Folha de S. Paulo
Folha de S. Paulo: Em documento, Vale projetou mortes, custos e até causas possíveis de colapso
Empresa afirma que fazia manutenção de barragem e defende que estrutura não estava em risco
Lucas Vettorazzo, Nicola Pamplona e Thiago Amâncio, da Folha de S. Paulo
RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO
Um documento interno da Vale estimou em outubro de 2018 quanto custaria, quantas pessoas morreriam e quais as possíveis causas de um eventual colapso da barragem de Brumadinho (MG), que acabou se rompendo no dia 25 de janeiro, deixando ao menos 165 mortos.
O relatório é usado pelo Ministério Público de Minas Gerais em ação civil pública em que pede a adoção de medidas imediatas para evitar novos desastres, já que dez barragens, incluindo a de Brumadinho, estariam em situação de risco, segundo o documento da própria mineradora.
A Vale questiona a Promotoria e diz que o estudo indica estruturas que receberam recomendações de manutenção, as quais já estariam em curso. A empresa defende ainda que a barragem de Brumadinho não corria risco iminente.
O estudo projeta que um eventual colapso provocaria mais de cem mortes —até o momento, as autoridades contabilizam 165 mortos e 155 desaparecidos. O número considera um cenário de rompimento durante o dia e com funcionamento dos alertas sonoros instaladospara evitar emergências.
De acordo com o estudo da Vale, chamado Resultados do Gerenciamento de Riscos Geotécnicos, os custos de um eventual rompimento na barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão poderiam chegar a US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões, ao câmbio atual).
A empresa também projetava como causas prováveis de rompimento erosão interna ou liquefação. Inspeções já tinham encontrado indícios de erosão na ombreira (lateral da barragem) e indícios de alagamento.
O documento inclui a estrutura que se rompeu entre dez barragens em uma zona de atenção. As outras são: Laranjeiras (em Barão de Cocais), Menezes 2 e 4-A (em Brumadinho), Capitão do Mato, Dique B e Taquaras (Nova Lima) e Forquilha 1, Forquilha 2, Forquilha 3 (Ouro Preto).
A análise de estabilidade exigida pela legislação atestou as condições de segurança da barragem que se rompeu, mas indicou uma série de problemas que deveriam ser resolvidos pela mineradora.
Procurada pela Folha, a Vale afirmou em nota que "os estudos de risco e demais documentos elaborados por técnicos consideram, necessariamente, cenários hipotéticos para danos e perdas".
A Vale disse que "não existe em nenhum relatório, laudo ou estudo conhecido qualquer menção a risco de colapso iminente da barragem" e reafirmou que a estrutura tinha "todos os certificados de estabilidade e segurança".
Em entrevista nesta terça (12), o gerente-executivo de planejamento da área de minério de ferro e carvão da empresa, Lúcio Cavalli, disse que "em momento algum essa estrutura deu sinais de que estava com problema".
De acordo com a Vale, a "zona de atenção" compreende barragens em que os técnicos apontaram recomendações, mas não risco iminente.
A Justiça de MG determinou uma série de ações preventivas nas barragens citadas. A Vale diz que todas as exigências já vinham sendo cumpridas.
A empresa questionou ainda versões dadas por funcionários de que os equipamentos apontaram aumento súbito no nível do lençol freático, dizendo que quatro dos piezômetros (instrumentos que medem esse indicador) apresentaram problemas de configuração e enviaram dados errados ao sistema. A barragem tinha 94 piezômetros.
Segundo a Vale, ainda não é possível identificar as causas da tragédia. Uma comissão formada por especialistas internacionais está investigando o caso, disse o diretor de Finanças e Relações com Investidores da companhia, Luciano Siani.
O executivo disse que a empresa está fazendo um levantamento das áreas habitadas próximas às suas barragens, mas que ainda não há um plano para reduzir o dano potencial em eventuais colapsos.
Leandro Colon: Laranjal machista ajudou a turbinar PSL na eleição
Esquema de candidatas laranjas revela como partido operou para crescer nas eleições
O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, usou candidatas laranjaspara driblar a legislação eleitoral em esquema de desvio de verba pública. Na cara dura, o presidente da sigla afirmou que a culpa é da lei, afinal, segundo ele, as mulheres não têm a vocação política.
Segundo as regras, 30% dos candidatos de cada partido devem ser mulheres, mesma proporção a ser respeitada no repasse do fundo partidário, formado por dinheiro público.
O que fez o PSL? Burlou a lei, conforme revelaram reportagens da Folha. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, por exemplo, é o mandachuva da legenda em Minas. Seu grupo escalou quatro mulheres para preencher a cota.
Na prática, elas fingiram ser candidatas. Eram laranjas. Juntas, não tiveram mais de 2.000 votos. Essas mulheres nunca pensaram em se eleger. Atuaram como figurantes. Foram usadas pelo PSL para repassar dinheiro do fundo a empresas ligadas a Álvaro Antonio, o deputado federal mais votado pelos mineiros.
Quem preside o PSL é Luciano Bivar, com passado nada idôneo na cartolagem do futebol pernambucano. Não se sabe direito o que ele ofereceu para levar Bolsonaro e sua trupe. A aposta deu certo, e o PSL saltou de nanico para a segunda maior bancada eleita, que tem Bivar como um dos vice-presidentes da Casa.
O que se descobre agora é como a sigla operou para atingir tamanha façanha. Em Pernambuco, uma funcionária do partido, indicada como candidata também para garantir a cota feminina, levou R$ 400 mil do fundo partidário, o terceiro maior repasse da legenda em todo o país.
O dinheiro saiu na véspera da eleição para imprimir 9 milhões de santinhos em uma gráfica fantasma. A candidata teve somente 294 votos.
Em entrevista à repórter Camila Mattoso, Bivar atacou a cota dizendo que a política “não é muito da mulher”. Bolsonaro nega as acusações de que é machista. Ele silenciou sobre o laranjal do PSL, mas deveria repudiar publicamente o discurso misógino do chefe do seu partido.
Clóvis Rossi: Um olhar sobre as bobagens de Matteo Salvini
Um dos modelos favoritos do bolsonarismo é um governo extremamente tóxico
O bolsonarismo tem adoração publicamente manifestada por Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália e principal líder da Liga, o xenófobo grupo que nasceu como Liga Norte.
Vale a pena, pois, dar uma espiada no que está acontecendo na Itália de Salvini, para o caso de que os Bolsonaros resolvam imitar as besteiras que Salvini pratica.
A mais recente é insólita e inédita desde junho de 1940, quando o embaixador francês, André François-Poncet, teve que deixar precipitadamente a Itália, após a declaração de guerra do fascismo italiano, que então ocupava o poder, à França.
Agora, é a França que chama de volta seu embaixador em Roma, Christian Masset, devido ao que a chancelaria francesa chama de “acusações repetidas”, “declarações ofensivas”, “ataques sem fundamento” e “ingerências sem precedentes” desde o fim da guerra (a de 1939-45).
Tudo praticado pelos dois vice-presidentes do Conselho de Ministros italiano, o tal de Salvini e seu colega Luigi Di Maio, do Movimento 5 Estrelas, também populista, mas de outra cepa.
A gota d’água foi o apoio dos dirigentes italianos ao movimento dos “coletes amarelos” que estão se manifestando repetidamente na França, protestos que geralmente terminam em quebra-quebra.
Sem entrar no mérito do movimento, que ainda não está bem decodificado, pergunto: como reagiria o bolsonarismo se Nicolás Maduro mandasse um representante (ou algum de seus paramilitares) para apoiar uma invasão qualquer do MST?
É isso que faz a Liga que a turma do presidente brasileiro tem como parte de sua futura fraternidade universal. Gente disruptiva por excelência, certo?
Suspeito que Paulo Guedes, o braço liberal do bolsonarismo, não tem maior simpatia por Salvini e sua turma.
O governo italiano apresentou proposta orçamentária que aumenta o déficit público, bem o oposto das intenções de Guedes. E olhe que a dívida italiana, como proporção do PIB, é bem maior que a brasileira.
O governo de que Salvini é a face mais evidente (e mais agressiva) que a Itália não vai bem das pernas: cresceu magro 1% em 2018 e, para 2019, a previsão de crescimento é magérrima (0,2%), o mais débil em cinco anos.
É verdade que a Itália vem tendo desempenho econômico medíocre há muito tempo, mas a Liga e o 5 Estrelas foram eleitos justamente para escapar da mediocridade.
Não o conseguiram em seus sete meses de governo.
Pode ser pouco tempo, mas uma fatia dos italianos parece achar que é muito: o Istat, o IBGE italiano, informou na quinta-feira (7) que cerca de 160 mil italianos mudaram-se para o exterior no ano passado, o maior número de emigrantes desde 1981.
Ou seja, o governo supostamente da “nova política” está sendo incapaz de dar esperança à ponderável fatia de italianos, que preferem tentar encontrá-la fora do país.
Ah, se o bolsonarismo reclama do vice Hamilton Mourão, na Itália é pior: Salvini fechou o país para o desembarque de imigrantes. O presidente do Conselho de Ministros, Giuseppe Conte, escolhido pela própria Liga e pelo M5S, foi à televisão para dizer que, “se não permitem os desembarques, irei eu mesmo buscá-los em meu avião”. Mourão não chegou ainda a tanto.
Vê-se, pois, que um dos modelos favoritos do bolsonarismo é profundamente tóxico. Alguma surpresa?
Hélio Schwartsman: Vamos acabar com os bilionários?
Entre os argumentos em discussão está o de que ninguém precisa de mais de US$ 1 bilhão
A discussão começou em blogs de esquerda dos EUA, mas logo ganhou as páginas do jornal The New York Times, mais especificamente uma coluna de Farhad Manjoo. O argumento para acabar com os bilionários é simples. Ninguém precisa de mais de US$ 1 bilhão para viver (se o sujeito torrar US$ 10 mil por dia, levaria 274 anos para gastar tudo) e o acúmulo de tanta riqueza concentra poder político, cala o dissenso, enfim, acaba corrompendo.
Não discordo dos pressupostos, e ainda poderia acrescentar mais alguns bons motivos para não querermos tamanho ajuntamento de dinheiro. Mas, para responder à pergunta do título, precisamos definir como daríamos fim aos bilionários.
A ideia de enforcar o último burguês nas tripas do último papa está hoje restrita a diminutos grupos radicais. Usar a progressividade da tributação parece um caminho menos violento. E é de fato possível seguir nessa linha, mas só até certo ponto. Bilionários não têm dificuldade para transferir seu patrimônio para países tributariamente mais amigáveis, se julgarem que as alíquotas em sua terra natal se tornaram excessivas.
Outra rota é a da aprovação social. Pessoas querem acumular fortunas porque a sociedade valoriza isso e está estruturada de forma a permitir que alguns felizardos ganhem muito, muito dinheiro. Poderíamos mudar nossa atitude, deixando de glamorizar a vida dos super-ricos e revendo certas práticas econômicas. Mas será que queremos isso?
A tecnologia nos lançou num mundo cada vez mais interconectado cujas marcas são a concentração e a desigualdade —o Extremistão do escritor Nassim Taleb. Meia dúzia de escritores vendem milhões de cópias, enquanto milhões de escribas ficam com migalhas. E isso não vale só para a literatura, mas para tudo. Estamos mesmo dispostos a viver num lugar sem Google, mercado financeiro, Harry Potter, supermodelos ou astros de futebol?
O bilionário, receio, é o efeito colateral do planeta que construímos.
Bruno Boghossian: Aceno à CUT é sintoma de distanciamento entre Mourão e Bolsonaro
Em semana de ruptura, filhos do presidente se alinham a crítico do vice
Na sexta-feira, o porta-voz do Planalto fez questão de relatar à imprensa que Jair Bolsonaro havia conversado por telefone com Hamilton Mourão. O governo preferiu ser vago. Informou apenas que os dois discutiram “alguns assuntos” e trocaram impressões sobre uma nebulosa “integração de ações governamentais e de planejamentos futuros”.
Não se sabe se a ligação durou mais do que os 40 segundos gastos pelo assessor para dar a notícia. Ninguém contou, também, se a dupla teve tempo de trocar algumas palavras sobre o inesperado encontro de Mourão com dirigentes da CUT.
Ao abrir o Planalto para um grupo historicamente alinhado ao PT, o vice reforçou a sensatez com que exerce o cargo, mas também cometeu um ato quase transgressor para demarcar mais uma diferença em relação a Bolsonaro. A distância política entre os dois é cada vez maior.
O presidente nunca escondeu seu desapreço pelas centrais trabalhistas. Em novembro, após vencer a eleição, ele ironizou essas corporações: “A vida de sindicalista é muito boa. É ficar lá, só engordando”. Meses antes, o filho Eduardo fizera um discurso na Câmara em que chamava integrantes da CUT de “vagabundos”.
Mourão, ao contrário, disse aos sindicalistas que gostaria de liderar a interlocução do governo com movimentos sociais, segundo o relato de um dos participantes do encontro.
A última semana delineou uma ruptura entre o núcleo bolsonarista e o vice. Depois que a revista Época noticiou que Mourão havia debochado dos livros de Olavo de Carvalho, o ideólogo chamou o general de “charlatão desprezível”. No dia seguinte, os filhos Carlos e Eduardo mostraram de que lado estão: apoiaram Olavo e disseram que ele foi responsável pela vitória de Bolsonaro.
Quando João Figueiredo se internou nos EUA para uma cirurgia em 1981, ele recebeu 72 ligações durante 16 dias. Nenhuma delas partiu do vice Aureliano Chaves, com quem o presidente mantinha uma relação de desconfiança. Bolsonaro e Mourão ao menos ainda se falam ao telefone.
Paulo Sérgio Pinheiro: Licença para matar
Segue-se à risca a via pautada pela fantasia do Estado vingador
O sr. Moro, com esse pacote, se comportou como elefante em loja de louças. Atirou para todos os lados.
Quer alterar nada menos que 14 leis, investe com sofreguidão sobre propostas já consideradas inconstitucionais pelo Supremo, como a vedação do regime de progressão da pena e a impossibilidade de concessão de liberdade provisória. E bota abaixo o princípio constitucional do trânsito em julgado da pena.
Não há surpresas. O pacote segue à risca o método pautado pela manipulação permanente do medo e pela fantasia de um Estado vingador que o sr. Moro tem personificado com maestria nos últimos anos.
O duo Bolsonaro-Moro vai consolidando sua política de segurança modelo bangue-bangue. O mesmo governo que duas semanas atrás, contra todas as evidencias existentes em matéria de violência no planeta, ampliou o acesso a armas de fogo.
Na ocasião, o sr. Moro concedeu, do alto de sua ínclita sabedoria: "Essa questão de estatística, de causa de violência, sempre é um tema bastante controvertido".
Agora, ele cava espaço para as polícias ampliarem as justificativas pelo uso de suas armas.
Para que fundamentar cientificamente? Como perder tempo com diálogos com a sociedade civil, centros de pesquisa ou mesmo corporações? Basta o clássico showzinho de Power Point. Adorei ouvir o sr. Moro dizer que a "ideia principal" ( sic) do novo projeto é melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, que desejam "viver em um país mais seguro".
Pois podem os compatriotas tirar o cavalinho da chuva. Esse pacote não vai trazer melhoria na segurança pública para ninguém, em especial para a população tradicionalmente mais vulnerável à violência: jovens negros nas periferias, indígenas, mulheres, trabalhadores rurais, LGBTs. Enfim, grupos vítimas de formas estruturais de discriminação, compreendidas como "coitadismos que têm que acabar" pelo líder maior do sr. Moro.
Afinal, qual é a evidência apresentada para a alteração do escopo legal para a letalidade das polícias?
Estamos cansados de saber que as polícias intervêm por razões de segurança --em inúmeras situações onde não há nenhuma situação legal-- sem a menor relação com os fins legais.
Assim, numa guerra contra o crime, as polícias militares continuam a se comportar como se estivessem enfrentando um "inimigo interno" a ser abatido.
A história da guerra contra o crime no Brasil é uma crônica de demagogia e fracasso, de resultados imprevistos e muitas vezes na direção oposta daquelas pretendidas. Em 2017 foram 63.880 mortes violentas, 5.144 mortes pelas polícias (14 por dia), 367 policiais mortos (um por dia).
Nesse contexto, as propostas para a atuação das polícias são a exacerbação da impunidade de fato que tradicionalmente beneficia suas execuções extrajudiciais e da consequente insegurança que esse modus operandi constitui para os próprios policiais.
Nos planos do sr. Moro, quando envolvidos em homicídios, policiais podem ter quase como certo responder aos inquéritos em liberdade, carta branca para ameaçar testemunhas e cometer mais mortes.
E, como brinde, terão a redução pela metade da pena , que deixará de ser aplicada se "decorrer de escusável medo( sic), surpresa ou violenta emoção", uma delirante exclusão de criminalidade.
Todas essas chorumelas são para dourar a pílula, no caso a doutrina do governo "policial que não mata não é policial". Missão cumprida, sr. Moro, parabéns.
*Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos (2001-02, gestão FHC), ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (2013) e presidente da Comissão Independente Internacional de Investigação da ONU sobre a Síria
Demétrio Magnoli: Ministério Privado
Partidarização de promotores e procuradores se alastra como fogo no cerrado
Eles obedecem a dois senhores. Com a mão esquerda, prestam serviço ao Estado, oferecendo denúncias criminais. Com a direita, propagam nas redes sociais um programa ideológico ultraconservador. Foi com esta mão que uma centena de promotores e procuradores de um certo Ministério Público Pró-Sociedade escreveu uma carta aberta contra os críticos do "pacote de Moro", responsabilizando-os pelo "caos" na segurança pública "nos últimos 30 anos". A dupla militância e o tom fanático do texto evidenciam a extensão do "caos" —mas no Ministério Público (MP).
Quem se recorda de Luiz Francisco de Souza, o procurador-militante que, um quarto de século atrás, dedicava seu tempo a produzir notícias destinadas a favorecer o PT? De 1 ou 2 a 100, do petismo ao bolsonarismo, o fenômeno da partidarização do MP alastra-se como fogo no cerrado. O Ministério Público Pró-Sociedade nasceu em congresso realizado na sede da Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF, no final de dezembro. O movimento organiza-se como partido político, explicitando sua doutrina.
Do congresso, emanou um manifesto com 23 "enunciados". Nele, o partido de promotores e procuradores alinha-se com o Escola Sem Partido, sustenta políticas de encarceramento em massa, cinde os direitos humanos para defender exclusivamente os "direitos humanos das vítimas", critica a "censura ilícita" de notícias falsas na internet e sugere uma censura lícita à "pornografia" em "eventos artísticos". Nada de errado para um partido político de extrema direita determinado a mudar as leis.
Tudo errado quando se trata de funcionários de Estado encarregados de zelar pelo cumprimento das leis.
Notavelmente, o manifesto do Ministério Público Pró-Sociedade mobiliza uma novilíngua orwelliana. Declara, no prólogo de seu próprio programa de transformação social, que "o MP não deve ser agente de transformação social". Na mesma introdução a seus 23 enunciados ideológicos, classifica as ideologias como derivações de "sonhos" e "abstrações" contrárias "à concretude dos fatos, da realidade, da verdade", explicando professoralmente que "conservadorismo não é ideologia, mas expressão da realidade pautada na ordem, na liberdade e na justiça".
O PT inventou; eles copiaram. O Ministério Público Pró-Sociedade (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do MP) inspira-se metodologicamente na Associação Juízes para a Democracia (cujo nome implica uma acusação velada ao restante do Judiciário). São, os dois, típicos "partidos da boquinha". Tal como os juízes-militantes, os promotores e procuradores militam dentro do Estado, na condição de funcionários com estabilidade, apropriando-se de uma instituição do sistema de Justiça para promover sua plataforma ideológica. E, tal como no caso deles, sua atividade militante é financiada pelos impostos de todos os cidadãos, que pagam seus salários, seus régios auxílios-moradia e seus gordos benefícios previdenciários.
O "pacote de Moro" afoga as louváveis prioridades de combate à corrupção e ao crime organizado num caldo de inconstitucionalidades, mudanças legais inócuas e estímulos à violência policial. Mas, acima de tudo, simula não ver que o encarceramento em massa de pequenos delinquentes converte as penitenciárias em campos de recrutamento das facções criminosas. O ataque furibundo do novo partido de promotores e procuradores tem a finalidade de cercear a crítica ao caldo viscoso que sabota as intenções virtuosas.
A militância político-partidária é direito de todos, fora do sistema policial e judicial. Decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu Luiz Francisco de Souza, por "práticas incompatíveis com o cargo". O que fazer com uma centena de promotores e procuradores dispostos a, no exercício de suas funções, ignorar a letra das leis para servir à sua ideologia?
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian:Supremo e Congresso se pintam para a guerra
Ministro ameaça barrar mudança em lei e senador propõe CPI contra tribunais
Apesar de apelos a uma convivência pacífica, o Congresso e o Judiciário parecem se pintar para uma guerra. O ano começou com magistrados ameaçando barrar mudanças na lei, propostas de CPI contra tribunais e um terreno fértil para o avanço inédito de pedidos de impeachment de ministros do Supremo.
O recomeço das atividades de parlamentares e juízes indica que os Poderes estão prestes a entrar em choque. Em seu primeiro discurso como presidente do Senado, Davi Alcolumbre desafiou o STF e disse que o Legislativo não se curvará “à intromissão amesquinhada do Judiciário”.
Os magistrados também tiraram a poeira da toga. Ricardo Lewandowski publicou na Folha um artigo em que fala em “limite às reformas” e avisa: se o Congresso mexer em leis para retirar direitos adquiridos, usará a caneta para “recompor a ordem constitucional vulnerada”. Seria um desastre para o ajuste econômico planejado pelo governo e para as mudanças na Previdência.
Nem Sergio Moro deve ter sossego. Integrantes do STF dizem que o pacote de combate ao crime do ministro da Justiça está cheio de buracos e que não permitirão alterações na lei para autorizar prisões após condenação em segunda instância.
O mal-estar cresceu depois que o senador Alessandro Vieira propôs uma CPI para investigar tribunais por uso político de pedidos de vista e conflitos de interesse. Ele diz que o objetivo não é perseguir magistrados, mas jogar luz sobre as cortes. “Se isso acabar mostrando erros e eventuais crimes, paciência”, conclui.
Carlos Melo: Janelas para o futuro estão fechadas
O 'novo' na política patina em antigos problemas
A política brasileira quase nunca surpreende, e qualquer absurdo tem precedente. Ainda assim, mesmo quem acompanha sua dinâmica há tempos ficou perdido com os episódios do Senado, logo na abertura da atual legislatura. É dispensável repetir o que se passou e talvez impossível explicar o que ocorreu; no Brasil, a realidade bate, de longe, a ficção. Mas curiosas são as semelhanças entre aquela eleição e a da Presidência da República, ano passado --além das coincidências com o que ocorre pelo mundo.
Como o eleitor comum, os senadores votaram "contra", não "a favor"; o gesto foi, antes, de desamor. Quando é assim, perdem-se rigor e critérios; faz-se opção emocional, pressionada por sentimentos e circunstâncias, sem pesar consequências.
As qualidades do escolhido deixam de ser importantes, desde que seja capaz de derrotar o mal maior -- seja ele o PT ou Renan Calheiros. Os símbolos da tragédia passada precisam ser removidos e não há possibilidade de diálogo, menos ainda de conciliação.
Claro que erros do passado precisam ser cobrados. Mas há exageros, perdendo-se o sentido de complexidade sistêmica que envolve a crise. Culpa-se o status quo pelos males do mundo moderno, sem perceber o status perdido diante de ondas de comunicação e novos processos políticos derivados da transformação tecnológica. Como se fosse possível negar a realidade e a modernidade incômodas, demoniza-se o adversário e substituem-se "ideologias" --o termo voltou à moda-- por outras ainda mais ultrapassadas.
São utopias regressivas, sobretudo, nos costumes; uma fuga para a nostalgia de um passado que retornará apenas como farsa. Um novo tipo de bonapartismo tende a piorar o que já era péssimo. Um otimismo forçado precisa ser sustentado, mas no íntimo suspeita-se que foi um tiro no pé.
Enfim, a despeito de qualquer alerta, a derrota do inimigo é mais comemorada que a vitória de quem ficará responsável pelo Executivo ou Legislativo --o Judiciário parece mais protegido, pelo menos por quanto tempo.
Do novo dirigente não importam o estofo cultural, o entendimento que tenha do mundo, sua biografia e conexões, nem a qualificação para o cargo; suas habilidades políticas mais amplas são ignoradas; não interessam.
Sem liderança, coordenação e condução políticas adequadas, a passagem para o que se imagina ser o futuro eleva muito mais os custos do que processos moderados de transição gradual e negociada -- peremptoriamente descartada.
São períodos que geram impasses, o que ocorre agora em vários quadrantes do planeta, como atestam os resultados da Primavera Árabes, do brexit, no Reino Unido, ou da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Não é um muro que se ergue, mas um beco que se forma. Lá estão tanto semelhanças quanto os fantasmas de consequências que parecem não tardar a surgir por aqui.
O fato é que uma massa disforme que representa a parte mais mobilizada e furiosa da opinião pública --sem representar toda a opinião pública-- se arroga como "o povo", num jacobinismo pueril que toma a frente do processo, sem assumir qualquer coordenação da ação coletiva. As lideranças não apenas são atropeladas, como se apequenam e desaparecem. Há pavor em se contrapor ao radicalismo confortável das redes sociais.
O resultado até aqui parece ser a destruição do passado e de seus personagens, como também da política. Não se abrem janelas para o futuro. E, depois de tudo, elas ainda estarão fechadas.
Com pretensos ares de renovação, o "novo" patina em antigos problemas, seja porque a suposta ruptura não traz novidade ou porque sobram inexperiência e inaptidão aos novos agentes.
E quase nunca há saída fácil para esses impasses a não ser purgar erros ao longo dos mandatos, torcendo para que instituições e o tecido social não se esgarcem completamente. Fica-se à espera de que no longo prazo essa destruição possa produzir algo de realmente criativo, antes que estejamos todos mortos de verdade.
*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper
Hélio Schwartsman: Divertido, mas...
Senadores agiram como colegiais destemperados
Foi animada a votação para a presidência do Senado. Confesso que me diverti, mas, se refletirmos mais detidamente, deveríamos ficar preocupados, porque praticamente todos os atores, ainda que em graus variados, se comportaram mal.
O novo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, violou a pudicícia parlamentar ao presidir uma sessão na qual tinha interesses como candidato e atropelou o regimento, tentando impor a votação aberta contra disposição expressa do texto. Pisou na bola antes mesmo de começar a gestão, um recorde.
A turma de Renan Calheiros, que durante algum tempo até teve a razão a seu lado, perdeu-a quando a senadora Kátia Abreu roubou a pasta deAlcolumbre. Nem comento os xingamentos e as quase agressões.
O presidente do STF, Dias Toffoli, não fez nada fragorosamente errado, mas perdeu uma bela oportunidade de exercer a autocontenção que tanto tem faltado à corte. O Supremo, afinal, é o guardião da Constituição, quiçá das leis, mas não dos regimentos. Embora a violação fosse patente, estávamos diante de uma questão de economia interna do Senado, da qual o STF deveria ter se mantido prudentemente afastado em nome da independência dos Poderes.
Senadores agiram como colegiais destemperados. Mas, se queremos que eles cresçam, não dá para mandar o bedel reparar cada uma de suas mancadas. O erro é didático.
Já o governo jogou perigosamente, no limite da irresponsabilidade. Apostou tudo na candidatura de Alcolumbre. Se o jovem senador do DEM tivesse perdido o embate para o rival alagoano, a administração teria de lidar com um Renan Calheiros furioso e com controle sobre a pauta de votações. Repetindo Dilma, a gestão Bolsonaro teria criado seu próprio Eduardo Cunha.
Como Alcolumbre venceu, resta um Renan furioso, mas sem meios de causar cataclismos para o governo. Poderá e deverá chatear, mas numa escala provavelmente administrável.
Folha de S. Paulo: Vamos superar pauta econômica antes de discutir a de costumes, diz Maia
Para deputado, debate sobre temas como Escola sem Partido cria ambiente prejudicial a reformas
Marina Dias, Angela Boldrini, da Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Eleito pela terceira vez presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou à Folha que é possível votar a reforma da Previdência até julho se o Congresso deixar a agenda de costumes em segundo plano.
Durante café da manhã na residência oficial, neste domingo (3), o deputado avaliou que um debate acalorado sobre temas como o Escola sem Partido —apoiado pelo governo Jair Bolsonaro— cria “um ambiente de guerra no plenário” que pode prejudicar a votação de reformas.
O presidente da Câmara relativizou sua má relação com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), articulador do Planalto que trabalhou contra sua reeleição, e disse que seu partido, o DEM, deve observar o cenário político pulverizado para não “fracassar” no comando das duas Casas.
Para ganhar o comando da Câmara —com 334 dos 513 votos— Maia contou com uma ajuda extra à costura política: pediu que o alfaiate colocasse uma medalhinha de Nossa Senhora no forro do terno que usou na sessão de sexta (1º).
O DEM ficou com o comando de Câmara e Senado, mesmo não tendo as maiores bancadas. O que significa isso para o partido?
O DEM já tinha a presidência da Câmara, então ficou mais fácil de organizar essa eleição. No Senado, é mais fácil de falar, o que aconteceu é que um sentimento de que não era o melhor momento para o Renan [Calheiros (MDB-AL)] somado a erros de alguns candidatos que tinham potencial em tese maior que o Davi [Alcolumbre (DEM-AP)], acabaram concentrando os votos nele.
O Davi construiu isso com apoio do governo e com as próprias energias, porque de fato o DEM não podia trabalhar para duas candidaturas.
O DEM à frente das duas Casas impõe um ritmo do partido independente do governo ou faz a sigla ser um alicerce do Planalto?
Não somos linha auxiliar do governo nem do partido do governo.
O grande desafio do DEM vai ser a capacidade de compreender que a construção da presidência de um partido que não é o majoritário é sempre coletiva. Você não é o presidente que vai defender os interesses do DEM, tem que defender a agenda de todos os partidos. É um momento de mudança, um quadro pulverizado, e ninguém consegue ter a hegemonia que o MDB teve no passado no Senado.
Com a derrota, o sr. acha que o Renan Calheiros atuará para atrapalhar a votação da reforma da Previdência?
Eu não acredito que um político com a experiência e história do Renan vá fazer algum movimento no curto prazo que sinalize uma revanche, não acho que é do estilo dele... Mas o governo vai ter que saber construir pontes com ele.
O sr. defendeu o voto secreto nas eleições do Senado. Acha que o fato de os senadores terem aberto o voto cria precedente perigoso?
A gente tem que tomar muito cuidado, porque o voto secreto é a garantia do eleitor. O voto secreto não defende o conchavo, como muitos acham.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), articulou contra o sr., mas a favor do Davi. O governo venceu ou perdeu na eleição do Congresso?
Eu acho que o Onyx tinha uma outra formatação, eu de fato não apoiei o Bolsonaro e acho que no primeiro momento o governo queria a construção de um nome que tivesse apoiado. Era legítimo isso, mas o governo não interveio como poderia porque senão tinha viabilizado a candidatura do João Campos [PRB-GO], do Alceu [Moreira (MDB-RS)] ou do Capitão Augusto [PR-SP].
Não interveio porque não quis ou por inabilidade da articulação do Onyx?
O Bolsonaro não quis dar os instrumentos [a ele] para isso. Quando o Bolsonaro pega um ministério e entrega a chave para o ministro nomear os auxiliares, ele tira as condições de construir uma maioria no formato antigo.
Mas dado que o chefe da Casa Civil atuou contra o sr., como fica a relação com o Planalto?
Não tem problema nenhum a relação com o Planalto, nem com o Onyx nem com ninguém.
O sr. não tem boa relação com o Onyx.
Tive a vida inteira. Tive um conflito que eu nem considero conflito nas [votação das] 10 Medidas [Contra a Corrupção, em 2016], em que o relatório dele acabou sendo derrotado, não por um comando meu para derrotá-lo, porque eu não tinha 310 votos. Fora isso, sempre tive relação boa, sempre foi meu amigo.
Mas quem será o seu canal de diálogo?
Quem escolhe o canal de dialogo é o presidente da República, não eu.
É possível votar a reforma da Previdência nas duas Casas até julho, como o governo quer?
É, até julho é. Assim, tem que construir [a maioria]... eu não conheço ainda o ambiente do plenário.
O sr. fala em construção coletiva para o texto da reforma. Onyx diz que já está pronto. Vai haver muita mudança da proposta original para a que chegar ao plenário?
Isso é matemática, não deve ter muita equação diferente do que os governadores estão pensando.
Mas, se você não incluí-los nesse debate, vai ter mais dificuldade para aprovar. Eles estão vivendo o mesmo drama que o governo federal, até pior.
O governo pensava na possibilidade de fazer uma emenda e colocar o texto para votação direto no plenário. Como o sr. enxerga isso?
Eu acho que uma PEC ser apensada sem passar pela CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] me parece próximo do impossível. Depois, ou a gente vai construir coisa pactuada com governadores ou não será uma votação fácil, ter os 308 votos. Estamos em um momento que todos compreenderam que vai ter uma ruptura definitiva da política se esse país não voltar a crescer. Então não dá para errar o tiro da Previdência.
O sr. foi eleito com apoio de parte da esquerda —PDT e PC do B. Como vai tratar a agenda conservadora de costumes do governo?
Depois que superarmos a agenda econômica, vamos discutir o que fazer com essa agenda de costumes.
Tem deputados que foram eleitos para essa agenda de costumes [conservadora], como alguns deputados de esquerda também foram eleitos para uma agenda mais liberal nos costumes, mas acho que a Câmara não deve ser um ambiente de radicalismo, a gente tem que tentar ter uma pauta que construa com equilíbrio as agendas prioritárias do Brasil e eu enxergo, a curto prazo, que a agenda prioritária é a reforma do Estado.
O sr. vai barrar o projeto da Escola sem Partido?
Quem vai barrar é o STF [Supremo Tribunal Federal], não eu. Quem é a favor da Escola sem Partido tem que tomar cuidado porque, na hora que começar a tramitar no Congresso, o Supremo vai derrubar, vai declarar a inconstitucionalidade.
O sr. vai evitar que essas votações polêmicas cheguem ao plenário?
Não sou contra que a Câmara faça debate. Uma coisa é o debate em comissão, outra é plenário.
Não sei se jogar esses temas dentro do plenário ajuda um país que precisa, com urgência, ser reformado. Você acaba gerando relações de atrito entre base e oposição que vai dificultar votar as matérias econômicas no plenário.
Você não pode ficar gerando um ambiente de campo de guerra no plenário porque precisa de um ambiente mais distensionado para que tenha as condições de trazer governadores do Nordeste, de oposição, para ajudar nesse diálogo [das pautas econômicas]. Se ficar estressando o plenário antes da Previdência, o ambiente para votá-la vai ser muito precário.
O sr. acha que polarização da política e sociedade que vimos na eleição continua ainda hoje?
Hoje, antes de o Congresso começar a trabalhar, está mais calmo. Mas a gente não sabe como será o plenário.
Técnicos da Câmara dizem que os deputados novos da base devem usar mais tempo de fala do que as anteriores, o que poderia atrasar as votações.
É como se fosse um jogo de futebol, né? Se o Flamengo vai jogar contra o meu time, eu vou jogar também. Alguns como são pessoas que vêm desses movimentos de redes sociais e precisam estar lá sempre vão ter o embate com a Maria do Rosário [PT-RS], com a [Erika] Kokay [PT-DF], ou o Jean Wyllys [PSOL-RJ] —que agora saiu.
Como o sr. viu a renúncia do deputado Jean Wyllys?
Momento ruim da política, né? O Jean Wyllys representava uma parte da sociedade que precisa de voz no Parlamento. E a partir do momento que ele considera que o Estado não tem condição de garantir a preservação da vida dele e da família, eu acho que é uma sinalização perigosa para a democracia brasileira.
Leandro Colon: Davi não representa nova política
O presidente do Senado não tem nada de novato e precisou de velhas práticas para derrotar Renan
Em seu discurso de candidato a presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) falou em "formas ultrapassadas e injustas da velha política". Apresentou-se aos pares como uma alternativa ao modelo antigo de atuação parlamentar.
Aos 41 anos, Davi é uma figura jovem em uma Casa tradicionalmente ocupada por senhores e senhoras que já percorreram longa trajetória pública como governadores, vários mandatos no próprio Senado, e até como presidente da República.
A sua vitória depois de dois dias de vergonhosas sessões enfim solapou não só Renan Calheiros (MDB-AL), mas um grupo que, tutelado por José Sarney, mandou e desmandou, desde os anos 90, no plenário e na exagerada estrutura administrativa (incluindo a polícia legislativa). Fez (e mal) o que bem quis no Senado.
A mudança deveria então criar expectativas morais? Nem tanto. O presidente do Senado não tem nada de novato. Vive há quase 20 anos da política. Elegeu-se vereador em Macapá em 2000.
Foi deputado federal por três mandatos, de 2003 a 2014, e é senador há quatro anos. Tem PhD no baixo clero, por onde passam negociatas das mais indecorosas do submundo parlamentar.
Seu principal padrinho na eleição do Senado foi Tasso Jereissati (PSDB-CE), que possui camarote vip no Carnaval dos coroneis do Congresso. Davi agradeceu os "conselhos" do tucano, desafeto público de Renan.
O novo comandante do Senado já mostrou do que é capaz ao usar a cadeira de presidente temporário para operar em plenário uma manobra em benefício próprio. O STF cassou rapidamente a maracutaia regimental do voto aberto, mas o circo já estava montado para derrotar Renan.
E nada é mais velho do que a interferência do Palácio do Planalto em uma disputa no Congresso. Davi deve muito ao ministro Onyx Lorenzoni por sua eleição e precisa ser grato ao enrolado senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que abriu o voto a seu favor. As suspeitas sobre Flávio envolvem práticas corriqueiras da velha política.