Folha de S. Paulo

Ruy Castro: O futuro imprevisível

Mais difícil de prever o que acontecerá no Brasil é se haverá Brasil para acontecer

Uma coluna de jornal costuma dar a seu titular a duvidosa condição de oráculo. Alguns leitores, ao ver o colunista na rua, param para conversar, expressam suas aflições sobre a conjuntura política, econômica, cultural, e pedem sua opinião sobre o que irá acontecer --e a atual conjuntura mais que justifica essa aflição. Quando me fazem essa pergunta, só posso responder com a velha frase, de autoria incerta, mas de mortal precisão: quem diz que sabe o que vai acontecer é porque está muito mal informado.

Numa faxina recente, caiu-me às mãos um número da extinta revista Manchete, de 13 de janeiro de 1968, com Leila Diniz na capa. O prato forte era uma reportagem com videntes, daqui e de fora, sobre o que iria acontecer naquele ano. Resolvi ler.

Os videntes brasileiros previram grandes agitações estudantis no meio do ano, abalando o governo do ditador Costa e Silva, que, no entanto, terminaria seu mandato. Pois não é que houve mesmo o movimento estudantil, culminando na Passeata dos 100 mil, a 26 de junho? Mas isso não era difícil de prever, porque as agitações já vinham desde 1967. E Costa e Silva, como se sabe, não terminou seu mandato --morreria de um AVC, em 1969.

Os videntes europeus citados pela Manchete previram a vitória de Bob Kennedy na eleição presidencial americana, a tomada de Paris pelos ratos, a chegada do homem à Lua, a descoberta da cura do câncer e um desastre envolvendo um Beatle. Erraram tudo. Kennedy foi morto em campanha, os ratos fizeram forfait, o homem só chegaria à Lua em 1969, o câncer continuaria invicto e o único desastre envolvendo um Beatle foi a notícia do namoro de John Lennon com Yoko Ono. Ninguém previu a Primavera de Praga, o assassinato de Martin Luther King, a estreia da peça "Hair", o decreto do AI-5.

Hoje, mais difícil do que prever o que acontecerá no Brasil é se ainda haverá Brasil para acontecer.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues


Bruno Boghossian: Discurso na ONU vai mostrar se Bolsonaro continuará torrando dinheiro

Investidores e governantes cobram do Brasil mudança no compromisso ambiental

Quando a crise na Amazônia estourou, alguns diplomatas brasileiros temiam que delegações de peso deixassem o plenário durante o discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU, em protesto contra sua política ambiental. Às vésperas da abertura do evento, esse risco é considerado remoto, mas outros atores ameaçam deixar a mesa em que o Brasil está sentado.

Bolsonaro preferiu descrever as críticas internacionais ao desmatamento como um ataque meramente ideológico ao país. Esse enfoque pode ter dado fôlego ao presidente para aguentar o desgaste do episódio, mas os efeitos de seu desdém em relação à preservação se acumulam.

A pressão de gestores de fundos que administram R$ 65 trilhões não é a reação descuidada de alguém que foi manipulado por fake news, como o governo prefere fazer crer.

Os donos do dinheiro dizem claramente que enxergam riscos em operações expostas a danos ambientais, já que suas cadeias de produção têm "dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais". Alguns integrantes do governo, como a ministra Tereza Cristina (Agricultura), sabem ligar esses pontos. Outros, como o próprio presidente, preferem só brincar com o assunto.

Para muitos assessores, Bolsonaro virou o jogo contra Emmanuel Macron ao atribuir ao líder francês interesses comerciais sobrepostos ao debate climático. Mas a decisão do parlamento da Áustria de vetar o acordo entre Mercosul e União Europeia devido a retrocessos na política ambiental brasileira, na semana passada, mostra que é bom não guardar tantas ilusões nessa área.

O mundo realmente cobra uma mudança de comportamento de Bolsonaro. Se chegar à ONU com um discurso singelo de soberania nacional, sem mostrar como pode trabalhar pela preservação do meio ambiente, o Brasil será engolido.

A mensagem que o país levará à abertura da Assembleia-Geral mostrará se o presidente vai abandonar as amarras ideológicas ou continuará torrando verdinhas aos trilhões.


Julianna Sofia: Cavalo de pau indesejado

Durou pouco a ideia do governo de congelar o salário mínimo

Não durou 72 horas o balão de ensaio sobre o congelamento do salário mínimo. Perante as amarras do teto de gastos e um cenário fiscal de desolação em 2020, a equipe econômica de Paulo Guedes (Economia) lançou na praça a proposta de vetar reajuste para o piso salarial nos próximos dois exercícios. Seriam poupados R$ 12,3 bilhões no ano que vem se o valor fosse mantido no patamar atual (R$ 998), sem correção.

Um cavalo de pau de Jair Bolsonaro na política de aumento do mínimo, que vigora formalmente desde 2007 —embora desde meados dos anos 1990 tenham sido concedidos ganhos reais ao trabalhador. Uma medida drástica, que exigiria mudança na Constituição, pois a Carta determina a preservação do poder aquisitivo do piso salarial por meio de reajustes periódicos.

Hoje, uma parcela significativa dos gastos do governo está atrelada ao mínimo, como benefícios assistenciais e previdenciários. Assim, a cada R$ 1 de aumento no piso há impacto de R$ 300 milhões na contas do Tesouro Nacional.

Com 94% das despesas para o ano que vem travadas com desembolsos obrigatórios, a trupe de Guedes busca meios de liberar recursos para garantir o funcionamento da máquina administrativa e dar algum impulso ao investimento público. Para isso, ensaia apoiar uma proposta de emenda constitucional em discussão no Congresso que altera regras fiscais, e o congelamento do salário mínimo seria a cereja do bolo.

A alternativa foi vazada à imprensa sem nenhum integrante do governo assumir oficialmente a paternidade. Mas até as pedras da Esplanada sabem que o ministro da Economia é o maior entusiasta da medida e trabalha numa proposta batizada de 3Ds —desobrigar, desvincular e desindexar o Orçamento da União.

Com a chiadeira provocada pela divulgação da ideia de congelamento do mínimo, o Ministério da Economia recuou na intenção mais rápido do que era de se esperar.

Acepipe do que Guedes e seu plano 3Ds encontrarão pela frente.


Hélio Schwartsman: Lugar óbvio para cortar

Campanha eleitoral é o lugar em que podemos cortar custos sem dor de consciência.

Em termos de princípios, não há muito o que discutir. Uma vez que o STF proibiu as doações empresariais para campanhas políticas, e nós, brasileiros, ainda não desenvolvemos uma cultura de dar como pessoas físicas dinheiro a candidatos, não parece haver muita alternativa que não assegurar algum tipo de financiamento público para o processo eleitoral, que, de resto, sempre ocorreu. A democracia tem custos, e a eleição é só um deles.

Nenhum princípio, porém, exige que os nacos do Orçamento que serão destinados às campanhas sejam grandes. Muito pelo contrário, essa é uma rubrica que, numa análise racional, pede para ser cortada até o mínimo que não comprometa a realização do pleito.

Nem todos os cortes são iguais. Se você tira dinheiro da saúde, pessoas cujas vidas dependem de uma medicação ou de uma cirurgia podem morrer. Se tira das bolsas de pós-graduação, cria descontinuidades em projetos científicos que poderiam ser importantes para o país. Se deixa de dar aumento para alguma categoria de servidores, afeta negativamente sua qualidade de vida, ainda que não os mate.

Cortes no financiamento eleitoral são diferentes porque, até onde a vista alcança, não geram nenhum tipo de impacto negativo. Com efeito, quer destinemos às campanhas do próximo ano R$ 4 bilhões, quer R$ 500 milhões, o mesmíssimo número de prefeitos e vereadores será eleito. Não há relação conhecida entre o volume de recursos investido e a qualidade dos políticos eleitos.

O que talvez exista é uma correlação entre o volume de propaganda e as taxas de renovação nas câmaras e prefeituras, mas nada capaz de alterar mais do que milimetricamente a enorme vantagem de que gozam aqueles que já estão no poder.

Trocando em miúdos, precisamos pôr dinheiro público nas campanhas para garantir a realização de pleitos competitivos, mas esse também é o lugar em que podemos cortar sem dor de consciência.


Demétrio Magnoli: Lula livre

Não por ele ou pelo PT, mas em defesa de um precioso bem público: o Estado de Direito

O STF examinará, logo mais, as condenações impostas a Lula. Hoje sabemos, graças à Vaza Jato, que os processos tinham cartas marcadas. O conluio entre Estado-julgador e Estado-acusador violou as leis que regulam o funcionamento do sistema de Justiça. A corte suprema tem o dever de preservar o Estado de Direito, declarando a nulidade dos julgamentos e colocando o ex-presidente em liberdade.

Lula livre. Evito adicionar o clássico ponto de exclamação porque, sob a minha ótica, Lula é politicamente responsável pela orgia de corrupção que se desenrolou na Petrobras.

A corrupção lulopetista nasce de uma tese política elaborada, em versões paralelas, por José Dirceu e Luiz Gushiken. O PT, no poder, deveria modernizar o capitalismo brasileiro, encampando o programa que uma “burguesia nacional” submissa ao “imperialismo” recusava-se a conduzir. Lula converteu a tese em estratégia, articulando a aliança entre empresas estatais, fundos de pensão e setores do alto empresariado privado que reativaria nosso capitalismo de Estado. Numa segunda volta do parafuso, parte da renda gerada pelo mecanismo financiaria o projeto de poder, assegurando ao lulopetismo uma maioria parlamentar estável e a hegemonia perene na arena eleitoral.

O mecanismo corrupto provocou uma erosão nos alicerces da democracia. Lula e o PT devem ser julgados por isso, mas no tribunal certo, que é o das urnas.

Não creio em bruxas. Do Planalto, Lula avalizou pessoalmente a colonização de diretorias da Petrobras por agentes do PT, do PMDB e do PP que aplicaram as regras do jogo da corrupção, distribuindo contratos ao cartel de empreiteiras e cobrando propinas destinadas tanto a seus amos políticos quanto a formar patrimônios próprios.

A promiscuidade entre o presidente e as empreiteiras estendeu-se para além das fronteiras nacionais, gerando contratos corruptos, financiados pelo BNDES, com governantes amigos na América Latina e na África. Lula beneficiou-se diretamente do mecanismo, por meio de palestras no exterior patrocinadas pelas empreiteiras. Nelas, um ex-presidente que detinha a palavra final no governo da sucessora traficava influência, trocando seus bons ofícios por remunerações milionárias.

Segundo minha convicção, o tribunal dos eleitores não cobre toda a responsabilidade de Lula. Acho que ele deve responder perante a lei por uma cadeia de atos de corrupção que lhe propiciaram benefícios políticos e materiais. Mas, felizmente, na esfera jurídica, o que eu penso —e o que você, leitor, pensa— não tem valor nenhum. No Estado de Direito democrático, juízes independentes ignoram o “clamor popular”, escrevendo sentenças embasadas na lei e informadas por um processo delimitado por formalidades que protegem os direitos do réu. Fora disso, ingressamos no mundo da Justiça politizada, que é o de Putin, Erdogan e Maduro.

Sergio Moro agiu como juiz de instrução italiano, uma espécie de coordenador dos procuradores —mas no Brasil, onde inexiste essa figura, não na Itália, onde um juiz diferente profere a sentença. Batman e Robin. Moro e Dallagnol, comparsas, esculpiram juntos cada passo do processo, nos tabuleiros judicial e midiático. No Partido dos Procuradores, milita também a juíza Gabriela Hardt, que copiou a sentença de Moro para fabricar a do sítio —e que, num trecho original de sua peça plagiária, trata José Aldemário Pinheiro e Leo Pinheiro, nome e apelido da testemunha-chave, como pessoas distintas.

Batman, Robin e cia merecem sentar no banco dos réus sob a acusação de fraudar o sistema de Justiça. Lula livre, não por ele ou pelo PT, mas em defesa de um precioso bem público, de todos nós, ao qual tantos brasileiros pobres precisam ter acesso: o Estado de Direito. Que o ex-presidente seja processado novamente, segundo os ritos legais, e julgado por magistrados sem partido.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Vinicius Torres Freire: Mais sinais de desgoverno Bolsonaro

Com a desordem no Planalto, contas do governo e investimentos ficam à deriva

Depois da reforma da Previdência, o governo não apresentou nenhum projeto ou plano econômico substantivo com começo, meio, fim e calendário de implementação. Há “estudos” e promessas para “breve”.

Em breve, acaba o ano político e virão as eleições de 2020. Discutir e aprovar projetos durante campanhas é difícil mesmo para governos normais, que não se desmoralizam e explodem pontes a cada semana. Por ora, há apenas planos de vento ideológico, “grandes ideias”, que enchem balões de ensaio.

O bexigão da reforma tributária do governo acaba de explodir, por causa da mais recente morte (sic) da CPMF. Quando Jair Bolsonaro balançou o teto, seus economistas fizeram juras de fidelidade ao limite de gastos e prometeram pilares novos para sustentar essa obra em progresso e em ruínas.

Em vez disso, mais balões. Ficou no ar a ideia vaga do fim do reajuste do salário mínimo, das aposentadorias e doutros benefícios. Ainda resiste, sabe-se lá até quando, o plano de conter despesas com funcionários públicos.

O congelamento do salário mínimo, politicamente inviável, morreu em dias. Outro devaneio, o fim do gasto mínimo obrigatório em saúde e educação, pode pegar o mesmo caminho da cova. Além de impopular, não faz parte de um conjunto organizado de medidas que possam ser negociadas em um “toma lá, dá cá” legítimo de compensações sociais e acordos políticos. No vai ou racha, método bolsonarista de governo, não passa mesmo.

Na Câmara, há um projeto de emenda constitucional que pretende facilitar medidas emergenciais de cortes de despesas com servidores, principalmente. Está meio atolado em parte porque o governo não mandou ninguém lá para ajudar a empurrar essa carroça, que irá para o brejo se não andar até 2020, ano de eleição.

Há queixas sobre o programa mirrado e lento de privatizações. Nem de longe é o maior problema. Mais importante, não há planos para facilitar o investimento privado em obras, para as quais não há dinheiro público. É uma desgraça para o crescimento de curto, médio e longo prazo.

A reforma da Previdência passou como quis o Congresso, que largou na estrada uma ideia cara e fixa de Paulo Guedes, a capitalização. A reforma tributária, muitíssimo mais complicada e que envolve o interesse de gente muito mais poderosa, não conta nem com uma força-tarefa e um plano de voo do governo, como havia na previdenciária, mal e mal.

Não é possível aprovar assim uma mudança tributária, dados os problemas técnicos, políticos e fiscais envolvidos. Não é possível mexer no cadeado e no cofre do governo sem auxílio do próprio governo —a não ser que deixem explodir ou levar o cofre. Agora mesmo, os estados estão com um projeto de reforma que quebra as contas federais.

Faltam menos de três meses para o fim do ano político. Em nove meses, o país estará tomado pelas eleições municipais. A aprovação de projetos controversos é encrenca ainda maior durante campanhas.

Não será mais fácil para um governo que até agora não tem organização política ou administrativa para elaborar e aprovar projetos. Quando muito, se vale de um arranjo de interesse de lideranças parlamentares, que toca o barco praticamente como quer.

Em suma, há sinais de desgoverno em assuntos vitais: como o governo vai pagar as contas no médio prazo (no mais tardar, 2021) e financiar investimentos a fim de evitar ruína crescente na infraestrutura e lerdeza ainda maior no crescimento.


Bruno Boghossian: Operação da PF reflete contradição na geringonça política de Bolsonaro

Símbolo da política tradicional, líder é peça importante para levar Eduardo aos EUA

A operação da Polícia Federal contra o líder do governo no Senado evidencia um conflito existencial da geringonça política de Jair Bolsonaro. O presidente jamais recuou em definitivo de seus ataques às velhas práticas do Congresso, mas recorre sem corar a alianças de conveniência para conseguir o que quer.

O veterano Fernando Bezerra Coelho (MDB), alvo da operação desta quinta (19), é uma peça-chave do governo na reforma da Previdência e, principalmente, no esforço para aprovar o nome do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL) para a embaixada do Brasil em Washington.

O líder do governo foi ministro de Dilma Rousseff e aliado de Michel Temer. Foi escolhido pelo novo presidente para a missão não a despeito de sua conexão com a política tradicional, mas graças a esse vínculo. Bolsonaro reconheceu Bezerra como uma ferramenta útil para driblar a falta de habilidade de parlamentares mais alinhados a sua agenda, porém completamente inexperientes.

Desde que o presidente anunciou a intenção de enviar o filho aos EUA, oferecendo pagar qualquer preço aos políticos responsáveis por sua aprovação, o líder passou a ser um dos despachantes dessa tarefa. Em parceria com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), Bezerra coleta pedidos de cargos e emendas dos parlamentares para destravá-los em reuniões com o governo.

A devassa no gabinete do líder numa investigação sobre irregularidades em obras da gestão Dilma é um daqueles episódios que podem parecer corriqueiros na agenda policial, mas produzem efeitos políticos. Bolsonaro terá que decidir se joga para a plateia e se livra de Bezerra, ou se acolhe um personagem que, até aqui, atendeu a seus interesses.

Não há, por ora, uma acusação definitiva contra o senador nessa operação, o que abre brechas para que o presidente aguarde seus desdobramentos –assim como faz com o laranjal do PSL e o ministro do Turismo. Bolsonaro já deu sinais de que também consegue ver vantagens nas contradições da política tradicional.


Vinicius Torres Freire: Juros mais baixo, teto de gastos em alto

Banco Central indica que taxa de juros pode ficar abaixo de 5% no início de 2020

A taxa básica de juros pode ir abaixo de 5% ao ano em 2020, indicou o Banco Central. Na prática, a taxa real de juros cairia para menos de 1%. Que tal quase zero?

E daí? As implicações são várias mas, para começar, uma taxa assim baixa terá influência nos debates sobre o teto de gastos e o déficit do governo federal.

Em resumo, deve esquentar a discussão sobre a possibilidade de o governo gastar mais a fim de “estimular a economia”, tanto faz se amemos ou detestemos essa hipótese. Com taxas de juros menores (zero?), o custo de algum endividamento extra do governo cai, embora o aumento da dívida tenda, em tese, a pressionar a taxa de juros para cima.

O Banco Central jamais é tão explícito quanto as primeiras palavras deste texto, mas foi eloquente no comunicado em que divulgou a redução da Selic de 6% para 5,5%, nesta quarta-feira (18).
Está lá escrito: “O cenário híbrido com taxa de câmbio constante e trajetória de juros da pesquisa Focus implica inflação em torno de 3,4% para 2019 e 3,8% para 2020”. Quer dizer, com Selic a 5% e dólar a R$ 4,05 até o final do ano que vem, a inflação ficaria abaixo da meta.

Logo, sem outros abalos e frustrações das expectativas do BC para o Brasil e o mundo, a Selic pode ir a menos de 5%. Falando português claro, quais são essas expectativas (o contexto em que a inflação e juros poderiam continuar em baixa)?

Primeiro, o país deve continuar crescendo pouco, menos de 1% neste ano e no máximo 2% em 2020, com as consequências sabidas: desemprego alto e salário médio real contido ou estagnado, como agora.

Segundo, deve haver “continuidade das reformas” e “perseverança nos ajustes”. Nesse ponto, o BC é vago quanto a meios (quais reformas?), embora os fins sejam óbvios: controle duradouro de déficit e dívida, pelo menos.

Aqui, chega a hora de a onça beber água para quem prega a revisão do teto de gastos. Qualquer revisão do teto seria um problema, para o BC e os donos do dinheiro grosso, credores do governo? Uma revisão do teto com um novo regime fiscal, com gastos reduzidos e estáveis com servidores, por exemplo, e reforma da Previdência, passa no teste da “perseverança nos ajustes”?

Terceiro: não haver tumulto na economia mundial. Até agora, na opinião do BC, juros em baixa nas economias maiores do planeta são favoráveis (se não vier recessão).

Apesar de reiterar que um fracasso nas reformas ou crise lá fora seriam um problema, óbvio, o texto do BC dá mais ênfase à discussão de cenários de inflação favoráveis e, assim, de possibilidades novas de redução da taxa de juros.

Antes tarde do que nunca, pois ao final deste 2019 a taxa de inflação terá ficado abaixo da meta por três anos, isto em um país em depressão. Não é responsabilidade desta diretoria do BC, que assumiu neste ano, mas convém ressaltar a extravagância, para não dizer arrocho monetário.

Uma Selic menor terá efeitos marginais nas taxas de juros de financiamentos bancários. Mas reduz o custo de levantar dinheiro no mercado de capitais, para empresas. Além do mais, vai dar o que pensar ao poupador comum, que vai ver muitas de suas aplicações seguras de renda fixa minguarem para nada ou menos do que isso, em termos reais.

Enfim, Selic menor necessariamente não estimula o investimento. Mas tira um dos bodes mortos da sala e, no mínimo, ajuda a controlar a dívida, dezenas de bilhões que economistas padrão dão de barato.


Bruno Boghossian: Bolsonaro age na origem para asfixiar possíveis rivais de 2022

Rompimento do PSL com Witzel e ataques a Huck criam obstáculos na centro direita

Em pouco mais de um mês, Jair Bolsonaro moveu peças para dificultar os caminhos de três potenciais adversários dentro de seu campo político expandido. Depois de acusar João Doria e Luciano Huck de se beneficiarem de financiamentos generosos na era petista, o presidente viu o seu PSL migrar para a oposição ao governo Wilson Witzel no Rio.

Bolsonaro já mostrou que pensa muito no próprio futuro. Falou diversas vezes de sua Presidência como um projeto de oito anos e abandonou o discurso contra a reeleição. Os ataques a Doria, Huck e Witzel indicam que a maior ameaça a seus planos é o surgimento de alternativas pelo centro e pela direita.

Faltam três anos para uma nova disputa, mas o presidente trabalha para asfixiar qualquer uma dessas opções no nascedouro. A intenção é desgastar a imagem de nomes que soem mais moderados, vinculando-os à esquerda, e criar dificuldades políticas para aqueles que têm uma plataforma semelhante à sua.

Witzel se encaixa no segundo grupo. O governador do Rio era um azarão na última campanha, mas pegou carona na popularidade crescente de Bolsonaro no estado e disparou para a vitória. No poder, assumiu um programa radical para a segurança, rivalizando com o presidente.

Nas últimas semanas, Witzel reforçou as críticas a Bolsonaro e confirmou sua disposição em concorrer ao Planalto em 2022. O PSL respondeu com um rompimento brusco. Como o partido tem 12 dos 70 deputados estaduais do Rio, a bancada deve passar a dar um pouco mais de trabalho ao governador dentro de casa.

"Nossa oposição não será ao estado do Rio, mas ao projeto político escolhido pelo governador Wilson Witzel", declarou Flávio Bolsonaro, articulador desse afastamento.

A queda de popularidade do governo animou personagens que têm um pé no eleitorado conservador ou buscam moderação para se contrapor ao presidente. Bolsonaro prefere que esses redutos fiquem desertos. Assim, ele tenta reprisar sua polarização extremada com a esquerda.


Vinicius Torres Freire: Choque do petróleo foi adiado até que desordem mundial cause outra crise

Apocalipse petrolífero parece adiado, mas política mundial em ruínas facilita crises

O choque do petróleo anunciado com exagero na segunda-feira (16) havia sido adiado pelo menos até a noite desta terça (17). Mesmo na disparada do começo da semana, de qualquer modo, os preços do barril tinham chegado apenas a níveis registrados em maio ou julho.

Segundo relatórios de bancões multinacionais, essa carestia do combustível não seria suficiente para danificar a economia americana. Ainda nesta terça-feira, os sauditas disseram que até o final do mês estarão produzindo tanto quanto antes dos ataques a suas instalações de processamento de petróleo.

Parece claro, porém, que a crise não está apenas aí, em mais um episódio dos conflitos do Golfo, no caso, os embates indiretos entre Arábia Saudita e Irã. O problema é que as frequentes desordens mundiais, em particular no dito Oriente Médio e cercanias, estão sob nova e péssima administração. A cortesia da bagunça mais recente é de Donald Trump em particular, embora os americanos estejam promovendo desastres além da conta desde a invasão do Iraque de 2003 (ou do golpe que armaram no Irã de 1953? O desastre vem de longe).

Por mero e neutro exercício, suponha-se que os ataques tenham sido lançados por uma das facções envolvidas na guerra civil (e também regional) do Iêmen. Então: 1) Os Houthis, como são chamados no Ocidente, são capazes de destruir o centro petroleiro do país que exporta uns 16% do petróleo do mundo; 2) Guerra e massacres praticamente ignorados no Iêmen podem provocar um colapso na economia mundial. Hum

Ainda por mero exercício, suponha-se que o Irã tenha sido o responsável direto ou indireto pelo ataque à Arábia Saudita. Neste caso hipotético, um país já avariado por sanções econômicas americanas não se importa de correr o risco de pelo menos um ataque “cirúrgico” (desculpem o clichê vicioso) a seus centros petroleiros, infraestrutura ou instalações militares. Segundo jornalistas americanos que ouvem fontes no governo de seu país, essas teriam sido as hipóteses de retaliação oferecidas a Trump.

Ressalte-se: uma facção da guerra civil do Iêmen e um Irã irado ou desesperado a ponto de se arriscar em uma guerra podem provocar um colapso econômico global. Note-se de passagem que os Emirados Árabes Unidos, também envolvidos na confusa guerra do Iêmen, são responsáveis por 6% das exportações mundiais de petróleo. O vizinho Iraque, sob guerra e terrorismo permanentes desde 2003, outros 8%.

O rolo mais recente dos americanos com o Irã recomeçou com Trump, que na prática rasgou os acordos de limitação de armas nucleares. Para quê? Até o ano passado, quase ninguém dava muita bola para a guerra e o morticínio no Iêmen, afinal, terra de gente não-branca e muçulmana, vidas que não valem grande coisa na opinião pública ocidental, no entanto uma guerra de potências petroleiras.

As questões alarmantes parecem óbvias. Na ordem politica mundial, os danados da terra estão sempre se danando, é verdade. Mas, ruim com tal ordem, pior ainda sem. Os acordos formais e tácitos estão indo à breca, mais recentemente graças à contribuição de demagogos mais ou menos autoritários, ineptos ou dementes, Trump entre eles, mas não apenas.

As tentativas mais cínicas de paz, estabilidade, equilíbrio de forças e opressão moderada são exemplos maiores de fina razão quando comparadas às provocações demagógicas e nacionalismos agressivos, recentes e cada vez mais frequentes.


Bruno Boghossian: O fundão eleitoral, o carguinho do filho e a república do miserê

Bolsonaro, o Congresso e outros órgãos se movem por interesses particulares

O procurador que chamou seu salário de R$ 24 mil de "miserê" poderia ser nomeado porta-voz de um grupo que está espalhado pela máquina pública. Sua desfaçatez representaria bem os partidos que tentaram engordar seus caixas em mais um ano de crise. Serviria também ao político que move montanhas para dar um cargo ao próprio filho.

Numa cultura de privilégios e cegueira deliberada, servidores, parlamentares, dirigentes partidários e o presidente da República tratam o Estado como patrimônio pessoal.

Um integrante do Ministério Público de Minas achou razoável fazer queixa de sua remuneração numa reunião do órgão. "Já estou baixando meu padrão de vida bruscamente, mas eu vou sobreviver", afirmou. Num lamento, ele disse que precisou reduzir seus gastos com cartão de crédito para R$ 8.000 por mês.

Certas autoridades costumam deixar de lado o pudor quando discutem seus interesses financeiros, mesmo quando as contas do governo estão na pindaíba. A manobra desastrada dos partidos para colocar até R$ 3,7 bilhões no fundo eleitoral e reduzir as regras de fiscalização desse dinheiro é uma face desse pouco-caso.

O país ainda não conseguiu elaborar uma maneira justa e responsável de financiar as campanhas depois que foram proibidas as doações empresariais. É inexplicável, porém, que o Congresso tenha trabalhado só para pegar mais recursos enquanto, na surdina, afrouxava as regras para a prestação de contas.

Mas a república do miserê não se manifesta só em busca de moedas no cofre. É a mesma força que impulsiona Jair Bolsonaro a colocar a Presidência a serviço do esforço para emplacar um filho na embaixada brasileira em Washington e a interferir em órgãos de investigação para proteger outro de seus rebentos.

Governantes que atuam em causa própria são uma tradição brasileira. Alguns podem tentar se esconder atrás da retórica da nova política e de reformas econômicas, mas dificilmente conseguirão disfarçar suas ambições particulares.


Hélio Schwartsman: A estridência vende

Mercado editorial brasileiro está dividido num fla-flu ideológico

Texto publicado na Ilustrada mostrou que a polarização tomou conta do mercado editorial brasileiro, que agora se divide num flá-flu ideológico em que autores de direita atacam os de esquerda, que veem manifestações de fascismo por todos os lados. Obras mais ponderadas não alcançam o mesmo sucesso de vendas.

A reportagem se baseia num estudo de Eduardo Heinen, Marcio Ribeiro e Pablo Ortellado que identificou os livros de não ficção mais vendidos na Amazon brasileira nas categorias de ciências sociais e política e analisou os títulos, encontrando o que na prática parecem ser dois mercados distintos, um de esquerda, outro de direita, cujos consumidores não se misturam. Os próprios autores se mostram mais interessados em vituperar uns contra os outros do que em encetar qualquer tipo de diálogo.

Constatar que a estridência vende não chega a ser uma surpresa, mas será que ela também é sinônimo de mais acertos? A questão é difícil até de delimitar, já que as ciências sociais, ao contrário das exatas, não comportam respostas unívocas, estando mais abertas à interpretação.

É o tipo de situação em que devemos procurar socorro em conjuntos mais robustos de dados. Foi o que fez o psicólogo Philip Tetlock. Ao longo de 20 anos, ele coletou 28 mil prognósticos feitos por 284 experts em economia e política e os comparou com os desfechos do mundo real. Na média, os cientistas se saíram um tiquinho melhor do que o acaso.

O ponto de interesse desse estudo publicado em 2005, contudo, é que nem todos os especialistas tiveram o mesmo desempenho. Os mais tonitruantes erraram mais, enquanto os mais comedidos, que em vez de certezas expressavam dúvidas e probabilidades, se saíram melhor.

Hoje, Tetlock se dedica a esmiuçar o que as pessoas que mais acertam têm em comum, não só nos métodos mas também nos hábitos e até nos traços de personalidade. A virulência nunca aparece.