Folha de S. Paulo
Demétrio Magnoli: Para Paulo entender Olavo
A 'revolução' do guru fuzilaria os liberais junto com os comunistas, se pudesse
"Por que o líder dispara contra a revolução que inspirou?", perguntou um inconformado Paulo Guedes a Olavo de Carvalho no jantar em homenagem a Bolsonaro, em Washington. Na véspera, o Bruxo da Virgínia atirara um petardo contra Hamilton Mourão, responsabilizando-o pela virtual dissolução do governo no horizonte de seis meses. Paulo merece resposta. Ofereço-lhe duas, complementares.
Paulo acalenta a doutrina do liberalismo econômico radical: o Estado Mínimo. Já Olavo interessa-se apenas marginalmente por economia. A "revolução" dele também é um retorno, mas não ao Estado liberal do século 19 e sim a um passado mítico de soberanias estatais absolutas, hierarquias patriarcais fundadas na tradição e respeito às "liberdades naturais" do colono armado. Numa síntese rápida, a fusão do conservadorismo romântico europeu com o nativismo individualista americano.
Olavo não é original. Logo após a Primeira Guerra Mundial, Oswald Spengler anunciou o "declínio do Ocidente", fruto de um longo envenenamento cultural provocado pelas bactérias do Iluminismo. Do nacionalismo conservador e autoritário spengleriano nasceu essa contrafação pós-moderna: o mingau "filosófico" servido pelo Bruxo da Virgínia e, de modo geral, pela alt-right (direita nacionalista) americana. Paulo talvez não se interesse por esse labirinto ideológico, mas deveria prestar atenção à sua implicação.
A alt-right difunde a tese de que os "liberais globalistas" estão associados aos "marxistas" numa conspiração mundial contra os povos. Nessa aliança fantasiosa, Paulo figura no primeiro grupo. A "revolução" de Olavo fuzilaria os liberais junto com os comunistas, se pudesse.
No dia seguinte ao célebre jantar, Bolsonaro prostrou-se aos pés de Trump. Cito, com autorização, a incisão cirúrgica realizada pelo embaixador Marcos Azambuja num debate fechado: "O produto que Bolsonaro tentou vender não tem demanda na Casa Branca. Trump despreza os que o bajulam; ele gosta de Putin e Kim Jong-un, que o confrontam." Acrescento: a "revolução" de Olavo é uma ideia fora de lugar, a importação de um discurso populista estranho aos dilemas brasileiros.
A segunda resposta: a "revolução" de Olavo é uma "revolução permanente", uma guerra sem fim contra moinhos de vento.
O Bruxo da Virgínia precisa conservar seu estatuto de bruxo —ou seja, a condição de guru de uma seita. Para reter a lealdade total de seus seguidores, deve evitar que eles sejam contaminados pelos intercâmbios de interesses e conciliações políticas inerentes a qualquer governo. Por meio da "revolução permanente", o líder impede que seus liderados cedam à tentação de oscilar entre os comandos de dois senhores.
Olavo não é tonto como seus "alunos" que colonizam o Itamaraty e o MEC. Ele sabe que clama por uma utopia: a volta dos ponteiros da História a uma Idade de Ouro imaginária. Sabe, portanto, que qualquer governo está destinado ao fracasso, se a medida do sucesso for a régua maximalista da sua utopia. O líder que não pretende ser desmascarado pela inevitável falência de sua "revolução" precisa identificar e denunciar, previamente, os traidores da causa. Daí, o recurso à "revolução permanente": o líder dispara contra a revolução que inspirou.
A consequência da "revolução permanente" é a perene ingovernabilidade. Sacudido por crônicas guerras intestinas, o governo carece da coesão, da autoridade e da força persuasiva para formar maiorias parlamentares sólidas. O projeto da reforma previdenciária, ato inaugural da "revolução" de Paulo, corre o risco de ser tragado no vórtice da "revolução" de Olavo.
Há algo mais. Entre os "alunos" do Bruxo da Virgínia, contam-se ao menos dois dos filhos do presidente. A "revolução" de Olavo é a de Jair. Anote isso, Paulo.
*Demétrio Magnoli é sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian: Com popularidade em queda, Bolsonaro perde tração no Congresso
Presidente queria força da rua para driblar políticos, mas pode ficar emparedado
Celebrado pelo clã Bolsonaro, o estrategista Steve Bannon define o populismo como um modo de governar que se aproxima do povo para driblar as elites políticas. “Populismo é basicamente garantir que a classe média e a classe trabalhadora terão um lugar à mesa”, disse, em entrevista recente à Folha.
Os números da última pesquisa do Ibope indicam que o presidente brasileiro perdeu pontos fora dos palácios. A popularidade de Jair Bolsonaro caiu de 49% para 34% em pouco mais de dois meses de mandato. O tombo foi grande em diversos grupos e mais forte em segmentos de renda baixa e intermediária.
Um de cada três brasileiros de classe média que consideravam o governo ótimo ou bom mudou de ideia. Em janeiro, Bolsonaro tinha apoio de 53% na faixa de renda de 2 a 5 salários mínimos. Agora, são 35%. Na fatia mais pobre da população, o índice caiu de 41% para 29%.
A desidratação é relevante porque esses grupos são numerosos (só 8% da população pesquisada recebe mais de 5 salários) e ajudaram Bolsonaro a expandir seu eleitorado para chegar à Presidência. Os mais ricos aderiram cedo à campanha do então deputado. Ele só conquistou maioria ao cativar outros segmentos.
Nos primeiros meses de governo, o discurso de Bolsonaro ficou concentrado em seu núcleo de apoiadores mais fiéis. O presidente dobrou a aposta em temas de costumes —que soam bem em muitas faixas da população, mas podem frustrar quem aposta na recuperação da economia e na redução da violência.
É cedo para esperar resultados concretos nessas áreas. É natural, porém, que cidadãos de renda baixa ou média fiquem incomodados mais cedo que os brasileiros mais ricos.
Assim como Bannon, o presidente contava com o apoio popular para tratorar as resistências dos caciques do Congresso a seu governo. Se não recuperar pontos nas ruas, ele corre o risco de ficar emparedado no momento em que precisa defender de viva voz um tema impopular como a reforma da Previdência.
Folha de S. Paulo: Cúpula militar quer evitar comemorações excessivas nos 55 anos do golpe de 1964
Com Bolsonaro no Planalto, preocupação é que manifestações tensionem ainda mais o ambiente político
Gustavo Uribe, da Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Na tentativa de impedir que o governo se envolva em nova polêmica, a cúpula militar quer evitar comemorações públicas e efusivas dos 55 anos do golpe militar, a serem completados no próximo dia 31 de março.
A preocupação é de que, por se tratar da primeira celebração da data no governo Jair Bolsonaro (PSL) —capitão reformado e simpático ao período da ditadura (1964-85)—, as manifestações extrapolem os muros dos quartéis e batalhões e ganhem os espaços públicos, tensionando ainda mais o clima político.
O receio surgiu após terem chegado a auxiliares do governo informações sobre a intenção de serem promovidas festividades maiores do que em anos anteriores para comemorar a efeméride, como em escolas de formação e em clubes militares.
A cúpula militar defende nos bastidores que se repita a discrição verificada nos últimos anos, sem haver, como definiram assessores presidenciais em conversas reservadas, “confete”, “serpentina” ou “carnaval”. E que “não se crie marola” sobre o assunto, nas palavras de um deles, ofuscando a reforma da Previdência, considerada a prioridade da atual gestão.
“É o primeiro 31 de Março sob a égide do governo de Jair Bolsonaro. Espera-se que haja algum tipo de comemoração, digamos assim, mas ela será, obviamente, intramuros”, disse à Folha o vice-presidente, general Hamilton Mourão.
As Forças Armadas discutem a expedição de uma diretriz sobre a memória da data, que, embora tenha comemoração considerada controversa, é valorizada e lembrada pela classe militar como um fato histórico relevante para o país.
Neste ano, ao menos três estabelecimentos militares incluíram a efeméride em seus calendários, divulgados em suas páginas na internet, como o dia da “Revolução Democrática de 1964”: a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, o Comando de Operações Terrestres e o Colégio Militar de Santa Maria. No Clube Militar do Rio de Janeiro, foi marcado um almoço em homenagem aos 55 anos.
Desde 1965, o episódio costuma ser recordado no dia 31 de março em unidades militares. A partir de 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, a lembrança passou a ser feita, no entanto, de maneira mais discreta.
Após a eleição de Dilma Rousseff (PT), a data foi retirada do calendário de comemorações do Exército, mas clubes militares continuaram a homenageá-la. Em 2011, segundo noticiou a Folha, foi cancelada palestra que o hoje ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, faria sobre a data, intitulada “A contrarrevolução que salvou o Brasil”.
Na época, em carta ao jornal, ele disse que a fala não iria “ferir os princípios da hierarquia e da disciplina”. “Minhas palavras não iriam modificar os fatos, apenas contar a verdade aos mais jovens”, afirmou.
Com a vitória de Bolsonaro, generais de alta patente avaliam agora reincluir a data na programação oficial do Exército. Procurado pela Folha, o Ministério da Defesa disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que por enquanto "não dispõe de informações a respeito".
Preocupada com manifestações públicas, a deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC) reuniu-se com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Na audiência, marcada para discutir diferentes temas, ela disse ter relatado a ele que recebeu informações de que havia animação em unidades militares para a data e que não seria conveniente uma “comemoração extramuros”.
“Ele concordou que não há necessidade de criar novas tensões no país”, disse a parlamentar de esquerda.
Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), é da responsabilidade do governo federal e dos comandos militares desestimularem comemorações públicas que podem, na avaliação dele, aumentar a polarização política no país.
“Eu acho que isso seria muito ruim, porque pode adicionar uma complicação maior a esse ambiente que já é muito tenso”, disse.
Apesar do receio da cúpula militar, a expectativa é de que o presidente se manifeste, nem que seja pelas redes sociais, em homenagem à data. Para auxiliares palacianos, na tentativa de evitar críticas da opinião pública, seria ideal que, no mesmo posicionamento, ele fizesse uma defesa da democracia.
No ano passado, no dia da efeméride, Bolsonaro publicou vídeo no Facebook em que aparecia estourando um rojão em frente ao Ministério da Defesa, acompanhado de uma faixa que agradecia os militares por não terem permitido que o Brasil se transformasse em Cuba. “O 7 de Setembro nos deu a independência e o 31 de Março, a liberdade”, disse.
Em sua trajetória política como deputado federal, ele fez inúmeros elogios à ditadura no país e chamou de “herói brasileiro” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão durante o regime militar, morto em 2015.
Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações) do 2º Exército entre 1970 e 1974, no auge do combate às organizações da esquerda armada. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, só em sua gestão, a unidade militar foi responsável pela morte ou desaparecimento de ao menos 45 presos políticos.
Clóvis Rossi: Da esquerda, nem estátua sobra
Completa-se a demolição da Unasul; nasce Prosul
O governo equatoriano acaba de anunciar que vai retirar a estátua de Néstor Kirchner, presidente argentino entre 2003 e 2007, da frente do prédio da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
Aliás, Lenín Moreno, o presidente do Equador, também anunciou que o país vai se retirar do conglomerado. Aliás, Moreno também vai retomar para o Equador o prédio da Unasul, que seu antecessor, Rafael Correa, cedeu ao grupo então composto pelos 12 países sul-americanos.
Não é, pois, figura de linguagem dizer que não sobrou pedra sobre pedra da esquerda sul-americana hegemônica na primeira década do século.
A Unasul, como se sabe, foi uma invenção de Hugo Chávez, inventor também do “socialismo do século 21” e do “bolivarianismo". Não por acaso, suas três invenções estão reduzidas a cacos.
O sinal político dos países que constituíram a Unasul em 2018 mudou da esquerda para a direita, desde então. Mudou tanto que, na sexta-feira (22), haverá uma reunião no Chile em que o anfitrião, Sebastián Piñera, o colombiano Iván Duque e o brasileiro Jair Bolsonaro lançarão uma nova organização, chamada Prosul.
Era mais prático, acho eu, aproveitar as instalações atuais e os poucos funcionários remanescentes, trocar a placa de Unasul por Prosul, avisar que o estabelecimento está sob nova gerência e novo sinal ideológico e tocar a vida.
A demolição da Unasul, da qual seis países já haviam se afastado antes do anúncio do Equador, se torna mais significativa exatamente por essas iniciativas equatorianas. Nos outros países bolivarianos ou solidários com o socialismo do século 21, eleições derrubaram seus presidentes, mas, no Equador, não. Lenín Moreno foi vice de Rafael Correa e eleito com base no apoio deste.
Rompeu com ele e, no caso Unasul, sua avaliação vale como epitáfio: “A Unasul se transformou em uma plataforma política que destruiu o sonho de integração que nos venderam”.
Prosul tende a também se transformar em plataforma política, com sinal trocado, o que não leva necessariamente a reconstruir o sonho de integração, que a América do Sul acalenta faz anos e nunca realiza.
Temo que valha para Prosul a avaliação sobre integração que Bruno Binetti, pesquisador do Interamerican Dialogue, fez para a revista Americas Quarterly:
“Muitas iniciativas para promover a integração regional entre países latino-americanos e sul-americanos não foram bem sucedidas por um punhado de razões: falta de liderança por parte dos grandes países da região, a recusa dos governos de ceder soberania para entidades internacionais, diferença políticas entre os países-membros e falta de complementaridade econômica".
Binetti acha que tais condições continuam presentes no enterro da Unasul e nascimento do Prosul. Logo, “Prosul tende a se tornar outra casca vazia no museu de instituições regionais fracassadas da América Latina".
Folha de S. Paulo: Bolsonaro deve ter resultados escassos em visita aos Estados Unidos
Viagem marcará alinhamento ideológico a governo Trump
Patrícia Campos Mello, Marina Dias, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO E WASHINGTON - A visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA nesta semana concretiza o alinhamento ideológico do governo brasileiro ao de Donald Trump, mas deve terminar com poucos resultados práticos.
Bolsonaro corre o risco de sair de Washington, onde desembarca neste domingo (17), sem seu maior trunfo na política externa: o apoio formal dos EUA para a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Acordos comerciais concretos, como o de livre-comércio e o fim da bitributação, além da inclusão do Brasil no programa de isenção de vistos para entrar nos EUA, também não devem resultar do encontro entre Bolsonaro e Trump, marcado para a terça-feira (19), na Casa Branca.
O Brasil, por sua vez, vai liberar da necessidade de visto os americanos que querem entrar no país, mesmo sem ter o mesmo gesto em troca.
O chanceler Ernesto Araújo quer conversar sobre o tema com autoridades dos EUA, mas não demonstra otimismo para um acordo rápido —12,73% dos brasileiros tiveram seu pedido de visto para o país negado em 2018.
A entrada na OCDE, o clube dos países ricos, é reivindicada pelo Planalto desde 2017 e serviria como reforço das credenciais reformistas do governo Bolsonaro. As negociações, porém, encontram resistência no governo dos EUA.
Enquanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, é favorável ao pleito do Brasil —ensaiou escrever uma carta a Trump pedindo seu apoio ao ingresso brasileiro—, o USTR, Escritório do Representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, advoga contra.
Segundo pessoas que participam das tratativas, o USTR avalia que o Brasil não é comercialmente confiável, e parte do governo americano se posiciona com cautela quando o tema é ampliar a OCDE, hoje com 35 países.
Existe ainda pressão de setores empresariais, como a indústria farmacêutica, para que o Brasil faça algumas reformas antes de ser admitido.
Dentro do governo brasileiro, a aposta passou a ser em Bolsonaro pedir o apoio diretamente a Trump.
A avaliação é que o americano é impulsivo e pode acabar fazendo o gesto a despeito da resistência de seus assessores.
Foi isso que ocorreu com a Argentina. Em abril de 2017, o presidente Mauricio Macri se reuniu com Trump e fez o pedido ao líder americano.
Ao lado de assessores contrários à ideia, Trump simplesmente declarou que iria apoiar a admissão do país.
A diferença desta vez é que, ao contrário de Macri, o brasileiro não fala inglês e deve contar com intérpretes, o que prejudica a conversa.
Auxiliares de Trump lembram ainda que o americano não tem fama de ser paciente e pode, inclusive, querer encurtar o encontro caso ele não se desenrole tão bem.
Outro assunto que será abordado na reunião, porém sem grandes avanços efetivos, é a crise na Venezuela, tema de verdadeiro interesse de Trump na América do Sul.
O americano pode sondar Bolsonaro para apoiar uma intervenção no país, mas a ala militar do Planalto garante que não mudará de posição quanto a se ater à ajuda humanitária na fronteira —porém, pode anunciar sanções aos venezuelanos.
Um dos poucos acordos concretos deve ser o de salvaguardas tecnológicas, que permitirá o uso comercial da base de Alcântara (MA). Com ele, o Brasil poderá faturar até US$ 10 bilhões ao ano, segundo Ministério da Defesa, alugando o local para lançamentos de satélites.
No entanto, após assinado, o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Congresso. Da última vez que foi assinado com os EUA, em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o texto foi barrado pelos parlamentares, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro.
A linguagem do novo tratado foi modificada para tentar atenuar a ingerência dos EUA e aumentar a probabilidade de aprovação.
Além disso, serão fechadas parcerias na área de segurança, inteligência, militar e aeroespacial — uma delas é um acordo entre o Inpe, Ita e Nasa para construir um satélite. O Brasil também deve deve reduzir as tarifas de importação do trigo dos EUA.
Como antecipou a Folha, os EUA ainda devem anunciar, durante a visita, que o Brasil passará a ter o status de “major non-NATO ally” —aliado prioritário extra-Otan.
A designação cabe a países não membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que são aliados estratégicos militares dos EUA. Assim, o Brasil passa a ter acesso a vários tipos de cooperação militar e tecnologica.
A influência chinesa na América Latina, uma grande preocupação de Washington, também estará deve entrar na pauta. Os EUA vêm pressionando aliados a vetarem a compra de equipamentos da gigante de telecomunicações Huawei, acusando a empresa de espionar para Pequim.
Havia frustração entre empresários com a falta de anúncios concretos na agenda comercial, como mostrou a Folha.
Para tentar entregar algo, o grupo de entidades empresariais circulou um relatório na Casa Branca e no USTR com sugestões de medidas que poderiam ser fechadas sem aprovação do Congresso —algumas de convergência regulatória, eliminação de barreiras técnicas e combate a corrupção no setor privado.
A agenda de Bolsonaro nos EUA também vai acenar à sua base eleitoral: ele vai participar de um jantar conservadores, dará entrevistas à imprensa evangélica e se reunirá com investidores e empresários.
O presidente chega a Washington com uma comitiva de seis ministros, entre eles Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Augusto Heleno (GSI), além do chanceler.
Bruno Boghossian: Humilhação pública do ministro da Educação respinga em Bolsonaro
Presidente dá poder a Olavo de Carvalho enquanto área sensível do governo fica parada
Jair Bolsonaro decidiu submeter mais um auxiliar a um espetáculo de humilhação. Nos últimos dias, ele drenou os poderes de Ricardo Vélez (Educação), forçou a demissão de pessoas de sua confiança e deixou o ministro pendurado no cargo como um morto-vivo. A campanha de degradação pública respinga no próprio presidente.
A crise começou quando Vélez resolveu demitir seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, responsável por sua indicação para a pasta. O padrinho não gostou e incitou um motim. Ele atacou militares e técnicos e, a certa altura, propôs que o ministro fosse posto para fora se não seguisse suas recomendações.
Bolsonaro interveio e acabou aniquilando Vélez. Primeiro, obrigou o ministro a demitir um assessor próximo que era criticado pelos olavistas. Depois, forçou a saída do número dois da pasta, alvo do mesmo grupo.
Na última semana, Bolsonaro disse que dera “carta branca” aos ministros para formar suas equipes, mas combinou que teria “poder de veto” sobre essas escolhas. Parece que, no caso da Educação, essa competência foi terceirizada para seu guru.
O presidente estendeu cordéis de marionetes entre prédios de Brasília e a casa de Olavo, na Virgínia (EUA). Publicações do ideólogo nas redes sociais se transformaram em portarias do Diário Oficial. Antes de derrubar inimigos no MEC, ele conseguiu que o Itamaraty demitisse um embaixador que o havia atacado.
Convencido de que Bolsonaro precisa destruir seus rivais e promover uma guerra cultural alucinada contra a esquerda, Olavo insiste que o presidente deve preservar o personagem desvairado da campanha eleitoral. Além de rejeitar qualquer moderação política, ele quer reduzir a influência dos militares no governo.
Enquanto a disputa de poder na Educação se desenrola, uma das áreas mais sensíveis do país fica paralisada. Uma compra de obras literárias aprovada no governo passado não foi realizada e um edital para livros do ensino médio, previsto para janeiro, ainda não foi publicado.
Clóvis Rossi: Brasil / EUA, se melhorar, estraga
Nunca antes na história os dois países foram tão amigos
O presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo (17) para Washington, para reaproximar o Brasil dos Estados Unidos.
De acordo com Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, o Brasil do PT havia se afastado de Washington por motivos ideológicos.
Bobagem. Pura fake news.
Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações entre Brasil e EUA estiveram em ponto ótimo, provavelmente o melhor da história. Assim continuaram com Luiz Inácio Lula da Silva.
Só sofreram um abalo com Dilma Rousseff, mas por culpa dos americanos (a espionagem nos telefones da então presidente), não por qualquer tipo de ranço ideológico do governo de turno.
Não é uma análise por ouvir falar. Fui testemunha direta de um punhado de cenas explícitas de engajamento muito amistoso de parte a parte.
Relembro uma, a mais emblemática delas, por envolver o sensível tema da proliferação nuclear.
Antes de uma visita de Lula a Teerã, em 2010, o presidente Barack Obama enviou carta a seu colega brasileiro indicando os pontos que deveriam constar de qualquer conversa com os iranianos.
A Folha obteve a carta depois e pôde comprovar que o acordo com o Irã (ao qual se somou a Turquia) seguia ponto a ponto o que Obama queria.
Inclusive no item crucial, de acordo com o presidente americano: o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior até o nível que só permitiria seu aproveitamento para finalidades pacíficas, nunca para a bomba.
Você acha, honestamente, que os EUA confiariam a um governante ao qual tivessem qualquer tipo de restrição, mais ainda ideológica, uma negociação nesse capítulo especialmente sensível?
O relacionamento entre os dois países chegou a um nível tão bom que, uma vez, o segundo homem da embaixada americana na época veio a São Paulo para uma conversa informal com dois ou três jornalistas.
Comentei com ele que, do ponto de vista do jornalismo, as relações Brasil/EUA eram “boring” porque não havia nenhum conflito, nenhum “fla-flu” que é naturalmente matéria-prima mais atraente para o jornalismo.
Ele concordou e argumentou que a função dele, como diplomata, era precisamente essa —a de normalizar o relacionamento, para frustração dos jornalistas.
É claro que todo relacionamento diplomático pode ser melhorado, mas, no nível que havia atingido, há mais margem para estragar do que para aperfeiçoar.
Até porque, no item comércio, o mais apetitoso hoje em dia na diplomacia, Donald Trump já disse, publicamente, que “o Brasil está entre os países mais duros do mundo, talvez o mais duro”.
É lógico supor que, se e quando se falar de acordos comerciais, Trump vai exigir que o Brasil amoleça.
Se Bolsonaro, ansioso por agradar seu ídolo, ceder e dependendo do que e de onde ceder, desagradará a parte de seus apoiadores no empresariado.
Outra ala do bolsonarismo, a dos militares, deve ter em relação aos Estados Unidos a mesma reserva que ouvi, em 1977, do general Hugo Abreu (1916-1979), então chefe do Gabinete Militar do governo Ernesto Geisel.
O general me disse que a pressão americana contra um acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha se devia ao medo de Washington da ascensão de “um Estados Unidos do Sul”.
A ideia de “America First” que Trump abraça não combina, pois, com o “Brazil First” que frequentava a cabeça dos militares. Frequenta ainda?
Elio Gaspari: O STF quebrou um pé da Lava Jato
Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo
Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.
Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova modalidade de barreira.
Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)
O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.
Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.
Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral.
Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.
Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.
Barroso ficou na minoria.
A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato.
O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil.
A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.
Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.
Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.
VENDA DE ALMA
Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.
Resta saber se alguém quer comprar essa alma.
RADIOATIVIDADE
O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.
Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada.
TESTE
Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.
CRIME DE ÓDIO
O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.
Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear JairBolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.
O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.
Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.
No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.
Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.
Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa. Conta outra, doutor.
RECORDAR É VIVER
Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.
Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.
No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal.
O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.
Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.
Demétrio Magnoli: Causa mortis
Marielle foi executada pois colocava em risco os negócios e a segurança das milícias
Ela morreu porque era negra, homossexual, feminista e socialista. Um ano atrás, logo após o assassinato de Marielle Franco, incontáveis ativistas de esquerda atribuíram o crime a isso que a lei qualifica como "motivo torpe". No dia da prisão dos suspeitos (12/3), a promotora Simone Sibílio, coordenadora do Gaeco, reproduziu a conclusão prévia: "os autos de investigação nos autorizam a imputar aos dois denunciados a motivação torpe, decorrente de uma repulsa à atuação política de Marielle na defesa de suas causas: minorias, mulheres negras, LGBT". No megafone dos ativistas, o diagnóstico reflete o impulso de direcionar os holofotes para suas convicções militantes. Já no microfone da promotora, denota incompetência —ou, pior, o desejo de encerrar as investigações sem elucidar a autoria intelectual da execução.
O crime foi meticulosamente planejado. Os suspeitos não mantinham relações pessoais com a vítima. Um deles pertenceria a uma milícia de Rio das Pedras; o outro seria responsável por homicídios ligados à contravenção. Tudo indica que eles dispunham de um arsenal de fuzis de assalto M-16. A tese do "crime de ódio" não combina com esse conjunto de circunstâncias. As causas das "minorias, mulheres negras, LGBT" contam com inúmeros destacados porta-vozes. Contudo, não há indícios de que os suspeitos buscavam a eliminação genérica deles. Por que precisamente Marielle, entre tantos?
Num artigo publicado na Folha, Mônica Benício, viúva de Marielle, faz referências ao racismo e à homofobia mas não inclui, em momento nenhum, a palavra "milícias". Talvez sem perceber, seu texto assenta-se sobre a tese do "crime de ódio". Contudo, simultaneamente, em outra declaração, afirma que "não basta prender mercenários" pois é preciso "saber quem mandou articular tudo isso e qual foi a motivação".
O problema é que, se estamos diante de um "crime de ódio", a demanda não faz sentido. Nessa hipótese, os suspeitos não poderiam ser classificados como "mercenários" e suas recompensas transitariam exclusivamente na esfera psicológica. A viúva da vítima tem direito à confusão; a promotoria não tem. A promotora que, açodada, joga todas as fichas na "motivação torpe" está, conscientemente ou não, sabotando a investigação.
A indagação "quem mandou articular tudo isso?" inscreve-se na tese do crime político, que Simone parece disposta a afastar. Marielle, negra e homossexual, assim como Marcelo Freixo, branco e heterossexual, era uma liderança engajada na exposição das ligações das milícias com a polícia e com a política. A primeira foi executada; o segundo consta de listas semipúblicas de "marcados para morrer" das milícias. Sob a lógica do crime político, compreendem-se as características metódicas da execução e as motivações racionais que deflagraram a operação. Mas ela solicita perseguir respostas politicamente sensíveis.
Marielle foi executada pois colocava em risco os negócios e a segurança das milícias. Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública, partia desse princípio quando declarou, há quatro meses, que um "complô" impedia que viessem à tona "os mandantes e executores" do assassinato. Na ocasião, Jungmann atribuiu o "complô" a "interesses que envolvem agentes públicos, milícias, políticos". Simone, a promotora, tem evidências de que o ex-ministro assoprava um balão de denúncias vazias?
De um ex-ministro a um ministro, e do passado ao presente: Sergio Moro assegurou que a Polícia Federal "continuará contribuindo com todos os meios necessários para as investigações do crime e das tentativas de obstruí-las". Disse, ainda, esperar que as prisões conduzam à "elucidação completa deste grave crime, para que todos os responsáveis sejam levados à Justiça". O "complô", porém, segue ativo, agora agarrado à conveniente tese do "crime de ódio".
*Demétrio Magnoli, Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Matias Spektor: Bolsonaro chega à Casa Branca buscando uma vitória
Visita é a importante aposta de política externa do início de mandato
A visita de Jair Bolsonaro à Casa Branca é a mais importante aposta de política externa do início de seu mandato.
O Palácio do Planalto insistiu em realizar a viagem no primeiro semestre do ano mesmo quando os americanos sinalizaram que, postergando a viagem alguns meses, a Casa Branca teria melhores condições de entregar concessões.
O compromisso com realizar a visita rápido é intenso a ponto de fazer Bolsonaro arcar com o custo de pular Buenos Aires como destino inicial.
O presidente acredita que, estabelecendo um canal desimpedido com Trump nos Estados Unidos, seu mandato será mais fácil. Por isso, a visita não começa nem se esgota na identidade política que Bolsonaro construiu com Trump durante a campanha.
Bolsonaro privilegia a Casa Branca porque acredita ter condições de obter benefícios para consolidar sua posição junto aos três grupos sobre os quais se equilibra: a bancada religiosa, os militares e o mercado financeiro.
Em seu encontro com Trump e na reunião que terá com uma rede de denominações evangélicas, Bolsonaro operará a conexão entre voto e prece que é marca registrada da direita americana.
Aos militares, Bolsonaro entregará o acordo de Alcântara, o status de aliado extra-OTAN e a promessa de compras no mercado de defesa. Além disso, Bolsonaro conseguirá para o grupo militar um espaço geopolítico inédito na América do Sul, agora que a Venezuela implode a passo acelerado e promete virar um problema de longo prazo para a segurança nacional do Brasil.
Por sua vez, o mercado financeiro obterá nesta viagem um claro impulsionamento: o apoio explícito do governo americano ao programa de reformas econômicas empreendidas por Paulo Guedes.
Na prática, isso serve em dois cenários. Se houver reforma da Previdência parruda, a Casa Branca ajudará a trazer investidores estrangeiros. Se não houver reforma ou se a reforma for pífia, então o apoio do governo americano será essencial para um país que, quebrado, precisará de apoio do Tesouro americano e do Fundo Monetário Internacional para pagar suas contas, rolar a sua dívida e conter a queda de sua moeda.
Trump está disposto a entregar tudo isso não porque se preocupa com o destino político de Bolsonaro, mas porque Venezuela importa muito para ele. E porque se trata de uma operação de baixo custo para ajudar um político que se inspira no presidente americano.
Apenas três coisas podem atrapalhar esses planos: a eclosão de um novo escândalo de corrupção, revelações comprometedoras envolvendo milícias ou a associação do presidente brasileiro ao ex-guru de Trump, Steven Bannon.
Bruno Boghossian: Retórica de campanha acorrenta Bolsonaro diante de tragédia
Temendo exploração política, presidente demora em aparecer como líder solidário
Jair Bolsonaro ainda não conseguiu se ajeitar na cadeira presidencial. Quando as notícias do massacre brutal em Suzano chegaram ao gabinete, pela manhã, ele subiu e desceu o assento, reclinou o encosto, e esperou. À tarde, sentiu o peso da faixa e deu a dimensão merecida aos fatos: “Uma monstruosidade e covardia sem tamanho”, escreveu.
O país ficou abalado com a crueldade dos assassinos, que tiraram as vidas de cinco jovens e três adultos de maneira brutal. A comoção naturalmente tomou o Palácio do Planalto. O presidente, porém, levou seis horas para se manifestar. Bolsonaro acertou no tom, mas provou mais uma vez que a retórica de campanha é uma bola de ferro presa a seus pés.
Dois episódios revelam as razões da cautela exagerada do governo. Três horas após o atentado, Carlos Bolsonaro afirmou a um seguidor que o pai aguardaria detalhes do caso antes de se pronunciar. “Óbvio que todos nos solidarizamos e óbvio que muitos exploram maldosamente contra o presidente. Portanto, aguardar as informações é vital, sem oportunismo”, publicou. Pouco depois, apagou a mensagem.
No fim da tarde, o porta-voz do Planalto foi questionado sobre possíveis ações do governo para impedir novas tragédias, mas ficou na defensiva. “O evento não tem relação direta com os projetos propostos pelo nosso presidente em seu programa de governo”, respondeu, sem que alguém tivesse tocado no ponto.
A defesa enfática da flexibilização do porte de armas tornou Bolsonaro prisioneiro do discurso de campanha. O medo da exploração política do ataque, praticado com um revólver, capturou o líder que deveria ter o papel de oferecer solidariedade, rumos e soluções para o país.
Se Bolsonaro acredita que os cidadãos devem ser livres para comprar armas de fogo, ele deve ter a coragem de debater o assunto racionalmente, com dados concretos e exposto ao contraditório, mesmo que o ambiente pareça desfavorável a suas teses. Mas o candidato não pode acorrentar o presidente.
Elio Gaspari: O governo tem rumo, o da crise
A quitanda não tem troco, mas vende fiado emendas constitucionais
O professor Delfim Netto avisou que a partir do dia 2 de janeiro o governo precisaria abrir a quitanda todas as manhãs oferecendo beringelas e troco à freguesia. A quitanda tem oferecido encrencas, baixarias e tuítes. Se isso fosse pouco, o "Posto Ipiranga" de JairBolsonaro vende fiado três projetos de emendas constitucionais, daquelas que precisam de três quintos das duas Casas do Congresso. Pode-se até pensar que a da reforma da Previdência será aprovada. Qual? A que conseguir os três quintos.
Como se planejasse dificuldades, o ministro Paulo Guedes anunciou que pretende propor a desvinculação das despesas orçamentárias. Nova emenda constitucional. Tem mais. Uma medida provisória determinou que as contribuições sindicais não podem ser descontadas na folha de pagamento dos trabalhadores. Ótima ideia, porque a nobiliarquia do sindicalismo quer que os trabalhadores tenham todos os direitos, menos o de decidir se contribuem para suas guildas. O fim do desconto compulsório abalará todos os sindicatos, que bem ou mal, devem cuidar dos interesses dos trabalhadores. Para evitar esse colapso surgiu outra boa ideia, acabar com a unicidade que obriga que cada categoria tenha um só sindicato por município. Em tese, havendo competição, o sistema funcionará melhor. Para o estabelecimento da pluralidade será necessária uma terceira emenda constitucional.
Vistas separadamente, cada uma dessas propostas faz sentido. Juntas, coligam os interesses dos sindicalistas, dos marajás da Previdência às corporações da saúde ou da educação. Separados, esses blocos podem ser batidos. Juntos, até hoje estão invictos.
Há na pregação do ministro Paulo Guedes algo de José Wilker no comando da inesquecível caravana Rolidei do "Bye Bye Brasil" de Cacá Diegues. Quem viu o filme lembra que no seu momento de glória poética o Lord produziu o supremo símbolo da modernidade: neve.
A plataforma reformista de Guedes tem suas próprias dificuldades, mas a elas somou-se à natureza errática do próprio presidente, que não pode ver casca de banana sem atravessar a rua para escorregar nela. Em menos de cem dias, Bolsonaro viu-se encoberto pela névoa de um possível controle palaciano. É a velha lenda segundo a qual grandes ministros são capazes de controlar presidentes. Donald Trump está aí para demonstrar a futilidade dessa ideia.
No Brasil, a teoria do controle interno teve dois grandes fracassos e um êxito. Pensou-se que Fernando Collor seria controlado. Deu no que deu. Antes dele, pensou-se em blindar o comportamento errático do general João Figueiredo. A trama derreteu em menos de um mês.
O controle funcionou no caso do general Emilio Médici. De 1969 a 1974, quando ele presidiu o Brasil, mandaram os professores Delfim Netto (na economia), João Leitão de Abreu (na administração) e o general Orlando Geisel (nas Forças Armadas). A manobra só deu certo porque foi voluntária e sincera. Médici, que não queria ser presidente, decidiu delegar esses poderes. Ao decidir não mandar, mandou como poucos, até porque tinha o cajado do Ato Institucional nº 5. Faltam a Bolsonaro não só o AI-5 como a disciplina circunspecta de Médici. (Vale lembrar que, sabendo o risco que corria por ter dois filhos adultos, levou-os para o quartel do Planalto. De um deles, Roberto, pouco se falou. Do outro, Sérgio, nada.)
O governo Bolsonaro parece sem rumo. A má notícia é que seu rumo pode vir a ser o de uma crise.