Folha de S. Paulo

Folha de S. Paulo: Após crise, Itamaraty está sob tutela de militares do governo

Ação ocorreu após Ernesto Araújo assinar documento sobre a Venezuela sem consultar generais

Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo

A ala militar do governo promoveu uma espécie de intervenção branca no Itamaraty, tutelando os movimentos do chanceler Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis —crise na Venezuela à frente.

O chanceler, que nunca comandou um posto no exterior, se indispôs com os militares logo na largada do governo, numa crise até aqui inaudita.

No dia 4 de janeiro, ele participou de reunião no Peru do Grupo de Lima, que reúne 14 países para discutir a situação política venezuelana.

O grupo, que considera ilegítima a reeleição do ditador Nicolás Maduro no ano passado, se encontrou para determinar novas medidas contra o governo em Caracas.

Quando o documento foi divulgado, militares ligados à área de inteligência ficaram de cabelo em pé com o item “D” das providências anunciadas: “Suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”, dizia o texto.

Só que Araújo não consultou a área militar sobre isso. E é justamente a cooperação com as Forças Armadas venezuelanas que mantém o Brasil minimamente informado sobre os passos da ditadura.

Isso ocorre tanto devido ao “backchannel”, informações de bastidor trocadas por oficiais, como com a observação direta da área de inteligência. Como diz um experiente negociador da região, o Brasil sabe mais sobre Caracas por meio dos próprios militares chavistas do que por canais diplomáticos regulares.

Isso aconteceu enquanto uma outra crise, essa pública, transcorria. Também na primeira semana do governo, o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler defenderam a instalação de uma base americana no Brasil, algo que soa herético aos militares daqui.

O general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) buscou o reduzir a um mal-entendido por parte da mídia —o fato de que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, confirmou a oferta foi convenientemente deixado de lado.

No caso da Venezuela, alguns oficiais sugeriram que Araújo fosse demitido. Outros ponderaram sobre o dano de imagem que tal queda geraria e sugeriram que ele se consultasse mais com os ministros egressos da área militar.

Pelo menos dois generais com assento importante no governo conversam regularmente com o chanceler.

Um diplomata alinhado à nova chefia diz que isso é normal, dada a sobreposição de responsabilidades entre Itamaraty e militares.

Já um outro embaixador, em posição mais privilegiada mas no campo que Araújo promete remover de cargos de comando no ministério, afirma que não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de Defesa.

Seja qual for a gradação, o efeito da tutela foi visto ao longo do mês. Araújo reduziu sua visibilidade no caso Venezuela a poucas declarações e 7 das 22 postagens que fez no Twitter em janeiro.

Na mão inversa, o general Hamilton Mourão, o vice-presidente que ocupou a cadeira de Bolsonaro por seis dias no mês, falou em diversas ocasiões vezes sobre a crise.

Numa delas, na semana passada, indicou qual os caminho que as Forças Armadas da Venezuela deveriam tomar: oferecer uma saída ao ditador.

Mourão também antecipou movimentos que Araújo confirmou em entrevista coletiva na sexta (1º), como atender o pedido do líder oposicionista Juan Guaidó para o envio de ajuda à Venezuela e promover sanções econômicas contra membros do regime.

Até por não ser demissível, o general tem vocalizado a insatisfação. Como presidente interino, recebeu duas delegações árabes para dizer que não haverá a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, promessa de campanha de Bolsonaro repetida ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

Araújo apenas disse que mudança está em estudo.

O movimento é destinado a agradar a base evangélica do presidente, que vê no reconhecimento da cidade como capital de Israel o restabelecimento de uma verdade bíblica e uma antessala para a volta de Cristo à Terra.

Os árabes, grandes compradores de aves brasileiras, prometem retaliar porque o status de Jerusalém é disputado entre palestinos e israelenses.

O vice também descartou, como já fizera o general Heleno e o próprio Bolsonaro, qualquer intervenção militar contra Maduro. A ideia foi ventilada várias vezes pelo presidente americano, Donald Trump, e os fardados temem que o chanceler se inspire em seu ídolo declarado.

Mourão também trocou farpas públicas com Olavo de Carvalho, o misto de escritor e ideólogo a quem Araújo deve seu discurso político e a indicação, feita por meio de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL-SP. Ele, Araújo e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, são alunos de Olavo engajados no projeto de “livrar o Itamaraty das amarras ideológicas”, como diz o presidente.

O vice também criticou o chanceler numa entrevista à revista Época, dizendo que ele não havia dito a que veio. Em particular, oficiais da ala militar e generais da ativa são bem menos diplomáticos, especialmente quando comentam o caudaloso discurso de estreia de Araújo. Outras manifestações, como o artigo em que creditou a Deus a união entre Bolsonaro e Olavo, são apenas alvo de chacota.

Não por acaso, Mourão tem se encontrado com embaixadores para tentar desfazer a má impressão que o governo Bolsonaro causa entre políticos estrangeiros —salvo, naturalmente, Trump e líderes assemelhados na Itália, Hungria ou Israel.


Elio Gaspari: As mineradoras precisam de uma Lava-Jato

Se as empresas tivessem a qualidade de seus advogados, nenhuma barragem teria se rompido

Os doutores das mineradoras precisam conferir o prazo de validade da vitória que conquistaram depois do desastre de Mariana. Morreram 19 pessoas, foram aplicadas 56 multas totalizando R$ 716 milhões, ninguém foi para a cadeia, e até hoje a Samarco (sócia da Vale) só desembolsou R$ 41 milhões. Se as empresas tivessem a qualidade de seus advogados, nenhuma barragem teria se rompido.

As mineradoras foram competentes para construir uma barragem política, judicial e administrativa. Projetos de aperto na fiscalização das barragens estão travados no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas. Uma iniciativa que elevaria para R$ 30 milhões o valor das multas cobradas às empresas atolou no Congresso, e o teto ficou em R$ 3.200. O Código de Mineração foi escrito em computadores de um escritório de advocacia de São Paulo, entre cujos clientes estava a Vale.

O setor do ministério de Minas e Energia que cuida de geologia e mineração foi dirigido e aparelhado por quatro veteranos da Vale. Uma empresa da família do deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) explorou a bacia de rejeitos de Brumadinho. Por coincidência, o doutor relatou o Código de Mineração na Câmara. Como não se reelegeu, aninhou-se na Casa Civil de Bolsonaro. A Agência Nacional de Mineração tem 35 fiscais para 790 barragens de rejeitos.

Disso resultou que as sirenes da barragem de Brumadinho não foram acionadas. A Vale explica esse detalhe atribuindo o silêncio “à velocidade com que ocorreu o evento”. Os circuitos cerebrais do inventor dessa patranha devem estar desligados há anos.

No caso de Mariana, a Vale assumiu uma atitude de rara arrogância. Primeiro, tentou dissociar-se do desastre, dizendo que apesar de sócia do negócio, a barragem era de outra empresa, a Samarco. Clovis Torres, então diretor jurídico da Vale, foi mais longe: “A Samarco não é um botequim. Não é uma empresa qualquer”. Ofendeu os donos de botequim.

A barragem das mineradoras teve solidez. Assemelhou-se à das grandes empreiteiras em 2009, quando a Camargo Correa foi varejada pela Operação “Castelo de Areia”. Estava tudo lá, grampos, propinas e superfaturamentos. Graças ao mecanismo da blindagem, a investigação foi desmanchada no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Em 2014, um juiz pouco conhecido chamado Sergio Moro entrou na Operação Lava-Jato e deu no que deu. No ano seguinte, a Camargo Correa tornou-se a primeira grande empresa a colaborar com as autoridades, abrindo uma fila onde entraram todas as outras.

A estratégia vitoriosa em Mariana foi a “Castelo de Areia” das mineradoras. Brumadinho deveria ser um apelo para que comece uma nova Lava-Jato. As astúcias minerais e os malfeitos expostos pela Lava-Jato têm diferenças na dinâmica, mas convergem no desfecho. As empreiteiras distribuíam dinheiro para lesar a Viúva. As mineradoras blindaram-se para sedar a fiscalização e para controlar o poder público. Convergiram no dano, umas lesando o Tesouro, outras matando gente.

O prazo de validade da “Castelo de Areia” expirou com a Lava-Jato. A estratégia usada em Mariana precisa ter o prazo de validade anulado.

Como as mineradoras conseguiram blindar Mariana, adormecer o Congresso e aparelhar a máquina fiscalizadora? Uma nova Lava-Jato poderá trazer as respostas. Bastaria um juiz Moro e uma equipe de procuradores como a que surgiu em Curitiba. O resto vem por gravidade. O doleiro Alberto Youssef achou melhor falar, depois veio o engenheiro Paulo Roberto Costa, e assim foi. Se alguém fizer as perguntas certas, alguém falará.

A lição de Cordeiro
O marechal Cordeiro de Farias foi uma espécie de curinga nas revoltas militares do século passado. Esteve na Coluna Prestes, na Revolução de 30 e nos levantes de 1945 e 1964.

Em 1974, quando o comunista Luiz Carlos Prestes declarou-se condômino da vitória eleitoral do MDB, o deputado Thales Ramalho espinafrou-o. Cordeiro tinha um afeto paternal por Thales e, ao encontrá-lo, disse-lhe: “Não faça mais isso, seja qual for a tua divergência com o Prestes, ele é um personagem da História”.

Thales foi um marquês do Império na política da República e narrava o episódio com humildade. O pessoal que impediu a ida de Lula ao enterro do irmão Vavá tisnou as próprias biografias.

(No governo do general Figueiredo, o delegado Romeu Tuma, da Polícia Federal, tirou Lula da cadeia para o enterro da mãe.)

Um conservador
Os atrasados não são conservadores, são só atrasados.

Em 1974, pegou fogo um edifício comercial no centro de São Paulo, e nele funcionavam escritórios do Citibank. Morreram 189 pessoas. Quando Walter Wriston, presidente mundial do banco, soube que alguns de seus empregados tinham sido queimados e que John Reed, seu futuro sucessor, estivera no prédio dias antes, determinou que todas as sedes do Citi no mundo seguissem as normas do Corpo de Bombeiros de Nova York.

A adaptação custou milhões de dólares.

Anos depois, ao ouvir essa história, o presidente brasileiro do Banco de Boston, comentou: “É por isso que o Citi não consegue vender suas sedes”. Em 2011, o banco foi vendido ao Itaú (em tempo, o banqueiro não era Henrique Meirelles).

Wriston nunca teve empregada em casa e, quando foi sondado para ser secretário do Tesouro, recusou, porque não via razão para mostrar suas finanças ao governo. Impôs uma política de cotas ao RH e não promovia fumantes.

Era apenas um conservador.

Mourão falador
Estranha turma a de Bolsonaro. Está contrariada porque o vice-presidente fala demais.

Mas foi precisamente por falar demais que o general Hamilton Mourão entrou na chapa do candidato.

Mourão calado é uma fantasia.

Dr. Eremildo
A imprensa persegue os governos.

Em 2009, o repórter Luiz Maklouf Carvalho mostrou que a biografia oficial de Dilma Rousseff apresentava-a como doutora em economia pela Unicamp sem que ela tivesse apresentado a tese que lhe daria o título.

Agora, a repórter Anna Virginia Balloussier mostrou que a ministra Damares Alves se apresenta como “mestre em educação, em direito constitucional e direito da família” sem ter qualquer título de mestrado. A doutora explicou que a fonte de seu qualificativo é bíblico.

Eremildo, o idiota, é mestre em capoeira e xadrez.

É fria
Os çábios que orientam a defesa de Fabrício Queiroz acham que ele deve ir ao Ministério Público levando um texto e mantendo-se em silêncio.

Marcelo Odebrecht teve a mesma ideia. Meses depois começou a falar, ao vivo e a cores.
Os procuradores não têm pressa, só perguntas.

Encrenca
A próxima encrenca que azucrinará a vida de políticos do Rio poderá ser a comprovação de que dinheiro das milícias caía na conta de funcionários de gabinetes de alguns deputados.


Vinicius Torres Freire: Lula e Bolsonaro no SUS

Gasto per capita em saúde pública cresceu 91% de 2003 a 2017, mas a crise chegou

Quando gente mais rica ou remediada fala do SUS (Sistema Único de Saúde)? Quando um presidente é internado em um grande hospital privado de São Paulo, por exemplo. Então vem a pergunta mesquinha: “Por que não foi para o SUS?”. Vale para Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, a depender do ódio político do freguês.

Mas o SUS deve ser a prioridade do presidente na opinião de 40% dos eleitores, segundo pesquisas Datafolha de 2018 (e para 49% dos que ganham até dois salários mínimos). Cerca de 25% dos brasileiros têm acesso à saúde privada, aqueles com renda e empregos melhores. O SUS não é lá assunto para a elite da opinião pública. Precisamos falar sobre o SUS.

Qual o estado do financiamento da saúde pública? Houve desmonte sob Michel Temer? Progrediu, neste século?

A despesa dos governos federal, estaduais e municipais com saúde pública cresceu sem parar entre 2003 e 2014. Caiu então um tanto e se recuperou em 2017. O gasto por brasileiro, per capita, também cresceu nesses anos: 91%.

Essas contas foram baseadas em dados do estudo “Consolidação do Gasto com Ações e Serviços Públicos de Saúde”, dos pesquisadores Sergio Piola, Rodrigo de Sá e Benevides e Fabiola Vieira, do Ipea (Texto para Discussão 2.439, de dezembro de 2018).

O crescimento da despesa não foi pequeno, embora nada comparável ao dos gastos previdenciários federais, que foram de 9,2% do PIB para 11,2% do PIB entre 2007 e 2017. Nesses anos, o gasto federal em saúde passou de 1,6% do PIB para 1,7% do PIB —note a brutal disparidade entre Previdência e saúde.
Se o dinheiro foi suficiente ou se é gasto de modo eficaz, são outros quinhentos.

Para os autores do estudo do Ipea, a estagnação do gasto em saúde é problema sério. A população envelhece, se disseminam doenças crônicas, ainda há desigualdade regional no acesso a serviços e os preços da saúde sobem mais do que a média da inflação. Seria necessário mais dinheiro.

Isto posto, não houve “desmonte” na saúde sob Temer. Em 2017, a despesa federal per capita foi, de fato, 0,6% menor que em 2014 (ano final de Dilma 1). Mas a recessão talhou a receita de impostos e, de resto, o gasto per capita em 2017 ainda era 11,9% maior do que no final de Lula 2 (2010). Em estados e municípios, a despesa caiu mais.

Não é defesa de Temer. É um exemplo de exageros ou alucinações na discussão pública. A universalização da saúde pública (1988) e a vinculação mais efetiva de despesa (2000-2001) foram resultado de longo debate entre pesquisadores, servidores, militantes sociais e parlamentares. O gasto em saúde pública entre 2001 e 2016 foi vinculado à receita de impostos e, em parte, ao crescimento do PIB, grosso modo. No geral, é mais uma política de Estado do que de governo.

Ainda assim, governos podem redirecionar políticas de longo prazo ou avacalhar sua execução.

A despesa federal com saúde deixou de ser vinculada à receita de impostos. Desde 2018, há apenas um piso de gastos, que será reajustado pela inflação. Para elevar a despesa na saúde, será preciso tirar dinheiro de outra área, dado o teto geral de gastos criado sob Temer, em 2016.

O que vai fazer Bolsonaro a respeito do problema prioritário para a população, ainda mais em tempos de estados e municípios sem dinheiro, de mais gente sem saúde privada, afora problemas de longo prazo? Seus economistas querem acabar com o piso de gastos sociais. Dá certo?

A gente não está nem aí.


Samuel Pessôa: É hora de acabar a greve no Congresso

Somente o Congresso tem a legitimidade de gerir nosso conflito distributivo

O Congresso Nacional assumiu. Rodrigo Maia ficou na presidência da Câmara. Após duas longas e tumultuadas sessões, sexta e sábado, Davi Alcolumbre passou a ser presidente do Senado e do Congresso. Começou o ano na política.

Esse Congresso tem uma tarefa dificílima pela frente. Terá que promover o ajuste fiscal estrutural.

O setor público brasileiro tem obrigações na forma de pagamento de salários, aposentadorias e pensões para servidores ativos e inativos; de benefícios previdenciários e pensões do INSS; de seguro-desemprego; de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez; de abono salarial e seguro-defeso; entre tantas outras.

Adicionalmente, é necessário haver verbas para manter os serviços básicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública, além de recursos para o investimento público —rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, metrôs nas grandes cidades, saneamento básico etc.

Também é preciso dinheiro para apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e às universidades.

Vale lembrar que somente nos últimos meses uma ponte e um viaduto na cidade de São Paulo ficaram inutilizados, causando enormes transtornos para todos os que utilizam as marginais. Ou seja, o investimento não tem sido suficiente nem para cobrir a depreciação do capital público existente.

Quando me refiro a ajuste fiscal estrutural, significa que o Congresso nas legislaturas passadas determinou obrigações ao Estado —salários, benefícios previdenciários e programas sociais, além de desonerações e programas de incentivo ao setor produtivo— que não conversam com as fontes de receitas que esse mesmo Congresso estabeleceu para o setor público.

O gasto público é estruturalmente maior do que a receita de impostos. E esse desequilibro não resulta de a economia estar deprimida ou de algum motivo cíclico. É por esse motivo que se emprega o adjetivo estrutural para qualificar o déficit público.

Saímos de nossa grande depressão no primeiro trimestre de 2017 —há dois anos, portanto— e continua a haver um enorme rombo nas contas públicas.

Crescemos no último biênio muito pouco, pouco menos de 2,5%, mas o próprio desequilíbrio fiscal estrutural impede a recuperação. Quem irá investir em uma sociedade em que os políticos não se entendem e constroem um setor público estruturalmente insolvente?

Tapar esse rombo não é tarefa do Ministério da Fazenda; nem mesmo do presidente. Tapar esse rombo é tarefa do Congresso. Somente o Congresso tem a legitimidade de gerir nosso conflito distributivo e estabelecer bases tributárias e obrigações ao setor público que conversem entre si.

O presidente coordena esse processo. Mas a palavra final é do Congresso. O melhor que o Executivo pode fazer é apresentar um plano de ajustes das contas públicas e a partir dele negociar no Congresso.

Tudo pode ser conversado, inclusive aumento de carga tributária, se o Congresso assim o quiser. Os economistas e demais técnicos palpitam com relação aos impactos sobre o desempenho da economia
—crescimento, desigualdade e pobreza— desta ou daquela medida. Mas a decisão é política e somente pode ser tomada pelo Congresso.

Em razão da crise política, o Congresso está em greve desde 2015. Recusa-se a arbitrar nosso conflito distributivo. Enquanto isso, a dívida se acumula e o abismo inflacionário se aproxima.

Novo governo. Congresso muito renovado. Chegou o momento de acabar a greve.

*Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Bruno Boghossian: Circo da eleição mostra que nem senadores levam a política a sério

Entre Renan e Bolsonaro, parlamentares fazem concurso de trapaças e se dobram a curtidas

O circo erguido na eleição para o comando do Senado prova que a briga pelo poder é sempre feia, mesmo que se tente disfarçá-la com ares moralizadores. A disputa que durou mais de 24 horas começou com uma trapaça, passou por uma suspeita de fraude e terminou com um cacique abatido.

Com o patrocínio do governo, Davi Alcolumbre (DEM) armou uma tramoia para capturar a presidência da Casa e entregá-la aos pés do Palácio do Planalto. Amarrou-se à cadeira e, para tentar derrotar Renan Calheiros (MDB), resolveu mudar as regras do jogo com a bola rolando.

O código do Senado diz expressamente que a eleição deve ser secreta, mas Alcolumbre decidiu que isso não importava e tentou fazer o voto aberto. O grupo do MDB bateu no Supremo Tribunal Federal de madrugada para manter o sigilo.

Renan quase foi vítima de uma arte que domina: a manipulação para preservar o poder. O desenrolar da história mostra que seu tempo passou.

A disputa chegou ao ponto do vexame com a cena infantil em que Kátia Abreu (PDT) roubou a pastinha do presidente da sessão. No dia seguinte, uma excelência tentou fraudar a eleição ao depositar dois votos na urna. Para o deboche ficar completo, o senador escalado para triturar as cédulas foi Acir Gurgacz (PDT) —que cumpre pena de prisão, mas dá expediente no Congresso.

Ao fim da tragicomédia, Davi venceu com o impulso dos calouros do Senado, que queriam destronar Renan. Os novos tempos da política, porém, caem podres quando abraçam o discurso demagógico rasteiro.

Lasier Martins (PSD), por exemplo, defendeu atropelar as regras do jogo porque as vozes nas redes sociais eram “a-vas-sa-la-do-ras”. Jorge Kajuru (PSB) disse que tudo se justificava porque não queria ser vaiado ao embarcar num avião.

As autoridades deveriam levar a sério o papel que desempenham no plenário. A responsabilidade é maior do que as curtidas nas redes sociais ou a tentativa desesperada de manter o poder a qualquer custo.


Demétrio Magnoli: Parapolítica, uma lição colombiana

Com a ascensão de Bolsonaro, o tema das milícias escapa aos limites do Rio, ganhando dimensões nacionais

“Nomeei Noguera por sua biografia e sua família, confiei nele. Se delinquiu, me dói e peço desculpas à cidadania.” Foi assim, no condicional, que o ex-presidente Álvaro Uribe reagiu à condenação de Jorge Noguera a 25 anos de prisão, pela Corte Suprema, em 2011.

Noguera, diretor do Serviço de Inteligência estatal entre 2002 e 2006, no primeiro mandato de Uribe, foi sentenciado por pertencer secretamente às Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), maior grupo paramilitar do país.

O processo que o desmascarou salvou o Estado colombiano das garras das milícias. Sugiro ao Ministério Público, ao Congresso e ao ministro Sergio Moro que estudem o caso –e não por mera curiosidade histórica.

O paramilitarismo na Colômbia é fenômeno tão antigo quanto as guerrilhas de esquerda. As AUC, como as Farc, sua inimiga, firmaram pactos com o narcotráfico e envolveram-se com inúmeros negócios criminosos.

Na moldura da guerra civil, os tentáculos dos grupos paramilitares alcançaram a esfera da política. O termo “parapolítica” descreve o entrelaçamento dos dois mundos. Os paramilitares patrocinaram as eleições de deputados, prefeitos e vereadores.

O Ministério da Justiça colombiano divulgou, antes das eleições municipais de 2011, uma lista de candidatos “inidôneos”. Eram 13 mil nomes, mais que 10% do total.

As milícias brasileiras não surgiram no quadro de uma guerra civil, mas no contexto do controle das favelas do Rio de Janeiro pelo crime organizado. Nasceram como “polícia mineira”: grupos de autodefesa das comunidades.

Logo, evoluíram como bandos criminosos que exploram serviços ilegais e mantêm laços estreitos com a polícia oficial. A infiltração das milícias na política começou há tempo, em escala local. A Folha (31) publica indícios alarmantes sobre a possível extensão dos tentáculos da parapolítica ao núcleo do Estado brasileiro.

O clã Bolsonaro notabilizou-se, ao longo dos anos, por minimizar a ameaça das milícias. A estratégia discursiva empregada articula-se em torno de uma simulação: eles fingem que as milícias encontram-se, ainda, no estágio embrionário de “polícia mineira”.

A bandeira da liberação do porte de armas encontra, aí, sua lógica: sem as rigorosas restrições atuais, uma faceta crucial da atividade dos milicianos fica protegida da sanção da lei.

Evidentemente, o discurso político dos Bolsonaro não constitui sintoma de envolvimento com as milícias. Já os lugares ocupados pelo ex-PM Fabrício Queiroz e pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega na rede de relações do clã levantam óbvias suspeitas.

O segundo, acusado de liderar o Escritório do Crime, milícia suspeita da execução de Marielle Franco, foi homenageado na Alerj por Flávio Bolsonaro, a pedido do primeiro. Na ocasião, o ex-Bope encontrava-se preso, justamente em função de suas aparentes ligações com as milícias.

O gabinete de Flávio Bolsonaro empregou como assessoras a mãe e a esposa de Adriano, sempre a pedido de Queiroz, o homem que produz dinheiro vivo. Nada disso, em si mesmo, é crime. Mas são coincidências em série que solicitam investigações urgentes.

Na Colômbia, informações compartilhadas por Noguera com as AUC conduziram a pelo menos um assassinato de ativista de direitos humanos: o do professor Alfredo Correa de Andreis, em 2014. No fim, graças ao Judiciário, a Colômbia não se tornou um Estado dos paramilitares.

Por aqui, com a ascensão de Bolsonaro ao Planalto, o tema das milícias escapa aos limites do Rio, ganhando dimensões nacionais. A lição colombiana é que a parapolítica pode até se instalar na cúpula estatal.

Num país sério, o MPF já teria assumido o controle sobre as investigações da estranha teia de relações de Flávio Bolsonaro, e o Congresso criaria uma CPI da execução de Marielle. Mas, se fôssemos um país sério, não estaríamos contando os mortos de Brumadinho.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Julianna Sofia: Ecos na caserna

Militares estreiam o toma lá dá cá com governo Bolsonaro

Jair Bolsonaro elegeu-se com 58 milhões de votos lançando ataques à velha política e ao fisiologismo. Até onde a vista alcança, ao nomear seu ministério, manteve-se aderente ao discurso de não se curvar a negociações embaladas pelo casuísmo de agremiações partidárias. Nesta sexta-feira (1°), um Congresso Nacional seminovo tomou posse, o que vai pôr à prova o modelo bolsonarista de agora em diante.

Vêm de onde menos se esperava e de forma precoce ecos do toma lá dá cá. A caserna está sendo justamente pressionada a entrar na reforma da Previdência e já aceita elevar de 30 para 35 anos o tempo mínimo de serviço. Para dar sua cota de sacrifício, porém, os militares querem levar uns tostões da União em troca.

Em discussão está a revisão do plano de carreira das Forças Armadas, por consequência, um aumento salarial. “Temos uma defasagem salarial. Coloquei isso na mesa. O presidente Bolsonaro é um profundo conhecedor disso”, diz o ministro Fernando Azevedo (Defesa).

O regime dos militares inativos e pensionistas registrará um rombo de R$ 43 bilhões neste ano, quase o mesmo impacto negativo do sistema previdenciário do funcionalismo federal, que atende ao dobro de beneficiários e é tido como um dos focos da reforma de Jair Bolsonaropara acabar com privilégios.

Mesmo com a expectativa de engordar os holerites, os generais desejam ficar de fora do primeiro pacote de mudanças que o governo encaminhará ao Congresso nas próximas semanas. Alegam que o projeto da categoria tramitaria em menos tempo que a reforma-mãe e, portanto, poderia ser mais debatido antes do envio. O timing será dado por Bolsonaro, que já defendeu jogar os militares para uma segunda etapa.

O Palácio do Planalto quer liquidar neste primeiro semestre a fatura da Previdência. Ao excesso de otimismo governista, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), retruca: “Quem vai conduzir o tempo da votação da reforma da Previdência é a Câmara dos Deputados”.


Bruno Boghossian: Acordos na Câmara e no Senado dão peso aos antigos caciques

Eleições desta sexta no Congresso sugerem que, para os políticos, renovação foi papo-furado

A tinta branca jogada sobre o Congresso para inaugurar o mandato dos novos parlamentares não engana: a escolha dos presidentes da Câmara e do Senado continua sendo o velho concurso de popularidade e a disputa de cargos de sempre.

Os acertos partidários deram aos caciques a garantia de que boa parte das balanças do poder continuarão niveladas da mesma maneira.

Os deputados entrarão em plenário nesta sexta (1º) com a fatura fechada. Rodrigo Maia deve se eleger presidente da Câmara pela terceira vez seguida. O político do DEM espetou o broche de parlamentar na lapela há 20 anos e nunca mais tirou.

Se alguém quiser encontrar no comando da Casa algum indício da tal renovação vista nas eleições, vai precisar de boa vontade. O favorito para a primeira vice-presidência é Marcos Pereira. Ele chega à Câmara para seu primeiro mandato, mas chefia o PRB há oito anos e foi ministro do governo Michel Temer.

Nem o PSL, que pegou carona no marketing da nova política, conseguiu disfarçar: indicou como segundo vice-presidente Luciano Bivar, dono da sigla, eleito deputado federal pela primeira vez em 1998.

Pelo acordo entre os partidos, devem tomar o poder na Câmara outros veteranos e herdeiros de linhagens políticas, como o célebre André Fufuca, do PP. Ele é filho de Fufuca Dantas, prefeito de Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão.

No Senado, a eleição chega indefinida, mas também reflete o papo-furado da renovação política. Renan Calheiros (MDB) é, ao mesmo tempo, favorito para a votação entre seus pares e inimigo número um do momento entre os eleitores.

Os principais adversários do cacique alagoano são, por ironia, dois senadores que estão no meio de seus mandatos de oito anos e, portanto, não precisaram superar o paredão das urnas em 2018. Simone Tebet (MDB) é filha de Ramez Tebet, ex-presidente do Senado. Davi Alcolumbre (DEM) disputou o governo do Amapá. Ficou em terceiro lugar e não foi nem ao segundo turno.


Vinicius Torres Freire: Gasto militar se segura na crise

Despesa geral do governo cresceu em relação aos anos Lula e Dilma; receita vai mal

Os militares ficaram com a maior fatia do que o governo federal gasta em máquinas, equipamentos e obras em 2018. É a primeira vez que isso acontece, pelo menos desde quando há estatísticas públicas comparáveis (2007). Levaram 21,6% do total das chamadas despesas de investimento em 2018.

O número tem interesse, mas não convém exagerar sua importância. As despesas em investimento se limitam agora a apenas 3,9% de tudo o que o governo gasta. Em dinheiro, isso dá uns R$ 54 bilhões de um total de gasto de R$ 1,37 trilhão em 2018 (não estão incluídas aqui as despesas com juros da dívida pública).

O gasto militar superou o dos ministérios dos Transportes (19,2% do total do investimento), da Saúde (12%), das Cidades (10,2%), da Educação (9,3%) e da Integração Nacional (6,4%). Tem havido cortes feios nas obras de estradas e nas Cidades, que cuida do Minha Casa, Minha Vida, programa que foi à míngua. Transportes e Cidades costumavam liderar o ranking.

Para onde foram os R$ 11,6 bilhões de investimento militar? Quase R$ 2,2 bilhões foram capital para a Emgepron, estatal que fabrica navios e equipamentos para a Marinha. Mais R$ 1,3 bilhão foi para os novos caças da Força Aérea. Quase R$ 1,3 bilhão para os submarinos da Marinha. Mais de R$ 600 milhões para os aviões cargueiros KC (aqueles novos, da Embraer) etc.

A despesa total de investimento até cresceu um pouquinho em 2018. Mas, repita-se, foi de apenas uns R$ 54 bilhões, ante o pico de R$ 100 bilhões, em 2014, no fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff. País e governo foram à breca, os gastos obrigatórios continuaram a crescer e, como de costume, o talho foi feito nos investimentos.

A despesa geral do governo, no entanto, não caiu. Em 2018, foi 2% maior que em 2017 (já corrigida pela inflação). Maior também que a de 2016 e a de 2014, último ano de Dilma 1. Foi um pouco menor que a de 2015, mas os dados deste ano estão perturbados pelo ajuste de contas das pedaladas dilmianas. Por cabeça, por brasileiro, a despesa do governo é quase 11% maior que no final de Lula 2 (2010) e apenas 1,5% menor que em 2014, quando as contas públicas explodiam.

Fechado o balanço de 2018, convém outra vez mostrar para onde vai o grosso do dinheiro. As despesas previdenciárias levam 56,7% do gasto total. Estão incluídos aqui os gastos do INSS (aposentadorias, pensões, auxílios de acidente etc.), além dos BPC (benefícios para deficientes incapazes de trabalhar e idosos muito pobres) e aposentadorias e pensões de servidores civis e militares.

Outros 13% vão para os gastos com servidores ativos e algumas outras despesas relacionadas à folha de pessoal. Previdências e salários levam, pois, 69,7% da despesa. Em 2010, levavam 63%.

Não, o gasto total não caiu em relação a 2010, final de Lula 2, ressalte-se. Aumentou bem, em valores reais (R$ 214 bilhões), ou em relação ao tamanho da economia brasileira, como proporção do PIB (passou de 18,2% para 19,7% do PIB). Desde janeiro de 2017 a despesa federal flutua em torno desses 19,7% do PIB.

Sim, a receita caiu. Chegou a mais de 20% do PIB na virada de Lula 2 para Dilma 1, insustentável. A receita está agora em 17,9% do PIB.

Se e quando voltar a subir, a arrecadação extra servirá para cobrir o déficit, que anda na casa R$ 120 bilhões. Depois disso, por muitos anos, o eventual dinheiro que sobrar será usado para conter a dívida monstruosa.

Esse é o cenário otimista.


Bruno Boghossian: Eleições no Congresso podem queimar fusível no Planalto

Disputa pode esvaziar papel de Onyx e deixar governo nas mãos de Renan e Maia

O governo corre o risco de queimar seu primeiro fusível na relação com o Congresso. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado podem instalar no comando do Legislativo dois personagens que têm relações já desgastadas com os articuladores do Planalto.

Ao ser anunciado por Jair Bolsonaro como chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni foi encarado com ceticismo. O deputado ganhou o cargo por ter sido um aliado fiel, mas sempre foi visto como uma figura pouco experiente, que acumulava anos de convivência conturbada com colegas.

Novo responsável pela articulação política do governo, ele conseguiu a proeza de acumular desavenças tanto com Rodrigo Maia quanto com Renan Calheiros —dois favoritos para comandar o Congresso a partir desta sexta-feira (1º).

Se a vitória da dupla se confirmar, o Planalto pode passar por apuros. Maia e Renan já disseram publicamente que estão alinhados com boa parte da agenda de Bolsonaro, mas Onyx certamente não terá vida fácil.

Embora tenha prometido não interferir nas eleições, o governo deixou digitais nas duas disputas. Maia e Onyx já não eram melhores amigos. Para piorar, aliados do presidente da Câmara atribuem ao ministro uma tentativa de lançar um nome alternativo a sua candidatura.

No Senado, a ação foi escancarada. O chefe da Casa Civil escalou um auxiliar, o deputado Leonardo Quintão, para angariar apoio para DaviAlcolumbre, do DEM. Ele rodou gabinetes e chegou a dizer que recebera o aval de Bolsonaro para a ação.

Caso Renan saia vitorioso da eleição, Onyx começa o ano prematuramente esvaziado. O alagoano construiu pontes alternativas com o ministro Paulo Guedes para discutir a pauta econômica e já fez até acenos a Flávio Bolsonaro, que estará no plenário que ele quer presidir.

Quando Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara contra a vontade do governo petista, em 2015, disse que não conversaria com o ministro da articulação política. Pepe Vargas durou só dois meses no cargo.

Disputa pode esvaziar papel de Onyx e deixar governo nas mãos de Renan e Maia

O governo corre o risco de queimar seu primeiro fusível na relação com o Congresso. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado podem instalar no comando do Legislativo dois personagens que têm relações já desgastadas com os articuladores do Planalto.

Ao ser anunciado por Jair Bolsonaro como chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni foi encarado com ceticismo. O deputado ganhou o cargo por ter sido um aliado fiel, mas sempre foi visto como uma figura pouco experiente, que acumulava anos de convivência conturbada com colegas.

Novo responsável pela articulação política do governo, ele conseguiu a proeza de acumular desavenças tanto com Rodrigo Maia quanto com Renan Calheiros —dois favoritos para comandar o Congresso a partir desta sexta-feira (1º).

Se a vitória da dupla se confirmar, o Planalto pode passar por apuros. Maia e Renan já disseram publicamente que estão alinhados com boa parte da agenda de Bolsonaro, mas Onyx certamente não terá vida fácil.

Embora tenha prometido não interferir nas eleições, o governo deixou digitais nas duas disputas. Maia e Onyx já não eram melhores amigos. Para piorar, aliados do presidente da Câmara atribuem ao ministro uma tentativa de lançar um nome alternativo a sua candidatura.

No Senado, a ação foi escancarada. O chefe da Casa Civil escalou um auxiliar, o deputado Leonardo Quintão, para angariar apoio para DaviAlcolumbre, do DEM. Ele rodou gabinetes e chegou a dizer que recebera o aval de Bolsonaro para a ação.

Caso Renan saia vitorioso da eleição, Onyx começa o ano prematuramente esvaziado. O alagoano construiu pontes alternativas com o ministro Paulo Guedes para discutir a pauta econômica e já fez até acenos a Flávio Bolsonaro, que estará no plenário que ele quer presidir.

Quando Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara contra a vontade do governo petista, em 2015, disse que não conversaria com o ministro da articulação política. Pepe Vargas durou só dois meses no cargo.


Bruno Boghossian: O olavismo pode atrapalhar as reformas da economia?

Ala populista e nacionalista do governo Bolsonaro pode entrar em conflito com ajustes

Ao tomar posse, Paulo Guedes descreveu o novo governo como “uma aliança entre conservadores nos costumes e liberais na economia”. Embora políticos de direita se apresentem como um cruzamento das duas espécies, o ministro diz estar diante de dois bichos diferentes.

O funcionamento dessa união será testado agora. A pauta de corte de despesas é tradicionalmente impopular porque mexe em investimentos do governo e benefícios como aposentadorias. De outro lado, a agenda conservadora tem apoio oscilante e pode consumir parte do capital político do presidente.

Uma coalizão é sempre um ajuste de interesses. Às vezes, um lado precisa ceder para abrir espaço para o outro. A aliança conservadores-liberais nem sempre será compatível.

No jantar oferecido ao ideólogo Olavo de Carvalho, o estrategista Steve Bannon disse que Guedes poderia atrapalhar o avanço de uma agenda nacionalista. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bannon perguntou se Olavo conseguiria influenciar o ministro. O brasileiro negou.

Olavo personifica os conservadores da aliança. Ele não ataca a cartilha liberal, mas prioriza a pauta dos costumes, defende o nacionalismo e criticou relações com a China.

Os principais atores políticos do governo Jair Bolsonaro soam mais como Olavo. Aliás, o próprio presidente, seu chefe da Casa Civil e deputados do PSL fizeram críticas recentes à reforma da Previdência.

Os conservadores precisam que a economia se recupere para ganhar fôlego e para aplicarem sua pauta de costumes. Eles também sabem, contudo, que ajustes amargos tendem a causar danos na face populista do governo. O olavismo pode entrar em conflito com a agenda de reformas.

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A Polícia Federal negou o pedido de Lula para participar do sepultamento do irmão. Antes, o vice Hamilton Mourão dissera que a liberação era “uma questão humanitária”. Além de corrigir erros do presidente, o general acerta mais do que o delegado.


Hélio Schwartsman: O Estado contra a transparência

Quando se trata de documentos oficiais, a lógica deve ser a da publicidade

Jair Bolsonaro chegou à Presidência prometendo uma nova era de transparência administrativa. Instalado no governo, deixou para seu vice o abacaxi de assinar um decreto que reduz essa transparência.

É fácil criticar o presidente pela incongruência entre o prometido e o efetivado. E ele merece as reprimendas que recebeu. Receio, porém, que o problema seja mais geral. Desconfio até que alguém ponha algo na água servida no Planalto que torna seus consumidores refratários à publicidade governamental.

Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais democráticas são mais puro-sangue que as de Bolsonaro, assinou, no finalzinho de sua administração, um decreto ainda pior, que criava a figura do sigilo eterno (o segredo poderia ser renovado indefinidamente). Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, manteve a disposição fernandina, apesar dos apelos em contrário.

A coisa só mudou com Dilma Rousseff, sob cuja gestão foi aprovada e regulamentada a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/11), que cria mecanismos para que qualquer pessoa requisite e obtenha quaisquer documentos que não estejam sob sigilo. Foi uma bola dentro de Dilma e devemos reconhecer isso. É pena que o compromisso com a transparência exibido aí não a tenha impedido de manipular dados econômicos para assegurar a reeleição.

Não precisamos chegar ao extremo de militar pelo fim dos segredos. Um mundo de transparência total seria um inferno. O que seriam da amizade e do amor se não pudéssemos contar com a discrição de amigos e amantes? A própria sociedade não funcionaria direito sem sigilos médico, bancário, de fonte etc.

Essas, contudo, são relações que dizem primordialmente respeito a pessoas agindo na esfera privada. Quando se trata de documentos oficiais, a lógica, exceto por poucos e excepcionalíssimos casos, deve ser a da publicidade. Não dá para privar um povo da matéria-prima com a qual ele escreve a própria história.