Folha de S. Paulo

Bruno Boghossian: Família Bolsonaro enterra seus esqueletos em cova rasa

Relação amigável com milícias abre caminho para segunda crise em 22 dias de governo

A família Bolsonaro nunca fez questão de esconder sua relação amistosa com as milícias. Os integrantes do clã tratavam publicamente esses grupos de policiais e ex-policiais como generosos prestadores de serviços de segurança, ignorando os crimes de extorsão e assassinato cometidos por muitos deles.

Os vínculos não se restringiam aos discursos. Sabe-se agora que Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete duas parentes de um ex-PM suspeito de chefiar uma facção de matadores que agia a serviço de milicianos.

Quase todo político com uma longa trajetória sabe que episódios do passado reaparecem como assombrações. Alguns, bem escondidos, caem no esquecimento. Os esqueletos da família presidencial, porém, parecem estar enterrados em cova rasa.

Até novembro, trabalharam para Flávio na Assembleia Legislativa a mãe e a mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, um ex-capitão do Bope acusado de comandar uma milícia na zona oeste do Rio.

O filho do presidente diz que seu ex-assessor Fabrício Queiroz foi o responsável pelas nomeações.

Se Queiroz tinha carta branca para contratar e demitir, suspeita-se que ele não era um auxiliar qualquer de Flávio. A coisa fica mais esquisita quando se destaca que a mãe de Adriano apareceu num relatório do Coaf por ter repassado R$ 4.600 para a conta do fiel amigo do ex-assessor.

Queiroz assumiu a responsabilidade, mas não fez qualquer menção ao envolvimento de Adriano com os matadores. A família também nunca demonstrou preocupação com o assunto. Tanto Flávio quanto Jair já enalteceram a atuação das milícias.

Em 2007, o filho votou contra a instalação de uma CPI para investigar os bandos no Rio. O pai disse que esses grupos apenas “organizam a segurança na sua comunidade”.

Por décadas, o clã Bolsonaro fez política aplaudindo essas associações e se recusando a tratá-las como criminosas. Em apenas 22 dias, essas ligações foram desenterradas e abriram caminho para a segunda crise do novo governo.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro diz a executivos que Brasil ficará no Acordo do Clima

Em Davos, presidente foi questionado por empresários sobre planos para o meio ambiente

Por Luciana Coelho, Lucas Neves e Maria Cristina Frias

DAVOS - O Brasil não vai deixar o Acordo de Paris sobre o clima, disse o presidente Jair Bolsonaro em encontro com CEOs em Davos segundo um dos participantes.

Ele já havia feito um aceno nessa direção ao afirmar, na plenária do Fórum Econômico Mundial, que o país pretende estar sintonizado com o mundo na busca da diminuição de CO2 e na preservação ambiental.

Segundo o executivo presente na reunião com o presidente e com o ministro Paulo Guedes (Economia), Bolsonaro foi questionado pelos representantes das multinacionais sobre quais eram seus planos em relação ao ambiente e à questão indígena.

O presidente já chegou a dizer que o país poderia deixar o acordo climático fechado pela ONU em 2015, a exemplo dos EUA. Também já afirmou que era algo a se pensar. Dois dias antes do segundo turno da eleição, Bolsonaro afirmou que, se fosse eleito presidente, manteria o Brasil no Acordo de Paris sobre o clima, desde que a soberania plena da Amazônia fosse preservada.

"Eu perguntaria a vocês: nesse acordo de Paris, nós poderíamos correr o risco de abrir mão da nossa Amazônia? Vamos então botar no papel que não está em jogo o triplo A e nem a independência de nenhuma terra indígena que eu mantenho o acordo de Paris", disse em entrevista coletiva na época. A região chamada por ele de "triplo A" engloba os Andes, o oceano Atlântico e a Amazônia.

Em Davos, ele esclareceu sua posição, seguindo o que dissera seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Informou aos empresários e executivos estrangeiros que seguirá no acordo, mas que espera contrapartida pelo fato de o país ser um dos que menos poluem o planeta.

Clima é um dos principais trilhos da agenda em Davos neste ano, e os participantes mostram preocupação com a ação humana no aquecimento do planeta. Nesta terça, o príncipe William entrevistou o naturalista David Attenbourgh a esse respeito na plenária.

No encontro fechado, que reuniu cerca de 30 executivos pouco após seu discurso, incluindo os CEOs do Bank of America, Brian Moynihan, e o da Salesforce, Mark Benioff, Bolsonaro também explicou seu projeto para a reforma da Previdência, sem contudo entrar em muitos detalhes —parte da plateia de seu discurso se frustrara com a ausência de informações sobre o assunto.

A reação dos executivos foi descrita como “muito positiva” por esse participante, embora tenham notado que o presidente ainda precisa passar da palavra à ação.


Folha de S. Paulo: O PSDB vai mudar, será de centro e respeitará direita e esquerda, afirma Doria

Em Davos, governador paulista diz que partido precisa estar sintonizado com a população, e não com seu passado

Maria Cristina Frias e Luciana Coelho, da Folha de S. Paulo

governador João Doria quer transformar o PSDB em um partido “de centro, com posições claras, que terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita”. É esse o partido para chamar de “seu”, como já fez ao tomar posse no governo de São Paulo.

Doria, que está em Davos para participar da edição de 2019 do encontro do Fórum Econômico Mundial, cujo braço latino-americano São Paulo recebeu no ano passado, quando ele era prefeito, falou à Folha por 60 minutos. Tratou de seu projeto para fortalecer as polícias, de ampliar o ensino técnico no estado, de investimentos e privatizações —bandeiras da viagem. Também afirmou que tem como meta que São Paulo volte em 2020 a liderar o ranking do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, termômetro do ensino no país).

Acenou ao presidente Jair Bolsonaro, tomando o cuidado de dizer que apoia as medidas do governo que forem benéficas ao país.

Relutante em avaliar as primeiras três semanas do mandato do presidente a quem aplaudiu no palanque, afirmou que defende que as investigações a respeito das movimentações financeiras atípicas na conta do primogênito de Bolsonaro, Flávio, e de assessores continuem.

O senhor já deu seu apoio ao deputado Rodrigo Maia [para a sucessão na Câmara]...
E à reforma da Previdência também. Meu interesse é o Brasil, e eu sei a importância da reforma da Previdência para o país. Você vai ver nesses dias aqui [em Davos], como os investidores conscientes sabem da importância da reforma da Previdência. A reforma aprovada muda a história econômica do Brasil, abre as comportas para investimento estrangeiro no Brasil já neste ano, e isso vai se traduzir em emprego, renda e prosperidade de curto, médio e longo prazo.

O sr. se alinhou ao presidente Bolsonaro na campanha e tem dado apoio às propostas dele, sobretudo econômicas. Como avalia esse início e as questões que têm sido levantadas sobre os filhos?
Não tenho me manifestado sobre o tema dos filhos. Em relação ao governo, posso reafirmar que todas as medidas que forem positivas para o Brasil no plano econômico e no plano social e mesmo no institucional terão o nosso apoio. Não precisa nem de contrapartida, cargo, vantagem, benefício. Com o projeto do Paulo Guedes [ministro da Economia] —e ele tem cérebro e montou um bom time—, a economia brasileira vai andar. E quando você tem bom desempenho econômico, você tem um bom desempenho social atrelado a ele.

O sr. falou, ao tomar posse, em "o meu PSDB". O que vai acontecer com o partido?
Vai mudar. E vai mudar sem desprezar o passado, sem estigmatizar ninguém, respeitando aqueles que foram próceres do PSDB, dentre os quais eu destaco desde o [André Franco] Montoro, passando pelo Mario Covas, e destacando Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, entre outros. Cada um cumpriu seu papel bem. Mas a partir de agora o PSDB vai estar sintonizado com a população, e não mais com seu passado. Vai estar sintonizado com o presente do país para garantir o seu futuro como partido político. Para isso ele não precisa renegar o seu passado, mas ele vai mudar. E será um partido de posições centrais, de centro.

Não de centro-direita?
Não. De centro. E terá relações respeitosas com a esquerda e com a direita, seja centro-direita, extrema direita, centro-esquerda, extrema esquerda. Um partido de diálogo mas com posições claras e bem definidas.

Quem vai ser o presidente do partido?
Não tenho problema de falar sobre isso, se eu fosse um tucano das antigas eu iria dizer "veja bem, é cedo", mas eu sou claro e objetivo. Nós estamos trabalhando para que o Bruno Araújo (PSDB-PE) possa ser eleito presidente nacional do PSDB. Ainda é deputado, mas termina seu mandato no dia 31, foi ministro de Estado, deputado federal, deputado estadual em Pernambuco. Ele vai ter tempo para se dedicar ao partido —entendo que ele não pode estar dividido entre o partido e a função executiva ou legislativa. E ele tem conhecimento, tem boa penetração no PSDB, é querido em todas as faixas e mantém um bom diálogo com os demais partidos.

O sr. disse recentemente que "se o bandido reagir, vai para o cemitério", o que preocupa o meio jurídico. O sr. não tem receio de atiçar uma atitude ilegal em parte dos policiais?
Não. Não tem nenhuma ilegalidade, pois há um protocolo a ser cumprido. Mas esse protocolo vai até o final. Quem tem de ter receio é o bandido, porque a partir de agora a ação da Polícia Civil e a Polícia Militar em São Paulo serão muito rigorosas. Não vai ter mais nenhuma situação que possa dar margem a quem quer que seja que possa haver negociação com facção criminosa. Em última instância, depois de imobilizado o bandido, receber voz de prisão, entre a vida de um policial e a de um bandido, a orientação do governador é que fiquemos com a vida dos policiais. Se ele reagir armado aos policiais que estão ali com ordem de prisão e mantiver essa reação, a orientação do governador é que ele seja abatido.

E investimento em inteligência? 
Estamos fazendo, mas na Polícia Civil, e na polícia científica.

E em tecnologia, como o Detecta? Pode ser ampliado? 
Pode e deve ser. Precisamos colocar mais câmeras na cidade. Nenhum criminoso gosta de ser filmado, porque ele pode ser preso assim. Por isso que quanto mais monitoramento colocarmos melhor, é um fator inibidor. São Paulo já tem os melhores índices de segurança do país, com 6,4 homicídios por 100 mil habitantes, e a média nacional nos estados é 30 por 100 mil.

liberalização da posse de armas pode afetar esses índices negativamente? 
À posse na residência eu sou favorável, desde que respeitados os critérios e a regulamentação.

O sr. defende como foi liberado ou como o ministro Sergio Moro defendia, com restrições? 
Isso é relativo. Acho que ela foi aprovada razoavelmente. Agora, porte de arma é outra coisa, você precisa de um cuidado redobrado, você não pode ter, ainda que aprovado pela legislação, uma generalização. O porte de arma é algo que precisa ser tratado com muita atenção, porque da mesma maneira que ele pode proteger quem precisa ele pode desproteger alguém que possa ser vítima. Precisa ter um aprofundamento.

O sr. é contra ou a favor do porte? 
Olha, não estou querendo ser tucano, mas é algo que precisa ser estudado. À posse, sou favorável.

Não creio, o sistema de segurança no estado será muito fortalecido. No caso de São Paulo, não acho que aumente o risco.

O sr. é  candidato natural ao Planalto. Não seria importante marcar sua posição, por exemplo, em relação ao filho do presidente [Flávio Bolsonaro], que tem procurado se esquivar de investigações, que não tem respondido sobre essas movimentações atípicas?
Minha posição não é de fugir ao tema, é que as investigações prossigam. Não defendo que a investigação deixe de existir ou seja facilitada por serem filhos do presidente. Mas não vou fazer condenação prévia. Defendo que as investigações prossigam.

O sr. vai falar de concessões e privatizações aqui no Fórum?
Nós não vamos utilizar dinheiro público, exceto nas PPPs [parcerias público-privadas]. Todo o programa de desestatização do estado de São Paulo será financiado pelo setor privado, como o programa de ferrovias.

O programa de ferrovias é estimado em quanto? 
Ainda não temos, está sendo avaliado. É o Alexandre Baldy, secretário de Transportes  Metropolitanos, mas ele foi ministro das Cidades [que está tocando]. São trens intercidades ligando a cidade de São Paulo ao Vale do Paraíba e à região metropolitana de Campinas, além do Ferroanel. Tem também a hidrovia Tietê-Paraná, que será inteiramente privatizada. Tem alguns setores correlatos à hidrovia que já estão em mãos privadas. Também 23 aeroportos regionais. Há ainda ferrovias não licitadas, o Porto de São Sebastião...

O sr. acha possível viabilizar tudo isso em quatro anos? 
A maior parte, sim. Não quero dizer todas, porque algumas circunstâncias fogem do controle, sobretudo se a economia brasileira crescer. Além disso, há o estímulo que já demos ao presidente Bolsonaro para a privatização do Porto de Santos, e ele concordou, na audiência da semana retrasada.

Privatizações foram uma promessa durante a sua gestão na Prefeitura de SP que ainda não deslanchou. Por que não avançou? Não compromete a sua apresentação de privatizações aos investidores aqui?
Não deslanchou, mas vai avançar. Porque não tinha história, nunca houve um programa de desestatização em nenhuma cidade brasileira. E uma das razões foi exatamente a indiferença no posicionamento político do ex-governador Márcio França, que dificultou as duas primeiras modelagens que estavam prontas, o Estádio do Pacaembu e o Ibirapuera, e demais parques depois de um périplo na Câmara Municipal, no Tribunal de Contas do Município. Foram liberados por eles. Agora, vamos facilitar, o que já estava acordado com o governador [Geraldo] Alckmin.

São Paulo tem as melhores qualificações de mão de obra para todos os setores, não só no ensino básico, médio e universitário, mas pelas escolas técnicas. Vamos ampliar. Essa é a meta do secretário Rossieli [Soares]. Em 2020, nosso objetivo é que São Paulo esteja liderando o Ideb, onde já foi líder, e depois perdeu a liderança. A meta dada a ele é que em 2020, queremos retomar a liderança.

Há secretários que foram ministros da gestão Temer que são "estrangeiros" em São Paulo. Eles vão precisar de um tempo para se aclimatar, para aprender? 
Quem sabe, sabe. Tem equipe, ninguém faz nada sozinho.

Há planos de investimento em educação? 
Sim, vamos investir em tecnologia.

E em formação de professores?
Também. Fizemos na prefeitura e vamos fazer no âmbito do estado.

Algo específico para enfrentar problemas como o absenteísmo de professores e evasão no ensino médio?Meritocracia. Há protocolo para isso. Não pode faltar sistematicamente, tem de atingir os índices do Ideb. Não tivemos greve na prefeitura na minha gestão nem na do Bruno [Covas]. Bônus permitem salto para bons professores, que não faltam, que permitem saltos no Ideb. É isso que o Rossieli vai fazer. Cursos técnicos serão uma das prioridades. São qualificantes para o emprego. No último ano, alunos saem empregados. São quase 300 mil [292 mil, segundo o Instituto Paula Souza].

Vai fazer, avançar em reforma da Previdência no estado, como Bruno Covas fez na prefeitura?
São Paulo já fez, em 2013, foi uma boa reforma. Onde ela poderá avançar, se avançar no plano federal: militares. Na idade da aposentadoria. Os policiais militares se aposentam muito cedo. Há policiais [que não estão mais na ativa] com muita qualidade. Eles estão na melhor idade, no melhor da sua capacidade e foram aposentados pela lei.

O sr. tem alguma ideia de trazer essas pessoas de volta?
Como o sistema previdenciário em São Paulo está relativamente em ordem, isso não desprezível, mas não é prioridade para nós. Vamos esperar o plano federal.

O sr. tem reunido governadores em torno desse tema...
Vejo com muito otimismo a reforma da Previdência [pelo Congresso Nacional]. A liderança dos governadores, de uma boa parte deles, é de liderar suas bancadas para votarem a favor da Previdência. Óbvio que não conhecemos toda a reforma elaborada pelo deputado Rogério Marinho, que foi muito competente na reforma trabalhista.


Leandro Colon: Aceno de Renan é sinal de perigo

Elogio de senador a Flávio Bolsonaro é mensagem de proteção a um governo enfraquecido

O presidente Jair Bolsonaro desembarca em terras suíças nesta segunda-feira (21) para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, deixando por aqui uma crise com potencial para causar sérios danos em um governo que ainda engatinha.

Uma consequência do caso Queiroz é a dificuldade que Bolsonaro terá para faturar politicamente as eleições às presidências da Câmara e do Senado, no dia 1º de fevereiro.

Salvo imprevistos, tudo caminha, respectivamente, para as vitórias de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Renan Calheiros (MDB-AL) em cada Casa.

O PSL de Bolsonaro abraçou a candidatura de Maia ao perceber que, mesmo com a maior bancada eleita, não teria condições de levar adiante um candidato competitivo.

O provável sucesso de Maia não será uma vitória de Bolsonaro. O atual presidente da Câmara não é um candidato do governo. Pode até, por circunstâncias da eleição na Câmara, ter se aproximado do Planalto, mas deve manter a relação política ambígua adotada no período de Temer.

O maior perigo para Bolsonaro está no Senado. Na última sexta-feira (18), em entrevista à Folha, Renan Calheiros fez um aceno ao defender o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.

“Temos com relação a ele (Flávio) as melhores expectativas, de que é um moço que quer trabalhar, que quer fazer um bom mandato, que tem posições e defende-as”, disse.

Horas depois da declaração, o Jornal Nacional revelou os 48 depósitos na conta de Flávio que somam R$ 96 mil, todos no valor de R$ 2.000 e feitos sucessivamente em curiosos intervalos de poucos minutos.

Flávio chega ao Senado nas cordas, sem força para ser porta-voz do pai. Perdeu a capacidade de articulação para influenciar na eleição à presidência da Casa. O gesto que recebeu de Renan é um recado de proteção antecipada contra eventuais tentativas de cassação de mandato.

Em troca, o emedebista quer ter o Planalto ajoelhado aos seus pés para garantir a reforma da Previdência. O pior cenário para qualquer governo.


Bruno Boghossian: Depósitos para Flávio atravessam o coração do governo Bolsonaro

Caso é devastador para imagem do clã e 'dói no coração', como disse o presidente

O novelo ainda começava a se desenrolar, em dezembro, quando Jair Bolsonaro decidiu fazer uma aposta alta. “Se algo estiver errado comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta”, disse o presidente eleito. “Dói no coração da gente? Dói, porque nossa maior bandeira é o combate à corrupção.”

O escândalo provocado pela movimentação de dinheiro no gabinete de Flávio Bolsonaro cresceu de uma dor desconfortável no peito para um ataque cardíaco grave.

Os pagamentos feitos na conta do filho do presidente, revelados pelo Jornal Nacional, atravessam o discurso moral da família e arrastam consigo a imagem de todo o governo. Assim como o PT sofreu com o mensalão após ostentar a bandeira da ética por décadas, o bolsonarismo corre um risco considerável.

Em junho de 2017, Flávio recebeu um salário de R$ 18.768 como deputado estadual. Naquele mês, alguém multiplicou esse rendimento por seis ao depositar R$ 96 mil em sua conta, divididos em 48 envelopes.

Caso o autor dos pagamentos não seja um filantropo que prefere ficar anônimo, o caso não pode passar mais um único dia sem explicação. Flávio conseguiu a proeza de dar duas entrevistas, mas não ofereceu nem uma desculpa esfarrapada.

Se o caixa eletrônico da Assembleia do Rio falasse, poderia contar uma história de pequenas corrupções. Depósitos em dinheiro vivo, em valores pequenos e sem identificação são a maneira mais discreta de se cobrar pedágio de funcionários —a chamada rachadinha.

O senador eleito insiste que os investigadores tentam fazer um “gol de mão” e repete que tem todo o interesse em esclarecer o caso. Sua recusa em falar dos pagamentos contradiz tanto o discurso anticorrupção quanto sua linha de defesa.

Flávio diz que teve acesso aos autos da investigação no início deste ano. Naquela ocasião, o Ministério Público já havia recebido o documento do Coaf que apontava os 48 depósitos em sua conta. Só depois ele acionou o STF para paralisar o caso.


Elio Gaspari: Acima de tudo, Bolsonaro quer matar as provas

Quem viu a reação do PT diante das denúncias de corrupção acha que está num pesadelo, pois a música é a mesma

A corrida do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal teve dois objetivos. O primeiro foi travar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro em torno dos “rolos” de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Daqui a poucos dias, o ministro Marco Aurélio Mello liquidará essa questão, destravando-a. O segundo, essencial, é a tentativa de anular as provas conseguidas pelos procuradores. Que provas? Isso não se sabe, pois o caso corre em segredo de Justiça e até bem pouco tempo Flávio Bolsonaro repetia que não está sendo investigado.

A nulidade das provas é o sonho de todo réu. Na última catedral da impunidade, a Operação Castelo de Areia virou pó conseguindo-se anular as provas de que o Sol das roubalheiras nascia na caixa das empreiteiras. Depois dela vieram a Lava Jato, Sergio Moro e deu no que deu.

Desde que os “rolos” de Queiroz se tornaram públicos, todos os seus movimentos ofenderam a boa-fé do público. Não atendeu a duas convocações do Ministério Público, passou por uma cirurgia e deixou-se filmar dançando. Já o senador eleito Bolsonaro considerou “plausíveis” as explicações que recebeu do ex-assessor. Que explicações?

Quem acompanhou a reação do comissariado petista diante das denúncias de corrupção nos governos petistas acredita que está num pesadelo. A melodia dos poderosos é a mesma. Onyx Lorenzoni diz que a oposição busca um terceiro turno.

Em 2011, Dilma Rousseff disse a mesma coisa quando surgiu o rolo do patrimônio de Antonio Palocci, chefe de sua Casa Civil. A letra do samba é muito diferente, porque os “rolos” de Queiroz são cascalho quando comparados com as propinas bilionárias que rolaram durante o consulado dos comissários.

O pesadelo estraga o sono de milhões de pessoas que votaram contra a roubalheira, o blá-blá-blá e a resistência dos petistas a uma autocrítica.

Todas as explicações dadas até agora partem da premissa de que a plateia é boba. Por exemplo: Fabrício Queiroz deixou de ser assessor de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, logo depois do primeiro turno da eleição, para cuidar do seu processo de aposentadoria.

Por coincidência, sua filha, personal trainer no Rio e assessora de Jair Bolsonaro em Brasília, foi exonerada no mesmo dia. (A essa altura a Polícia Federal já sabia que o Coaf estranhara a movimentação financeira de Queiroz.)

Travas, silêncios, segredo de Justiça, corrida à “porcaria” do foro privilegiado e pedidos de nulidade das provas só servem para alimentar murmúrios maliciosos.

Os promotores não têm pressa, só têm perguntas.

O MEM DE SÁ DA AVENIDA FOI DONO DO BRASIL
A história de Pindorama é linda e pouco conhecida. Depois de d. Pedro 2º e Getúlio Vargas, o homem que por mais tempo governou o Brasil foi o juiz Mem de Sá, que mandou de 1557 a 1572. Recebeu a colônia em completa desordem, expulsou os franceses do Rio de Janeiro, guerreou com os índios, mandou em tudo o que podia e morreu no cargo, riquíssimo, com 2.000 cabeças de gado e dois grandes engenhos de açúcar. Fundou uma dinastia que dominou o Rio por mais de um século, ligando a cidade à política e à economia da região do rio da Prata. Seu sobrinho reconquistou Angola, tomada pelos holandeses.

Não se conhece seu rosto e sua memória está preservada em Salvador, num túmulo, e no Rio, numa bonita e decadente avenida do centro. Mem de Sá ganhou algumas biografias, menores que sua obra. Esse defeito foi corrigido com a publicação, em 2017, da tese de doutorado “Mem de Sá, um precursor singular no Império quinhentista português” da professora Marise Pires Marques, da Universidade Nova de Lisboa. Felizmente, o livro está na rede e de graça.

Num prodigioso trabalho de pesquisa (centenas de documentos manuscritos, 1.439 notas de pé de página), a professora reconstruiu o personagem e retratou o andar de cima da segunda metade do Quinhentos. Está tudo lá, dos cobertores ingleses do governador-geral ao vinho que importava (e mandava trocá-lo por pau-brasil quando lhe parecia ruim), ou aos copos em que o bebia. Quando o doutor deixava a sede do governo para visitar suas propriedades, deixava um pajem na escada do palácio para informar que estava trabalhando.

Como o acesso à tese é fácil, quem quiser pode sapeá-la. Mem de Sá assume o governo na página 62 e sua fortuna está a partir da 157.

IMPOSTECAS
Para os doutores Paulo Guedes e Marcos Cintra (secretário da Receita) pensarem no tamanho da encrenca em que se meteram:

Um cidadão comprou num site americano roupas no valor de US$ 40. A mercadoria chegou ao Brasil e ele soube que foi devolvida porque a nota fiscal não descrevia o conteúdo e, por isso, era impossível calcular o valor do tributo a ser cobrado.

Tudo bem, mas:

1) O cidadão poderia ser chamado para abrir o pacote e mostrar o conteúdo.

2) O imposteca poderia ter aplicado um tributo punitivo. Se o contribuinte não quisesse pagar, o pacote seria devolvido.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e desarmamentista convicto. Depois de saber pelo general Augusto Heleno que os carros matam como as armas, passou a andar a pé. Advertido pelo ministro Onyx Lorenzoni do perigo dos liquidificadores, está pensando em comprar um cofre para guardar o seu.

O cretino espera que algum ministro lhe diga se pode continuar usando o fogão de sua casa.

MADAME NATASHA
Madame Natasha não gosta de marxistas, nem de globalistas, porque essa gente quer acabar com a língua portuguesa.

Por isso ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, pela nota do coordenador de Habilitação e Registro do FNDE na qual ele atribuiu as mudanças no texto do edital que orientava a compra de livros didáticos pelo MEC a um “erro operacional no versionamento”.

Natasha acredita que ele quis dizer que publicou-se um edital com uma versão errada. A pedido de seu amigo Eremildo, a senhora continua curiosa. Gostaria de saber quem foi o “versionador” que suprimiu a proibição de publicidade nos livros.

ANISTIA
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou, por unanimidade, o projeto que concede anistia administrativa aos PMs que se envolveram na greve branca de 2017.

Com a anistia esfumaçaram-se 2.622 processos, 90 dos quais caminhavam para a demissão e 23 haviam resultado em expulsões. Ficou tudo em paz e quem foi punido retornará ao serviço, com direito aos salários perdidos. (Foi rejeitada uma emenda que concedia indenização de R$ 100 mil para as vítimas de homicídios dolosos ocorridos durante o período da greve.)

A paralisação da PM jogou o estado num caos, mas a anistia era pedra cantada e foi bandeira de campanha do atual governador, Renato Casagrande.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Folha de S. Paulo: Militares já se espalham por 21 áreas do governo federal

Militares já se espalham por 21 áreas do governo Bolsonaro, de banco estatal à Educação. Membros das Forças Armadas obtêm relevância inédita desde a redemocratização e vão administrar orçamentos bilionários

Rubens Valente, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os militares nomeados ou prestes a serem nomeados já passam de 45 no governo de Jair Bolsonaro (PSL), espalhados por 21 áreas: da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras.

O Exército, do qual vieram o presidente e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), tem maioria entre os membros do governo: eram 18 generais e 11 coronéis da reserva até esta sexta (18) —o número cresce a cada dia.

Militares agora comandam o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio) e sete ministérios: Secretaria de Governo, Defesa, Minas e Energia, Infraestrutura, GSI (Gabinete de Segurança Institucional), CGU (controle interno e transparência) e Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Generais da reserva ou reformados ocupam cinco cargos no comando da Secretaria-Geral da Presidência da, comandada por um civil, o advogado Gustavo Bebianno.

No Ministério de Justiça do ex-juiz Sergio Moro, os militares se espalharam pela Secretaria Nacional de Segurança Pública de forma inédita desde que o órgão foi criado, em 1997. Vinculados ao secretário nacional, o general da reserva Guilherme Theophilo, estarão três coronéis —a pasta confirmou que as nomeações devem sair nos próximos dias. No gabinete de Moro, um suboficial do Exército atua como assessor técnico.

O levantamento da Folha sobre os militares no governo não incluiu membros de forças policiais estaduais, como Polícia Militar e Bombeiros, e considerou apenas dois nomeados no Gabinete de Segurança Institucional, um órgão normalmente ocupado por militares, o ministro Augusto Heleno e o general Eduardo Villas Bôas, que até o dia 11 comandava o Exército.
A força econômica dos setores com presença militar ultrapassa as centenas de bilhões de reais. Apenas a Petrobras, maior empresa do país, teve uma receita estimada em R$ 283 bilhões em 2017.

Historiadores ouvidos pela Folha concordam que não houve, desde a redemocratização, em 1985, uma avalanche de militares no Executivo como a atual.

A historiadora e cientista política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Heloisa Starling, que atuou na Comissão Nacional da Verdade, disse que um número tão grande de militares no Executivo é “muito pouco usual numa democracia, em especial em cargos estratégicos” e situação semelhante só foi registrada no Brasil durante a ditadura (1964-1985).

Mas ela não acredita que isso indique automaticamente “uma pretensão autoritária”. “Deveríamos nos preocupar é [com o fato de] que os militares não são formados para a atividade política, mas sim para o confronto com o inimigo. A política é o oposto disso, ela amplia a capacidade de construção do consenso”, disse Starling.

Para a historiadora, “não se sabe ainda como se dará a gestão administrativa num ambiente democrático de embate de ideias e críticas”.

Carlos Fico, historiador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), acredita que a maior presença de militares no governo “decorre do perfil do presidente, ele próprio militar reformado e que, como parlamentar, procurou defender causas associadas às polícias militares e aos militares propriamente ditos”.

“Os militares expressam, no Brasil, a onda conservadora que atinge outros países porque eles são o grupo conservador mais organizado do país. Não havia, até recentemente, um partido assumidamente de direita por aqui”, disse Fico.

Para o professor, “o despreparo e a inexperiência” do grupo político de Bolsonaro também ajudam a entender a presença militar no governo, pois os militares “supostamente seriam bem preparados e conhecedores da realidade nacional”.

Na terça (15), o ministro da Secretaria de Governo, o general Santos Cruz, disse não ver vantagens nem desvantagens na presença militar no governo. “A situação de militar não coloca nada demais. Coloca só mais responsabilidade, porque a gente representa uma corporação inteira.”


Folha de S. Paulo: Coaf aponta 48 depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro, diz TV

Segundo reportagem, filho do presidente teria recebido R$ 96 mil em cinco dias; valor depositado era sempre de R$ 2.000

Um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta movimentações suspeitas de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), deputado estadual e senador eleito. O filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro, que foram considerados suspeitos pelo órgão que investiga lavagem de dinheiro.

O documento, obtido pelo Jornal Nacional, traz informações sobre movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro entre junho e julho de 2017. Os 48 depósitos em espécie na conta do senador eleito foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) sempre no valor de R$ 2 mil.

No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

Segundo a reportagem, o relatório diz que não foi possível identificar quem fez os depósitos e afirma que o fato de terem sido feitos de forma fracionada desperta suspeita de ocultação da origem do dinheiro.

O Coaf classifica que tipo de ocorrência pode ter havido com base numa circular do Banco Central que trata da lavagem de dinheiro. A realização de operações que por sua habitualidade, valor e forma configuram artifício para burla da identificação dos responsáveis ou dos beneficiários finais.

O documento está identificado como “item 4” e faz parte de um relatório de inteligência financeira (RIF).

Segundo o Jornal Nacional, esse novo relatório de inteligência foi pedido pelo Ministério Público do Rio a partir da investigação de movimentação financeira atípica de assessores parlamentares da Alerj.

No primeiro relatório o alvo eram as movimentações financeiras dos funcionários da Assembleia. O Ministério Público pediu ao Coaf pra ampliar o levantamento. A suspeita é que funcionários dos gabinetes devolviam parte dos salários, numa operação conhecida como “rachadinha”.

A Promotoria pediu o novo relatório ao Coaf em 14 de dezembro e foi atendido no dia 17, um dia antes de Flavio Bolsonaro ser diplomado senador. Segundo o Ministério Público, ele não tinha foro privilegiado na ocasião.

Flávio Bolsonaro questionou a competência do Ministério Público e pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a suspensão temporária da investigação e a anulação das provas. Ele foi citado no procedimento aberto pelo Ministério Público do Rio contra Fabrício Queiroz.

O ex-assessor de Flávio Bolsonaro é investigado por movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão durante um ano. Na reclamação ao STF, Flávio Bolsonaro argumentou que o Ministério Público do Rio se utilizou do Coaf para “criar atalho e se furtar ao controle do Poder Judiciário, realizando verdadeira burla às regras constitucionais de quebra de sigilo bancário e fiscal”.

Flávio argumentou também que "depois de confirmada sua eleição para o cargo de senador, o Ministério Público requereu ao Coaf informações sobre dados sigilosos de sua titularidade” e que as informações do procedimento investigatório foram obtidas de forma ilegal, sem consultar a Justiça.

A primeira turma do STF, no entanto, tomou ao menos duas decisões de validar que o Ministério Público obtenha informações do Coaf sem autorização judicial.

O Ministério Público do Rio se baseia em norma do Conselho Nacional do Ministério Público que permite a solicitação de relatório de inteligência do Coaf e tem convicção de que não configura quebra de sigilo.

Segundo a reportagem, o Ministério Público nega que tenha havido quebra do sigilo e diz que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem desdobrar-se em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais.

A Promotoria declarou também que Flávio Bolsonaro não era investigado. Afirmou que o relatório do Coaf noticia movimentações atípicas tanto de agentes políticos como de servidores públicos, e que, por cautela, não se indicou de imediato os nomes dos parlamentares supostamente envolvidos em atividades ilícitas. Acrescentou também que a “dinâmica das investigações e a análise das provas colhidas podem acrescentar, a qualquer momento, agentes políticos como formalmente investigados”.

Procurada, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que irá se pronunciar em momento apropriado.


Julianna Sofia: Notícia que vem dos Alpes

Muitas dúvidas ainda pairam sobre os rumos da reforma da Previdência

Está nos planos do ministro Paulo Guedes (Economia) apresentar “algum detalhe” da reforma da Previdência ao escol de empresários, acadêmicos e autoridades presentes em Davos na próxima semana. Aqui —abaixo da linha do Equador— muito se fala, muito se vaza, mas pouco se sabe oficialmente. Neste domingo (20), o próprio presidente Jair Bolsonaro deve tomar mais conhecimento da proposta, quando lhe for feito um arrazoado.

As mudanças nas regras das aposentadorias tornaram-se a grande curiosidade dos investidores estrangeiros. Sem elas, o governo do capitão reformado —ou o de qualquer zé-ruela que envergasse a faixa presidencial— submergirá no caos, dada a dramática situação fiscal do país.

É curioso e emblemático que o público nos Alpes venha a saber algo antes, enquanto deputados do partido do presidente dão um rolé na China e não ganha forma a amálgama parlamentar que dará sustentação ao governo. Tampouco trabalhadores ou patrões foram chamados a conhecer o que se pretende mudar.

A expectativa é que em até duas semanas o martelo político seja batido. Conselheiros de Guedes ainda tentam dissuadi-lo da ideia de incluir na reforma um regime de capitalização para as aposentadorias de gerações futuras. Mais vale corrigir distorções do sistema atual, que corroem as contas públicas e abrigam privilégios. Não há sinal de recuo.

Até um desfecho, três diferentes núcleos rivalizam na construção da proposta, o que tem contribuído para a indefinição de pontos importantes. Ao Ministério da Economia se contrapõem Onyx Lorenzoni (Casa Civil) & asseclas e os onipresentes militares. Daí, por exemplo, a incerteza sobre a participação das Forças Armadas nas alterações previdenciárias a partir da blindagem montada pelos generais.

Para aplacar a ansiedade geral, Bolsonaro assinou nesta sexta (18) medida provisória para conter ralos e gastos no INSS. Na hora H e depois de muita boataria, o texto saiu bem menos ambicioso do que o esperado.


Demétrio Magnoli: Gleisi, falemos sobre Ariana

Quando empresta sua solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá

Na posse de Nicolás Maduro para um segundo mandato, compareceram apenas os líderes de Cuba, da Nicarágua, da Bolívia, de El Salvador e de alguns micro-Estados caribenhos.

Mas Gleisi Hoffmann esteve em Caracas para prestar “solidariedade ao povo venezuelano”, na senha ritual petista que significa, de fato, solidariedade à ditadura chavista.

A presidente do PT não se encontrou com Ariana Granadillo, sobre a qual possivelmente nada sabe. Sugiro-lhe uma rápida pesquisa no site do Foro Penal, organização independente venezuelana dedicada à defesa dos presos e perseguidos políticos no país. A história da jovem talvez propicie-lhe uma revisão de consciência.

Ariana tem 21 anos, estuda medicina e mora com um parente em Caracas, onde faz residência num hospital. Para seu azar, o parente é um oficial militar investigado sob a acusação de conspiração.

No último ano, ela foi presa três vezes, em fevereiro, maio e junho, sem qualquer ordem judicial. Na primeira, olhos vendados, sofreu maus-tratos durante dois dias, em interrogatórios nos quais indagavam-lhe sobre o paradeiro do proprietário da casa.

Na segunda, foi detida com seus pais, no estado de Miranda, e permaneceu incomunicável por uma semana. Submetida a tortura, inclusive asfixia temporária, reiterou que não tinha notícia do parente militar e acabou liberada sem acusações.

Finalmente, na última, policiais a retiraram de um ônibus e ela foi encaminhada a uma prisão, até ser transferida para o quartel-general da inteligência militar em Caracas. Em julho, perante um tribunal militar, ouviu a acusação de instigação de rebelião, por manter conversas telefônicas com a mulher do oficial militar e ter recebido dinheiro dela.

Ariana confirmou os contatos com a dona da casa onde reside e explicou que só recebeu valores relativos aos gastos com os cachorros do casal. Liberada condicionalmente, ela não pode deixar o país e deve apresentar-se a um oficial de justiça a cada oito dias.

A estudante não é caso isolado. Num relatório publicado há pouco, o Foro Penal e a Human Rights Watch analisaram os casos de 32 familiares de militares acusados de rebelião que experimentaram prisões arbitrárias e sevícias.

As vítimas sofrem espancamentos, choques elétricos, asfixia, cortes de lâminas nos pés e privação de alimentos. Vários desses civis são processados em tribunais militares por “traição” e “instigação à rebelião” por se recusarem a prestar informações sobre o paradeiro de seus parentes.

Os abusos policiais registrados no relatório seguem um padrão geral estabelecido desde 2014, amplamente descrito em investigações conduzidas por representantes de direitos humanos da ONU, da OEA e de organizações da sociedade civil.

A ditadura “de esquerda” opera com métodos similares aos da ditadura militar brasileira celebrada por Jair Bolsonaro. Até mesmo o termo “revolução” aproxima os dois regimes, com a exclusiva diferença do sinal ideológico que se atribui a ele.

“Deixar de ir seria covardia, concessão à direita”, justificou-se Gleisi num tuíte, empregando uma palavra que deveria evitar. Os covardes são os chefes do regime cívico-militar que prende e tortura.

Covardia é festejar com eles, ignorando suas vítimas. A covardia estende-se aos dirigentes do PT, inclusive Fernando Haddad, que deram amparo à viagem, e à miríade de figuras públicas de esquerda ligados ao partido, cujo silêncio pétreo acompanhou o périplo de Gleisi. O triste espetáculo desenrola um fio lógico de longo alcance.

Gleisi, falemos sobre Ariana. Quando aplaude Maduro, você aplaude Médici e Geisel. Quando ignora as torturas “deles”, ignora retrospectivamente também as “nossas”.

Quando empresta sua solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá. No lugar de Bolsonaro, eu pagaria sua passagem a Caracas.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro aperta botão do pânico e recebe socorro generoso de Fux

Filho do presidente leva Queiroz de carona na blindagem do foro especial

Flávio Bolsonaro apertou o botão do pânico. Antes de assumir o mandato de senador, ele apelou para uma regalia do cargo e pediu proteção do foro especial na investigação sobre as finanças de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

O filho do presidente erguia a voz ao dizer que não tinha “nada a ver com isso” e que daria explicações para “ficar longe dessa coisa”. Mas Flávio faltou ao depoimento e pediu que o caso fosse suspenso e levado ao STF. Ele ainda transportou Queiroz de carona na blindagem do foro.

Ao pedir a paralisação, Flávio dá provas de que está muito mais perto “dessa coisa” do que admitia.

O senador eleito contou com uma generosidade notável de Luiz Fux. Os advogados pediram ao STF a suspensão do caso às 15h37 de quarta (16). O ministro deu a liminar às 20h40.

Fux foi tão benevolente que mudou até seu entendimento sobre o foro. Quando o STF restringiu a regalia, o ministro afirmou que o “clamor social de combate à corrupção e à impunidade não se mostra compatível [...] com a prerrogativa”.

Na ocasião, Fux entendeu que o foro só vale em casos ocorridos durante os mandatos e relacionados ao cargo. O ministro concedeu a proteção, embora o dinheiro de Queiroz não tenha ligação com a atividade futura de Flávio no Senado.

A defesa conseguiu que Fux fizesse vista grossa até para o calendário. Os advogados dizem que o Ministério Público cometeu um ato ilegal ao pedir dados financeiros de Flávio ao Coaf em 14 de dezembro, quando sua eleição já estava confirmada —mas ele só foi diplomado no dia 18.

Ao mergulhar de cabeça num processo com o qual dizia não ter “nada a ver”, Flávio transportou a investigação para a vizinhança do Planalto. O caso será repassado em fevereiro ao relator Marco Aurélio Mello, que votou pela restrição do foro. O pedido será julgado na Primeira Turma, na qual os cinco ministros foram favoráveis à limitação do privilégio.

Os próximos passos serão um teste sobre a relação do Supremo com os novos protagonistas do poder.


Matias Spektor: Duas direitas disputam futuro da democracia brasileira

Diversidade tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental

O campo da direita uniu forças para derrotar o petismo, mas a aliança nunca foi óbvia ou natural. Para acontecer, ela demandou que várias facções se resignassem ao peso eleitoral de Jair Bolsonaro.

Com o governo empossado, a disputa entre esses grupos voltará à superfície. Mas, desta vez, toda a diversidade da direita brasileira tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental.

De um lado, a direita formada na esteira da globalização. Trata-se de um grupo de talho liberal. Em política, seu compromisso maior é com o constitucionalismo, o Estado de Direito e a garantia de liberdades individuais e das minorias.

Na economia, essa turma vê no mercado e na abertura ao mundo os melhores mecanismos para lutar contra os grupos de interesse que inviabilizam o controle do gasto público.

Em relações internacionais, esse grupo advoga por instituições globais com peso suficiente para contrapor a força centrífuga dos nacionalismos. Para esse pessoal, o nacionalismo é usado por grupos que lutam para manter o Brasil arcaico como escudo de proteção de privilégios.

Do outro lado, está a direita conservadora. Hoje democrática, ela prega eleições livres e competitivas e dá provas de que pode ganhá-las com folga. Seu compromisso maior é com os ideais de nação, família tradicional e fé cristã. Ela rejeita o multiculturalismo, a normalização da família não-tradicional e a laicidade —marcas distintivas da direita liberal.

Em política exterior, a direita conservadora rechaça organizações internacionais por vê-las como títeres de uma elite global comprometida consigo mesma, ao arrepio das maiorias eleitorais de cada país soberano. Para esse pessoal, o nacionalismo é condição necessária para um mundo mais estável, justo e afluente.

A direita conservadora brasileira não é nova, é claro. Só que sua posição durante o longo condomínio tucano-petista foi periférica. Agora, ela volta com a autoconfiança de quem sabe ser parte de uma onda transnacional, da mão de Donald Trump (Estados Unidos), Viktor Orbán (Hungria) e Bibi Netanyahu (Israel).

Se a direita liberal é cosmopolita e tecnicista, a conservadora é nacionalista e populista. Nos últimos 30 anos, ambas provaram ter capacidade de ganhar no voto. Também foram capazes de costurar uma aliança entre si. Mas seus propósitos são irreconciliáveis.

Sua batalha agora é sentida na arena institucional do novo governo. Economia e Justiça por um lado. Educação, Relações Exteriores e Direitos Humanos por outro.

O fiel da balança será o establishment militar, onde há liberais e conservadores.

O resultado desse embate definirá o futuro da direita e da democracia brasileira, que poderá ser liberal ou não.