Folha de S. Paulo
Matias Spektor: O futuro
Perigosa, direita populista que hoje dá as cartas tem método e projeto
Esta é minha última coluna neste espaço.
Quando este jornal me convidou para escrever, há sete anos, a ideia era inusitada. Nenhum grande veículo tinha um colunista dedicado à política externa brasileira. Para minha sorte, muitos leitores fizeram da agenda internacional a sua pauta.
Esses anos assistiram à expansão do debate público sobre temas internacionais. Hoje, dezenas de profissionais expressam opiniões sobre o assunto no Twitter e no Facebook.
Isso é muito positivo. A velha redoma que limitava a conversa a um punhado de embaixadores aposentados se estraçalhou, aumentando a diversidade e a densidade do debate.
Acontece que essa transformação também trouxe coisas negativas. Nas redes sociais, a competição por “likes” premiou argumentos de apelo fácil, muitas vezes inverídicos ou incapazes de resistir ao mínimo escrutínio. O debate ficou menos qualificado.
Isso é um problema sério porque ocorre ao mesmo tempo em que colapsa o que havia de consenso na política externa da Nova República. Quem termina ocupando o espaço é a turma que hoje comanda a agenda internacional do governo Bolsonaro.
Eu admito a minha parcela de culpa: como tantos outros acadêmicos, não percebi que um dos efeitos da vitória de Donald Trump seria o nascimento do antiglobalismo messiânico à brasileira.
O resultado é nefasto porque a direita populista que hoje dá as cartas é perigosa. Não se trata de um bando tresloucado: em suas decisões, há método e projeto. A direção do que vem por aí é péssima para o país.
É por isso que chegou a minha hora de parar. A partir de agora, vou trabalhar para promover o pensamento e o debate sobre o futuro da política externa de outras formas.
Trata-se de uma tarefa urgente porque o grupo que se encontra no poder um dia será posto para fora pela força do voto popular. Eles deixarão um rastro de destruição, e cabe à sociedade começar a imaginar a reconstrução.
Seria um erro grotesco acreditar que isso ocorrerá por força da natureza. Afinal, nem direita, nem esquerda têm alternativas decentes para pôr no lugar.
Na esquerda, muita gente acredita ser possível reeditar a diplomacia de Lula. Na direita, vozes influentes ainda defendem a volta à plataforma de política externa elaborada pelo tucanato para as eleições de 1994.
Como sociedade, podemos e devemos fazer melhor. Deixo a coluna para pôr em prática aquilo que defendi durante todo esse tempo: um esforço coletivo para conceber uma política externa nova, capaz de ajudar a sociedade brasileira a sair do buraco em que se encontra.
Obrigado, leitor, por me acompanhar nesta jornada.
José Serra: Outra década perdida?
A solução para nossos problemas econômicos exige voto distrital misto e parlamentarismo
Tudo leva a crer que o ano de 2019 fechará mais uma “década perdida”, numa frustrante repetição do que ocorreu nos anos 1980. A expressão, na verdade um tanto exagerada e catastrofista, foi cunhada com relação àqueles anos, quando a economia brasileira, até então invejada por sua pujança, tropeçou no desequilíbrio externo e na superinflação, exibindo um crescimento medíocre do PIB, muito distante do ritmo do pós-guerra: cerca de 17% em dez anos. A presente década pode terminar sendo, em matéria de dinamismo econômico, pior do que aquela.
É bem verdade, porém, que a “década perdida”, numa perspectiva econômica, é um tanto injusta com o Brasil dos anos 80. Dado o crescimento rápido verificado no após guerra – e em parte devido às suas lacunas –, grandes problemas foram se acumulando, sintetizados na inflação galopante e no desequilíbrio externo, marcas da nossa transição de economia agrícola para industrial no historicamente curto espaço de 50 anos. Metrópoles expandiram-se com infraestrutura deficiente e a oferta agrícola não acompanhava a demanda crescente. Ademais, a população padecia de níveis muito baixos de instrução e pouco acesso à saúde.
Como é sabido, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações que prevaleceu no pós-guerra, associado à urbanização rápida e à lenta modernização da agricultura, produziu uma economia concentrada, protegida da competição externa e menos propensa à inovação, e por isso mesmo sujeita a fortes pressões inflacionárias. A essas pressões estruturais se sobrepôs um relaxamento fiscal que decorreu de nossa complexa redemocratização, cujo momento crítico foi a Assembleia Nacional Constituinte.
A nova Carta trouxe-nos um federalismo mal calibrado e pouco consequente do ponto de vista fiscal, com a complicação suplementar de ter consolidado um corporativismo indomável e “de luta” no serviço público – que por bom tempo conseguiu passar-se por “defesa dos trabalhadores”. A fome juntou-se à vontade de comer e, unidas, confluíram num arranjo político fiscalmente precário, por mais que alguns governantes, aqui e ali, tenham tentado retirar a água do convés com pequenos baldes.
O Plano Real representou a grande guinada, ao controlar a superinflação aberta que se arrastara até 1994, por meio de uma engenhosa regra de desindexação. Logo após, outra grande obra política de Fernando Henrique Cardoso foi realizada: a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, que garantiu a geração de superávits primários nos entes subnacionais e praticamente extinguiu os bancos estaduais, verdadeiras usinas de inflação.
Ainda assim, o Brasil pós-década de 80 não foi capaz de sustentar um regime fiscal conducente à estabilidade com crescimento. Nossas taxas de juros sempre foram muito elevadas, deprimindo o investimento e onerando as contas públicas. E a partir do segundo governo Lula houve um grande relaxamento fiscal.
Nesse percurso de tropeços das contas públicas foram feitas várias tentativas de controle pela edição de novas regras fiscais. O exemplo mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que cumpriu importante papel, apesar que vários de seus dispositivos terem sido interpretados de forma equivocada, como no caso de se permitir que em Estados e municípios parcelas importantes dos gastos com aposentados e despesas de pessoal não fossem computadas na apuração do porcentual máximo de 60% de gastos com o funcionalismo. Vários Estados continuam até hoje formalmente enquadrados nessa regra, mesmo sem conseguir manter a folha em dia. Surreal! O Brasil é bom para criar regras fiscais – e melhor ainda para driblá-las.
A possibilidade de desagregação fiscal nos governos subnacionais ainda representa uma grande ameaça. Se não for contida, não só continuará tolhendo o crescimento econômico, como poderá ressuscitar a inflação. Por trás de tudo isso está o nosso sistema político disfuncional e fragmentado.
As dificuldades que se insinuam para a reforma da Previdência nada mais são do que um sintoma dessa doença do nosso corpo político. O Congresso tornou-se uma federação de quase 30 partidos, nenhum deles em condições de liderar uma maioria apta a implantar o que deseja a sociedade: um Estado saneado e apto gerencialmente a entregar serviços de qualidade em educação, saúde e segurança. Ao contrário, o atual sistema político não forma maiorias programáticas, é implacável em opor vetos e está continuamente dando lugar à expansão de gastos.
A dinâmica formal do Congresso revela essa disfunção. Como existem numerosos partidos, cada qual com seus líderes, um simples encaminhamento de voto toma longas horas, às vezes dias. Um partido pequeno pode entremear esse suplício com questões de ordem variadas e, assim, obstruir votações.
Os presidentes das Casas e das comissões têm de recorrer a acordos prévios com todas as lideranças para que as votações sejam concluídas. O risco, obviamente, é a diluição de todas as propostas votadas quando a questão é controversa. As exceções são os momentos em que a votação contempla o interesse geral dos parlamentares, como no caso da aprovação em tempo recorde da emenda do orçamento impositivo. Aliás, se prevalecer a redação atual, o pouco poder de barganha que restou ao Executivo será obliterado.
O presidencialismo é condenado por essa fragmentação, que só tende a aumentar. A solução para nossos problemas econômicos exige, ao menos como condição para se tornar politicamente viável, a adoção de um novo sistema eleitoral e um outro sistema de governo: o voto distrital misto e o parlamentarismo. Com eles, abrimos a possibilidade de os próximos anos se inscreverem numa década ganha, em vez de mais uma vez perdida. Como e o porquê é um tema para próximos artigos.
*Senador (PSDB-SP)
Hélio Schwartsman: General a postos
Mourão está fazendo um excelente contraponto às temeridades de Bolsonaro
Já defendi algumas vezes neste espaço a extinção dos cargos de vice. Eles são uma relíquia do século 19 que não faz mais sentido no mundo de hoje, onde tudo pode ser controlado à distância e não há muita dificuldade em organizar rapidamente uma eleição em caso de impedimento definitivo.
O vice-presidente Hamilton Mourão ainda não me fez mudar de ideia —estamos falando não de um, mas de 5.598 cargos, aos quais se somam os de assessores, motoristas etc. Devo, porém, admitir que o general está fazendo um excelente contraponto às temeridades de Jair Bolsonaro. Tão bom que ele já se tornou o alvo principal da ala olavista do governo, a desbocada combinação de extremismo ideológico com paranoia.
Há uma diferença importante entre Mourão e Michel Temer, o mais recente vice a ascender ao poder. Enquanto o substituto de Dilma Rousseff atuou ativamente na costura política que levou ao impeachment da titular, o general se limita a emitir opiniões sensatas, deixando que o contraste com os desvarios do chefe o transforme numa alternativa potencialmente atraente. Objetivamente, não dá para apontar um único ato de deslealdade de Mourão para com Bolsonaro.
O irônico nessa história, como eu já havia apontado, é que o general foi escolhido pelo clã Bolsonaro justamente para servir de seguro contra o impeachment, já que, à época, ele era visto como mais extremado do que o próprio candidato.
Bolsonaro dificilmente irá arbitrar de modo decisivo entre a ala olavista e a dos militares. É da natureza dos regimes populistas estimular intrigas e rivalidades internas para fidelizar colaboradores e energizar a base de eleitores. O problema desse arranjo é que ele não ajuda na governabilidade, e Bolsonaro precisa, se não governar bem, pelo menos evitar um novo mergulho recessivo, hipótese em que um impeachment se torna verossímil. Aí é muito melhor ter um Mourão do que um Olavo de Carvalho na reserva.
Hélio Schwartsman: Mágicas de linguagem
FGTS é mais um confisco do que um direito
A linguagem é uma ferramenta poderosa. Tão poderosa que basta insistir por alguns anos numa propaganda bem-feita para convencer pessoas inteligentes até de que algo que as prejudica é um direito inalienável.
Victor Klemperer (1881-1960), o filólogo judeu que conseguiu sobreviver durante a Segunda Guerra na Alemanha, registrando num diário a ascensão do nazismo, faz uma análise primorosa de como a manipulação da linguagem pode servir a propósitos ideológicos. Se você pensou na “novilíngua” de George Orwell, acertou, mas Klemperer escreveu suas observações antes do inglês, e elas diziam respeito ao mundo real, e não ao da ficção.
No Brasil, o FGTS é um bom exemplo dessa mágica operada pela linguagem. Quase todos, da esquerda à direita, passando pela própria Constituição, o tratam como um direito. Mais até, como cláusula pétrea da Carta, que só poderia ser extinta por revolução (essa é a posição da OAB).
Não é preciso, porém, mais do que noções elementares de economia e desprendimento em relação às “idées reçues” para constatar que o Fundo é mais bem descrito como um confisco do que como um direito.
Para início de conversa, num mercado de trabalho competitivo, se não houvesse FGTS, os vencimentos mensais recebidos pelos assalariados seriam 8% maiores. Na verdade, o que o FGTS faz é impor ao trabalhador uma poupança compulsória, da qual ele não pode dispor nem em emergências, cujos rendimentos são fixados pelo governo num valor que fica sistematicamente abaixo do da inflação. Nas contas da Econometrica, entre 1997 e 2017, o FGTS rendeu 202%, contra 465% da poupança, 756% do Ibovespa e 1.724% do CDI. O IPCA no período foi de 250%.
Basicamente, o governo tirou dinheiro do trabalhador. Num mundo não povoado por singularidades de linguagem, sindicatos e organizações que defendem direitos difusos pediriam o fim do FGTS, não sua perpetuação.
Elio Gaspari: O Pacificador pôs fogo no STF
A promessa de Toffoli era parolagem, mas ninguém esperava tantos incêndios
O ministro José Antonio Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal prometendo “pacificação” na corte e oferecendo um “pacto” aos demais poderes. Era parolagem típica de Brasília, mas ninguém poderia supor que sua conduta posterior provocasse tantos incêndios. Conflagrou o tribunal, confrontou-se com a Procuradoria-Geral da República e se tornou um defensor da censura com argumentos conceitualmente desastrosos e factualmente inconsistentes.
Como diria Lula, nunca na história deste país um ministro do Supremo Tribunal Federal defendeu a censura com tamanha insistência e indigência. Nem quando o STF sacramentava a censura dos generais, pois os ministros pouco falavam.
Graças aos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, a piromania foi contida. O ministro Alexandre de Moraes revogou a censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé, e é de se esperar que Toffoli sossegue em sua pregação desconexa. Fica faltando limar a truculência de um inquérito escalafobético que saiu por aí apreendendo computadores nas casas dos outros.
O ministro Moraes constrangeu um cidadão argumentando que ele fez propaganda de “processos violentos e ilegais para a alteração da ordem política e social”. Uau. Quem seria esse Che Guevara? Era o general da reserva Paulo Chagas, que “defendeu a criação de um tribunal de exceção para julgamento dos ministros do STF ou mesmo para substituí-los”.
Chagas tem suas ideias e foi candidato ao governo do Distrito Federal. Teve 110 mil votos (7%), ficou em quarto lugar e não foi ao segundo turno. O que ele propôs é farofa no bufê dos ventos políticos de hoje. Um filho do presidente já disse que para fechar o STF bastam “um cabo e um soldado”. (Em janeiro, Chagas postou que “o Brasil não é uma monarquia e a família Bolsonaro não é a família imperial”.)
Tudo isso são opiniões e ouvi-las (ou não) é o jogo jogado. Durante a ditadura do século passado que Chagas defende, a Justiça Militar mandou para a cadeia o historiador Caio Prado Jr. por ter dado uma entrevista inócua a um jornalzinho de estudantes. Na época, o que a ditadura queria era intimidar o meio acadêmico.
A crise do Supremo das últimas semanas teve uma peculiaridade. Pela primeira vez ela saiu de dentro do tribunal, contaminando o meio externo. Em todas as outras ocasiões a encrenca, grande, vinha de fora. Agora havia um mal-estar lá dentro e a partir dele criou-se a crise. Não se pode dizer que fosse um problema dos 11 ministros. Seriam três ou quatro, no máximo. Em algum lugar há uma fonte emissora de radioatividade. Nada melhor que a luz do sol para procurá-la.
PAPÉIS DE BOBOS
Pode-se fazer tudo para ajudar a turma da Lava Jato, menos papel de bobo.
Quando o juiz Marcelo Bretas prendeu o ex-presidente Michel Temer, noticiou-se que a procuradora Fabiana Schneider revelou o seguinte: “Foi identificado pelo Coaf que houve uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em espécie na conta da Argeplan. Esse fato ainda precisa ser investigado e apurado. (...) É um indicativo que a organização criminosa continua atuando”.
A Argeplan pertence ao coronel da reserva da PM João Baptista Lima, amigão de Temer. Ficou no ar a cena de um cidadão entrando numa agência bancária com duas malas de dinheiro, cada uma pesando cerca de 25 quilos.
Passou-se um mês e o Ministério Público Federal informou que a cena nunca aconteceu. O gerente financeiro da Argeplan quis transferir eletronicamente R$ 20 milhões, que estavam no Bradesco, para três novas contas numa agência do Santander. Como o polivalente coronel ganhou esse dinheiro, não se sabe. Também não se sabe por que pretendia trocar a titularidade da grana. Sabe-se, contudo, que o Bradesco tentou se livrar da conta e ele foi à Justiça, conseguindo mantê-la no banco.
A tal cena cinematográfica de um magano querendo depositar semelhante ervanário “em espécie” era uma fantasia. Uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo, sem origem documentada, é uma coisa. Transferência eletrônica, bem outra, pois o banco onde está o dinheiro registra os depósitos que recebeu.
Quem deu crédito à cinematografia fez papel de bobo.
(Registre-se que o juiz Bretas não mencionou o episódio na sua decisão de prender Temer.)
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita que estão fazendo uma injustiça com o ministro Dias Toffoli ao insinuarem que ele é o “amigo do amigo” do pai de Marcelo Odebrecht.
Pura fake news, o “amigo do amigo” de Emílio Odebrecht é ele, Eremildo.
O cretino é amigo dos amigos de todos os empreiteiros e muito agradeceria a Toffoli se ele lhes fizesse saber disso.
LIMITE DO PODER
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acharam que podem muito. Deveriam lembrar que nem sempre condenações
judiciais maculam as vítimas e às vezes envergonham o Judiciário e/ou os processos de investigação.
Dos 6 últimos presidentes brasileiros, 5 foram presos ou detidos.
O capitão Jair Bolsonaro tomou uma cana de 15 dias por indisciplina e em seguida começou sua carreira política.
Dilma Rousseff foi condenada a seis anos de cadeia por sua militância na Vanguarda Popular Revolucionária. Pagou dois anos na “Torre das Donzelas”.
Em 1980, Lula ralou 31 dias na carceragem do Dops por suas atividades na greve dos metalúrgicos do ABC.
Fernando Henrique Cardoso passou horas encapuzado no DOI de São Paulo.
Todos orgulham-se do que fizeram.
LIÇÃO DE DELFIM
O professor Delfim Netto deu mais uma lição de economia, em apenas 15 palavras:
“É o valor do frete que determina o valor do caminhão, e não o contrário.”
Enquanto isso não for entendido, a questão dos caminhoneiros continuará encruada na economia e na ordem pública nacionais.
BOLA DENTRO
O pai e empresário do jogador Neymar, a quem a Receita Federal cobra um espeto milionário, foi ao presidente Bolsonaro tratar de seus interesses.
O capitão recebeu-o e tirou retrato, mas o caso ficou com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O Ministério da Economia informou que “todo o encaminhamento da questão ocorrerá no âmbito do processo e observará todas as premissas legais aplicáveis”. Ou seja, por enquanto, nada feito.
Se esse procedimento for repetido, diminuirá o número de pessoas que vão ao Planalto ou aos gabinetes de ministros para pedir algum tipo de dá cá, em troca de um toma lá.
REGISTRO
Na semana passada, não houve sessão plenária no Supremo Tribunal Federal.
Na segunda, porque nesse dia ele não se reúne. Na terça, sabe-se lá porque, não se reuniu. Na quarta, começava o feriado da Semana Santa para o Judiciário.
Do jeito que iam as coisas, foi melhor assim.
A partir de terça-feira, novidades.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Bruno Boghossian: Bolsonaro ainda faz cara feia, mas governo negocia cargos e emendas
Presidente dança valsa atrapalhada enquanto auxiliares tentam formar base aliada
Depois de servir cafezinho no gabinete presidencial para Romero Jucá, Gilberto Kassab e outros caciques, no início do mês, Jair Bolsonaro tentou se explicar para seus seguidores. “Nada foi tratado sobre cargos, nem da parte deles, nem da nossa parte. Quem falou que haveria questões envolvendo cargos caiu do cavalo”, afirmou.
O presidente dança uma valsa meio atrapalhada em seu esforço para conseguir apoio no Congresso. Enquanto foge do assunto e trata com ironia a distribuição de espaços na máquina federal, seus auxiliares se esforçam para fazer essa partilha entre potenciais aliados.
Metade dos figurões do Palácio do Planalto trabalha hoje para destravar nomeações políticas que podem ajudar o governo a construir uma base de apoio consistente nas votações da Câmara e do Senado —em especial na reforma da Previdência.
Na semana das reuniões de Bolsonaro com dirigentes partidários, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que era “óbvio que eles vão ter algum tipo de participação” no governo. O ministro Santos Cruz disse que o preenchimento de cargos por indicação política “é normal em qualquer lugar do mundo”.
Agora, o chefe de Casa Civil prometeu aos líderes das principais siglas do Congresso que vai distribuir postos de chefia no Banco do Nordeste e em áreas da Caixa nos estados, além de vagas em outros órgãos, como mostrou a coluna Painel.
Além disso, Onyx Lorenzoni avisou que cada deputado que votar a favor das propostas do governo vai receber R$ 10 milhões por ano em emendas parlamentares extras, além das que são obrigatórias. O presidente continua fazendo cara feia para a velha política, mas seus auxiliares são obrigados a fazer o trabalho sujo.
Os parlamentares até se encantam com as ofertas, já que precisam levar obras e serviços para suas bases eleitorais, mas reagem com desconfiança. Eles acham que, assim que for confrontado novamente, Bolsonaro voltará a acusar os partidos de pressioná-lo por verbas e cargos.
Demétrio Magnoli: Governo Bolsonaro é só uma escala técnica na rota do Partido dos Procuradores
O voo suicida do STF concentrou as atenções, desviando os olhares do fenômeno que motiva o inquérito
A crise institucional em curso transbordou como crise constitucional pelas decisões do STF de agir, simultaneamente, como parte, promotor e juiz no inquérito das fake news e de impor censura à divulgação de notícias. Curiosamente, o governo Bolsonaro tem relação apenas lateral com uma crise cujos protagonistas são o próprio STF e a corrente jacobina do Ministério Público.
Atuando em dobradinha, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes conduzem um inquérito abusivo já na origem aos descaminhos da truculência. Desconhecendo os limites da lei, acalentam a ilusão de que seus alvos se deixarão intimidar. O fruto prático de seus atos arbitrários é a desmoralização do STF —ou seja, exatamente a finalidade buscada pelos promotores da campanha difamatória disseminada nas redes sociais. O recuo de Moraes, revogando o ato de censura, restabelece parcialmente a legalidade. Falta, ainda, devolver as prerrogativas de investigar e acusar a quem a detém, ou seja, ao Ministério Público.
O voo suicida do STF concentrou as atenções, desviando os olhares do fenômeno que motiva o inquérito. Não são meia dúzia de haters de redes sociais: há anos, como subproduto tóxico da Lava Jato, a corrente jacobina dos procuradores engajou-se num projeto de poder.
Os sinais iniciais emergiram em maio de 2017, na “operação Joesley Batista” e no artigo de Rodrigo Janot que denunciava “o estado de putrefação de nosso sistema de representação política”. O procurador-geral enunciava, então, nada menos que um objetivo estranho à missão judicial da Procuradoria: limpar a República, substituindo a elite política tradicional por uma outra, pura e casta. É essa meta que os pretendentes a Robespierres continuam a perseguir.
Janot foi protagonista circunstancial numa engrenagem que alastrou suas bases pelo Ministério Público, extravasou para setores da Polícia Federal e da Receita e se disseminou entre militares da reserva e políticos (tanto governistas como de oposição). Hoje, o projeto de poder tem seu próprio candidato presidencial, que atende pelo nome de Sergio Moro, e seu veículo oficioso de mídia, que é o site censurado pelo ato ilegal do STF. Bolsonaro flerta alegremente com a engrenagem, sem se dar conta de que seu governo é apenas uma escala técnica na rota imaginada pelo Partido dos Procuradores.
Mundo afora, da Rússia à Turquia, o populismo vale-se do pretexto do combate à corrupção para quebrar as mediações institucionais que limitam o poder do governo. O núcleo da Lava Jato ganhou popularidade ao atacar eficazmente a corrupção sistêmica que envenena a política brasileira. Dessa plataforma, nasceu o projeto do Partido dos Procuradores, que agora esculpe as investigações segundo as necessidades de seu objetivo político. É nessa lógica que se inscreve a ofensiva contra a Corte Suprema.
“Tenho vergonha do STF” —a frase lançada por um obscuro advogado contra Lewandowski funciona como palavra de ordem da campanha de mídia. O site O Antagonista publica fragmentos de notícias verídicas, mas descontextualizadas, oferecendo munição aos guerrilheiros das redes, que as convertem em petardos difamatórios contra os magistrados escolhidos como alvos. Pretende-se, no fim, eliminar as restrições legais à perseguição de inimigos políticos do Partido dos Procuradores. Nas Filipinas, o governo Duterte fez da “guerra às drogas” o alvitre para execuções extrajudiciais. No Brasil, faz-se da “guerra à corrupção” o pretexto para assassinatos de reputações.
O exército da difamação opera nas sombras, combinando vazamentos seletivos com torrentes de desinformação impulsionadas nos subterrâneos da internet. O STF tem a obrigação de expor os contornos da campanha criminosa por meio dos instrumentos legais, solicitando à Procuradoria inquéritos sobre fatos específicos. A luz do dia sempre é o melhor antídoto contra os combatentes das trevas.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bruno Boghossian: Ao defender censura até a última hora, Toffoli encolheu o Supremo
Presidente do STF tentou amarrar o tribunal a uma cruzada e acabou isolado
Ao justificar a censura como ferramenta de defesa institucional, Dias Toffoli demoliu alguns pilares do próprio Supremo. O presidente do tribunal defendeu medidas excepcionais para construir uma muralha que possa proteger a reputação da corte. No fim da obra, o paredão estaria de pé, mas não sobraria muita coisa lá dentro para preservar.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Toffoli deu de ombros para o desgaste provocado pela decisão de tirar do ar uma reportagem da revista Crusoé que noticiava uma menção a ele em emails internos da Odebrecht. O presidente do STF dobrou a aposta na repressão e tentou tratar a censura como algo banal.
“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”, declarou.
Toffoli disse que só agia dessa maneira porque, “ao atacar o presidente, estão atacando a instituição”. Ele discursa em nome de toda a corte e insiste em se confundir com o próprio tribunal, mas alguns colegas parecem dispensar os arbítrios cometidos sob a capa da legítima defesa.
Após a publicação da entrevista, Marco Aurélio comparou o caso à imposição de uma mordaça. Horas depois, Celso de Mello divulgou uma longa nota em que chamou a decisão de autocrática e intolerável.
As reações isolaram Toffoli e o relator do inquérito sobre os ataques à corte. No fim do dia, Alexandre de Moraes decidiu capitular e suspendeu a censura. De quebra, foi obrigado a admitir que o documento citado na reportagem era verdadeiro.
O presidente tem razão quando diz que o STF é alvo de ataques baixos, mentiras e redes organizadas para desacreditar o tribunal. Parte dessas ações, diga-se, é incentivada por políticos e milícias partidárias.
A corte tem direito de responder, mas sem atropelos. Se ficar preso a uma cruzada mesmo depois de ter sido derrotado, Toffoli vai encolher o STF e passará a administrar uma delegacia de polícia numa terra sem lei.
Clóvis Rossi: Máquina de corromper também mata
Suicídio de Alan Garcia vai na conta da Odebrecht
Assim como há os “serial killers” (assassinos em série), há os corruptores em série.
O mais notório deles —a construtora brasileira Odebrecht— acaba de fazer a sua primeira vítima de grande repercussão, na figura do ex-presidente peruano Alan García (houve já cinco mortes ligadas ao caso Odebrecht, três na Colômbia, uma na Bahia e outra no Rio Grande do Sul).
O Peru, aliás, é a mais completa demonstração de que a Odebrecht é uma máquina de corrupção: todos os presidentes deste século foram envenenados pela Odebrecht.
Um deles, Ollanta Humala, chegou a ficar preso por nove meses. Nesta quarta-feira (17) soltou nota de pesar pela morte de García, provavelmente aliviado porque, no dia 30, comemorará um ano de liberdade.
Outro presidente, Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, corre o risco de se tornar a segunda vítima: no mesmo dia em que García se suicidou, o promotor José Domingo Pérez solicitou 6 anos e 8 meses de prisão para ele. Notícia terrível para quem está internado por causa de taquicardia e pressão alta.
Um terceiro ex-mandatário, Alejandro Toledo, fugiu para os Estados Unidos. Sua extradição já foi solicitada.
Fosse no Japão, o suicídio de Alan García poderia ser considerado um daqueles gestos de fuga à vergonha pela prisão praticado por algum acusado de corrupção.
No caso dele, não é bem isso: se estivesse com vergonha, García não teria pedido asilo ao Uruguai assim que começaram as investigações sobre “Chalán”, o codinome que a empresa brasileira atribuiu a ele (sim, também no Peru, cada corrompido recebia um nome em código).
Se a moda de preferir o suicídio à prisão tivesse sido adotada antes, haveria uma verdadeira carnificina entre políticos latino-americanos: documentos enviados pela Suíça e pelos Estados Unidos, publicados há cerca de dois anos pela Folha, mostram que o veneno da construtora se espalhou por dez países da região (Brasil, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Peru, Venezuela e México). Pegou também Moçambique.
O principal executivo à época dessa corruptora em série, Marcelo Odebrecht, confessou a um grupo de procuradores peruanos e brasileiros que o interrogou em novembro passado: “Nós apoiamos todos os candidatos presidenciais do Peru, todos os partidos e provavelmente várias eleições de congressistas".
Completou com uma frase definitiva sobre as práticas escusas da companhia: "Assim funciona a América Latina inteira".
Tem razão. Tanto que um balanço feito até outubro passado pelos procuradores da Lava Jato apontava mais de 200 condenações por crimes que incluíam corrupção, abuso do sistema financeiro internacional, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
A maioria dos condenados são políticos e executivos, tanto da Odebrecht (ou de outras construtoras) como da Petrobras.
A corrupção fez correr o sangue não só de Alan García, mas também da economia brasileira: levantamento do Council on Foreign Relations mostra que, pelo menos em parte, a crise política desatada pelas investigações ajudou a jogar o Brasil no buraco da pior recessão em um século.
Será que o suicídio do político peruano fará mudar o jeito como “funciona a América Latina inteira". Meu palpite? Não, não fará.
Bruno Boghossian: Bolsonaro faz live com indígenas, mas já os chamou de 'fedorentos'
Quando era deputado, ele mandou manifestante 'comer capim para manter origens'
Jair Bolsonaro chamou líderes indígenas ao Palácio do Planalto nesta quarta-feira (17) para fazer uma improvável defesa de suas causas numa transmissão ao vivo pelas redes sociais.
"O índio tem que ser respeitado e vai ser respeitado enquanto vivo eu estiver!", bradou o presidente.
Deve ser mesmo uma nova era. Em 2004, o então deputado disse numa audiência na Câmara que os indígenas eram "fedorentos" e, na maioria das vezes, só iam a Brasília para fazer lobby. Criticado pelo então deputado Lindbergh Farias (PT), ele tentou explicar: "Eles não usam desodorante. Isso foi o que quis dizer".
Quatro anos depois, Bolsonaro foi atingido por um copo d’água atirado por um líder sateré-mawé, em outra audiência no Congresso. Irritado, afirmou que "ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens".
Igor Gielow: Supremo vira sócio de Bolsonaro no caos institucional do Brasil
Próximo teste será recurso para soltar Lula; militares já alertam para confronto
Em 13 de fevereiro deste ano, escrevi aqui que José Antonio Dias Toffoli vinha segurando os piores instintos durante tormenta em formação envolvendo o STF (Supremo Tribunal Federal) que preside. Com efeito, manteve várias pontes abertas no mundo político.
Naquele momento, senadores cochichavam sobre impeachment de ministros do STF e sussurravam sobre a “Lava-Toga”, uma CPI dedicada a bombardear o Judiciário. O bolsonarismo, ainda sem as décadas políticas de desgaste que acumula nessa distorção de tempo-espaço chamada Brasil, voltava a assanhar-se com ideias que acalentara durante a campanha —lembram-se do Supremo de 21 ministros sugerido pelo então candidato?
Eis que nesta semana vemos o próprio Toffoli acendendo pavios que podem levar a uma imponderável explosão da já esgarçadíssima tessitura institucional do país. Até em reação àqueles petardos iniciais, o presidente do STF chancelou censura e ativismo policial inaudito como forma de ação política no episódio da investigação sobre as fake news contra membros da corte.
A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, achou por bem arquivar aquilo que poderia solicitar o arquivamento. Não é preciso ter doutorado em direito nem para ser presidente do STF, quanto mais para entender que o Judiciário é o principal perdedor desta pinimba.
Entrando em algum buraco de minhoca einsteiniano, recorro a um termo que cunhei em uma coluna no paleozoico 20 de fevereiro de 2016: a “morolização”. Como é óbvio e algo baratinho, tratava-se da moralização à la Sergio Moro, um risco que eu afirmava ser inerente ao protagonismo do STF por misturar ações importantes com personalismo.
Pois bem, o ciclo se completa. As batidas da PF de Alexandre de Moraes, a censura a reportagens envolvendo Toffoli e outras maquinações que virão só trarão vantagens para os operadores do caos no poder. Não passa despercebida a postagem que o filhão Eduardo “basta um cabo e um soldado” Bolsonaro fez sobre a disputa, prevendo a redução do “já baixo índice de credibilidade do STF”.
Mas o presidente não tem nada a ganhar com uma guerra aberta, em especial se ela vazar para dentro do Congresso. Como já se questionam os militares que lhe angariaram prestígio para compor o governo, a questão é se o mandatário de fato quer fazer algo além de cumprir a promessa de ver o circo pegar fogo, implodir “tudo o que está aí” —ainda que isso inclua toda a plateia, ou seja, nós.
Os resultados recentes exprimem esse talento para a destruição. A reforma da Previdência não passa nem pela CCJ, R$ 32 bilhões a menos de valor da Petrobras num piscar de olhos e a concessão provavelmente infrutífera aos caprichos dos caminhoneiros.
Bolsonaro adora comparar-se a Lula e nutre desprezo olímpico por FHC, mas deveria olhar como o tucano fez avançar sua agenda quando ainda tinha a popularidade no começo do seu primeiro mandato, em 1995.
Enfim, o presidente é o buraco negro que gera a distorção atual, como o PT antes dele, mas ganhou um aliado poderoso para a disrupção política do país no Supremo. A crise atual nem começou direito, e a próxima estação desse trem fantasma já está à vista: a discussão sobre a libertação de Lula pela Segunda Turma do STF.
Um conhecedor daquela câmara diz que está em formação uma maioria em favor do ex-presidente, o que alteraria todo o entendimento das coisas até aqui no caso. A turma irá reunir-se presencialmente em breve a pedido de Gilmar Mendes, ministro que não esconde de conhecidos o desconforto com a prisão do petista.
Dois governadores contam que receberam a mesma avaliação de membros da cúpula das Forças Armadas: a exemplo do já histórico tuíte do general Villas Bôas em 2018, os militares não estão dispostos a bancar sem alertas antecipados o controle da balbúrdia social que creem ser inevitável no caso de soltura de Lula que tenha cheiro de casuísmo.
Os dois lados poderão querer medir forças nas ruas. A esta coluna, um general disse que os dois perderão se isso acontecer. Só isso ser conversado em pleno 2019 dá a medida do quão fora da curva estamos.
*Igor Gielow é repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.
Ruy Castro: A mão na boca
Estão tramando algo contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente
Há dias vimos nos jornais uma foto em o que presidente Jair Bolsonaro, de mão na boca, cochicha alguma coisa para seu valete OnyxLorenzoni, o qual também faz uma parede bucal com os dedos. Já assistimos a esta cena muitas vezes. No passado, ela era cometida pelo então presidente Lula e seu também valete Antonio Palocci. Hoje, não se passa uma semana sem que a vejamos protagonizada pelos treinadores de futebol e seus auxiliares à beira do gramado ou entre jogadores de vôlei no meio da quadra.
Historicamente, o simples ato de cochichar em público sempre foi falta de educação —que segredos alguém teria que não pudesse partilhar conosco? E falar com a mão na boca só podia significar que a pessoa era desdentada ou tinha mau hálito. Hoje, a mão na boca está liberada. É usada para que se possa cochichar à vontade sem que os enxeridos façam a leitura labial do que se está dizendo.
É possível a qualquer amador traduzir em voz alta um palavrão ou uma interjeição grosseira que se esteja vendo sem som —às vezes, o próprio gestual do dedo em riste ou das mãos à cabeça já diz tudo. Mas como entender frases inteiras, complexas, principalmente quando são emitidas por pessoas com dicção horrorosa, como Bolsonaro e Lula, que só deviam falar com legendas?
Não me consta que, entre os seus incontáveis profissionais qualificados, o Brasil disponha de legiões de técnicos em leitura labial. Eu próprio já fui apresentado a ventríloquos, intérpretes em 12 línguas e até pessoas capazes de assobiar óperas inteiras, mas nunca a um leitor labial. E quantos estarão assistindo àquela mão na boca naquele exato momento? E, se entenderem tudo, o que poderão fazer?
Ainda mais porque, ao ver autoridades cochichando com a mão na boca, não precisamos de leitura labial para saber que estão tramando algo contra nós —e não pelas nossas costas, mas pela nossa frente.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.