Folha de S. Paulo
Elio Gaspari: Os BolsoLulas
Até agora, o radicalismo da inépcia foi monopólio do governo
Em abril de 2018, horas antes de se entregar à Polícia Federal, Lula discursou para sua militância diante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e disse que "eu não sou um ser humano, sou uma ideia". Foi adiante:
"Eu fico imaginando o tesão da Globo colocando a minha fotografia preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos. (...) Eles têm de saber que vocês, quem sabe, são até mais inteligentes que eu, e queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas, as ocupações no campo e na cidade; parecia difícil a ocupação de São Bernardo, e amanhã vocês vão receber a notícia que vocês ganharam o terreno que vocês invadiram."
Era sonho. Lula foi para a cadeia, ninguém foi para a rua, seu candidato a presidente foi derrotado por 55% a 45% e em janeiro de 2019 o capitão Jair Bolsonaro tomou posse na Presidência da República. Logo o capitão, que Lula achava fácil derrotar.
Passaram-se dez meses, Lula conta o tempo para deixar a carceragem de Curitiba e os Bolsonaros deixaram na porta da sua cela a bandeira da pacificação. Num país com 12 milhões de desempregados eles brigam aqui e alhures, para nada. Se Lula vai empunhar essa bandeira, só ele sabe, mas vale a pena lembrar que há poucas semanas o PT foi para a avenida Paulista com poucas camisas vermelhas. A deputada Gleisi Hoffmann vestia uma camiseta branca com o rosto de Lula enfeitado por flores.
Em sua entrevista a Leda Nagle, o deputado Eduardo Bolsonaro disse que "vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando sequestravam-se e executavam-se autoridades, cônsules, embaixadores, com execuções de policiais e de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar de uma resposta. Ela pode ser via um novo AI-5".
Eduardo Bolsonaro corrigiu-se e seu pai condenou a fala. Mesmo assim deve-se registrar que no final dos anos 60 havia também um terrorismo de direita, cujo núcleo clandestino era composto por militares e civis. Era menos letal, mas buscava estimular a tensão política.
O nervo da formulação do deputado esteve na frase "se a esquerda radicalizar". E se a esquerda não radicalizar? Até agora, o radicalismo da inépcia foi monopólio do governo. Ademais, o último atentado terrorista ocorrido no Brasil, em 1981, foi a bomba do Riocentro, mas ele saiu do DOI-Codi do 1º Exército.
Há radicais na esquerda, mas no Brasil o que está na vitrine é outro radicalismo tosco, demófobo e desorientado. Ele teceu a bandeira da pacificação, levou-a a Curitiba e deixou-a na porta da cela de Lula.
Porteiros e polícia
Além do fantasma de Marielle Franco, outra assombração ronda o movimento de carros no condomínio onde viviam Jair Bolsonaro e o miliciano Ronnie Lessa no dia do assassinato da vereadora. É o risco de que acabe sobrando para o porteiro que registrou a entrada de Élcio Queiroz na propriedade.
Não se sabe o que aconteceu naquele dia, mas uma velha história ensina que polícia e porteiros produzem situações fantásticas.
Em maio de 1976, Íris Coelho, ex-secretária do general Golbery do Couto e Silva e do presidente Castello Branco, escreveu-lhe uma carta contando o que havia acontecido ao porteiro de seu edifício. Haviam roubado objetos de carros que estavam na garagem e ele foi preso. Com 11 anos de serviço e pai de três filhos, soltaram-no 24 horas depois: "O pobre estava todo machucado, os tímpanos perfurados. Aplicaram-lhe choque, bateram-lhe a cabeça contra a parede. Foi fichado como ladrão de automóveis e arrombador".
Íris não era uma novata. Depois de uma audiência com o embaixador soviético, Castello chamou-a para ditar uma minuta da conversa secreta.
Passaram-se seis meses e o governador do Rio remeteu o resultado da investigação a Golbery, o então poderoso Chefe da Casa Civil da Presidência. Resultava que depois de novos depoimentos e acareações, a polícia apurou o seguinte:
1- O porteiro disse que conversou com Íris, expressou-se mal ou ela não entendeu o que ele falou. Além disso, não a autorizou a fazer qualquer reclamação.
2- As marcas que tinha pelo corpo eram produto de uma alergia.
Íris Coelho voltou a escrever:
"Sinto muito, acredite que lastimo realmente ter sido causa de tanto trabalho e perda de tempo. Do modo como o processo se encaminhava, achei que a melhor solução seria aquela que foi dada na acareação com o porteiro. Creia-me, aprendi uma grande lição."
Seja qual for versão, sempre que se chega à conclusão de que o porteiro mentiu, vale a pena perguntar quem estava interessado nisso.
Demétrio Magnoli: Esses liberais que adoram o brexit
Liberais britânicos giraram 180 graus e se transformaram em seita anti-Europa
Um Reino Unido atordoado vai às urnas em dezembro. Boris Johnson, o primeiro-ministro conservador, definiu sua campanha como um levante do “povo”, pelo brexit, contra a “elite” que impede uma ruptura radical com a União Europeia (UE).
Os liberais britânicos —isto é, a maioria do Partido Conservador e o Partido do Brexit, de Nigel Farage— transformaram-se numa seita anti-Europa. É mais um sintoma da degradação do pensamento liberal.
Os liberais britânicos giraram 180 graus. Entre 1985 e 1994, quando o francês Jacques Delors conduziu as negociações que concluíram a arquitetura do Mercado Único Europeu, eles ocuparam a linha de frente na batalha contra as resistências protecionistas nacionais. Hoje, renegam o que fizeram, entrincheirando-se num nacionalismo de nítida coloração populista.
No Foro da Liberdade, meses atrás, escutei as razões de um fanático do brexit, o economista Andy Duncan. Ele acusava a então primeira-ministra, Theresa May, e o líder opositor Jeremy Corbyn de subserviência à “elite europeia”. E, desafiando o que sugere o registro histórico, assegurava que Margaret Thatcher teria completado sem demora o serviço do brexit.
Tive, então, que recordar à plateia brasileira o primeiro plebiscito sobre o brexit, realizado em 1975, quando a conservadora Thatcher defendeu a adesão à Comunidade Europeia e o trabalhista Corbyn adotou posição contrária.
O economista ultraliberal reproduziu os discursos de campanha de Farage, que classificou como seu “herói”. Estados grandes representariam, invariavelmente, ameaças às liberdades dos cidadãos. A Europa ficaria melhor se fragmentada em microestados como Andorra, Liechtenstein ou Monaco. A UE seria um superestado opressor, uma burocracia “globalista” determinada a suprimir as liberdades britânicas.
Duncan situa-se numa franja extrema do espectro partidário, mas seus argumentos esclarecem a gramática política que impulsiona o brexit. A “liberdade” dos modelares microestados de Duncan é a liberdade de circundar impostos: os três são paraísos fiscais.
O brexit veicula a utopia reacionária de rebaixar os padrões sociais e ambientais britânicos, pela ruptura com as regras comuns europeias. Na sua nova encarnação, os liberais sonham com uma Inglaterra bucaneira: um Chipre com armas nucleares.
Os grandes Estados europeus são diversos e relativamente abertos à imigração. A campanha do brexit concentrou-se na ideia de retomar o controle das fronteiras, abolindo o livre trânsito de cidadãos europeus e erguendo uma muralha frente aos fluxos imigratórios. A “liberdade” de Farage e Johnson é a liberdade de definir a nação à base do sangue. O brexit veicula a utopia nativista de um retorno aos tempos dourados de uma Pequena Inglaterra exclusivamente branca e anglicana.
A proteção das liberdades públicas e políticas foi a mola que, lá atrás, quando assentava a poeira da guerra mundial, impulsionou o projeto europeu. Na origem da UE encontram-se os imperativos de evitar o ressurgimento do nacionalismo alemão e de traçar uma fronteira geopolítica diante do bloco soviético.
A Europa fragmentária idealizada pelos maníacos do brexit é o cenário estratégico perfeito para a Rússia, o maior dos Estados europeus. Em 2014, Farage nomeou Vladimir Putin como “o líder mundial que mais admiro”. Há um claro motivo político para o voto pró-europeu de Thatcher em 1975.
O Reino Unido navega rumo às águas turbulentas do brexit, um ato voluntário de autoagressão poucas vezes visto na história das nações. Os liberais convertidos ao nacionalismo xenófobo pilotam o navio, mas partilham a responsabilidade com os trabalhistas, que se recusaram a tentar mudar o curso. É que Corbyn, o líder esquerdista do partido, votou pelo brexit em 1975 por enxergar o projeto europeu como uma monstruosidade inventada pelos liberais...
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Bernardo Mello Franco: Família Bolsonaro testa a resistência da democracia
A cada provocação, a família Bolsonaro testa a resistência da democracia brasileira. O jogo entre pai e filhos pode parecer confuso, mas é combinado
A família Bolsonaro tem método. Enquanto o pai insufla seguidores contra as instituições, os filhos fazem ameaças explícitas à democracia.
Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro sugeriu a edição de um “novo AI-5”. Apontado como o futuro chefe do clã, ele já havia ameaçado enviar “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo.
O AI-5 original foi editado pela ditadura militar em 1968. Suspendeu direitos individuais, instituiu a censura prévia e autorizou o presidente a fechar o Congresso. O ato deu sinal verde para a tortura e a morte de opositores. Significou o endurecimento do regime, cultuado até hoje pelo inquilino do Planalto.
Na época, os militares alegavam que era preciso combater “processos subversivos” e “fatores perturbadores da ordem”. A Guerra Fria acabou, mas Bolsonaro busca o mesmo pretexto ao estimular teorias conspiratórias e insinuar que “inimigos internos” não o deixam governar.
Na entrevista a Leda Nagle, que já apresentou um programa chamado “Sem Censura”, Eduardo alegou o risco de uma radicalização de esquerda. Mas quem radicaliza no país é a extrema direita, que chegou ao poder pelas urnas sob a liderança do capitão.
A nova polêmica segue um roteiro conhecido. Em setembro, o vereador Carlos Bolsonaro já havia escrito que a “transformação que o Brasil quer” não aconteceria por “vias democráticas”.
O comportamento da família mostra uma divisão de tarefas, em que os filhos se revezam no papel de incendiários. Quando a provocação repercute mal, o pai se fantasia de bombeiro e finge adverti-los.
A cada afronta, o clã testa a resistência da democracia e prepara o próximo avanço. É uma estratégia de aproximações sucessivas, como prescrevem os manuais militares.
Os Bolsonaro estão unidos no mesmo projeto autoritário, que busca remover limites ao poder do Executivo. O jogo pode parecer confuso, mas é combinado. Ontem o presidente disse lamentar as declarações do Zero Três a favor do AI-5. Quando o ato fez 40 anos, ele subiu à tribuna da Câmara para louvá-lo.
Bruno Boghossian: Caso do porteiro deve ampliar influência de Carlos Bolsonaro no poder
Personagens que agiram para desarmar bomba, como Aras e Moro, ganham espaço
A tensão provocada por episódios como o depoimento do porteiro do condomínio de Jair Bolsonaro tem potencial para mexer nas relações do centro do poder. O papel dos atores políticos no caso deverá ter efeitos na balança de influências do entorno do presidente.
Alguns personagens saem fortalecidos. Um deles é Carlos Bolsonaro. Foi o vereador carioca quem divulgou uma peça-chave para rebater publicamente uma informação dada pelo funcionário, que vincularia o pai a criminosos que mataram Marielle Franco em 2018.
Depois que o Ministério Público apontou a contradição no depoimento, Carlos escreveu: "Sou seu soldado há quase 20 anos e isso não vai mudar, independentemente do que vier. Estou preparado!".
Embora Carlos goze de uma influência sobre o governo inédita para um filho de presidente, o próprio Jair o havia desautorizado duas vezes nos últimos dias. Apagou uma publicação que criticava a possível revisão das prisões em segunda instância e outra que comparava o STF a uma hiena a acossar o presidente.
Não será surpresa se Carlos enfrentar menos restrições a partir de agora. "Outras calúnias virão e estarei aqui", publicou o filho do presidente. O resultado seria um avanço da radicalização do governo, defendida pela chamada ala ideológica do Planalto --alimentando, inclusive, novos embates com outros Poderes.
O jogo também muda para um agente em especial: Augusto Aras. A presteza com que o procurador-geral anunciou que a menção a Bolsonaro havia sido arquivada pelo Ministério Público e não passava de um "factoide" tende a reforçar suas conexões com o presidente.
O trabalho de Sergio Moro também não passou despercebido. Políticos e integrantes de tribunais superiores observaram que o ministro demonstrou alinhamento incomum ao presidente em seu pedido de abertura de investigação sobre o depoimento do porteiro. Resta saber se Bolsonaro vai retribuir e aumentar o prestígio do desgastado auxiliar.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro desautoriza filho e diz que Eduardo 'está sonhando' sobre AI-5
'Cobrem dele', afirmou o presidente após deputado citar ato da ditadura como possível resposta 'se a esquerda radicalizar'
Após repercussão negativa, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) desautorizou nesta quinta-feira (31) declaração do seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que caso a esquerda se radicalize, uma resposta pode ser um novo AI-5.
Na saída do Palácio do Alvorada, ele afirmou que qualquer um que fale em AI-5 neste momento no país "está sonhando" e pediu que o posicionamento seja cobrado não dele, mas de seu filho.
"Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí", disse. "Cobrem vocês dele, ele é independente", ressaltou.
O presidente ressaltou ainda que lamenta muito a declaração do também líder do PSL na Câmara dos Deputados e pediu para esquecer a possibilidade de reedição da medida do período militar.
"O AI-5 existia no passado, existia em outra Constituição. Não existe mais. Esquece", afirmou. "Eu lamento. Se ele falou isso, que eu não estou sabendo, eu lamento, lamento muito", acrescentou.
A declaração de Bolsonaro foi feita horas depois de ele ter se reunido com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que divulgou nota pública chamando a posição de Eduardo de absurda.
Em entrevista à Band nesta tarde, Bolsonaro disse que a frase do filho foi dada no contexto das manifestações do Chile e sugeriu ao filho avaliar um pedido de desculpa para quem se sentiu atingido. "Qualquer palavra nossa vira um tsunami."
"Essa arma [AI-5] não existe, e nem queremos, e nem pretendemos falar em autoritarismo da nossa parte. Eu fui eleito democraticamente, ele foi o deputado mais votado na história do Brasil", declarou Bolsonaro na entrevista à Band.
"A gente lamenta essa notícia, mas meu filho está pronto para se desculpar tendo em vista ter sido mal interpretado", completou.
A frase do presidente na saída do Alvorada foi comemorada pelo setor moderado do Palácio do Planalto, que cobrava desde a manhã uma posição de Bolsonaro que colocasse uma espécie de freio em Eduardo.
Tanto a cúpula militar como a equipe econômica avaliavam a necessidade de o presidente desautorizar o filho, arrefecendo o que chamam de uma escalada de radicalização tanto de Eduardo como do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
Segundo relatos feitos à Folha, ao longo do dia Bolsonaro foi informado que a polêmica gerou revolta tanto na esquerda como na direita e que poderia prejudicar a pauta governista, sobretudo a votação da proposta de reforma administrativa.
A expectativa é de que ela seja apresentada até o final da semana e, antes mesmo do início da sua tramitação, já enfrenta resistência de deputados federais até mesmo alinhados ao Planalto.
Ele foi, então, recomendado a fazer uma declaração pública para acalmar os ânimos no Congresso e evitar retaliações legislativas.
A afirmação de Eduardo foi feita em entrevista à jornalista Leda Nagle realizada na segunda (28) e publicada nesta quinta (31) no canal dela no YouTube.
"Tudo é culpa do Bolsonaro, percebeu? Fogo na Amazônia, que sempre ocorre —eu já morei lá em Rondônia, sei como é que é, sempre ocorre nessa estação— culpa do Bolsonaro. Óleo no Nordeste, culpa do Bolsonaro. Daqui a pouco vai passar esse óleo, tudo vai ficar limpo e aí vai vir uma outra coisa, qualquer coisa —culpa do Bolsonaro", seguiu.
"Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", afirmou o parlamentar, filho do presidente Jair Bolsonaro.
"O que faz um país forte não é um Estado forte. São indivíduos fortes. A conjectura não tem que ser futura, ela tem que ser presente. Quem é o presidente dos Estados Unidos agora? É o Trump. Ele se dá bem com o Bolsonaro? Se dá muito bem. Então vamos aproveitar isso aí", continuou.
O quinto ato, assinado pelo marechal Arthur da Costa e Silva (que assumira a Presidência em 1967), resultou no fechamento imediato e por tempo indeterminado do Congresso Nacional e das Assembleias nos estados —com exceção de São Paulo.
Além disso, o AI-5 renovou poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente. Também foi suspensa a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular.
REAÇÃO
Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ser "um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática". "E é inadmissível esse afronta à Constituição."
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que as declarações de Eduardo são “repugnantes” e devem ser “repelidas como toda a indignação” pelas instituições brasileiras.
Maia ressaltou ainda que a “apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras”. “Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”, afirmou, em nota.
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que a declaração indica os "ares democráticos" estão sendo levados embora. "A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou Marco Aurélio em mensagem à Folha.
O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou que, com sua fala, Eduardo deixou claro que o governo Jair Bolsonaro “quer seguir o caminho do fascismo”. "Pela primeira vez eles deixam claro o querem: o caminho do fascismo."
Santa Cruz disse à Folha que a declaração “não é apenas a de um deputado federal”. “É o pensamento do presidente da República. Como um clã no poder, a fala do presidente se dá através dos filhos”, afirmou.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a ruptura do modelo democrático é inaceitável. "As instituições funcionam e toda e qualquer ameaça à conquista do Estado democrático de Direito deve ser repelida. [...] O país quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituição", disse.
"Repudiamos a tentação autoritária e o silêncio de quem as patrocina. [...] A Nação não deixará de ter fidelidade aos seus valores democráticos", completou o governador tucano.
Candidato do PT à Presidência da República em 2018, o ex-prefeito Fernando Haddad afirmou que “a única punição cabível” à fala de Eduardo “é a perda do mandato”. O presidente do DEM, ACM Neto, emitiu nota na qual classifica a fala de Eduardo Bolsonaro como uma “inaceitável afronta à democracia”.
Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, que disse em uma rede social que "parece que não restam mais dúvidas sobre as intenções autoritárias de quem não suporta viver em uma sociedade livre".
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defendeu que o Ministério Público e o STF tomem providências contra as declarações. "A população precisa saber o que vocês estão fazendo", disse.
A direção nacional do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, emitiu nota na qual, “com veemência”, diz repudiar “integralmente qualquer manifestação antidemocrática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritários”. “A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitável”, diz o texto.
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que a democracia vive um "grave risco". "Agora fica claro que isso é tudo que essa gente sempre quis", disse.
Marcos Pereira, presidente do Republicanos, divulgou nota em que diz "repudiar veementemente" a declaração de Eduardo e pediu "bom senso, equilíbrio, moderação e diálogo".
O líder do bloco que reúne MDB, PP e Republicanos, o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que a manifestação é "absolutamente desconectada de fatos e realidades". "De forma que acho que ela [a manifestação] é irrelevante pelo conteúdo e por quem explicita o conteúdo", afirmou o senador.
AI-5, 13 DE DEZEMBRO DE 1968
Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente
Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito
Igor Gielow: Radicalização proposta por entorno de Bolsonaro alarma militares
Ativa teme narrativa que una protestos latinos a reação sobre investigação sobre o clã
A radicalização proposta pelo entorno ideológico do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é a principal fonte de preocupação institucional na cúpula das Forças Armadas.
Oficiais-generais da ativa, das três Forças, dizem não haver apoio generalizado a eventuais aventuras repressivas sugeridas pelo grupo.
Os dois mais recentes episódios, envolvendo a publicação do “vídeo das hienas” contra o Supremo Tribunal Federal e a reação à reportagem sobre movimentações de acusados de matar Marielle Franco no condomínio de Bolsonaro, geraram o que um oficial-general definiu como “alta ansiedade”.
O alerta vem circulando desde que o bolsonarismo encampou o discurso de que os protestos no Chile e Equador, a volta do peronismo na Argentina e até o derramamento de óleo no Nordeste fazem parte de uma trama da esquerda que precisa ser combatida.
As teorias conspiratórias chegaram não só aos usualmente falantes filhos presidenciais Carlos e Eduardo, mas também ao general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que hoje está numa frequência bastante diversa daquela registrada na ativa.
Influenciado, Bolsonaro emulou o entorno ideológico e sugeriu que convocaria as Forças Armadas caso houvesse um contágio dos protestos chilenos em ruas brasileiras.
Na sequência, publicou o infame vídeo em que hienas representando o Supremo, a OAB, órgãos de mídia e adversários amorfos como o feminismo, ameaçam o leão personificando o presidente.
Aqui ficou evidente a pressão do grupo ideológico, discípulo do escritor Olavo de Carvalho. Bolsonaro recuou e pediu desculpas ao Supremo, e só ele, pelo vídeo. Mas seu assessor internacional, Filipe Martins, redobrou a crítica em redes sociais mesmo depois da retratação.
Na noite de terça (29), foi a vez do vereador carioca Carlos (PSC) complicar a narrativa presidencial de que a postagem era problema de terceiros com acesso às suas contas. No Twitter, o filho quis defender o pai de críticas, mas sublinhou que a postagem havia sido feita por Bolsonaro —em resumo, o contradisse.
Havia um objetivo não declarado na confusão, que era o de tirar a atenção sobre as ameaças feitas por Fabrício Queiroz, o antigo faz-tudo do clã Bolsonaro que levou a investigações sobre seu último chefe, o hoje senador Flávio (PSL-RJ). Com a revelação do próprio presidente de que já sabia do caso do condomínio, feita nesta quarta, a tática ficou clara.
Antes de o Jornal Nacional veicular a reportagem sobre o caso Marielle, o deputado Eduardo foi à tribuna da Câmara para sugerir que a história se repetiria caso houvesse protestos ao estilo chileno no Brasil. Foi acusado de defender medidas ditatoriais pela oposição.
O grau máximo de tensão veio com a “live” do presidente. Demonstrando o que mesmo aliados consideraram uma apoplexia desnecessária, ele fez críticas à Rede Globo e acusou o governador Wilson Witzel pelo relato em apuração do caso da vereadora assassinada em 2018.
Na manhã desta quarta (30), antes de o Ministério Público derrubar o pilar central da suspeita ao dizer que o porteiro do condomínio de Bolsonaro havia mentido sobre o contato de um acusado da morte de Marielle com a casa do então deputado, houve uma modulação da crise.
Filhos, parlamentares e ministros enfocaram fragilidades do relato, o que com o aval da Promotoria deve garantir a vitória bolsonarista na guerra de versões no momento.
Destoou do processo e manteve o tom conspiratório justamente Heleno. “Tentam criar fato político que desestabilize o país e fomente violentas manifestações, como as que ocorrem em outros países da América Latina”, escreveu no Twitter, comentando a reportagem.
Há elementos nas Forças Armadas, notadamente no Exército, que compartilham de tal visão. Ela só não é majoritária hoje em instâncias como o Alto-Comando da Força terrestre e é francamente minoritária na Marinha e na Força Aérea.
Chamou a atenção o posicionamento espontâneo do vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), que descartou a gravidade do episódio —assegurando, ao mesmo tempo, que ele prejudica “o serviço”.
Mantido à distância por Bolsonaro e seus filhos, após vários episódios em que se mostrou ostensivamente como ator político mais racional no Planalto, Mourão agora faz um jogo de observação.
Ele não é exatamente querido na ativa do Exército, mas é sempre lembrado em conversas nas quais riscos de ruptura institucionais são mencionados, como “a nossa saída constitucional” —afinal de contas, teve os mesmos votos de Bolsonaro.
A relação dos militares com Bolsonaro, um capitão com histórico de indisciplina reformado, é complexa. No poder, a ala militar no governo perdeu força e integrantes nos embates com os olavistas, com quem fez alianças pontuais, mas também não age em ordem unida.
A ativa associou-se à formação de seu governo, cuja equipe na campanha era coalhada de fardados, a começar por Heleno. Diversos quadros migraram para o serviço civil, incluindo 8 de 22 ministros. Hoje, após as diversas crises com os olavistas, a ativa afastou-se preventivamente do governo, enfatizando seu caráter de ente de Estado.
Um dos que integram o governo é o influente ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Mas seu poder é declinante: a postagem pressionando o Supremo na véspera da votação da questão da prisão em segunda instância surtiu críticas, enquanto medida semelhante em 2018 foi vista como gesto de autoridade.
Parte disso diz respeito a Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia sair beneficiado nos dois episódios. Villas Bôas sugeriu risco à paz social, mas o fato é que tanto no governo, quanto na ativa, militares já “precificaram” eventual libertação do petista preso por corrupção e lavagem de dinheiro.
Bolsonaro e seu entorno torcem pela libertação de Lula, pois isso manteria o clima de polarização do país, teoricamente o favorecendo.
Se o ex-presidente for beneficiado por uma revogação da prisão após duas instâncias e solto nas próximas semanas, já há militares perguntando se o bolsonarismo radical não irá unir todas esses fios narrativos para instigar confrontos de rua.
Neste caso, o artigo 142 da Constituição é claro sobre a manutenção da lei e da ordem recair sobre os militares, sob ordens civis. É uma armadilha algo inescapável, caso venha a ocorrer como profecia auto-realizável.
Elio Gaspari: Madame Natasha pede compostura verbal
A boa senhora recomenda que os bolsonaristas evitem a cloaca do idioma
Madame Natasha tem opiniões políticas e não as revela, até porque quase sempre estão erradas. Ela zela pelo idioma e pela compostura no seu uso. Natasha acompanhou a campanha eleitoral do ano passado e convenceu-se de que Jair Bolsonaro e seus seguidores apresentavam-se como paladinos da lei, da ordem, da moralidade e dos bons costumes.
Neste mês de outubro, ela colecionou falas de alguns poderosos e assombrou-se com o que viu. Coisas que não se dizem numa casa de família e que nunca se ouviram na política brasileira.
Quem puxou o desfile da incontinência foi o presidente. Falando a um grupo de garimpeiros, Bolsonaro disse que "o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério". Dias depois, quando um cidadão perguntou-lhe onde estava seu amigo Fabrício Queiroz, o doutor respondeu: "Tá com tua mãe".
(É o caso de relembrar a conduta do general João Figueiredo em Florianópolis, em 1979. Quando ele ouviu o que não gostou, vindo de uma manifestação, partiu para cima dos estudantes aos gritos: "Eu gostaria de perguntar por que a minha mãe está em pauta. Vocês ofenderam minha mãe". É a velha história: não se deve botar mãe no meio.)
O Delegado Waldir (GO), então líder do PSL na Câmara, deu a Bolsonaro o veneno da sua própria incontinência. Reagindo à iniciativa que pretendia tirá-lo do cargo, ele disse, durante uma reunião do partido: "Vou implodir o presidente. [...] Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara. Eu votei nessa porra. [...] Eu andei no sol 246 cidades, no sol gritando o nome desse vagabundo". (Dias depois, repetiu: "Ele me traiu. Então, é vagabundo".)
O deputado Felipe Francischini (PSL-PR) acrescentou: "Ele começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto. Daí ele agora quer tomar a liderança do partido que ele só fala mal?".
Dias depois começou uma briga de textos. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) desentendeu-se com Eduardo Bolsonaro ("moleque") e foi rebatida pela colega Carla Zambelli (PSL-SP), que a chamou de Peppa: "Só agradeço a Deus por estar tirando o véu da sacanagem ao povo brasileiro e mostrando quem é quem".
Finalmente, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que gravou a fala do Delegado Waldir, defendeu-se: "Alerto sobre a tentativa de pedir cassação de mandato. Garanto que não estão acostumados com alguém como eu. Tenho muita coisa para f*** o Parlamento inteiro. Eu vou bagunçar o coreto de todo mundo, vou sacudir o Brasil".
Fabrício Queiroz até hoje não conversou com o Ministério Público, mas em junho, oito meses depois de ter deixado o gabinete de Flávio Bolsonaro, disse o seguinte a um amigo, conforme um áudio revelado pela repórter Juliana Dal Piva:
"Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [os Bolsonaros] em nada", diz Queiroz, no áudio, para depois complementar: "20 continho aí para a gente caía bem pra c***".
Natasha acredita que todos eles podem continuar defendendo suas posições, mas não devem usar a cloaca do idioma para se expressar. Ela torce para que Daniel Silveira conte o que sabe e gostou muito da ameaça de Joice Hasselmann: "Não se esqueçam que eu sei quem vocês são e o que fizeram no verão passado". Tomara que conte.
A senhora faz esse apelo porque zela pelo idioma, mas lembra o que ensinou o escritor mexicano Octavio Paz: "Quando uma situação se corrompe, a gangrena começa pela linguagem".
Vinicius Torres Freire: Mercosul está doente, mas notícias de morte ainda são muito exageradas
Governo quer acordos e comércio mais livre, mas não quer nem pode explodir o bloco
O governo quer apressar acordos comerciais com Estados Unidos e Japão. Quer tirar o Mercosul da “estagnação”. Isto é, apressar a integração econômica do bloco e facilitar tratados com outras partes, países e blocos.
Isto posto, as notícias sobre um grande corte de impostos de importação e a morte do Mercosul são exageradas. O Brasil não pode explodir o bloco, por motivos jurídicos, políticos e econômicos —até pode, mas seria uma besteira desastrosa. Por fim, o Mercosul não é apenas comércio.
Qual então o motivo do zunzum sobre tarifas e de rompimento, além dos ruídos provocados pelas declarações de Jair Bolsonaro sobre a Argentina?
Há de fato grande animação com a perspectiva de um tratado com os EUA. Tanta que uma baliza do calendário desse acordo é o vencimento da “Trade Promotion Authority” (TPA) do presidente americano, em julho de 2021.
Na vigência da TPA, também conhecido como “fast track”, um acordo comercial negociado pelo presidente dos EUA tem sua tramitação no Congresso facilitada e apressada. Fica menos difícil fechar um acordo.
Vai rolar? Sabe-se lá. Um ano e meio parece um prazo impossível de curto, ainda mais porque um tratado de comércio, com os EUA, em si complexo, exigiria a solução de pendências como uniformização regulatória e os desacordos sobre propriedade intelectual, prioridade americana, como se tem notado.
Para piorar, 2020 é ano de eleição presidencial nos EUA, talvez ainda ano de impeachment.
Sendo tal a ambição, o governo precisaria da concordância de seus parceiros do Mercosul ou a modificação do tratado a fim de avançar em negociações comerciais.
O bloco é uma união aduaneira (grosso modo, tem as mesmas tarifas e normas de importação de produtos de países “de fora”), embora imperfeita. Sem acordo de revisão da tarifa comum, seria necessária a revisão do Mercosul.
Talvez, então, o Mercosul passasse a ser uma zona de livre-comércio.
O comércio ainda seria livre entre os países do bloco, que no entanto ficariam também livres para fixar tarifas e regras de intercâmbio com países “de fora”, o que cria várias complicações, além de ganhos e perdas para o Brasil, a serem colocados na balança.
Por exemplo, mercadorias teriam trânsito livre intra-bloco apenas se atendessem a um requisito de conteúdo regional mínimo (o bem teria de ser em parte produzido no bloco).
Seria necessário o controle de origem (a fim de evitar que um país do Mercosul importe mercadoria com tarifa zero, de países “de fora”, e a repasse a um vizinho que cobra tarifa maior que zero, uma burla do acordo regional). O cumprimento dessa regra de origem pode ser enrolado e caro.
Uma alternativa seria o Mercosul dar uma liberada (“waiver”) para o Brasil negociar certos acordos. Tudo está sobre a mesa de estudos e pode ir para a mesa de negociações, nível de tarifas inclusive.
Mas, caso a Argentina opte por uma retranca protecionista, o Brasil vai dizer claramente que o regime de união aduaneira não vai mais servir.
Em vez de progredir para um mercado comum, o Mercosul então regrediria uma casa. “Paciência”: a política maior será a de aumentar a inserção do país na economia mundial. Em qual ritmo, está para se ver.
A revisão de tarifas seria gradual e compatível com reformas que reduzam o custo de produzir neste país, como Paulo Guedes diz desde antes do início do governo.
Seja lá qual for o ritmo desse gradual, o governo está decidido a mudar o Mercosul.
Bruno Boghossian: Em crises ambientais, governo usa estratégia da culpa para confundir
Bolsonaro dá sinais contra punição a responsáveis por crimes ao meio ambiente
Quando a barragem da Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro, o vice Hamilton Mourão afirmou que a conta do desastre não era do governo. "Nós assumimos faz 30 dias", argumentou. Era verdade. Depois, Jair Bolsonaro sobrevoou a região de helicóptero e declarou que trabalharia para "cobrar justiça".
O novo governo não teve lá muito incômodo naquele primeiro megadesastre ambiental, principalmente porque havia um responsável óbvio, a mineradora. Numa entrevista de rádio, o presidente destacou que "a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver" com sua gestão.
A busca por culpados funciona como válvula de escape para Bolsonaro nessa área. Um desavisado poderia se impressionar com um aparente esforço para aplicar punições em crimes do tipo, mas o festival de invencionices do governo mostra que o interesse é só confundir.
Nos quase dois meses desde o derramamento de toneladas de petróleo no litoral do Nordeste, o presidente e o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se mostraram mais preocupados em buscar vilões do que em controlar a extensão da tragédia.
O governo só bateu bumbo para dizer que o óleo era venezuelano e fantasiar sobre o envolvimento do Greenpeace. "Tem umas coincidências na vida, né...", escreveu Salles, apontando que um navio da ONG estaria na região na época do derramamento --o que não foi provado.
Faltou explicar por que a dupla se esmerou em desmontar órgãos ambientais e demorou 41 dias para acionar o plano de contingência.
O interesse público fica atrás do jogo político. Nas queimadas da Amazônia, Bolsonaro disse que ONGs teriam causado a destruição para desgastá-lo. Até agora, as investigações mostraram que o tal "dia do fogo" foi organizado por empresários.
O governo só faz o contrário: dá sinais de que não tem disposição para punir crimes ambientais. Em abril, Bolsonaro chegou a gravar um vídeo para anunciar que fiscais estavam proibidos de destruir equipamentos usados no desmatamento ilegal.
Arminio Fraga: Falta muito
Há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração
Há muitos anos o Chile vem exibindo crescimento sustentável, democracia plena e alternância de poder. O Consenso de Washington no final das contas parecia ter dado certo. Sob muitos aspectos deu.
Mas, na sexta-feira (18), os protestos que se iniciaram em 6 de outubro se transformaram em uma onda de violência que tomou conta de Santiago. O presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e acionou o Exército para controlar os manifestantes. No final, morreram 18 pessoas.
Assim como no Brasil, a desigualdade lá continua alta e há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração.
O caso reforça a tese de que crescimento e equidade precisam caminhar juntos, sob pena de inviabilizar politicamente qualquer estratégia de desenvolvimento. Não podemos nos esquecer de 2013.
Passados 10 meses de governo Bolsonaro e mais de três anos de agenda econômica reformista, cabe um breve balanço do que vem sendo feito e do que falta fazer.
Em resposta ao colapso econômico que assola o país desde 2014, e a despeito de todos os problemas conhecidos, o governo Temer deixou realizações: inflação sob controle, aprovou o teto do gasto público (vejo problemas aqui, mas um sinal foi dado) e uma reforma trabalhista, reduziu em muito os enormes subsídios distribuídos pelo BNDES a empresas e pôs em movimento a agenda BC+ de redução do custo do crédito e inclusão financeira. Não foi pouco.
Esse esforço, aliado à trágica recessão, permitiu uma enorme queda na taxa de juros que o governo paga em sua dívida.
O roteiro econômico liberal seguiu vivo com a chegada do governo atual. De concreto foi finalmente aprovada uma reforma da Previdência e também uma lei de liberdade econômica. O BC segue firme com a agenda BC+ (agora BC#) e o governo sinaliza um amplo programa de desburocratização, privatizações e concessões. O acordo com a União Europeia e a abertura comercial unilateral estão em andamento também.
Por que então temos uma recuperação tão modesta após queda tão grande do PIB e tanta gente a empregar? Listo aqui alguns suspeitos.
Dados do Ministério da Economia mostram que houve algum ajuste no governo federal, mas longe do prometido, e mais longe ainda do necessário. Os estados ficaram fora da reforma da Previdência e encontram-se em sérias dificuldades, alguns até quebrados. Portando, a situação fiscal do Estado segue precária.
No front do Congresso, que segue dando uma colaboração fundamental, estão entrando em pauta as essenciais reformas tributária e administrativa. Fala-se também em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para cortar despesas obrigatórias. São temas mais difíceis, pouco maduros na opinião pública, não há garantia de sucesso.
As taxas de juros na ponta do tomador seguem muito altas, apesar dos esforços do BC.
A economia mundial está desacelerando.
A fronteira de investimento mais natural é da infraestrutura, na qual as necessidades e carências são imensas. Ou seja, há demanda. Mas, nessa grande área, os processos são lentos e dependem de uma confiança a longo prazo que não existe. Ou seja, não há oferta.
O que mais falta?
Tenho escrito aqui sobre a necessidade de investir nas áreas sociais para promover o crescimento. Mas o espaço orçamentário encontra-se esgotado e engessado e, de qualquer forma, a agenda de redução das desigualdades não parece ser prioritária.
Na área de costumes, o governo vem retrocedendo em áreas cruciais como educação, meio ambiente, cultura e direitos humanos.
Temas sociais e de costumes afetam, sim, a economia, por meio de seu impacto sobre o debate público, o ambiente de negócios e a qualidade de vida em geral. No nosso caso, o impacto tem sido negativo, pois as posições do governo são fonte de incerteza, tensão e desconforto. E agora?
*Arminio Fraga, economista, é ex-presidente do Banco Central.
Folha de S. Paulo: Huck defende doações privadas em campanha eleitoral e parlamentarismo
Cotado para disputar Presidência, apresentador falou a políticos e empresários em evento em São Paulo
Joelmir Tavares, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Cotado para concorrer à Presidência da República em 2022, o apresentador Luciano Huck despistou sobre seus planos, mas falou muito de eleições e política em um evento nesta sexta-feira (25) em São Paulo. Ele defendeu mudanças no financiamento de campanhas, disse apoiar o voto distrital e demonstrou simpatia pelo parlamentarismo.
“Acho que a gente tem que rever doações. Com critérios, mas não pode ser única e exclusivamente um fundo público que vá sustentar os partidos e as eleições”, afirmou em seminário da Comunitas, organização independente que atua em parceria com governos e iniciativa privada.
“Você limitar o financiamento político-partidário e eleitoral só a um fundo público, no montante que ele está hoje, gerido e administrado por quem está dentro dele, eu não acho que seja o sistema mais eficiente e democrático”, disse.
Para ele, o que existia “no passado, de você poder doar para todo mundo, a qualquer tempo, independentemente da sua ideologia e da sua crença, não funcionou. Tem que trazer isso para o debate de novo”. As doações privadas foram proibidas em 2015.
O apresentador da TV Globo, que não está filiado a nenhum partido, afirmou ter ressalvas sobre a possibilidade de autorização para candidaturas independentes no Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) fará audiência pública sobre o tema em dezembro e julgará uma ação sobre a possibilidade de permitir a candidatura de pessoas sem filiação.
“Não sei se candidaturas independentes, neste momento, com mais de 30 partidos, iriam contribuir”, considerou Huck. Ele apontou a necessidade de uma reforma política ampla, para instituir o sistema de voto distrital puro ou misto e fortalecer os partidos.
“Para que [as legendas] sejam em menor número, para que não sejam plataformas fisiológicas de venda de tempo na televisão, ou de pura e simplesmente negociações políticas”, argumentou. O parlamentarismo, analisou, também poderia ser um modelo viável no Brasil, para aperfeiçoar "a relação do Poder Executivo com o Legislativo e com sociedade como um todo".
Huck evitou comentar o governo Jair Bolsonaro (PSL), depois que o presidente rebateu críticas anteriores dele e o acusou de ser “parte do caos” por ter comprado um jatinho com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Sem citar o nome do presidente, o apresentador afirmou que os eleitores em 2018 “depositaram muita esperança” em um salvador da pátria, “no que a gente está vivendo neste momento”, e falou que promessas exageradas foram feitas “no último ciclo eleitoral”.
Huck ainda opinou sobre o risco de eclodirem manifestações de rua no Brasil como as que têm atingido países na América Latina e em outras regiões, com espírito semelhante ao das jornadas de junho de 2013.
Para ele, o risco imediato é baixo, mas há possibilidade de protestos a longo prazo se “a vida não melhorar para valer” e a população sentir um distanciamento entre o que governos e políticos prometem e o que entregam concretamente.
Nesse ponto, ele insistiu na necessidade de enfrentar a crescente desigualdade no país e disse que o ex-presidente Lula (PT) é respeitado, sobretudo no Nordeste, onde muitas das melhorias de vida para a população pobre ocorreram nos anos do petista.
Contando o exemplo de uma viagem que fez ao Piauí para gravar seu programa de TV, disse que “o Lula é muito respeitado lá, mas muito respeitado”. Mas pontuou que os avanços na região foram frutos de duas gestões: a do PT e a de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Muito da política que veio da dona Ruth [Cardoso]. Tem uma herança de dois governos que trabalharam de maneira contínua nos projetos de proteção social.”
Apoiador dos grupos RenovaBR e Agora!, ele repisou o discurso de que tem buscado atuar politicamente por meio dos movimentos cívicos e se disse contra antecipar o debate sobre sucessão presidencial.
“Estou me colocando como um cidadão ativo. Entrar nesse ringue agora do debate personificado eu acho, de verdade, que não contribui”, declarou, cobrando um foco maior sobre a solução dos problemas mais imediatos do país no lugar da especulação eleitoral.
Instado a falar sobre redes sociais, o apresentador disse ser vítima de ataques em massa e compartilhou a impressão de que o ambiente virtual está mais agressivo que a vida real.
“Eu estou sendo atacado ferozmente nas redes nesses últimos três meses”, relatou. “A temperatura nas redes sociais no Brasil hoje não é a das ruas, mesmo. E esse é um problema que a gente vai ter que enfrentar.”
Para Huck, a polarização política, embora negativa, pode indicar novas rotas. “Talvez não esteja trazendo uma consequência imediata positiva para a democracia, mas está todo mundo falando disso. Então vamos aproveitar e apontar um caminho possível.”
Ele buscou se posicionar no caminho do meio: concorda com teses liberais, mas acredita ser necessário dar atenção a políticas sociais e reduzir a desigualdade. É o que resume como Estado eficiente, ou Estado afetivo.
"O mundo hoje está todo muito assimétrico. O que a ONU imaginou que seria o equilíbrio não aconteceu, o que o marxismo pensou não deu certo, o que o liberalismo pensou não deu certo. Acho injusto deixar a classe política sozinha tentando resolver o problema da sociedade como um todo", filosofou.
Em sua participação no 12º Encontro de Líderes da Comunitas, o apresentador conversou no palco com o empresário Carlos Jereissati Filho (grupo Iguatemi), que é seu colega no movimento Agora! e também sobrinho do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um dos políticos experimentados que têm dialogado com Huck sobre candidatura.
Ao longo de sua fala, o comunicador reiterou que na plateia estava uma parte dos líderes atuais que mais admira —alguns, inclusive, se tornaram seus interlocutores frequentes.
Pelas mesas se espalhavam políticos como o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) e os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Pará, Helder Barbalho (MDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).
Também ouviram Huck: os empresários Guilherme Leal (Natura), Elie Horn (Cyrela) —que pegou o microfone para sugerir ao comunicador a criação do "Ministério do Bem"— e Rubens Ometto (Cosan), deputados do Partido Novo e o ex-senador Jorge Bornhausen, a quem o apresentador agradeceu pela maneira como foi tratado, com “palavras gentis”, em entrevista publicada pela Folha.
Bornhausen disse ao jornal que o centro político vai apoiar Huck, e não João Doria (PSDB), contra o PT e Bolsonaro em 2022.
Roberto Simon: Chile é o teste para a região
Democracia chilena oferecerá respostas à desilusão da massa?
Apesar da Cordilheira dos Andes e dos níveis de renda mais elevados, o Chile não está isolado e os eventos dos últimos dias —da explosão das manifestações ao pacote de medidas proposto por Sebastián Piñera— tocam em vários desafios comuns a outros países da América Latina. Um ponto, porém, merece atenção especial: se nem a mais avançada democracia latino-americana conseguir dar conta das demandas criadas por uma nova classe média, cada vez mais desiludida, é difícil imaginar quem, na região, consiga.
Nos primeiros dias da crise, parecia que a corte de Maria Antonieta havia se instalado em Santiago. Na quinta-feira (17), o presidente Piñera apareceu no Financial Times dizendo que o Chile era um “oásis” numa América Latina em convulsão. 24 horas depois, em meio a confrontos no centro de Santiago, seu gabinete, no Palácio la Moneda, cheirava a gás lacrimogêneo e o sistema de transportes da capital havia sido paralisado.
Jornalistas estranharam a ausência de Piñera em uma entrevista coletiva sobre os distúrbios. Uma foto nas redes sociais revelou seu paradeiro: uma pizzaria gourmet, celebrando o aniversário da neta. Quando ficou claro que a suspensão da alta no preço do metrô seria insuficiente para desarmar os protestos, Piñera declarou que o Chile estava “em guerra”. O general a cargo do estado de emergência discordou: “sou um homem feliz, não estou em guerra contra ninguém”.
O entourage de Piñera também errava pelos jardins de Versalhes. Um de seus ministros sugeriu que, para evitar os preços mais altos do metrô na hora do rush, trabalhadores deveriam acordar mais cedo. Os manifestantes eram “uns alienígenas”, desabafou a primeira-dama em um áudio de WhatsApp, vazado à imprensa.
Na visão dos milhares nas ruas, Piñera —um dos homens mais ricos do país— e seu gabinete de gente bem vestida são a imagem perfeita de uma elite chilena que foi, de longe, a maior beneficiária do progresso das últimas décadas. Aos estudantes endividados, às famílias com renda estagnada ou aos aposentados desamparados, o Chile do 1% mais rico só existe no Instagram, junto com a crescente percepção de que eles nunca chegarão naquele país.
Na terça-feira, com a contagem de mortos em dois dígitos, Piñera iniciou uma guinada política. O presidente convidou todos os partidos ao La Moneda para discutir uma solução de consenso. No Twitter, disse que “acolhia com humildade” as demandas nas ruas, pediu desculpas e lançou uma “Nova Agenda Social”.
O pacote de medidas sociais custará cerca de R$ 5 bilhões, parcialmente financiados com um aumento de cinco pontos no imposto de renda dos mais ricos. O dinheiro subsidiará aposentadorias, gastos de saúde e contas de luz. Discretamente, o governo também sinaliza que suas propostas no Congresso —incluindo uma lei tributária generosa com acionistas e a reversão de parte dos direitos trabalhistas ampliados na era Michelle— são coisas do passado.
A incapacidade inicial do governo agravou a crise, ao custo de vidas. E a “agenda social” de Piñera oferece muito menos do que pede a oposição moderada (considerando que a centro-esquerda chilena, traduzida à realidade brasileira, seria considerada centro-direita). Mas a democracia chilena parece, finalmente, estar oferecendo respostas concretas às demandas da classe média insatisfeita.
É difícil imaginar uma reação política similar em outros cantos da região, incluindo no Brasil de hoje.
*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.