Folha de S. Paulo
Igor Gielow: Em início de crise, ministro fica isolado, e Lava Jato prova do seu próprio veneno
Moro só pôde contar com manifestações de militares com assento no governo
Os primeiros movimentos sísmicos do mundo político após a revelação das conversas atribuídas a Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros lava-jatistas sugerem que o ex-juiz e atual ministro da Justiça não terá apoio irrestrito fora das redes sociais nesta crise.
O silêncio do chefe, Jair Bolsonaro (PSL), foi o mais eloquente. Um fator que pode mudar isso é o comportamento das redes sociais.
Significativamente, a articulação de uma eventual CPI está na mão da mesma esquerda que já pedia a cabeça de Moro. Os incomodados com o ministro e seu pacote anticrime no Congresso apenas observam.
Aqui, outro silêncio indica importante neutralidade que se traduz como apoio: o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Moro só pôde contar com manifestações de militares com assento no governo, que sempre o apoiaram. Angariou apoio do vice Hamilton Mourão e de Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Fora disso, o que mais se ouviu foram sussurros incomodados.
Não é nada desprezível o dado de que Bolsonaro queixou-se a pelo menos dois interlocutores sobre o que considerava apetite de Moro por sua cadeira em 2022.
A exposição pública que fez do acordo entre os dois, visando dar uma vaga no STF, pode ser vista como um tiro de advertência claro.
No campo da teoria conspiratória, fertilíssimo, sempre é lembrado que o ministro tem as chaves que regem o inquérito que apura se há envolvimento entre milícias e a família do presidente.
Fora do governo, Moro ainda nada bem na espuma da onda que levou o chefe ao Planalto. Ali, recebeu apoio dos filhos da primeira-família mais ativos virtualmente, Eduardo e Carlos. Não haveria de ser diferente: o espírito da Lava Jato estava no centro da insatisfação popular que ajudou a eleger Bolsonaro.
Mas mesmo o bolsonarista mais empedernido deve saber que a vida real não se resume a likes, e a revelação do teor das conversas até aqui atiçou adversários de Moro que nada têm a ver com a campanha Lula Livre.
Além da situação no Congresso, a disputa no Supremo entre os chamados legalistas e aqueles que aprovam a Lava Jato tende a pegar fogo.
É uma briga que remonta a debates sobre a Operação Satiagraha na década passada.
Ainda que as coisas se acomodem, as chances de o ministro ir para a corte parecem bastante reduzidas agora.
É importante ressaltar também o "agora". A ameaça feita pelo The Intercept Brasil de revelar mais episódios comprometedores a conta-gotas deixa qualquer avaliação ao sabor dos acontecimentos.
Criticado pelos apoiadores de Moro, o modus operandi é irrelevante dado que ninguém contestou o conteúdo do que foi exposto até aqui.
Nesse quesito, aliás, há alguma ironia histórica. Moro sempre gostou de ser associado à Lava Jato, mesmo como seu líder, o que não lhe garantiu muito prestígio na Polícia Federal, por exemplo.
Daí toda a revolta dos expostos contra o vazamento ser intrinsecamente risível: o argumento de criminalizar a revelação foi usado por todos os afetados pela operação desde seu começo em 2014, culpados ou não.
Se é fato que qualquer ascensorista de tribunal sabe que juízes trocam impressões com procuradores ao longo de processos, por errado que seja, ao fim a Lava Jato está provando de seu próprio veneno.
Leandro Colon: PSL em chamas
Partido revelou-se uma balbúrdia ética e crise interna se agrava em hora importante para Bolsonaro
"Vou colocar fogo no puteiro." A frase de alto nível foi escrita em rede social neste domingo (9) pelo deputado Alexandre Frota, do PSL, partido de Jair Bolsonaro.
O ex-ator pornô está nu depois de a Folha revelar que um ex-motorista do parlamentar prestou depoimento ao Ministério Público acusando o ex-patrão de usá-lo como laranja.
Marcelo Ricardo Silva afirma que, a pedido de Frota, tornou-se sócio de empresas que eram do político. E que recebia dinheiro de terceiros a ser repassado para a mulher do ator que fez o Apolo de "Sassaricando".
Mais um do PSL ligado a um caso de laranja, Frota escancarou de vez o que todo mundo já sabe. Que o PSL é uma guerra conflagrada internamente, um amontoado de pessoas sem estofo político e desinteressadas em atuar unidas para ajudar o governo do seu principal filiado a sair o quanto antes do ponto morto.
"O que tenho comigo é muito forte", afirmou Frota, em tom de ameaça aos colegas de legenda após vazar na internet o conteúdo de uma conversa do grupo de WhatsApp da bancada. Espera-se agora que ele deixe a bravata de lado e conte o que sabe.
No sábado (8), Bolsonaro reuniu-se com aliados do PSL para discutir uma possível retirada de Luciano Bivar da presidência da sigla. Como mostrou a Folha, o deputado apresentou à Câmara e ao TSE notas fiscais de empresas que vendem esse tipo de documento, um indício de que os serviços pagos com dinheiro público jamais foram prestados.
A Polícia Federal já investiga desde fevereiro um esquema de candidatas laranjas do PSL em Pernambuco, reduto comandado por Bivar.
Bolsonaro foi eleito com discurso contra tudo o que tínhamos visto por aí no campo de falcatruas cometidas por partidos políticos. Em menos de seis meses de governo e de nova legislatura, a sigla do presidente revelou-se uma balbúrdia ética.
O PSL nunca foi levado a sério em Brasília. Cresceu na onda bolsonarista e chegou com força ao Congresso. Agora incendeia bem na hora em que o governo mais precisa dele.
Gaudêncio Torquato: O estilo Bolsonaro
Há pouca chance de mudar caráter e personalidade
“Le style, c’est l’homme même” (“O estilo é o próprio homem”). O conceito é de autoria de George-Louis Leclerc, conde de Buffon, em discurso na Academia Francesa, em 25 de agosto de 1753. Referência na análise do “gênio” dos homens públicos, tem suscitado críticas e elogios.
A história é farta de exemplos que demonstram a força da assertiva. Gandhi, despojado de ambição, surge como expressão de grandeza moral. Para ele, os conflitos podem ser resolvidos com a sabedoria, não com armas. Hitler, com seu ideário de pureza de raça e domínio pela força, é a síntese do mal. Kennedy, em sua estampa jovem e exuberante, simboliza o ideal de uma América próspera e feliz. De Gaulle, do alto de sua autoridade, tem a imagem de herói da França. Churchill, culto e persistente, emerge como o maior estrategista da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Juscelino Kubitschek, o nosso JK, de sorriso aberto deu ao Brasil a cara de modernidade. O estilo de cada um, com suas atitudes e comportamentos, lhes deu fama e reconhecimento.
Como se traduz o estilo Jair Bolsonaro? No plano estético, sobressai a imagem do capitão fazendo com as mãos o gesto de atirar com arma. Não é um gesto de paz. Na semântica, destaca-se a figura de um radical, cujas expressões ferem os direitos humanos, a partir da posição contrária à igualdade de gêneros.
Não há projetos que abrilhantem a vida parlamentar de 28 anos. Farta é a carga de elogios a envolvidos com a tortura nos tempos de chumbo. Eleito por vestir o manto da moralidade, ganhou a identidade de guerreiro contra o lulopetismo, a bandidagem das ruas e a velha política.
A facada transformou-o em vítima da violência, amaciando a imagem dura. O jeito Bolsonaro de ser é inconfundível. Seu estilo, essa mistura de “inputs” estéticos e semânticos, pode ser lapidada? Difícil. Uma coisa é ser deputado, outra é ser presidente de todos os brasileiros. O axioma é demonstrável. Mas, em se tratando de caráter, personalidade, há pouca chance de mudança.
É o que se infere dos sinais que o presidente emite: conservador em matéria de costumes, armamentista, crítico ao modo de operar do presidencialismo de coalizão (“velha política”), defensor da inserção do Brasil na extremidade do arco ideológico.
Por isso, é razoável apostar na hipótese de Bolsonaro não mudar. Imbui-se da missão de cumprir o ideário com o qual se identifica parcela da sociedade. No xadrez da política, ele joga as pedras que acha necessárias para ganhar o jogo. Nisso está certo. Mas terá de conviver com um país rachado, um apartheid social que tende a aprofundar as bandas que o lulopetismo criou, o “nós e eles”, os bons e os maus.
Governar para todos os brasileiros será praticamente um lema impossível de ser cumprido. Em seu lugar, teremos uma expressão acirrada, insuflando manifestações do “povo” em apoio ao governo.
O amanhã é uma incógnita. Mas as alternativas são claras: o Brasil andará para frente ou para trás. O avanço dependerá das reformas. Recuo significará derrotas do governo no Congresso. A luz no fim do túnel seria a aprovação das reformas e a consequente recuperação da economia.
Pela índole bolsonariana, conviver com a esfera política será um cipoal de difícil travessia. O governo poderá chegar ao final exibindo índices positivos. Mas a ideia de um pacto pelo Brasil —como esse que se anuncia— não resiste a uma análise da “incompatibilidade de gênios” entre o mandatário-mor e os mandatários do Parlamento.
O clima será sempre muito quente. O estilo do capitão deve continuar a execrar o que chama de toma lá, dá cá. Quanto às massas, não se moverão em direção ao abismo. Conservam o instinto de sobrevivência. Apoiarão o presidente até quando os ecos da campanha derem o tom. Sem resultados positivos na economia, o povo mudará seu apoio. Os extremos não se anularão, mas diminuirão de volume. A caminhada para o meio é o trajeto mais viável.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político
Bruno Boghossian: Bolsonaro estimula uma cultura de desrespeito às leis
Ao dar respostas que não medem consequências, presidente exerce uma má influência
Em fevereiro, um agricultor disparou um tiro por acidente dentro de casa, no interior de São Paulo. Chamada pelos vizinhos, a polícia descobriu que sua carabina não tinha registro. Quando foi ouvido pelo juiz, ele disse que não sabia da necessidade de documentação, “pois o Bolsonaro tinha dito que pessoas de bem poderiam ter uma arma”.
Talvez o homem estivesse só tentando inventar uma boa desculpa para o crime. De todo modo, ele pode até acusar o presidente de fazer propaganda enganosa.
Bolsonaro mantém no governo a retórica de que tudo pode ser resolvido num passe de mágica. Para cada problema que enxerga, oferece uma resposta que não mede detalhes nem consequências. A má influência estimula uma cultura do vale-tudo e de desrespeito às leis.
Aquele agricultor paulista comprou uma carabina do sobrinho 20 dias depois que Bolsonaro assinou seu primeiro decreto para flexibilizar a posse de armas. “Sem muita informação, ele acreditou na TV e achou que, como é uma pessoa de bem, poderia comprar uma arma assim mesmo”, disse o advogado do homem à BBC, que noticiou o caso.
Não se pode culpar Bolsonaro diretamente pelo comportamento de cada brasileiro, é claro, mas sua conduta irresponsável no cargo abre caminho para um mundo simplista.
O próprio presidente incentiva a desobediência. Sua campanha para afrouxar leis de trânsito arrepia até deputados. “Por ser um homem que comanda a nação, a palavra dele tem impacto. Quando ele fala, as pessoas podem compreender que já é lei”, disse à Folha Christiane Yared (PL), que perdeu o filho num acidente.
O discurso impulsiona desde motoristas que aceleram em estradas sem radares até madeireiros que desmatam sob a perspectiva de um novo tempo no meio ambiente.
É difícil acreditar que um presidente que usou a comunicação para se eleger não conheça o peso de suas palavras. É mais provável que Bolsonaro simplesmente não se importe com os efeitos daquilo que diz.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro acha que peso real é uma nota com as caras de Pelé e Maradona
Moeda única seria o ponto final de uma longa e malparada integração econômica
Jair Bolsonaro talvez acredite que, se puder pagar um bife em Buenos Aires com um papel colorido chamado “peso real”, Brasil e Argentina terão uma moeda única. Bastaria imprimir, sei lá, 1 trilhão de papeizinhos com a cara de Pelé de um lado e a de Maradona de outro e chamar isso de moeda única.
Tal como foi proposta, essa ideia é outra das fantasias deste governo que regularmente aparece com um plano infalível, como aqueles de arrumar 1 trilhão (com privatização, petróleo ou mágica bolsonariana). Qual o motivo desses despautérios é uma questão.
Um exemplo prático ajuda a entender o disparate.
Bancos centrais têm a tarefa de manter o poder de compra da moeda. Quando a inflação sobe, aumentam os juros básicos da economia (e vice-versa). Assim, regulam mais ou menos o ritmo da atividade econômica, que em geral deve ser freado caso a inflação suba demais.
Esse é um meio importante pelo qual o poder público pode regular a velocidade da economia, no curto prazo: é a política monetária. Um outro é a política de gastos e impostos do governo (política fiscal).
A política fiscal e a monetária se influenciam; devem ser coordenadas ou equilibradas. Gastar mais e elevar juros, como se fez sob Dilma Rousseff, equivale a comer para emagrecer.
Pois bem. Imagine-se o caso de dois países com ritmos de atividade econômica e de inflação diferentes: um precisa de juros mais altos; o outro, o contrário. Ou, então, o de um país que está gastando até a falência, enquanto o outro cuida de suas contas e, assim, entre outros motivos, pode manter juros mais baixos.
Esses dois países não podem ter uma política monetária única (a de juros), pois precisam de dietas diferentes. Para que possam, suas economias devem convergir até que seja razoável ter um único banco central (e, pois, uma moeda única).
Como fazer a convergência é um problema. Para que não batam cabeça, esses países precisam coordenar suas políticas de gastos públicos. Mais tarde, devem submeter suas políticas fiscais às mesmas regras (e, idealmente, ter um sistema de transferências de receitas de impostos entre os países, “socorros”).
Não só. Precisam ter economias integradas, girando mais ou menos no mesmo ritmo, além de uma taxa de câmbio fixa (ou quase) entre suas moedas e inflação similar.
Uma condição para integrar a economia de dois países é a livre circulação de trabalhadores e de mercadorias. Isto é, não há impostos de importação entre eles; as demais normas de comércio são as mesmas entre os dois e entre eles e o resto do mundo.
Faz quase 30 anos, Argentina e Brasil limitam o livre-comércio de veículos, por exemplo, por um acordo especial que está em sua 42ª versão. Note-se a dificuldade. Liberar o comércio é politicamente difícil. Ao menos na transição, causa dores sociais e econômicas.
Uma integração prudente ou factível leva tempo. Caso o comércio fosse de fato livre, a indústria automotiva argentina seria reduzida, mesmo destino da indústria do vinho tinto brasileiro, digamos.
Os governos também teriam de obedecer aos mesmos limites de déficits e dívidas. O Brasil não cumpre nem suas leis fiscais. A Argentina quebra com frequência faz décadas. Nem mesmo tem moeda (ou tem duas, uma ruim, o peso, e o dólar), e o banco central financia o governo regularmente (o que se fazia aqui no tempo da inflação).
Economias integradas precisam de leis tributárias, previdenciárias e trabalhistas idênticas ou quase. O Brasil não consegue nem acabar com a guerra fiscal entre os estados, que têm ICMS loucamente diferentes. A União Europeia levou 30 anos para integrar seus mercados e outros dez para criar a moeda única.
Dá para ter moeda única amanhã? Dá. Tente emagrecer fazendo jejum. Enquanto você não morrer, funciona.
Folha de S. Paulo: Partidos fracos abrem espaço para novos Bolsonaros, diz cientista político
Para coordenador de pesquisa que avalia a democracia na América, estabilidade depende de siglas mais fortes
Fábio Takahashi, Folha de Paulo
SÃO PAULO - Desculpe acabar a entrevista sem ter nada muito positivo para contar, disse nesta semana o cientista político Noam Lupu, da Universidade Vanderbilt (EUA).
Lupu, 38, é um dos coordenadores da pesquisa de opinião Barômetro das Américas (Lapop), que investiga a avaliação da população do continente sobre a democracia e temas sociais.
Ele esteve no Brasil para apresentar os resultados das entrevistas no país. A satisfação com democracia cresceu, de 22% para 42%, entre 2017 e 2019.
O nível, porém, ainda está distante dos 66% de sete anos atrás.
Mestre pela Universidade de Chicago e doutor pela Universidade Princeton, Lupu é cético em relação ao maior apoio atual à democracia no Brasil e na região como um todo.
Ele atribui o quadro melhor a uma lua de mel devido à posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL). A pesquisa no Brasil foi feita entre janeiro e março deste ano.
Segundo o pesquisador, um dos grandes problemas, e que parecem sem solução, é a carência de partidos políticos fortes. Sem eles, diz Lupu, o sistema democrático fica instável e dá lugar para candidatos como Bolsonaro, “que vêm do nada e vencem”.
Nesta entrevista concedida à Folha, o cientista político afirma que o PT será uma peça-chave para a estabilidade do sistema político brasileiro. Lupu tem pesquisado a importância dos partidos políticos na América Latina e escreveu o livro “Party Brands in Crisis” (partidos em crise).
"[Partidos] tiram um pouco o peso da personificação e valorizam mais agendas. Fazem com que os políticos possam ser cobrados. Se a cada momento é um, como você pode punir ou beneficiar na próxima eleição?", afirma.
*
A pesquisa aponta um crescimento na confiança na democracia no Brasil. Como o sr. avalia esse movimento?
A pesquisa foi feita logo após a posse do presidente Bolsonaro. Parece ser uma espécie de lua de mel. As pessoas reconheceram que as eleições funcionaram, estavam infelizes com o PT e o então presidente Michel Temer. Veio algo novo. A democracia provê mudança quando você quer. O que é bom.
Mas é difícil saber se esse sentimento positivo se manterá. E acho muito improvável que a confiança na democracia retorne a níveis pré-2014. Houve dois fatores muito importantes. O primeiro foi a crise econômica. Mas os escândalos de corrupção também foram impactantes em toda a região [esquemas investigados na Lava Jato também funcionaram em outros países, especialmente no Peru].
Os escândalos deslegitimam a política e as instituições tradicionais, como o Congresso e os partidos.
A confiança na democracia não volta nem se houver um novo ciclo forte de crescimento econômico?
Acho difícil. Essa sensação de corrupção ficou muito forte na sociedade.
Se algum governo apresentar um grande pacote anticorrupção, talvez. Bolsonaro apresentou essa mensagem na campanha. Mas algo realmente grande não parece estar no horizonte.
Uma saída seria os partidos investirem, de forma real, na agenda do combate à corrupção. Mas os resultados viriam apenas no longo prazo. E os políticos estão cada vez mais conectados com o curtíssimo prazo. O que dificulta o fortalecimento dos partidos, que hoje estão entre as instituições com a menor confiança das pessoas.
O sr. já escreveu livro e artigos defendendo a importância dos partidos no sistema democrático. O papel deles está mudando?
Partidos políticos são vitais. Infelizmente eles têm ficado cada vez mais fracos na região.
Partidos são importantes porque dão alguma estabilidade ao sistema político. Tiram um pouco o peso da personificação e valorizam mais agendas. Partidos fazem com que os políticos possam ser cobrados. Se a cada momento é um, como você pode punir ou beneficiar na próxima eleição?
A ausência de partidos fortes cria oportunidades para candidatos que vêm do nada, baseados no carisma. É um pouco o caso do Bolsonaro.
Como ter partidos fortes?
Difícil. Políticos não têm incentivos para fazer um investimento de longo prazo, que é o que se necessita para criar um partido forte.
Por que os partidos tradicionais estão falhando? No Brasil temos o PT e PSDB com muitos problemas.
O Brasil não tem uma tradição de partidos fortes. O PSDB tinha uma reputação nacional, mas nunca foi muito coeso nem teve grande número de apoiadores.
O PT é uma exceção na região, conseguiu ser um partido grande, com muitos seguidores. Fez um trabalho melhor, mas meio que parou de fazer esse bom trabalho. O que sobrou do PT hoje? Basicamente, pessoas no Nordeste, beneficiárias do Bolsa Família. É uma base, claro, ainda que menor.
Mas vejo uma ótima oportunidade agora para o PT se reorganizar, por estar na oposição. Governar é fazer acordos, adotar medidas não populares. Na oposição você pode ser purista. O partido pode voltar às suas marcas originais.
Neste momento o PT não consegue definir uma bandeira clara, nem tem surgido novas lideranças claras...
Mudança geracional é um problema comum nos partidos. Mas acredito que o PT se sairá bem, já que tem muitos membros com experiência municipal e estadual.
O que vejo como crucial é definir as bandeiras. Ser contra o governo simplesmente não é suficiente. As pessoas precisam ver algo como “esse partido me representa, e esse governo, não”. O PT precisa definir se as bandeiras serão diminuição da desigualdade, melhoria na educação ou resgatar as bandeiras históricas, como apoio à democracia e participação.
A democracia sobrevive com partidos fracos?
Partidos fracos criam condições para oportunistas. Cabem às elites políticas definirem o que querem. Elas vão proteger as instituições?
As instituições não conseguem se defender sozinhas, sem esses atores políticos. Eleitores não serão os protetores das instituições.
E essa descrença nas instituições tradicionais pode ser algo geracional. Quem está chegando não viveu ditaduras militares e pode estar pensando: qual a alternativa para essa confusão que está agora?
O sr. vê algo que possa mudar esse panorama?
Não. Me parece que esse será o novo normal, infelizmente. O PT é o único caso de sucesso de partido na região, que construiu uma base. Se ele sobreviver bem, poderá organizar o sistema de alguma forma. No mais, as coisas não parecem boas.
Temos o caso da Argentina. Há Macri [atual presidente], há Cristina [ex-presidente]. Mas não partidos reais. Cristina agora está como candidata a vice, de um candidato que parece de centro. Mas será que ele é mesmo? E será de centro se ganhar a eleição? Como os eleitores podem reagir bem a isso?
A pessoa pode pensar, “ok, não vou votar no Macri, porque não gosto dele. Mas o que estarei colocando no lugar?”. Ninguém sabe.
Parece um pouco o caso do Bolsonaro. Voto nele porque não gosto do PT. Mas quem era ele? Viveremos um desequilíbrio estável.
No Peru, por exemplo, não temos partidos, apenas indivíduos. Os presidentes são ex-presidentes, filha de ex-presidente, esposa de ex-presidente. São personalidades. Não há incentivos para se investir em partidos.
E desde 2001 a economia lá vai indo muito bem, mas com muitos casos de corrupção. Assim, cada presidente acaba o mandato muito mal avaliado. Nos últimos dois anos, como consequência, vemos um grande declínio no apoio à democracia no Peru. Temos 60% dos peruanos achando que seria justificável o presidente fechar o Congresso.
A democracia está sob risco no Brasil?
Até agora, vejo Bolsonaro e oCongresso negociando. Apesar da retórica populista e afagos à ditadura, não entendo que Bolsonaro tenha dado grandes passos para enfraquecer instituições democráticas. Também não parece haver muito apetite da população por algo nesse sentido.
Mas se a opinião pública e as instituições democráticas seguirem se deteriorando, e a retórica de Bolsonaro certamente vai em direção à deterioração, aí veremos oportunidades para as elites realmente minarem a democracia. Se essas elites farão algo, é outra questão.
Como o sr. vê o papel das redes sociais nesse debate?
É difícil saber o que é causa e efeito. Mas é inegável que as redes sociais espalham informações muito mais rápidas que antigamente. As verdadeiras e as falsas. Só que está mais fácil de manipular as opiniões, especialmente num ambiente sem partidos políticos fortes, sem estabilidade.
De repente você recebe um WhatsApp de um primo, dizendo algo sobre Bolsonaro durante a eleição. Você pode passar a ter uma opinião muito rapidamente sobre ele, porque não tinha nenhuma informação prévia, algo que partidos fortes poderiam trazer. A combinação não é nada boa.
Desculpe ter poucas coisas positivas para dizer.
Bruno Boghossian: Mapa da morte prova que não existe solução fácil para violência
Endurecimento de leis é insuficiente e expansão de armas pode expandir barbárie
O recorde de mortes violentas registrado no Brasil é mais uma prova de que não há soluções simples para problemas complexos. O aumento do assassinato de mulheres em casa e a disparada dos homicídios no Norte e no Nordeste são sinais de que o país precisa retraçar seu mapa de políticas públicas.
A última edição do Atlas da Violência sugere que o endurecimento de leis é insuficiente para conter a alta desses crimes. O estudo aponta também que o aumento de circulação de armas de fogo poderia impulsionar ainda mais a barbárie.
Segundo o levantamento do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de assassinatos no país chegou a 65 mil em 2017. A taxa de homicídios cresceu 24% em uma década. A matança foi puxada pelas regiões Norte e Nordeste, onde o índice saltou 68%.
Os pesquisadores atribuem os números ao aumento da renda nesses estados —o que estimula o mercado ilegal da droga— e à guerra entre facções criminosas. Grupos que agiam no Sudeste expandiram suas atividades pelo Brasil e entraram em conflito com quadrilhas locais.
Nenhum governante pode se dizer surpreso. O descontrole sobre o tráfico é tratado como parte da rotina dos estados e continua sem resposta.
Os coordenadores do estudo apontam que a maioria dos homicídios jamais é elucidada e fica, portanto, sem punição. Enquanto isso, medidas como o aumento de penas para o narcotráfico, inserido na lei em 2006, não tiveram efeitos visíveis.
Cresceu também o número de assassinatos de mulheres. Foram 1.407 homicídios dentro de casa, um aumento de 38% em dez anos. A pesquisa aponta ainda uma alta das mortes por arma de fogo nesses casos.
Na apresentação dos dados, o presidente do Ipea quis fazer um “reparo” ao estudo. “Como cidadão, me incomoda a impossibilidade de o cidadão de bem ter uma forma de defender a integridade física, de sua propriedade e da sua família”, disse Carlos von Doellinger. Seria melhor que ele olhasse os números com atenção.
Vinicius Torres Freire: A casa está caindo, Bolsonaro
Desânimo aumenta no setor da construção civil, um dos mais devastados na depressão
Depois da eleição até março, nenhuma empresa fabricante de material de construção era "pessimista sobre as ações do governo", segundo o Termômetro da Abramat, associação do setor.
Em maio, o pessimismo era a opinião de 38% das empresas. O otimismo, que havia chegado a 56% em janeiro, nível mais alto no último ano, agora é de 8%, soube-se nesta quarta-feira (5). Bom dia, Jair Bolsonaro. Hora de acordar.
Também nesta quarta, a Caixa Econômica Federal anunciou o corte de taxa de juros de suas linhas de financiamento de imóveis com dinheiro da poupança. A mais em conta caiu de 8,5% para 8,25%; a mais alta, de 11% para 9,75%.
É claro que o banco não tem condições de fazer mágicas e milagres a fim de levantar o descontruído setor de construção civil. A notícia em tese boa não faz coceira no desânimo.
Obviamente, o problema não está aí. O problema é medo, falta de investimento público, falta de concessões de obras de infraestrutura para a iniciativa privada.
É o fracasso recente da tentativa de abertura do setor de saneamento para empresas privadas, projeto de lei que ainda deve ser corrigido, mas é inevitável, crucial, urgente e, em última ou primeira análise, humanitário.
Poucos consumidores extras irão aos gerentes da Caixa à procura de crédito por causa do financiamento algo mais barato.
Faz algum tempo, as taxas de juros médias já estão nos níveis mais baixos da história de que se tem registro. O movimento melhorou um tico, mas o povo está com medo do futuro, tanto quanto os empresários do setor. O medo está crescendo. Boa tarde, Jair Bolsonaro. Hora de acordar.
A confiança da construção civil medida pela FGV (Fundação Getulio Vargas) caiu em maio, voltando ao menor nível desde setembro do ano passado. No início do ano, o Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo previa que o setor contrataria 100 mil trabalhadores extras em 2019 (no país inteiro). Agora, cortou a previsão para um quarto disso.
O número de empregados com carteira assinada na construção civil do Brasil crescia ao ritmo de 3.400 por ano, em abril. Desde o início da recessão, em 2014, o setor perdeu um terço de seus trabalhadores formais, baixa de 1 milhão.
O investimento público federal em obras caiu um terço em relação ao que era em 2013 (em relação a 2014, caiu ainda mais, mas esse ano foi um caso terminal de exageros no gasto público, não dá para levar muito em consideração). É uma perda de R$ 34 bilhões. Cerca de 42% dessa redução deveu-se ao corte da despesa no Minha Casa Minha Vida (MCMV), que impulsionava diretamente ainda mais investimento privado.
O MCMV tinha e tem um monte de problemas, dos urbanísticos ao do financiamento, decerto. O que se aponta aqui é o tamanho do talho, que aumentou o buraco de um setor devastado.
Outras obras públicas pararam, federais, estaduais e municipais. O ciclo de investimentos anterior minguou, o que incluía desperdícios, ineficiências e bandalheiras como as obras associadas à Copa do Mundo, à Olimpíada e aos elefantes de branco sujo das refinarias e petroquímicas dos anos petistas. A corrupção causou desordem no mercado das grandes empreiteiras. Etc. É um desastre multidimensional.
Concessões de infraestrutura, paradas no governo, e a abertura do saneamento, parada no Congresso, poderiam dar um alívio. Com sorte e competência, também em falta, fariam alguma diferença no ano que vem. Mas nem isso está à vista.
Folha de S. Paulo: Ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública assinam Carta aberta pelo controle de armas
Ampliar acesso não é solução para garantir segurança
A efetividade das políticas públicas depende de sua continuidade, monitoramento e avaliação constantes para que possamos aperfeiçoá-las e dar respostas a seus novos desafios. O controle de armas e munições no Brasil é uma agenda central para o enfrentamento do crime organizado e para a redução dos homicídios. Por essas razões, seus ganhos não podem ser colocados em risco. Precisamos trabalhar para o seu fortalecimento, impedindo retrocessos.
No período em que exercemos nossas funções de ministro, cada um de nós trabalhou para que fosse estabelecida no país uma política de regulação responsável de armas e munições. Em 2003, o Congresso aprovou o Estatuto do Desarmamento, um importante passo nesta trajetória. Resultado de mobilização entre diferentes partidos, organizações da sociedade civil e lideranças de diversos setores da sociedade, além de quase um ano de debates no Congresso, o estatuto definiu alguns dos pilares centrais desta regulação: proibição do porte civil, restrições à posse e o estabelecimento de mecanismos de controle de produção, circulação e comercialização de armas e munições.
Independentemente dos partidos que estavam no poder e da orientação dos governos dos quais fazíamos parte, nosso compromisso sempre foi o de fortalecer avanços que consolidassem o Brasil como uma referência de regulação responsável de armas e munições para a América Latina e para o mundo.
Conquistamos avanços importantíssimos, incluindo a queda da taxa de crescimento de homicídios nos primeiros anos da legislação em vigor e a desaceleração no crescimento de mortes por armas de fogo nos anos posteriores. De acordo com o Mapa da Violência, na década seguinte à sua aprovação, o Estatuto do Desarmamento ajudou a salvar a vida de cerca de 133 mil brasileiros. Apesar desses avanços, agora se articula o desmantelamento de uma lei largamente discutida, democraticamente votada e universalmente executada por diferentes governos.
A consolidação de uma regulação responsável de armas e munições no país é uma ação de longo prazo e é preciso orientar todos os esforços para superar os desafios com os quais ainda somos confrontados. Tais esforços precisam ser feitos em contínua colaboração com os estados e quadros técnicos e profissionais que se dedicam ao enfrentamento dos desvios e tráfico ilegal de armas e munições, à redução da criminalidade e à prevenção da violência no país.
Como ex-ministros e cidadãos, estamos convencidos de que ampliar o acesso às armas e o número de cidadãos armados nas ruas, propostas centrais dos decretos publicados pelo Executivo federal, não é a solução para a garantia de nossa segurança, de nosso desenvolvimento e de nossa democracia.
Ao invés de flexibilizar os principais pilares do controle de armas e munições de nosso país, precisamos proteger o legado das conquistas que protagonizamos e concentrar nossos esforços na função primordial do Estado: garantir o direito à vida e a segurança para todos.
Ex-ministro da Justiça (2001-2002, governo FHC)
Eugênio Aragão
Ex-ministro da Justiça (mar. a mai.2016, governo Dilma)
José Carlos Dias
Ex-ministro da Justiça (1999-2000, governo FHC)
José Eduardo Cardozo
Ex-ministro da Justiça (2011-2016, governo Dilma)
Folha de S. Paulo: Bolsonaro não tem agenda e está fazendo o Brasil perder tempo, diz Alckmin
Ex-governador não poupa nem equipe econômica e afirma que governo precisa saber que Muro de Berlim caiu
Daniela Lima, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Protagonista da mais dura derrota do PSDB em eleições presidenciais, o ex-governador Geraldo Alckmin, 66, quebrou um silêncio de oito meses no sábado (1º).
Em entrevista à Folha, classificou a disputa de 2018 como um plebiscito sobre o PT e o ex-presidente Lula, reconheceu que o tucanato não vivia o melhor momento e fez cobranças ao vencedor.
Para ele, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe não têm um plano e fazem o “país perder tempo”. “Ele precisa saber que o Muro de Berlim caiu há mais de 30 anos.” Nem a equipe econômica, a cargo de Paulo Guedes, escapa das críticas.
O tucano mandou recados para João Doria, atual governador paulista e novo expoente do PSDB: “Política é paciência cívica. Não nasci ontem”. Alckmin ainda anunciou um “pit-stop” da política. “O futuro a Deus pertence.”
O sr. disse que a derrota às vezes ensina mais do que a vitória. O que aprendeu com 2018?
Vencer e perder fazem parte da vida política. Quem não estiver preparado para isso, não deve participar. Havia acabado de sair do governo, reeleito em primeiro turno, vencendo em 644 dos 645 municípios, e depois fiquei em quarto lugar para presidente. Cada eleição é uma eleição. Mas, como dizia Mário Covas, quando perde só há uma justificativa: faltaram votos [risos].
A eleição foi atípica?
Diria que, se tivesse tido um curso mais natural, o quadro seria diferente. Na realidade, vivemos uma crise política. E houve dois fatos importantes: o impeachment da Dilma [Rousseff] e aprisão do Lula. O PT se vitimizou. Depois veio a facada do Bolsonaro, [com quem] me solidarizei e reitero a solidariedade, mas teve impacto. No fim, foi um plebiscito sobre Lula e PT, e venceu o anti-PT. Como Bolsonaro estava na frente, o rio correu para o mar.
Por que o PSDB não conseguiu se manter como o polo oposto ao PT?
Sempre achei que teria um candidato mais à esquerda e um mais ao centro. O PSDB não vivia um bom momento, o Bolsonaro começou antes —e não tiro os méritos dele. Acabou avançando e o voto útil foi para ele. Quero dizer que não tenho nada contra o presidente, pessoalmente. Até simpatizo pelo jeito simples, mas discordo totalmente da agenda do governo, acho que está fazendo o Brasil perder tempo.
Como assim?
Temos 13,2 milhões de desempregados, cadê a agenda de produtividade? O Brasil não cresce, ficou caro para quem vive aqui, e tem dificuldade de exportação. Onde está essa agenda? Cadê a reforma tributária, fiscal? Eles não têm uma agenda e a única proposta é voltar com a CPMF, que é um imposto ruim, em cascata, que onera as cadeias produtivas.
A questão da política externa... Uma ideologização, que não é da velha, é da antiga, da antiquíssima política. Precisa dizer para ele que o Muro de Berlim caiu faz quase 30 anos.
Há a reforma da Previdência.
Que o governo, indiretamente, atrapalha. Para mudar a Constituição precisa de maioria qualificada, deve-se buscar consenso. Se você cria confrontos —alguns injustos, inclusive...
Quais?
Tem muita gente boa na política. Conheci uma mulher admirável, a Ana Amélia [concorreu como vice dele no ano passado], que é do PP. [O ataque à política] É injusto, oportunista e acaba criando muitos problemas.
Bolsonaro ataca as instituições?
Quero repetir que não tenho nada de pessoal contra ele, mas há um oportunismo de querer se aproveitar enfraquecendo as instituições. Temos é que melhorá-las. Não é estigmatizando que vai avançar. Veja, por exemplo, a educação. Enquanto se discute ideologização ninguém fala do Fundeb, que vai acabar no fim do ano. Como se financia a educação básica? Isso é que é o importante.
Há um debate sobre risco à democracia.
Nossa democracia já deu provas de muita resistência. Nós é que precisamos dar uma ajudinha [risos]. A melhor forma de fortalecê-la é com reformas, e a reforma política é parte importante. Temos um dos piores sistemas político-partidários. Defendo o distrital misto, ele barateia a eleição. E, no futuro, o parlamentarismo.
Voltaram a falar na mudança para o parlamentarismo.
Não é opção para agora. Não temos nem um sistema político-partidário digno desse nome. Mas, adiante, feita a reforma, é a opção. Para, como no sistema português, dar estabilidade ao que deve ser estável, o chefe de estado, e instabilidade ao que deve ser instável, o chefe de governo. A sorte é que o [Rodrigo] Maia [presidente da Câmara] defende as reformas.
O sr. falou da educação. Há um impasse hoje na área.
Há uma crise fiscal que precisa ser enfrentada. Agora, governar é escolher. Tem que ter uma agenda que realmente seja importante, não discutir questões perfunctórias. Veja a segurança: se há um consenso entre os especialistas é o de que quanto mais arma, mais crime. Arma tem que estar na mão da polícia, que é preparadíssima. Não na das pessoas.
Já havia ouvido falar no Olavo de Carvalho, patrono de uma ala do governo?
Nunca. Nada. Aliás, é estranha essa eminência parda. Não mora no Brasil, não vive as questões do país, não foi eleito... Sobre pauta de comportamento, é preciso ouvir, dialogar. O contrário do que está sendo feito, que é ‘é do meu jeito e quem não quer é inimigo’.
O sr. é um conservador.... [Interrompe]
Não. Sou reformista. Aliás, fica essa coisa de que o PSDB não tem posição, vive no muro. Não é verdade. O PT ganhou a eleição e manteve a política econômica do FHC. Eles mudaram, nós não. Bolsonaro era contra a reforma da Previdência, hoje defende. Tem muito populismo, incoerência. O que nós não somos é extremistas.
Em quem votou no segundo turno?
No tal de Geraldo Alckmin.
No segundo turno.
Votei nele. No 45 [indica, portanto, que anulou o voto].
E em São Paulo?
No Doria.
Houve uma disputa acirrada entre ele e Márcio França, que foi seu vice. A fidelidade partidária falou mais alto?
Sempre. Partido tem que ter divergência para ser grande e forte.
Esse discurso sobre o novo PSDB é do Doria, que se elegeu alinhado ao Bolsonaro.
Todos os novos quadros são bem-vindos. É natural, temos que estimular. Agora, precisamos cumprir o que o povo disse nas urnas. Quem ganha governa, quem perde fiscaliza. É tão patriótico ser governo como ser oposição. Ou não há democracia.
Em algum momento se arrependeu de ter levado Doria para o PSDB?
Quem não tiver paciência cívica não pode fazer política. Não nasci ontem. Então: paciência cívica. Mas, ao passar a presidência do PSDB ao Bruno Araújo [aliado de Doria], deixamos três legados: o código de ética, as mudanças estatutárias e o compliance. É de uma transparência absoluta.
Criticaram o código por não definir situações mais complicadas, como as de Aécio, Beto Richa e Marconi Perillo.
Código de ética baliza as obrigações, as infrações e as punições. É claríssimo: se tiver improbidade, corrupção, transitado e julgado, é expulsão sumária. Não tendo, analisa caso a caso. Para ter ética é preciso ser justo. Se não teve ainda nenhuma condenação... É exibicionismo, não é ética.
Seus bens estão bloqueados [por decisão da Justiça, em investigação sobre repasses não declarados da Odebrecht para a campanha de 2014].
Quem está na vida pública tem o dever de prestar contas. Às vezes, há, num primeiro momento, sentimento de injustiça, e para isso existe o Judiciário, para corrigir. Não vou criticar, confio nele. Agora, não tem cabimento entrar com ação de improbidade. Fui prefeito aos 24 anos. Hoje tenho 66, um apartamento de dois quartos e um sítio de cinco alqueires em Pindamonhangaba. Mais nada. Abri mão da aposentadoria especial. Vivo de R$ 5.000 do INSS. Se há um cuidado que eu sempre tive é o ético. Agora, pode ter questionamento? Pode. É explicar.
O Paulo Vieira de Souza (conhecido como Paulo Preto) entra nesse contexto?
Não conheço o Paulo Vieira de Souza. Ele entrou no final do meu governo na Dersa e não tinha atividade maior, era uma diretoria mínima. Quando voltei em 2011 ele já estava fora. Mas todos têm que prestar contas.
Após a derrota passou um tempo no sítio.
Não descansei nem 24 horas, gosto de trabalhar. Voltei a duas paixões, a medicina e o magistério. Dou aula na Uninove, aliás, olha, ganhei dos alunos de medicina [sobe a barra da calça e mostra uma meia bordada]. Dou aulas em SP, Osasco, Guarulhos, São Bernardo, Mauá e Bauru, e na Unimes, em Santos.
E o programa na TV com o Ronnie Von?
Sou voluntário lá, de 14 em 14 dias, só falando de saúde. E às quintas, Hospital das Clínicas. Faço curso e atendo. Estou fazendo curso de acupuntura. [pega uma agulha]. É um espetáculo. Isso aqui é um ponto chamado IG 4 [insere a agulha na mão]. Cada vez que estimula aqui, pelo meridiano, age no cérebro. É impressionante.
E a política?
Na política eu vou dar um pit-stop. Gosto muito de estudar. O futuro... É stop, mas é pit. Vamos deixar. O futuro a Deus pertence.
Vinicius Torres Freire: Pibinho faz impaciência explodir
Pequenos e médios empresários escrevem para contar da exaustão e pedir solução já
“Deu!” “Não está funcionando.”
O estresse econômico transborda em fadiga de crise ou explosão de desesperança, a gente ouve por aí ou lê na caixa de mensagens. É a estafa de quem ao menos teve a boa sorte de sobreviver, pois muitos ficaram pelo caminho, para nem falar do povo largado na miséria.
A recaída do Pibinho detonou de vez a insatisfação, a impaciência com a política econômica e com seus economistas. Deflagrou a conversa do “é preciso fazer alguma coisa, já, ninguém aguenta mais”.
Economistas-padrão, entre encabulados, perdidos ou estoicos, não têm muito a oferecer de novo, no melhor dos casos.
Nos dias piores desta depressão que já dura seis anos, este jornalista recebia vez e outra mensagens de pequenos e médios empresários contando durezas da vida e oferecendo sugestões do que fazer do país. Jamais foram tão frequentes quanto nas últimas semanas. É gente que conseguiu manter a empresa, mas está pelas tampas, para escrever português claro.
“A agenda de corte de gastos não está funcionando. Acho que talvez o governo devesse mudar de tática. Aumentar o endividamento, gastar com infraestrutura, convencer os bacanas da Bolsa de que não é gasto, e sim investimento, que resultará em melhor arrecadação e recuperação da economia. Porque teto disto e daquilo já mostrou que não vai tirar o Brasil do buraco”, escreve um empresário do “ramo de artigos industriais e agrícolas”.
“Minha empresa sobreviveu, eu não muito, eu não vejo as minhas filhas direito faz anos. Fico pensando se não é melhor vender logo tudo e viver de renda modesta, mas sem angústia de ficar cheio de dívida com fornecedor, colaborador ou falir, porque eu não sei o que vai ser o mês que vem”, desabafa um fabricante de alimentos.
“Não tenho ‘fobia’ de investir, como você escreveu. Eu não investiria porque acabou o dinheiro, minhas reservas, e o meu faturamento cai todo ano e minha empresa rende menos que o Tesouro Direto. Deu!”, escreve empresária do comércio e fabricação de roupas.
“Minha empresa caiu para um terço do que era, demiti dezenas. Entendo que precisa fazer reforma, acabar com desperdício do governo, impostos insanos, mas isso leva tempo e nem fizeram nada até agora. Meu problema é saber se no fim do ano vou ter para pagar o salário do sr. V., que está comigo faz 20 anos”, relata mais um, do ramo de logística ou de serviços gerais, não deu para entender bem.
“Hoje, para cada real investido no país, você demora em média três anos para recuperar. É melhor colocar na poupança”, conta um fabricante de material de construção.
Economistas críticos da política econômica mais ou menos vigente desde 2015 costumam demonstrar mais empatia com essas angústias de “curto prazo”, que é quando a vida e a política acontecem. Entre tantas diferenças, concordam que a economia precisa de transfusão imediata de sangue, investimento, que não tem de onde vir, imediatamente, a não ser de investimento público direto ou coisa similar. De endividamento extra, em suma, e incentivos oficiais.
A receita não é trivial. Mas essa conversa tende a se disseminar.
Não há hipótese de que a equipe econômica deste governo possa cogitar medidas desse tipo. Quem tenha um plano alternativo e imaginativo, no entanto, pode propô-lo, com coerência, considerando o custo das medidas e o risco de consequências impremeditadas e contraproducentes.
Quem tem um plano desses?
Bruno Boghossian: Surto de obscurantismo quase dá prejuízo ao governo
Deputados confundem conservadorismo com preconceito até em questões burocráticas
Um surto de obscurantismo quase custou R$ 10 bilhões por ano ao governo. A Câmara gastou quase 30 minutos na última semana batendo boca sobre o uso da palavra “gênero” em cadastros do INSS. Por pouco, a medida provisória de Bolsonaro para rever benefícios previdenciáriosnão foi derrubada.
O texto em discussão no plenário na noite de quarta (29) dizia que registros enviados pelos cartórios deveriam conter nome, CPF, gênero, data e local de nascimento ou morte dos indivíduos. Deputados que confundem conservadorismo com preconceito protestaram. Enxergaram ideologia num trecho burocrático e tentaram tirar o termo da lei.
Os parlamentares queriam trocar “gênero” por “sexo”, como se isso fizesse diferença na papelada. A mudança não foi possível, porque a proposta já havia sido aprovada numa comissão. O tumulto se instalou, e os partidos de esquerda atacaram. “Tem gente que quer voltar para a Idade Média, talvez das trevas”, disparou Fernanda Melchionna (PSOL).
Deputados alinhados à agenda econômica do governo perceberam que o impasse era perigoso. Kim Kataguiri (DEM) tentou enterrar a questão. “Nós estamos discutindo o sexo dos anjos aqui!”, queixou-se.
A bancada evangélica não desistiu. O pitoresco Pastor Sargento Isidório (Avante) —aquele que se ofereceu para uma conversa de doido com doido com Bolsonaro— era o mais impaciente: “Deus criou macho e fêmea, homem e mulher. Gênero é cadeira, é mesa, é sapato...”.
O PSOL tentou falar a mesma língua. “Cadeira é do gênero feminino, e não é sexo. Nunca vi cadeira trepando! Isso aqui é uma casa de loucos!”, resumiu Edmilson Rodrigues.
No fim, o Planalto pediu que o texto fosse aprovado e disse que apresentaria um projeto para mudá-lo depois. Como se vê, o retrocesso continua na agenda do governo. Na sexta (31), Bolsonaro aproveitou um evento com pastores para criticar o julgamento do STF que deve tornar crime a homofobia. Em partes de Brasília, o atraso ainda está na moda.