turno, foto de apoio ao #EleNão, que repudia Bolsonaro.
Enfurecidos, clientes convocaram boicote ao restaurante, o que levou a chef a pedir desculpas.
Demétrio Magnoli: É fácil propor espelhismo entre Bolsonaro e Haddad, mas seria à base de sofismas
Um leitor solicita que eu produza a "carta que Bolsonaro não escreverá", como complemento da "carta que Haddad não escreverá" (Folha, 13/10). Fazê-lo, porém, seria sugerir uma simetria que não existe.
Há simetria se uma figura no plano pode ser dividida em partes de tal modo que elas coincidam exatamente, quando sobrepostas. A simetria perfeita é uma construção matemática. Na biologia, na arquitetura e na arte registram-se simetrias quase perfeitas. Em política, existem simetrias estruturais, mas não simetrias formais.
Exemplo clássico: os totalitarismos nazista e stalinista, tal como descritos por Hanna Arendt. Mesmo se seus regimes exibiram formas muito distintas, Hitler e Stalin seriam capazes de reconhecer, um no outro, as suas próprias imagens. Isso não acontece com os dois candidatos presidenciais restantes.
Nas simetrias axiais, o eixo de simetria separa a figura em metades espelhadas. É fácil propor espelhismos políticos entre Bolsonaro e Haddad. O empreendimento, contudo, sustenta-se à base de sofismas.
A linguagem da violência é um traço comum ao PT e a Bolsonaro. Mas eles procedem de modo assimétrico. Os alvos do PT que insulta ("fascista”, “racista") ou tenta excluir alguém do debate público ("inimigo do povo") são adversários políticos definidos. Já os alvos de Bolsonaro são, além de adversários singulares, grupos sociais inteiros: mulheres, gays, quilombolas. (Nota: o descarrego de Marilena Chaui, "eu odeio a classe média", não é regra, mas exceção).
A violência, ela mesma, também aproxima os antagonistas. Mas não há simetria. O PT habituou-se a praticar violência simbólica, via militantes que irrompem aos berros em debates políticos e eventos acadêmicos ou se organizam em “atos de repúdio” contra figuras públicas. Já os “camisas amarelas” bolsonaristas inauguram, antes ainda do desfecho eleitoral, a prática da violência física contra pessoas comuns que expressam opiniões divergentes. (Nota: o atentado sofrido por Bolsonaro partiu de um indivíduo desequilibrado, não de uma turba militante).
Tanto o PT como Bolsonaro devem ser reprovados no teste do repúdio a regimes ditatoriais. O PT brada contra ditaduras “de direita”, mas acalenta as “de esquerda”; Bolsonaro faz o contrário.
Também aí, inexiste simetria. O apoio do PT às ditaduras cubana e venezuelana exprime-se genericamente. A nostalgia de Bolsonaro pela ditadura militar brasileira inclui o elogio da tortura e a celebração de torturadores. O silêncio de Haddad diante da morte de Fernando Albán, um opositor sob custódia da polícia política de Maduro, num caso similar ao de Vladimir Herzog, não equivale às homenagens de Bolsonaro ao coronel Brilhante Ustra. As duas posturas são repulsivas, mas assimétricas.
A prova decisiva de que a simetria é falsa encontra-se na história. O PT é fruto da transição da ditadura para a democracia. O partido, principal máquina eleitoral e parlamentar do Brasil, só pode existir no ambiente de liberdades oferecido pelo regime democrático.
Nos seus longos anos poder, apesar de uma certa retórica voltada para dentro, o lulismo respeitou a regra do jogo —inclusive quando seus dirigentes foram condenados e encarcerados. Já Bolsonaro é fruto de uma crise da democracia: o movimento pela “intervenção militar” que acompanhou, como sombra agourenta, o processo do impeachment. A seleção de seu vice e de um círculo de conselheiros militares arromba a porta que separava a política dos quartéis.
Mesmo nas circunstâncias atuais, Haddad não assinará uma crítica dos erros de política econômica, dos crimes de corrupção e das taras ideológicas do PT pois é prisioneiro do lulismo. Se corresse riscos eleitorais, Bolsonaro assinaria um termo falso de imorredouro amor pela democracia pois não está preso a nenhuma estrutura política estável.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian: Centrão faz fila para o bote salva-vidas de Bolsonaro
Valdemar, Kassab e companhia preparam entrada na base aliada do presidenciável
No grande naufrágio partidário de 2018, os primeiros da fila para o bote salva-vidas são Roberto Jefferson, Pastor Everaldo, Valdemar Costa Neto e Gilberto Kassab. Os caciques do centrão, que sustentaram governos de todas as cores, decidiram se alinhar a Jair Bolsonaro (PSL) em busca de sobrevivência.
O PSD não é de esquerda, nem de direita, nem de centro (como definiu Kassab ao criar a legenda), mas já está afinado com o radicalismo de Bolsonaro. O fundador da sigla disse nesta quarta (17) que, se o candidato do PSL for eleito, “evidentemente” apoiará seu governo no Congresso.
A condição é que as pautas tenham convergência com as crenças do PSD, mas a adaptação não será muito difícil. Kassab foi ministro de Dilma Rousseff, pediu demissão para apoiar o impeachment e, em menos de um mês, pegou as chaves de outro ministério com Michel Temer.
O PR não quis apoiar Bolsonaro no primeiro turno, mas agora planeja um consórcio com o presidenciável. Caso sua eleição se confirme, o partido de Valdemar estará na base governista e lançará ao comando da Câmara o deputado Capitão Augusto, um policial que diz que o regime militar não foi uma ditadura.
“Houve alternância no poder, o Congresso manteve-se aberto, o Judiciário manteve-se aberto e até a imprensa tinha liberdade”, disse, em 2015. Quatro mentiras, se considerarmos que a ditadura aposentou ministros do STF e tutelou o tribunal.
O time pró-Bolsonaro tem ainda a companhia do PTB de Roberto Jefferson, do PSC do Pastor Everaldo e de outros partidos que acreditam farejar vitória no campo do PSL.
A corrida atrás de um candidato que se beneficiou do derretimento da política soa como ironia, mas não surpreende. Se for eleito, Bolsonaro precisará dessas siglas para aprovar uma pauta especialmente amarga de equilíbrio das contas públicas.
Embora o candidato prometa não distribuir cargos, tudo parece negociável. Há dois dias, Bolsonaro pediu à bancada ruralista uma indicação para o Ministério da Agricultura.
Bruno Boghossian: Choque entre Cid Gomes e Haddad expressa instintos de autodestruição
Petistas reclamam de omissão diante de Bolsonaro e aliados cobram autocrítica
Tudo indica que o PT fracassou em convencer parte do mundo político de que esta eleição seria mais do que uma disputa pelo poder. Hesitações do partido e a resistência de potenciais aliados estimulam a dispersão daqueles que veem Jair Bolsonaro como uma ameaça.
Irritado com a sigla, Cid Gomes explodiu em um ato de campanha na segunda-feira (15). Disse que os petistas deveriam “reconhecer que fizeram muita besteira” e sentenciou: “O PT, desse jeito, merece perder”.
O ex-governador cearense atribuiu à legenda sua justa dose de responsabilidade e expôs uma insatisfação generalizada com o tratamento dado pela sigla a seus aliados. Cid deixou em segundo plano, porém, algumas consequências coletivas da provável derrota do PT na disputa.
No início de setembro, seu irmão, Ciro Gomes, afirmou que a vitória de Bolsonaro representaria um “suicídio coletivo” para o país. As urnas e as pesquisas mostram que a maioria da população não pensa assim, mas os políticos e partidos que se opõem ao candidato do PSL podem estar seguindo instintos de autodestruição.
Além de Ciro, personagens como Fernando Henrique Cardoso e Joaquim Barbosa já se manifestaram sobre os riscos de um governo Bolsonaro. Identificaram ameaças de retrocesso na defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais, além de um viés autoritário que pode fragilizar a democracia.
Os três foram procurados, mas se recusaram a aderir a uma campanha pública pró-Haddad, ao menos por enquanto. O candidato iniciou uma flexibilização de sua plataforma, mas o aceno foi considerado insuficiente. Ainda persiste a cobrança por uma autocrítica enfática em relação aos governos e, principalmente, aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT.
Para os petistas, esses líderes se omitem diante de um perigo que eles mesmos reconhecem. O partido tinha esperança de obter apoio automático, mas faltaram humildade e cálculo eleitoral. A gravidade só contou a favor de Bolsonaro.
Luiz Carlos Bresser-Pereira: A democracia ainda tem uma chance
Mal maior pode ser evitado com Fernando Haddad
Há anos venho lutando por uma política de centro-esquerda, que rejeite o liberalismo econômico com competência e tire o Brasil da armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado que vem desindustrializando o país e reduzindo sua taxa de crescimento para um quarto do que era antes de 1980.
Venho explicando esse baixo crescimento pelo domínio de uma coalizão política de centro-direita, financeiro-rentista --que, ao insistir em querer crescer com poupança externa, pratica o populismo cambial--, e por um populismo fiscal de centro-esquerda que, a partir de 2012, levou o país à crise fiscal. E venho defendendo a rejeição dos dois populismos como condição do desenvolvimento brasileiro.
Na minha análise sociopolítica dos embates que definem hoje o capitalismo brasileiro, eu via um "povão" atraído pelo populismo e pela liderança carismática de Lula, os empresários industriais e os intelectuais apostando em um desenvolvimento social de centro-esquerda, e a classe média tradicional, os rentistas e financistas, comprometidos com o liberalismo econômico e a armadilha dos juros altos.
Meu voto em Ciro Gomes nas eleições presidenciais foi a maneira que encontrei de dar expressão a essas ideias, as quais partiam do pressuposto de que a democracia estava consolidada no Brasil. Estas eleições, porém, indicam que eu talvez estivesse enganado em relação a esse último ponto: a democracia saiu gravemente ameaçada.
No dia 7, a democracia, a centro-direita representada pelo PSDB e a centro-esquerda, pelo PT, perderam; venceram o voto contra e o populismo de extrema direita. A centro-direita e o liberalismo foram derrotados, mas seus seguidores podem dizer que, "em compensação, Bolsonaro está mais perto do nós". Estarão cometendo grande equívoco. A centro-esquerda foi igualmente derrotada, mas poderá ainda evitar o mal maior se os brasileiros elegerem Fernando Haddad no segundo turno.
Quem ganhou foi a extrema direita. Ela se beneficiou da corrupção denunciada pela Operação Lava Jato, que atingiu todos os partidos, mas principalmente o PT, e da desmoralização dos políticos em geral.
Venceu o primeiro turno porque aproveitou-se do clima apaixonado de ódio que tomou conta da política brasileira a partir de 2013, quando ficou claro que o governo Dilma fracassara. Venceu não porque tivesse propostas, a não ser a bala, mas porque apelou ao voto contra.
O problema, agora, é saber se esse quadro extremamente preocupante pode ser revertido com a vitória de Fernando Haddad. Ele tem todas as condições pessoais para isto. Durante a campanha, enquanto Bolsonaro só fazia críticas, ele fez propostas claras e bem fundamentadas. Porque sabe que o voto racional é o voto a favor de um programa viável; é a escolha de um candidato que o eleitor prevê será capaz de bem governar.
Mas terá condições políticas? Em relação aos eleitores que entendem que "nada é pior do que votar no PT", não há nada a fazer (não estão sendo racionais); mas em relação à grande maioria dos eleitores, inclusive as classes médias tradicionais, há certamente um caminho.
Celso Rocha de Barros escreveu sobre esse tema um artigo notável nesta Folha (8/10). Para ele, "é hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo". "Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment."
O compromisso com a responsabilidade fiscal já está no programa de Haddad, mas vale a pena torná-lo mais claro. Quanto às "babaquices", Celso tem razão, como também a tem quando afirma: "Agora é a hora de o partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula."
A democracia ainda tem chance. Haddad não precisará rejeitar seu programa desenvolvimentista e social, que é o programa de uma vida, mas precisa deixar claro para todos os verdadeiros democratas, inclusive os liberais de centro-direita, que ele governará o Brasil muito melhor do que seu adversário.
*Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)