Folha de S. Paulo

Renato Janine Ribeiro: A Flip e o fascismo

Mediocridade procede ao desmonte de conquistas

Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão. Alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valorda democracia.

De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da
vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente.

Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo.

Primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade —o período do “milagre”, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico— não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.

Hoje, há.

Daí, segundo, a banalização da violência. Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada.

O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso.

O que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.

Terceiro: essa violência é usada não só contra adversários do regime —a oposição política— mas também contra quem o regime odeia. Não foca apenas quem não gosta do governo. Mira aqueles de quem o governo não gosta. No nazismo, eram judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, autistas. No Brasil, hoje, são sobretudo os LGBTs e a esquerda, porém é fácil juntar, a eles, outros grupos que despertem o ódio dos que se gabam de sua ignorância (“fritar hambúrguer” é um bom exemplo, até porque hambúrguer não se frita, se faz na chapa).

Quarto: o ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Em suma, o ódio à criação. Não é fortuito que Hitler, que quis ser pintor, tivesse um gosto estético tosco, e que o nazismo perseguisse, como “degenerada”, a melhor arte da época. É verdade que os semifascistas Ezra Pound e Céline brilham no firmamento da cultura do século 20 —mas são agulha no palheiro.

Antonio Candido uma vez escreveu um manifesto dos docentes da USP criticando a “mediocridade irrequieta” que comandava a universidade. Um colega discordou: a mediocridade nunca é irrequieta! Mas Candido tinha razão. A mediocridade procede hoje, sem pudor, ao desmonte de nossas conquistas não só políticas e sociais, mas culturais e ambientais.

A irracionalidade vai a ponto de algumas dezenas de paratienses tentarem sabotar a Flip, que dá projeção e dinheiro para a cidade. Essa é uma metáfora de um país que namora o suicídio.

Salvemos a vida, salvemos a vida inteligente! Construamos alternativas e alianças para enfrentar essas ameaças. Não temos tempo de sobra.

*Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação (2015), governo Dilma) professor titular de filosofia política da USP e professor visitante da Unifesp


Bruno Boghossian: À beira do ridículo

Contaminados pelo prestígio, poderosos simplesmente não admitem ser contrariados

Sergio Moro deve ter se animado com os aplausos que recebeu no voo que tomou para a Flórida, na semana passada. O ministro interrompeu as férias com a família e foi às redes sociais para criticar, mais uma vez, a divulgação de conversas da força-tarefa da Lava Jato.

"Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo", escreveu o ex-juiz, nesta terça-feira (16). "Se houver algo sério e autêntico, publiquem por gentileza."

O ministro mostrou que não aceita questionamentos sobre sua atuação como julgador. Segundo sua lógica tortuosa, a única justificativa para a publicação dos diálogos é uma conspiração para proteger criminosos e matar os processos de Curitiba.

Moro ignora o interesse público ao atacar os veículos que publicaram reportagens sobre o assunto. O ministro parece ter adotado o comportamento típico de autoridades que preferem agir como seres intocáveis. Contaminados pelo prestígio, muitos poderosos simplesmente não admitem ser contrariados.

Nesse episódio, o ex-juiz espelha seu novo chefe. Jair Bolsonaro é um mestre em abafar verdades inconvenientes e desqualificar seus críticos. Na segunda-feira (15), ele elaborou um raciocínio esdrúxulo para tentar desmerecer os reparos feitos à indicação de um filho sem qualificações para o posto mais importante da diplomacia brasileira no exterior.

"Se está sendo tão criticado, é sinal de que é a pessoa adequada", disse o presidente. Bolsonaro não quis mencionar que também houve desaprovação à escolha de Eduardo entre seus aliados. Sempre ouvido e elogiado pela primeira-família, o ideólogo Olavo de Carvalho refutou a indicação, mas foi desprezado.

O presidente e seus auxiliares confundem críticos com inimigos, insistem em decisões inadequadas e são incapazes de reconhecer seus erros. Dessa maneira, eles buscam uma blindagem para seus atos. Correm o risco, no entanto, de ficar isolados dentro dessa redoma.


Elio Gaspari: O dinheirinho fácil das palestras

Deve-se ao procurador Deltan Dallagnol a exposição do próspero mercado de palestras de autoridades. Em 2018, o doutor recebeu cerca de R$ 300 mil como servidor e planejava a criação de uma empresa de palestras e eventos que poderia render R$ 400 mil. Dallagnol cobrava R$ 35 mil por aparição. Como servidor público, recebia mais ou menos isso por um mês de trabalho. Como celebridade, ganhava a mesma coisa num só dia.

Ficou feio para Deltan, mas ele nada fez de novo, apenas decidiu surfar num mercado onde misturam-se fama, favores e fetiches. O ex-presidente Barack Obama cobra US$ 400 mil por uma palestra de 90 minutos.

A porca torce o rabo quando o palestrante (horrível palavra) é um servidor do Estado ou é um cidadão cuja relevância deriva da sua exposição pública no trato de assuntos políticos ou econômicos. Jornalistas, por exemplo. Essa circunstância ganha peso quando o valor da palestra equivale ao salário mensal do convidado. Há empresas, sobretudo do mundo do papelório, que oferecem uma bandeirada de R$ 30 mil.

Ninguém pode ser penalizado pela fama que tem, mas quando um magistrado, procurador ou parlamentar é convidado para dar uma palestra por R$ 30 mil, deve desconfiar da benemerência de seu patrocinador. As mensagens de Dallagnol mostram que uma instituição convidava palestrantes (argh!) oferecendo-lhes R$ 3 mil, o que pode ser um valor razoável, mas ele sugeria ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot que cobrasse R$ 15 mil, pois estimava que seu cachê estivesse em R$ 30 mil.

Essas quantias são um dinheirinho fácil. Palestras e eventos, sobretudo aqueles que acontecem em aprazíveis balneários, transformaram-se em mecanismos de confraternização do andar de cima. São boas ocasiões para fazer amigos e influenciar pessoas.

Dallagnol concebeu uma empresa que pertenceria à sua mulher e à do seu colega Roberson Pozzobon. Óbvio, pois eles não poderiam ser os donos, mas receberiam pelas palestras ou cursos que ministrassem. Nas suas palavras: “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós.” Novamente, ele não inventou essa roda.

Há uma curiosa coincidência no plano de Dallagnol. A ideia da empresa ocorreulhe em dezembro, dois meses depois da assinatura de um acordo da Petrobras com o governo americano e um mês antes do fechamento de outro acordo da empresa com o Ministério Público do Paraná. O acerto colocava R$ 1,2 bilhão na caixa dos procuradores para que organizassem uma fundação destinada a incentivar “entidades idôneas, educativas ou não, que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”.

O mimo das palestras leva a um beco que parece não ter saída, pois não se pode impedir que alguém queira pagar para ouvir o que outra pessoa tem a dizer. Também não se pode exigir que alguém fale por uma hora e meia e receba apenas um cafezinho.

O nó pode ser desatado. Basta que o convidado coloque na rede todas as palestras que faz, indicando quem pagou e quanto recebeu. Isso poderia ser obrigatório para servidores públicos em atividade e facultativo para os demais bípedes.


Tabata Amaral: A ousadia de ir além das amarras ideológicas

Muitos partidos já não representam de fato a sociedade, mas somente alguns de seus nichos

Faço aqui, no espaço quinzenal que tenho nesta Folha, uma provocação que julgo saudável para a política e para os partidos, com o único intuito de contribuir para um debate que temos postergado, mas que a sociedade há muito demanda. É uma reflexão necessária diante do impacto provocado pelos oito deputados do PDT, dentre os quais me incluo, que votaram “sim” à reforma da Previdência, e os 11 do PSB, contrariando a orientação partidária. Não estamos falando de dois ou três parlamentares, mas de praticamente um terço das bancadas de duas relevantes siglas que ocupam posição mais ao centro no espectro da esquerda. A expressividade dessa dissidência acendeu ao menos a luz amarela nas estruturas?

Sabemos que a extrema esquerda não admite flexibilidade alguma de posicionamento, pois está enclausurada em suas amarras. No entanto, uma parcela da centro-esquerda quer dialogar com o contexto e a sociedade e caminha para se modernizar. Nisso nos fiamos, nós que temos convicções sociais fortes, olhamos para o futuro do Brasil e enfrentamos o desafio urgente de termos crescimento sustentável, condição para a consolidação da justiça social.

Muitos partidos já não representam de fato a sociedade, mas somente alguns de seus nichos. Embora tenham em seus quadros um número cada vez maior de deputados com visão modernizante, as siglas ainda ostentam estruturas antigas de comando, e na maioria faz falta mais democracia interna. Muitas vezes, consensos sobre pautas complexas não são construídos de baixo para cima, e cartilhas antigas se sobrepõem aos estudos e evidências. Quando algum membro decide tomar uma decisão que considere responsável e fiel ao que acredita ser importante para o país, há perseguição política. Ofensas, ataques à honra e outras tentativas de ferir a imagem tomam lugar do diálogo. Exatamente o que vivo agora.

A boa política não pode ser dogmática. Discordâncias são normais no cotidiano e o ajuste e as acomodações das diferentes visões vão se dando em questões menores, com as bancadas muitas vezes sendo liberadas para as votações. O que foge completamente a esse processo e demonstra o grau do conflito instalado é quando a “rebeldia”, como está sendo interpretado o voto de opinião, atinge um terço de bancadas expressivas. Encaro esse debate como de fato a única tentativa da centro-esquerda de se renovar, mas os partidos estão virando as costas para essa realidade. É mais fácil lidar no plano da insubordinação. A construção de novas mentalidades não é processo fácil e exige coragem.

No fundo, são dois os temas que se sobrepõem nesse momento. A lógica de funcionamento dos partidos políticos no presidencialismo e o processo de renovação da política brasileira. A combinação de presidencialismo e federalismo, como ocorre no país, favorece as chamadas “indisciplinas partidárias”. Busca-se reforçar o poder da liderança partidária punindo dissidentes pela máxima de que os partidos não podem passar sinais de fraqueza. Será preciso uma reforma muito profunda do nosso sistema político para produzir os incentivos necessários para “disciplinar” as siglas. Enquanto existir o presidencialismo, o multipartidarismo e a federação, as lideranças partidárias precisarão ouvir e negociar com suas bases, dissidentes ou não.

A ampla renovação política que está em curso e da qual faço parte agrava o quadro de conflitos internos dos partidos. É racional que as lideranças recorram a argumentos de ocasião para justificá-los. Mais racional contudo é pensarmos no Brasil.

Tabata Amaral é cientista política, astrofísica e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento Acredito.


Ivan Marsiglia: O striptease de Deltan Dellagnol

Novos vazamentos atingem em cheio imagem do procurador no Twitter

​​Poucas vezes um tuíte se mostrou tão inoportuno quanto o do principal procurador da Lava Jato no último sábado (13). Escreveu @deltanmd “Trabalhar na Lava Jato gera um grande custo pessoal. Mas todos da força-tarefa estamos dispostos a pagá-lo para cumprir nosso dever e contribuir para um país com menos corrupção e menos sofrimento humano causado por essas práticas espúrias.”​

No dia seguinte (14), o autor e sua declaração pública de integridade e abnegação foram expostos ao vexame da leva de mensagens da Vaza Jato. Nelas, Deltan combina com um colega a criação de uma empresa de palestras no nome de suas mulheres para fugir de questionamentos legais, e conta ter recebido R$ 400 mil líquidos em um ano de perorações pelo país.

O resultado foi uma enxurrada de críticas na plataforma.

Na definição da jornalista e diretora do portal Metropoles.com, @lilian_tahan “Folha de S. Paulo deixa Deltan nu em sua manchete de hoje. Pelas mensagens obtidas, fica claro que o combate à corrupção é pano de fundo para ele organizar vida mais abonada. Não é ilegal, mas é constrangedor. Um herói a menos no país da malandragem.”

Também tuitou o professor da Faculdade de Direito da USP, @conradohubner “A magistocracia mais bem remunerada do mundo, que consome a maior parcela do PIB no mundo, não se satisfaz com salário. Retorce a lei e se dedica a palestras. Se der pra usar fama da Lava Jato e o serviço de assessoras do MPF, melhor ainda. Dobram o salário."

Dois dos candidatos derrotados à presidência se manifestaram. O do PT resumiu em tópicos: @Haddad_Fernando “Se entendi bem a reportagem, Deltan sugeriu: 1) uma empresa de fachada com cônjuge laranja; 2) propina para comissões de formatura; 3) palestras armadas para associações que representavam empresas investigadas. É isso?"

O do PSOL reproduziu citações de Deltan e reforçou a hashtag que liderava os TTs na manhã de domingo (14): @GuilhermeBoulos “‘Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?’ ‘Vcs não vão ter que trabalhar. Contratam uma empresa.’ ‘Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas.’ E as palestras eram sobre ética... #AcabouDeltan."

Poucas personalidades se aventuraram a defender publicamente o procurador, mas a reação da militância anônima – na base do “contra argumentos não há fatos” – veio também na forma de hashtag. E #DeltanNaPGR bateu em 95,5 mil tuítes na tarde do mesmo dia.

ROBÔS IRANIANOS?

A propósito, com frequência usuários do Twitter denunciam o uso de robôs no impulsionamento artificial de hashtags. Este fim de semana foi a vez do vlogueiro político @EstevaoSlowP, citando reportagem publicada pela revista Veja no último dia 12: “Sabem as # de apoio ao governo, que sempre sobem em resposta às críticas? Não só são infladas artificialmente por robôs, como nem são do Br. Um estudo revelou que há forte suspeita de robôs em 220 mil postagens de apoio ao Moro, e muitas feitas diretamente do Irã."

Em resposta a esta coluna, a assessoria do Twitter disse não ter sido ouvida pela Veja. E afirmou não poder confirmar o eventual uso de robôs por causa da dinâmica do algoritmo que rege as Trending Topics: “Caso um país em particular não tenha um número suficiente de Assuntos do Momento, sua lista pode ser completada com Assuntos do Momento globais ou internacionais."

BODE EXPIATÓRIO

O debate sobre mérito (ou demérito) da reforma da previdência, aprovada em primeiro turno semana passada, foi obliterado na rede pela discussão em torno do voto dissidente da deputada Tabata Amaral(PDT-SP), sobretudo após o líder do partido, Ciro Gomes, pedir seu afastamento.

A diretora do Instituto Igarapé bateu na tecla do pragmatismo: @IlonaSzaboC “Criticar é muito fácil. Se engajar e trabalhar pelo país, poucos fazem. Não peçam a cabeça de novas lideranças que estão tentando construir em ambiente de destruição total. Haverá erros e acertos. E o aprendizado pode nos tirar da polarização. Eu @acreditobr na @tabataamaralsp."

Já um deputado do PSOL-RJ viu na atitude de Tabata cálculo eleitoral: @Glauber_Braga “O discurso de ‘modernização’ da esquerda não pode vir associado à tentativa de justificar a aprovação de medidas anti-povo. Não precisamos de uma esquerda sectária, e precisamos menos ainda de uma direita liberal que se fantasie de esquerda pra cabalar votos ao centro."

FILHO NÃO É PARENTE

A anunciada nomeação para a embaixada do Brasil nos EUA do filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, também teve grande repercussão.

Houve quem defendesse a medida, invocando até a tradição monárquica, como o Secretário da Receita Federal, @MarcosCintra“Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA é manobra hábil e inteligente. Confiar missões diplomáticas a parentes próximos foi sempre utilizado por reis e presidentes na história. O rapaz é preparado, e tem relacionamento pessoal com a família presidencial norte-americana."

Predominaram, no entanto, críticas sobre nepotismo e amadorismo, especialmente depois de o deputado apresentar como credenciais para o cargo o fato de ter feito intercâmbio no país e fritado hambúrgueres“no frio do Maine”.

O jornalista @ricardosetti considerou “Espantoso o esforço de pessoas inteligentes e bem informadas para justificar a possível nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington. É um espanto achar que, despreparado, inexperiente e descontrolado, ele possa ser sucessor de Walther Moreira Salles ou Roberto Campos."

Sua colega de profissão optou pela ironia: @hilde_angel “– Senhor Embaixador, apresente suas credenciais. – Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim."

Já o professor de Política Internacional da UFMG não viu sinal de improviso na indicação feita pelo presidente: @dbelemlopes “A pedra do Embaixador Bozinho foi cantada. Na formatura da turma do IRBr, Jair elogiou o ‘diplomata’ Eduardo. Levou-o a tiracolo para os EUA. Plantou-o na presidência da CREDN. E deixou o posto em Washington vago até que seu ocupante futuro fizesse 35. Tudo sordidamente ensaiado.”

SOBRE HOMENS E BANHEIROS PÚBLICOS

A famigerada sequência de tuítes de Donald Trump exortandoparlamentares democratas de ascendência latina a voltarem a seus países de origem – considerado xenófobo e racista por grande parte da imprensa americana – ganhou, segundo o jornal britânico The Independent, o silêncio conivente de dirigentes do Partido Republicano.

@realDonaldTrump “Muito interessante ver os ‘progressistas’ Democratas do Congresso, que vieram originalmente de países cujos governos são uma catástrofe total e completa, os piores, mais corruptos e ineptos em qualquer lugar do mundo (se é que têm governo em funcionamento), em voz alta..."

@realDonaldTrump “...virem perversamente dizer ao povo dos EUA, a maior e mais poderosa nação da Terra, como nosso governo deve ser administrado. Por que eles não voltam e ajudam a consertar os lugares totalmente quebrados e infestados de crime de onde vieram? E então retornem para nos mostrar como..."

No Twitter, onde as diatribes de Trump não costumam passar ilesas, o chairman da organização oposicionista Coalisão Democrática postou a foto de uma placa de rua em homenagem a Obama e escreveu: @joncoopertweets “Centenas de estradas, parques, escolas e outros marcos foram nomeados em homenagem a @BarackObama desde que ele deixou o cargo. O que você acha que será nomeado ‘Donald Trump’?"

Resposta da atriz Rosanna Arquette: @RoArquette Reply to @joncoopertweets and @BarackObama “Sistemas de esgoto."

*Ivan Marsiglia é jornalista e bacharel em ciências sociais. É autor de “A Poeira dos Outros”.


Demétrio Magnoli: Derrota no terceiro turno

A pesada âncora do lulismo prende a esquerda às areias do passado

O terceiro turno das eleições presidenciais foi disputado na Câmara, na votação da reforma previdenciária. O placar avassalador, 379 a 131, não assinalou um triunfo de Bolsonaro, mas da articulação parlamentar liderada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), pelo relator, Samuel Moreira(PSDB-SP), e pelo presidente da comissão especial, Marcelo Ramos (PL-AM). A esquerda —PT, PDT, PSB e PSOL— sofreu, mais que um insucesso parlamentar, uma derrota política de proporções históricas. Essencialmente, ela colocou-se fora do jogo político, encarcerando-se voluntariamente na cela de Lula.

As ruas vazias, o plácido entorno do Congresso, a transição da opinião popular rumo ao apoio à reforma —a catástrofe da esquerda pode ser sintetizada num caleidoscópio de imagens icônicas. É a conclusão de uma trajetória pautada pela incompreensão da democracia. O passo inicial foi a denúncia do “golpe do impeachment”; o seguinte, a campanha do “Lula livre!”; o derradeiro, a recusa do debate sobre a Previdência, que é parte de uma rejeição mais geral a revisitar as políticas populistas conduzidas por Lula e Dilma desde 2007.

O fracasso tem donos. Haddad nunca chegou nem perto do lugar de reformador do PT, atribuído a ele por tantos intelectuais esperançosos, preferindo o posto de gestor público da massa falida do lulismo. Boulos e Freixo reconduziram o PSOL à irrelevante condição de linha auxiliar do PT. Ciro Gomes e os dirigentes do PDT e do PSB perderam a oportunidade de fundar um polo oposicionista pragmático, capaz de aperfeiçoar o projeto da nova Previdência. A cela de Lula está repleta de prisioneiros virtuais de um Brasil corporativo que faliu anos atrás.

O beneficiário do autoexílio da esquerda é a direita bolsonarista. No vácuo político deixado pela deriva governista do PSDB, Bolsonaro tem a chance de se apropriar dos louros de uma vitória que não lhe pertence, ganhando novo fôlego. Lá atrás, Lula ensaiou uma reforma previdenciária, e Dilma admitiu a necessidade de estabelecer idades mínimas para a aposentadoria. Mas a esquerda do “não”, submissa ao corporativismo, imersa no oportunismo eleitoral, entregou a bandeira do futuro à direita reacionária. Todos pagaremos por isso.

“Ser de esquerda não pode significar que vamos ser contra um projeto que de fato pode tornar o Brasil mais inclusivo e desenvolvido”. A jovem deputada Tabata Amaral (PDT-SP) fala por outros sete deputados de seu partido e 11 do PSB que desafiaram suas direções partidárias para apoiar a reforma previdenciária. Ela exprime, ainda, a opinião de uma pequena coleção de intelectuais e economistas de esquerda que escapam à bolha do sectarismo. Justamente por isso, está sob ameaça de expulsão.

A reforma é a obra inaugural do “parlamentarismo branco”. Rodrigo Maia já antecipa novos objetivos, na forma das reformas tributária e administrativa. No plano retórico, o PT e Ciro Gomes chegaram a ensaiar propostas razoáveis no rumo de uma tributação mais progressiva e da radical redução nos cargos comissionados. Ao que tudo indica, porém, a esquerda seguirá ausente do debate nacional, contentando-se com a denúncia genérica das desigualdades sociais. A pesada âncora do lulismo prende a esquerda às areias do passado.

O sectarismo custa caro. O Executivo está ocupado por reacionários tão arrogantes quanto incultos, que rezam no santuário herético do “Deus de Trump”. Eles querem distribuir armas, promovem a delinquência policial, estimulam o ativismo político de procuradores jacobinos, sonham subordinar a lei e a escola ao fundamentalismo religioso. A agenda extremista só encontra barreiras no “parlamentarismo branco” e num Judiciário acossado pelo fogo das redes olavo-bolsonaristas. O Brasil precisaria de uma esquerda moderna, cosmopolita. O que temos, porém, são os estilhaços de um lulismo espectral, que agoniza em câmera lenta.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bruno Boghossian: Bolsonaro quer trocar embaixador por marqueteiro da direita radical

Escolha do filho reflete patetice diplomática do governo e vontade de bajular Trump

Eduardo Bolsonaro quer levar seu boné de Donald Trump para a embaixada brasileira em Washington. O presidente tentou vender a ideia de indicar o filho ao posto como uma jogada para estreitar os laços com os americanos. A escolha, no entanto, seria só mais uma patetice diplomática do governo.

O pai orgulhoso tentou exaltar o currículo do candidato: “Ele é amigo dos filhos do Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo”. Inglês e espanhol são requisitos óbvios. A tal vivência de mundo não vale nada para a função. Sobrou a camaradagem com a primeira-família americana.

A embaixada em Washington é o posto mais importante da diplomacia brasileira no exterior. Bolsonaro vai ter dificuldades para convencer alguém de que escolheu o nome mais preparado para a vaga. No lugar de conhecimentos profundos sobre política internacional, comércio e economia, prevaleceram a ideologia, o alinhamento automático e a vontade de bajular os americanos.

Eduardo é o sujeito que disse apoiar uma ação armada para derrubar Nicolás Maduro na Venezuela só para repetir o discurso entoado na Casa Branca. Também já vestiu um gorro e gravou um vídeo na nevepara insinuar, assim como Trump, que o aquecimento global é uma farsa.

Apesar de considerar a relação com os EUA uma prioridade, o governo deixou o posto vazio por seis meses. O presidente esperou para tratar do assunto porque Eduardo só completou na quarta (10) os 35 anos necessários para ocupar o cargo.

Bolsonaro afirmou que a ida do filho para a embaixada deve garantir ao Brasil um tratamento diferenciado na Casa Branca. É possível, mas seria ingenuidade acreditar que os americanos abririam mão de seus interesses ou fariam concessões significativas por causa desse parentesco.

Se Eduardo ganhar a vaga, o Brasil trocará um embaixador por um marqueteiro da direita radical. Ele até entende a língua de Trump, mas ficará falando sozinho se o Partido Democrata vencer a próxima eleição.


Vinicius Torres Freire: Reforma da Previdência foi 7 a 1 na esquerda

Partidos de esquerda sofrem derrota imensa, que não foi vitória do governo

Não foi uma vitória política do governo, que pode vir a se beneficiar dessa e doutras mudanças que devem ocorrer na economia, caso Jair Bolsonaro não desarranje o país com seus desvarios.

Foi uma imensa derrota da oposição de esquerda, isolada não apenas no plenário da Câmara, de resto quase inteiramente favorável à reforma da Previdência, uma avalanche de 379 votos a 131; 510 dos 513 deputados votaram.

A oposição não teve voz na rua ou na política partidária. Não teve voz na reforma, pois se retirou para trincheiras perdidas nas montanhas do atraso. Não se prepara para outras avalanches de mudanças que devem revirar a ordem socioeconômica do país. Não faz mais do que esperar talvez uma revolta espontânea da população, pois, até ou quando funcionar o programa de reformas liberais, o país atravessará ainda um deserto de crescimento e precariedade.

Foi uma imensa vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e líder do coletivo do miolão do Câmara que aprovou a reforma. Esse líder da direita moderada, de um partido quase extinto no final dos anos petistas, acabou por ocupar quase todo o espaço político-parlamentar que não foi calcinado pela extrema direita.

Maia e o coletivo de líderes do miolão do Congresso acabaram por criar um arranjo talvez provisório, este semestre de “parlamentarismo branco” que aprovou a reforma previdenciária e conteve avanços piores do bolsonarismo. Em discurso no encerramento da votação da reforma, reafirmou seu programa, por assim dizer.

Criticou privilégios do serviço público e as centenas de bilhões de reais de renúncia fiscal que abatem impostos do setor privado.

Criticou quem acha possível, agora, reduzir a carga tributária. Disse que o programa da Câmara do “parlamentarismo branco” é aprovar a reforma das despesas com servidores e das carreiras de Estado, além da reforma tributária.

Disse ainda que o “protagonismo” do Congresso, avariado nos últimos 30 anos (segundo o deputado), vai continuar, “sem tirar prerrogativas” do presidente, um outro modo de dizer que sim, o presidente será podado, nos limites legais.

No meio do discurso, Maia falou algumas vezes de “desigualdade” e “pobreza”, assuntos de que o governo de Jair Bolsonaro não se ocupa nem por homenagem à hipocrisia. Obviamente, Maia não será o líder da reforma social, mas quem se ocupa de política deveria notar o contraponto. É neste universo, entre o miolão do Congresso e Bolsonaro, entre direita e extrema direita, que se joga o jogo da política brasileira.

Quase não houve rua; não havia ninguém no entorno do Congresso. Não houve movimento considerável de oposição de esquerda, mesmo que 44% dos eleitores ainda resistissem à reforma, segundo o Datafolha. A esquerda, por falta de força, meios, competência, ideias e imaginação retrancou-se no conservantismo, a tentativa obtusa de preservar uma situação falida também do ponto de vista de interesses populares.

A esquerda não tem um programa de reformas progressistas. Pior ainda, mal entende a crise econômica estrutural do Brasil ou é capaz de ter o que dizer aos que vão caindo pelo caminho ou vão sofrer na transição.

As reformas econômicas vão passando e outras mudanças de fundo na economia estão acontecendo. É provável que tenham efeito positivo no crescimento daqui a dois anos. Talvez então seja tarde demais para a esquerda acordar, mesmo da perspectiva do mais mesquinho pragmatismo político.


Igor Gielow: Aprovação da reforma sacramenta momento de derrota da esquerda

Após impeachment e eleições, PT e aliados tinham na Previdência uma trincheira

Se vários atores da centro-direita poderão reivindicar os louros pela aprovação de forma esmagadora em primeiro turno da reforma da Previdência, Jair Bolsonaro (PSL) e Rodrigo Maia (DEM) à frente, caberá à esquerda o papel de principal derrotada no conflituoso processo.

É claro que o texto ainda pode ser bastante mexido, com propostas inclusive do conflituoso partido do presidente, e o parlamentarismo branco que se insinua mais forte é um problema sério para Bolsonaro. Mas, ao fim do dia, ele estava no campo dos vitoriosos.

A aprovação é uma espécie de terceiro turno perdido para o campo liderado pelo PT. Como nas ocasiões anteriores, o fracasso poderia ensejar reflexões e modulações de discurso; até aqui, o que houve foi a repetição de padrões que não mais funcionam.

Recapitulando, o ocaso da esquerda brasileira teve pelo menos dois episódios centrais anteriores. O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, após a debacle econômica promovida pela presidente e a saraivada da Lava Jato sobre o que sobrou do edifício ético petista, foi essencialmente desestabilizador.

Na sequência, o impacto eleitoral: em 2016, com a perda de bastiões importantes como a cidade de São Paulo no pleito municipal, e em 2018, com a ascensão de Bolsonaro (PSL) à Presidência. Tudo temperado pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, líder petista que arrastou toda a estratégia da esquerda para dentro de sua cela a partir do ano passado.

A agenda sempre foi regressiva. "Fora Temer", "Eleição sem Lula é fraude", "Ele não", "Ele nunca". Nada exatamente propositivo, o que se refletiu na derrota seguinte.

Uma vez instalado Bolsonaro e sua balbúrida governamental em janeiro deste ano, o Planalto viveu de uma única agenda estruturada: aprovar a reforma. A esquerda, entre perplexa e raivosa, não conseguiu fazer muito mais do que reagir com o fígado a cada agenda comportamental proposta pelo bolsonarismo.

Ao longo dos anos, e estavam aí os remendos aprovados por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula para provar, a Previdência era uma bem-sucedida cláusula pétrea no discurso esquerdista. Até hoje, mesmo quando economistas insuspeitos como Nelson Barbosadefendem a necessidade de abordar a questão, o tom geral é o do obscurantismo: "Não há rombo!", "Taxem as heranças!" etc.

Algo sucedeu no debate público que a esquerda não percebeu, e não foi só a eleição de Bolsonaro. A percepção do problema previdenciário mudou. Em abril de 2017, quando estava para ser avaliada a bem mais dura socialmente reforma proposta por Michel Temer (MDB), 71% dos brasileiros eram contra a ideia, segundo o Datafolha.

O projeto agora é outro, mais diluído, mas parece bastante improvável que o brasileiro saiba isso em minúcias a ponto de mudar de opinião. Ainda assim, em abril deste ano a taxa dos contrários era de 51%. Três meses depois, agora, 44%, empatada tecnicamente com a aprovação agora de 47%.

A área de comunicação do governo dirá que foram eles que explicaram as vantagens do projeto atual. Os bolsonaristas dirão que foram as redes sociais e seu poder de convencimento. A esquerda, que foi um conluio da grande mídia.

Seja lá quem tiver a razão, o fato é que essa conscientização do abismo fiscal à frente em termos simples (vai faltar gaze no hospital etc.) parece ter colado e, assim, desanuviou o clima entre congressistas. Como se sabe, deputado morre de medo de matéria impopular, ainda mais com eleições municipais no ano que vem. Desta vez, e por enquanto, algo mudou. E a esquerda perdeu mais essa bandeira.

Com efeito, o real risco à aprovação não veio dela, que era voto minoritário contado. Veio do centrão, da massa amorfa de deputados que aproveitaram para tirar a casquinha de sempre. Não foi nada casual a liberação de oportunidade de verbas para emendas parlamentares antes do voto.

Bolsonaro pode lembrar que orçamento é impositivo, mas o ritmo de liberação é dele e foi usado com propósito claro, como candidamente admitiu seu ministro da Saúde.

Naturalmente, a esquerda pode sempre contar com um fenômeno análogo ao ocorrido na Rússia em 2018. Lá, o governo Vladimir Putin também alterou a idade mínima das aposentadorias, meio que na surdina, no começo da Copa do Mundo. Como Parlamento lá serve é um cartório do Kremlin, a lei passou sem grandes discussões.

Começaram os protestos, e a popularidade enorme de Putin, na casa dos 80%, caiu para grandes, mas desconfortáveis para padrões locais, 60%. Até hoje o presidente não se recuperou do tombo, ainda que tenha atenuado aspectos da reforma. Mas a comparação para por aqui, por questões históricas óbvias, contextos econômicos distintos e pelo grau de transparência do debate público.

Também é possível para PT e aliados torcerem por um engasgo maior na economia ou crises de outras naturezas, mas aí a matéria-prima é o imponderável.

À esquerda local restará juntar os cacos retóricos e tentar descobrir o que vender para o eleitor em 2020, que está na esquina. A acusação de que direitos foram usurpados, que pode até ter alguma ressonância apesar da ausência de contraponto propositivo, tende a cair na vala comum do “Foi golpe!”, “Lula livre!” e outras bandeiras desgastadas fora deste nicho específico.


Vinicius Torres Freire: Depois da Previdência, jogo político recomeça e deve ficar mais tenso

Mesmo sem coalizão no Congresso, Bolsonaro deve enfrentar parlamentarismo branco

A tramitação da reforma da Previdência colocou alguma ordem na política e conteve desordem maior no governo. Depois da mudança nas aposentadorias, porém, não se sabe o que será do breve parlamentarismo branco nem se Jair Bolsonaro vai tolerar essa camisa de força. É melhor nem pensar o que vai ser se a reforma cair, resultado ora improvável.

Depois de aprovada a reforma, as peças do quebra-cabeça político devem ser embaralhadas, talvez algumas se percam e outras novas apareçam. O presidente continua sem coalizão política, os conflitos serão diferentes, a impaciência popular pode aumentar e as próximos reformas são bem menos consensuais na elite político-econômica, caso dos impostos.

Por ora, o miolão da Câmara, liderado por Rodrigo Maia, pretende seguir com seu plano de aprovar um programa próprio e cortar as asinhas de Bolsonaro. Vai ser mais difícil.

Para começar, haverá também um projeto de reforma tributária no Senado; um terceiro, ambicioso, do próprio governo; talvez um quarto, a ser apresentado pelos empresários amigos do governo. Essas propostas não se complementam, quando não se chocam de frente.

Além do mais, mesmo a reforma da Câmara, a de tramitação mais avançada e a mais respeitada, cria conflitos. Pretende manter inalterada a carga tributária, mas haverá quem passe a pagar mais e menos impostos; a reforma poda a autonomia tributária de estados e cidades. Isso dá rolo.

Governo e empresários amigos querem criar uma espécie de CPMF. Não se conhecem os detalhes dessa ideia, mas se sabe que isso cai muito mal entre os cidadãos comuns e na indústria.

O ministério da Economia diz agora que vai liderar o jogo, apresentando uma penca de reformas e medidas econômicas. Uma delas é o fim do gasto obrigatório em saúde e educação, plano politicamente explosivo, que ameaça as chances de uma reforma tributária ampla, mudança que não acontece no Brasil desde o início da ditadura militar.

O debate da Previdência provocou mais “fadiga de reformas” (tensão política, interesses contrariados e perda de benefícios sem que apareçam imediatamente resultados). Esse cansaço deve aumentar. O cidadão médio não vai sentir melhoras da economia até o ano que vem, se sentir. Quanto dura a paciência?

Sem o risco de sentença de morte de seu governo, que seria a derrota na Previdência, o presidente pode se sentir mais livre para enfrentar os demais Poderes. Mesmo com o risco que corria na tramitação da reforma, tomou decisões ou disse disparates que até ontem ameaçavam sua aprovação.

Em resumo, não se sabe se a coalizão do “parlamentarismo branco” liderada por Maia vai se manter, e com qual força. Há conflitos socioeconômicos à vista, como na reforma dos impostos, da CPMF, do IR e dos gastos com saúde e educação. Mas, para ter sucesso em reformas, o governo depende outra vez de Maia, que tem outro programa.

Por fim, vai ficar mais aparente a contradição do “parlamentarismo branco”: aprova reformas politicamente custosas que tendem a beneficiar o país e, pois, o governo, mas sem bônus para si. Bolsonaro ficaria com méritos sem ter feito o esforço desgastante da articulação política e de talhar benefícios sociais.

Este esquema de fazer sacrifícios políticos com vantagens incertas não faz sentido, os parlamentares sabem muito bem disso. Vão aderir a Bolsonaro? Improvável. Vão fazer as mudanças e emparedar o presidente?


Leandro Colon: É sério isso

Frases fora de hora ditas por Bolsonaro não devem ser tratadas com normalidade

Em menos de três dias, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a prática do trabalho infantil, comparou o Brasil a uma virgem que atrai tarados e tratou a lenda João Gilberto, que morreu no sábado (6), apenas como uma “pessoa conhecida”.

Não se pode dizer que Bolsonaro causa espanto com essas declarações. As suas limitações são de domínio público desde os tempos de deputado federal. Ele foi eleito sem enganar nem mesmo seus eleitores.

Frases fora de hora e absurdas ditas pelo chefe da República não devem ser tratadas com normalidade.

Ao exaltar o trabalho infantil, o presidente faz a apologia de uma ilegalidade. A Constituição do país liderado por ele proíbe menores de 16 anos de trabalharem (com exceção dos aprendizes a partir de 14). O IBGE estima que ao menos 1 milhão de crianças trabalhem ilegalmente.

No início da noite de sábado, Bolsonaro resolveu dar uma escapada do Palácio do Alvorada para uma festa de São João no clube Naval, em Brasília. Não sem antes falar com os jornalistas que estavam de plantão do lado de fora. Aproveitou para novamente provocar líderes europeus sobre a preservação da Amazônia.

Segundo ele, “o Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”. Não cabe no figurino de um presidente equiparar chefes de outros países a um maníaco. Não há tese ambiental, por mais delirante que seja, capaz de sustentar tanta agressividade.

Na entrevista, Bolsonaro foi questionado sobre o pai da bossa nova. Passavam-se quatro horas do anúncio de sua morte e o Planalto ainda em silêncio. Esperava-se uma manifestação de agradecimento e exaltação à figura de quem fez muito pela cultura do país, dentro e fora dele.

Bolsonaro saiu com essa: “Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?”. Não é um despropósito imaginar que ele nem soubesse direito quem era João Gilberto. Comportamento que parece mistura de desprezo ao compositor morto com ignorância mesmo.

Até o mais fanático dos “bolsominions” deveria ficar constrangido.


Vinicius Torres Freire: Brasil deve se tornar economia petroleira com reabertura do mercado

Reabertura do setor e melhora da Petrobras vão levar petróleo para o centro da economia

O principal produto de exportação do Brasil é o grupo da soja. O segundo? Petróleo e derivados. Sim, combustíveis já estiveram algumas vezes na vice-liderança desde 2008. Mas nunca antes tiveram tanto peso nas exportações: 14,2% do total, ante 15,9% da soja, 11% de material de transporte (veículos, aviões e suas peças) e 10,2% de minérios metalúrgicos (quase tudo ferro e algum cobre).

Afora no caso de colapso do volátil preço do barril, é bem provável que petróleo venha a ser em breve o principal produto da exportação brasileira e algo ainda maior no ambiente doméstico. O pouco notado recorde de produção de maio pode ser um aviso da mudança. O Brasil já é o nono maior produtor mundial.

A reabertura do mercado, em 2016, as privatizações de partes enormes do conglomerado Petrobras e a abertura do mercado de gás devem mudar a paisagem da economia e a propriedade do capital, em especial no setor de energia, além de estimular investimentos pesados a partir de 2020. Falta análise, porém, de quem vai se divertir mais nesse remelexo do setor.

A produção de petróleo e gás foi recorde em maio, embora em termos anuais tenha praticamente estagnado desde 2017. Atualmente, extraem-se 2,73 milhões de barris por dia, sem contar o equivalente a 700 mil barris por dia em gás.

No “Plano Decenal de Expansão de Energia 2027” do governo, publicado em dezembro passado, previa-se que o país estaria produzindo 3,3 milhões de barris por dia neste 2019.

A previsão vai dar chabu, é óbvio, mas os investimentos começaram a voltar e vão aumentar ainda mais depois dos enormes leilões de áreas de exploração, em novembro próximo.

Se a produção chegar ao previsto pelo Plano Decenal e caso funcione a abertura do mercado de gás, o setor de petróleo vai para o centro da economia brasileira.

Em 2016, a lei de reabertura do mercado desobrigou a Petrobras de investir em qualquer campo do pré-sal, o que emparedava investimentos da concorrência e não favorecia os novos negócios da petroleira nacional.

Desde 2015, a empresa se recupera do desastre, voltando a elevar suas despesas de capital.

O setor ficou sem leilões e, pois, sem a perspectiva de aceleração do investimento, entre 2008 e 2013, graças ao revertério regulatório dos governos petistas, afora as desgraças causadas por maluquices, incompetências e pela roubança na Petrobras.

Endividada, em desordem e sem crédito, a empresa se desfez e se desfaz de suas grandes controladas, movimento acelerado pelo Cade, que quer acabar com os quase monopólios da estatal, e por Paulo Guedes.

A Petrobras vende suas empresas de transporte de gás. Vai vender a Liquigás, a BR Distribuidora e 8 de suas 13 refinarias, responsáveis pela metade de capacidade de refino da companhia (mais de 1 milhão de barris por dia).

Tudo isso deve entrar em liquidação pelos próximos dois anos, no máximo. São negócios de dezenas de bilhões de reais, talvez centena, a maior privatização desde FHC 1.

A privatização e a abertura devem, claro, também mudar a política do capital. Basta lembrar o que aconteceu com a ascensão da soja e dos oligopólios das carnes.

A diferença agora é que a maioria da novidade será estrangeira, embora a finança e antigos canavieiros devam levar nacos do negócio. Como se não bastasse, preços livres em um mercado volátil como o de energia podem causar turumbambas, de consumidores empresariais ao povo miúdo, vide o caminhonaço.