Folha de S. Paulo

Leandro Colon: A intenção de Toffoli sobre os dados sigilosos

Se presidente do STF alega não ter lido os relatórios financeiros, por que então requisitou o material?

Quando alguma crise estoura em Brasília, não raro os personagens envolvidos se defendem com narrativas amparadas em versões desconectadas da realidade.

É o caso do episódio dos dados financeiros sigilosos solicitados ao Banco Central pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Parece imperativa a necessidade de discutir limites ao comportamento policialesco de setores do Ministério Público que aproveitaram até hoje brecha para ter acesso aos relatórios do antigo Coaf sem autorização judicial.

Reside aí o mérito de Toffoli em enfrentar o assunto e levá-lo ao plenário do Supremo na próxima quarta (20). Espera-se que alguma restrição seja imposta ao uso desses dados.

No entanto, permanece ainda injustificável o gesto do ministro de intimar o BC a entregar os relatórios financeiros de pessoas físicas e jurídicas emitidos nos últimos três anos.

Ao se defender das críticas, Toffoli afirmou que não acessou as informações obtidas. Não acessou porque a Folha revelou o movimento que havia sido feito pelo presidente do STF de forma sigilosa e o material disponibilizado a ele: 19 mil relatórios envolvendo 600 mil pessoas.

O documento assinado por Toffoli não deixa dúvidas. Pede ao BC “cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF), expedidos nos últimos 3 (três) anos pela Unidade de Inteligência Financeira (antigo COAF)”.

O ministro queria obter a papelada. O despacho assinado por ele diz isso. O órgão do BC, porém, pegou Toffoli no contrapé: o conteúdo seria entregue, mas eletronicamente. “É necessário o cadastramento da autoridade demandante, podendo ser o próprio ministro Dias Toffoli ou quem por ele for designado”, informou a UIF (antigo Coaf).

Ficaria registrado, por exemplo, o acesso da equipe do ministro aos dados de políticos com foro especial.

Se Toffoli alega que não leu os relatórios, por que requisitou “cópia” deles? Se essa montanha de papel chegasse por meio de malote, o ministro do Supremo não abriria o seu lacre? Não faz sentido a sua versão.


Ruy Castro: A política é uma folia

Se vale essa algaravia de partidos, que tal a criação do Partido Nacional do Bola Preta?

Jair Bolsonaro demitiu o partido que lhe servia de cavalo e anunciou a fundação de um novo partido, o Aliança pelo Brasil, a partir do zero. Faz sentido —zero é mesmo o patamar dos partidos políticos brasileiros, exceto pelas subvenções que eles recebem do dinheiro público. Como Bolsonaro se diz defensor desse dinheiro, o mais econômico seria que se filiasse a um dos 32 partidos já existentes. Poupá-lo-ia, inclusive, de achar para seu partido uma denominação que o distinguisse dos outros 32.

Todas as combinações possíveis já pareciam esgotadas. Apenas entre os que comercializam a sigla trabalho, temos o Partido Trabalhista Brasileiro, o Partido Democrático Trabalhista, o Partido Trabalhista Cristão, o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e —epa!— o Partido dos Trabalhadores.

Na área socialista ou social-democrata, temos o Partido Socialista Brasileiro, o Partido Social Cristão, o Partido Social Democrático, o já citado e meio coringa Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e o Partido da Social-Democracia Brasileira, o falecido PSDB. E alguém sabia que o ex-partido de Bolsonaro, o PSL, se chama Partido Social Liberal?

Não há quem se entenda nessa algaravia de siglas: Pode, Pros, PCO, PTC, PRTB, PSTU. Há um PSB, um PSC e um PSD —quando virá o PSE? O dito PCO é o Partido da Causa Operária, com 3.688 filiados que chegam de kombi. Há o PMB, Partido da Mulher Brasileira, que, dizem, tem mais homens do que mulheres como adeptos. E a Justiça Eleitoral está analisando os registros de mais 76 partidos, entre os quais o Partido Militarista Brasileiro e o Partido Nacional Corinthiano.

Vou sugerir ao pessoal do Bola a criação do Partido Nacional do Bola Preta. Se a política é uma folia, um partido que leva para as ruas dois milhões de foliões no Carnaval pode arrasar nas urnas.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Bruno Boghossian: Ala do STF quer usar caso Coaf para impor limites a procuradores

Ordem de Toffoli instiga ministros que cobram relação mais rigorosa com investigadores

Flávio Bolsonaro se tornou coadjuvante. O julgamento do STF sobre o uso de relatórios do Coaf em investigações, na próxima quarta (20), serviria principalmente para testar a blindagem de que o filho do presidente dispõe no tribunal. Agora, o caso deve se tornar um novo capítulo da guerra cada vez mais tensa entre a corte e o Ministério Público.

As críticas feitas por procuradores à notícia de que Dias Toffoli havia requisitado dados bancários de quase 600 mil pessoas causaram mal-estar no tribunal. Magistrados passaram a defender que o caso seja explorado para estabelecer novos limites e inaugurar uma relação mais rigorosa com o Ministério Público.

O presidente do Supremo lançou um ataque desproporcional ao ordenar o envio do material a seu gabinete. Queria identificar abusos no compartilhamento de informações sigilosas entre o Coaf e a procuradoria, mas acabou deixando transparecer os excessos do próprio STF.

O estresse provocado pelo episódio levou as desavenças entre procuradores e ministros a um novo patamar, como apontou a coluna Painel. Alguns integrantes do Supremo afirmam, agora, que o tribunal deve aproveitar o julgamento do caso para antecipar recados que vêm sendo gestados há meses na corte.

Uma resposta seria o estabelecimento de uma linha severa para disciplinar o compartilhamento de informações com o Ministério Público. Procuradores dizem que essa medida prejudicaria as investigações, mas parte dos ministros do STF está convencida de que os relatórios do Coaf eram feitos sob encomenda, para burlar o sigilo bancário.

A irritação no tribunal também pode turbinar os anseios de uma ala da corte que pretende reprimir eventuais abusos praticados por órgãos de investigação. O STF, segundo um ministro, “só vai sossegar” quando todos os excessos forem punidos.

Nessa disputa, os limites aos poderes de cada instituição vão ficando para trás. Os próximos capítulos podem marcar a entrada dos dois lados num terreno de destruição mútua.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro quer dar futuro ao reacionarismo

Isolamento político e situação socioeconômica ruim podem dificultar ascensão da APB

A ideia de restauração de uma identidade conservadora do Brasil foi uma fantasia do bolsonarismo desde seu início.

Parecia tão caricata quanto um dia foi a candidatura de Jair Bolsonaro, que chegou ao Palácio do Planalto, no entanto. O presidente improvável quer agora criar o partido da sua revolução reacionária, a Aliança pelo Brasil (APB). O que pode sair daí?

A APB é um expurgo sectário no governismo e um movimento que isola ainda mais Bolsonaro no Congresso e na política partidária em geral. A arenga autoritária da família e de sua seita antiestablishment o afasta do Supremo, que, de resto, acaba de soltar Lula e retira paulatinamente o apoio ao lava-jatismo, uma seiva do bolsonarismo.

Que tipo de ambiente socioeconômico pode favorecer o movimento reacionário da APB? Trata-se de uma economia que apenas em 2024 deve voltar a ter a renda (PIB) per capita de 2013. Que deve ter uma taxa de desemprego além de 10% ainda na eleição de 2022. Que até então terá passado anos sem aumento do salário mínimo ou melhoria notável de serviços públicos, para nem mencionar o efeito do desmonte legal e estrutural do mundo do trabalho como o conhecemos.

O bolsonarismo também foi um meio para que certos grupos sociais pela primeira vez reivindicassem posições centrais de poder, mesmo que já tivessem participação política relevante. Por exemplo, fundamentalistas cristãos e o universo social e regional do agronegócio. Servidores públicos armados e os adeptos de suas ideias de segurança pública. Novas classes médias altas (em termos estatísticos, quem ganha além de R$ 5.000) e individualistas obsessivos de teologias e paganismos da prosperidade.

Os militantes enfáticos desses grupos chegaram ao centro e ao topo com Bolsonaro, não como aliados menores. Suas falanges radicais serão representativas de sua base social? Sem melhoras socioeconômicas mais notáveis, apelando à radicalização e ao isolamento político, exclusivista e sectário, a APB pode dar organicidade ao bolsonarismo e ainda crescer?

No seu núcleo central e puro, a APB tenta combinar o fundamentalismo religioso desconfiado ou enojado da ciência, um nacionalismo de torcida de futebol submisso à internacional reacionária e aquele conservadorismo de costumes das personagens carolas e taradas de Nelson Rodrigues.

Esse é um lado da moeda, o da propaganda do bem-pensante reacionário, digamos, que à primeira necessidade rasga essa fantasia, porém. O núcleo do movimento é autoritário, dinheirista e familista. Explode em violência em nome do interesse particular mais mesquinho e viveu pendurado no Estado.

Os modos “família” logo se dissolvem na cafajestagem sexista, na conversa recheada de palavrões e expletivos grosseiros, obcecada com sexo.

São escassamente letrados. São adeptos do “trezoitão” como mediador de conflitos e da dialética da briga de trânsito ou de torcidas organizadas. Não têm sentimento ou ideia de nação que não seja a de contraposição a inimigos internos ou externos, tanto faz se imaginários ou não (comunistas, globalistas, esquerdistas, feministas, isentões, cientistas etc.).

A APB vai conseguir passar verniz bastante de “Deus, Pátria, Família” nesse seu cerne bruto? Uma parte significativa do país vai se engajar nesse projeto de controle autoritário da educação e da cultura, de desmoralização da ciência, de diplomacia conflituosa, de desbaste de direitos civis e sociais?


Janio de Freitas: O novo valor do zero

Quem padece as políticas elitistas transfigura-se em arma de combate, e combate

Zero. É apenas um cisco de vergonha, não uma quantidade, que se encosta na verdade para estabelecer em 0,1% o crescimento econômico da América Latina neste ano, na mais recente estimativa da Cepal —a instituição mantida pela Organização das Nações Unidas para estudo da economia regional.

Zero de crescimento e, no entanto, excetuada a Venezuela, as classes altas não estiveram queixosas em nenhum país desta geografia do desemprego, das favelas, de vida com R$ 4,50 por dia, de morte pela falta de saneamento e violência sem limite. Da desigualdade e da injustiça como princípios básicos de cada país.

Não é preciso lembrar por que as classes altas não estiveram nem estão queixosas dessas políticas econômicas nacionais.

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não faltam com a já esperada contribuição ao divisionismo. O estudo da Cepal coincide com as atuais previsões daqui mesmo sobre o crescimento brasileiro neste ano.

Da campanha até à posse, os dois falavam em crescimento de 3%, e mesmo de 3,5% neste ano. O previsto está em 0,8%. A caminho da adesão às 17 economias, entre as 20 da região, já comprometidas com o ano de desaceleração. Mas as nossas classes altas não emitiram, até agora, nem a mais sussurrante insatisfação com algo do governo Bolsonaro. Bem ao contrário.

Os casos do Chile e da Bolívia são resumos perfeitos da América Latina. O Chile convulsionado seguia para crescer no ano quase 2%. Mas, fora as classes altas, os chilenos estão nas ruas, manifestando-se ou combatendo, por redução das usurpações e das opressões econômicas a que são submetidos.

Diz o noticiário que já são “mais de 25 mortos e mais de 200 com lesões nos olhos”. E, inerte, o que o governo Sebastián Piñera —um dos mais opulentos empresários do país— tem afinal a propor, “para a pacificação”, é um plebiscito em abril, daqui a cinco meses, sobre o tipo de Constituinte. É claro que pensa no esmorecimento da rebelião, para voltar ao que Paulo Guedes definiu como “paraíso chileno”. Explosivo, porém.

Recordista de golpes, país mais pobre do grupo latino-americano, embora seu território riquíssimo, a Bolívia enfim experimentou com Evo Morales quase 15 anos de estabilidade. Nesse período, o crescimento econômico, sem precedente, foi de 5% ao ano.

A pobreza, da ordem de 60% da população na posse de Morales, foi reduzida a quase 30%. As medidas de inclusão dos indígenas não se fizeram à custa dos abastados históricos, que não tiveram queixas econômicas.

O caudilhismo de que a direita brasileira acusa Evo Morales, por pretender o quarto mandato, não encontra justificativa no estilo que praticou, como o de seu decisivo companheiro de governo, o cientista e vice Álvaro García Linera.

A situação degenerou com os estímulos oposicionistas à rebelião de policiais, em resposta a decisões de governo contra a escandalosa corrupção da polícia. A campanha contrária à candidatura e logo à eleição da dupla prosperou com facilidade.

Mas o que precipitou a intervenção do comando militar na crise foi o chamado de Morales a uma nova eleição. Proposta que resolvia as acusações de fraude e dava outra oportunidade à oposição. Recusá-la seria desmoralizante. Aceitá-la? E se Morales ganhasse outra vez?

Melhor ativar os generais do que responder à proposta. Antes de acabar a semana, “mais de dez mortos”, centenas de feridos, convulsão instalada e uma falsa presidente apoiada pelo governo Bolsonaro, como o falso presidente venezuelano Juan Guaidó (Bolsonaro é adepto de falsas presidências).

Há, contudo, a inclusão da América Latina no recurso à violência urbana em progressão. Como na França dos coletes amarelos, na Espanha dos separatistas, no Equador do já derrotado Lenín Moreno, no “paraíso chileno”, na prosperidade interrompida da Bolívia, nos bravos de Hong Kong: quem padece as políticas elitistas transfigura-se em arma de combate, e combate. É parte da fase global de transformações, à qual o Brasil, até agora, não fugiu.


Elio Gaspari: Tomar dinheiro de desempregado é covardia

O doutor Paulo Guedes afaga para cima e apedreja para baixo

O doutor Paulo Guedes garantiu a sua presença nos anais da ciência econômica: propôs a taxação dos desempregados para financiar um programa de estímulo ao emprego. Não se conhece iniciativa igual no mundo, nos séculos afora.

Pela proposta da ekipekonômica, os brasileiros que recebem o seguro-desemprego, que vai de R$ 998 a R$ 1.735, pagarão de R$ 75 a R$ 130 como contribuição previdenciária. O sujeito perdeu o emprego, não tem outra renda, pede o benefício, que dura até cinco meses, e querem mordê-lo em 7,5% do que é pouco mais que uma esmola.

Se isso fosse pouco, no mesmo pacote a ekipekonômika desonerou os empregadores que aderirem ao programa do pagamento de sua cota previdenciária de 20%. Tinha razão o poeta Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja”, mas o doutor Paulo Guedes afaga para cima e apedreja para baixo.

Tomar dinheiro dos miseráveis era coisa comum no tempo da escravidão. Em 1734, para combater “a ociosidade dos negros forros e dos vadios em geral”, a Coroa cobrava quatro oitavas de ouro a cada bípede livre que vivia na região das minas. Em 1835 a Assembleia da Bahia tomava dez mil réis de todos os negros libertos nascidos na África. Esse imposto rendia um bom dinheiro, algo como 7,6% do orçamento da província. Eram tungas de outra época.

No século 21, a ekipekonômica de Guedes quer arrecadar R$ 11 bilhões em cinco anos com argumentos mais refinados e cosmopolitas. Como o programa de estímulo ao emprego (e à propaganda oficial) gera despesa, deve-se indicar uma fonte de receita para custeá-lo.

Sob o céu de anil deste grande Brasil, os doutores miraram no bolso dos desempregados que conseguem acesso ao seguro, um benefício restrito aos trabalhadores do mercado formal. Em julho, 11,7 milhões de pessoas trabalhavam sem carteira assinada.

O argumento dos doutores pode ser uma girafa social, mas parece matematicamente correto. É intelectualmente desonesto porque o programa de estímulo ao emprego dos jovens durará só até 2022, enquanto a tunga do seguro dos desempregados ficará para sempre.

Há três semanas, neste espaço, Eremildo, o Idiota, propôs que junto com a discussão do fim dos incentivos à energia solar se pensasse também na cobrança de um imposto aos desempregados, pois eles usam os serviços públicos e não contribuem para a caixa da Viúva. Eremildo é um cretino assumido e se orgulha disso.


Demétrio Magnoli: Decifrando a mensagem de Lula

Não há radicalismo no discurso do ex-presidente

As palavras “radicalismo” e “polarização” atravessaram o ar, logo depois do discurso de Lula em São Bernardo do Campo (SP), há uma semana. Os analistas, em modo automático, fixaram-se na superfície retórica, ignorando as três curtas frases que formam o núcleo da mensagem do líder petista. De fato, não há “radicalismo”, muito pelo contrário —e a “polarização” é uma oferenda que o centro político deposita nos altares do atual e do ex-presidente.

Paulo Guedes, acusou Lula, seria um “demolidor de sonhos” e um “destruidor de empregos e empresas públicas brasileiras”. Novidade nenhuma. A rejeição total da agenda de reformas reflete menos uma posição ideológica e mais a necessidade de proteger o espólio lulopetista. O PT não está autorizado a revisitar o populismo econômico de seu segundo mandato e do consulado dilmista.

O líder frustra os intelectuais sensatos que giram na órbita petista, proibindo aquilo que, na linguagem política italiana, chama-se aggiornamento: a reavaliação crítica do passado, a atualização de uma orientação estratégica. O veto serve ao próprio Lula, “um viciado em si mesmo” (Millôr Fernandes), pois prende seu partido e as legendas auxiliares (PSOL, PCdoB) à pesada âncora do lulismo. Serve, ainda, a Bolsonaro, oferecendo-lhe argumentos substantivos na sua perene campanha contra a esquerda. Mas faz mal ao país, que precisa de uma esquerda moderna, e ao PT, que fica marcado a ferro como um partido incapaz de aprender com seus erros.

“Governar para o povo brasileiro, não para os milicianos do Rio de Janeiro”. No seu disparo mais contundente, Lula iluminou a suspeita crucial que paira sobre o clã presidencial. “Radicalismo”? Só se resolvermos, como nação, aceitar a hipótese de um governo associado ao crime organizado.

A palavra “milicianos” circula nas esquinas —e com bons motivos. A sua ausência quase completa no discurso dos líderes e partidos do centro político é um dos sintomas da renúncia deles a fazer oposição a Bolsonaro. João Doria parece almejar algo como um “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Luciano Huck esquiva-se, tanto quanto possível, de polarizar com o presidente. O protagonismo oposicionista de Lula emerge da abdicação dos demais atores. Obviamente, como tantos registraram, a polarização rende frutos aos dois polos, estreitando os horizontes do debate público.

A vadia preferência pelo óbvio obscurece o cerne da mensagem de Lula. “Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro, tem gente que fala em impeachment. Veja, esse cidadão foi eleito. Democraticamente nós aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem um mandato de quatro anos.” O suposto radical, o desvairado incendiário, está erguendo uma muralha diante do PT e das legendas auxiliares. De fato, interdita, para sempre, ao menos entre os seus, o recurso ao impeachment. Bolsonaro esqueceu de agradecê-lo.

Lula nunca recuou face à contradição lógica, e não o faz agora. Se ficar provada a aliança entre o clã presidencial e as milícias, o remédio democrático atende pelo nome de impeachment. Mas aqui, como na economia, o líder petista está preso à armadilha da narrativa que formulou para preservar a aura do lulismo nos domínios da esquerda.

O impeachment corta o mandato de quem perdeu as condições políticas para governar. No processo, o Congresso —não um partido singular— decide se uma violação da regra do jogo constitui crime de responsabilidade. Ao qualificar como “golpe” o impeachment de Dilma, Lula e o PT praticamente descartaram a legitimidade da instituição do impeachment. O tabu tem consequências: do lulopetismo não partirá, sob nenhuma circunstância, uma iniciativa de interrupção do mandato de Bolsonaro.

Que ninguém se preocupe. Lula tem os olhos fixados nas urnas de 2020 e 2022 —e sabe que sua melhor chance é aparecer como única oposição real ao governo.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Folha de S. Paulo: República extinguiu privilégio apenas dos Braganças, diz Murilo de Carvalho

Historiador lembra que regime proclamado em 1889 não incluiu o povo, e democracia ficou ausente até os anos 1940

Fernanda Canofre, da Folha de S. Paulo

BELO HORIZONTE - O pecado original da República, na avaliação de José Murilo de Carvalho, foi não ter incluído o povo. "A República extinguiu o privilégio dos Braganças, mas não conseguiu eliminar os privilégios sociais", afirma o historiador sobre a proclamação que completa 130 anos nesta sexta-feira (15).

"Para os propagandistas, República e democracia eram indissociáveis. Mas a democracia, isto é, a participação popular no sistema representativo, ficou ausente até a década de 1940", diz Murilo de Carvalho, 80, que é cientista político e imortal da Academia Brasileira de Letras.

Em entrevista à Folha, o historiador reflete sobre o caráter autoritário e pouco inclusivo do início do período republicano no Brasil e afirma que, 130 anos depois, nossa república "continua sujeita à interferência 'moderadora' das Forças Armadas".

A ausência de povo, eis o pecado original da República, segundo o senhor. Como e por que o povo não fez parte dela?
A afirmação refere-se à origem de nossa República. Para os propagandistas, República e democracia eram indissociáveis. Mas a democracia, isto é, a participação popular no sistema representativo, ficou ausente até a década de 1940. Até essa data, tínhamos uma participação eleitoral inferior à que existiu até 1881, quando foi introduzido o voto direto. Era uma república patrícia, uma república sem democracia.

Qual o significado de uma República sem povo?
Na Grécia, Roma, Estados Unidos a República convivia com a escravidão e com a exclusão política das mulheres. Mas todo homem livre era cidadão ativo. A partir da Revolução Francesa, no entanto, a democracia passou a ser componente indispensável das repúblicas. No Brasil, a efetiva incorporação de povo, homens e mulheres, no sistema representativo só aconteceu após a queda do Estado Novo. A partir daí houve rápida e massiva inclusão eleitoral de povo. Nossa República não suportou a carga e desmoronou em 1964.

O fato de ela ter vindo por um golpe militar e não por uma revolução mudou o curso dela?
Só Silva Jardim acreditava em revolução do tipo da Francesa e pregava o fuzilamento do conde d’Eu [marido da princesa Isabel, descendente da dinastia Orleans]. Não foi nem avisado do golpe. Ninguém mais, além dele, queria sangue. A busca do apoio dos militares do Exército foi oportunismo dos civis, sobretudo de Quintino Bocaiuva.

O problema dos políticos na primeira década da República foi livrarem-se dos militares. Floriano Peixoto garantiu o novo regime, mas era incômodo por despertar um movimento popular jacobino. A posição dominante entre os republicanos, sobretudo os paulistas, era esperar a morte do imperador e então impedir que Isabel tomasse posse. A transição viria de preferência via Constituinte, solução aceita até mesmo por monarquistas como Saraiva [José Antônio Saraiva, que chegou a ser nomeado pelo imperador para formar um gabinete na madrugada de 16 de novembro mas nunca assumiu].

A partida da família imperial foi antecipada para evitar conflitos. Mas o Brasil é um país violento, sustentou séculos de escravidão e tem sequelas. Qual o papel da violência na nossa questão republicana?
A violência está embutida em nosso DNA, independentemente de regimes políticos. Os dez primeiros anos da República foram violentos: revoltas militares, guerra federalista no Sul, Revolta da Armada e, sobretudo, o terrível massacre de Canudos.

Qual tem sido o papel dos militares na nossa República, visto que vez ou outra eles assumem papel na política?
O papel variou ao longo do tempo. Após a consolidação do regime com Campos Sales até 1930, a participação foi em boa parte antioligárquica, liderada por oficiais subalternos do Exército. Depois do Estado Novo, o papel passou a ser de tutela, quando não de intervenção direta, comandada pela cúpula militar.

Antes da Proclamação da República, tivemos várias repúblicas que não vingaram pelo Brasil. O que lhes faltou?
Eram manifestações locais e provinciais, todas derrotadas pelas armas. A de maior êxito foi a Farroupilha que separou o Rio Grande do Sul por dez anos e terminou por um acordo do Império com os gaúchos. A repressão mais violenta verificou-se em revoltas que envolviam segmentos populares, como a Confederação do Equador, a Cabanagem e, já na República, Canudos e Contestado.

O que os brasileiros desse final do século 19 entendiam então por República?
Os republicanos, sobretudo os paulistas, queriam autogoverno, isto é, eleição dos governantes, e federalismo à moda norte-americana. A monarquia significava privilégio de uma família ou dinastia, marca do antigo regime. A palavra democracia, significando governo pelo povo, fazia parte da retórica, mas em nenhum momento foi ativada.

Esse conceito mudou de alguma forma até 2019?
Hoje é difícil saber o que as pessoas querem dizer quando falam em República, além de um sistema de governo. O conceito confunde-se com o de democracia, como queriam os propagandistas.

Os poucos que ainda o distinguem de democracia corretamente o vinculam a certos valores como a igualdade perante a lei, a ausência de privilégios, o bom governo, o cuidado com o bem público. Nesse sentido, pode-se dizer que há hoje mais democracia do que República e talvez seja este um de nossos principais problemas.

O senhor cita em seus escritos a exclusão pelo voto —de 30,6 milhões de brasileiros, apenas 2,4 milhões podiam votar na virada do século 19 para 20— e, além dele, a questão da abstenção —nas eleições de 1910, chegou a 40%. Qual a importância do voto para uma República?
Segundo a distinção proposta, participação eleitoral tem mais a ver com democracia e menos com República. Hoje, uma não pode existir sem a outra. Democracia sem república, sem bom governo, sem igualdade civil, marcada por clientelismo, patrimonialismo, nepotismo, é frágil. Assim como República sem ampla participação não tem futuro.

Desde 1930, só cinco eleitos pelo voto direto conseguiram concluir seus mandatos [o atual presidente está no primeiro ano de governo]; quatro não completaram a gestão e sete presidentes não foram eleitos pelo voto. Essa democracia é fruto de falhas da República?
É em boa parte fruto da entrada tardia e rápida do povo no sistema político, da democratização da República. A República patrícia não suportou o impacto e recorreu aos militares para conter a onda democrática, aproveitando-se do conflito ideológico que dominava o cenário internacional.

A República está em crise?
Quase todas as repúblicas estão. A nossa continua sujeita à interferência “moderadora” das Forças Armadas.

Como o senhor analisa a questão federativa?
A Federação foi uma das demandas mais fortes dos propagandistas, sobretudo dos paulistas e gaúchos. O federalismo norte-americano era o modelo, embora ele tenha assumido aqui sentido oposto.

Isto é, os federalistas norte-americanos eram os que queriam salvar a união das colônias contra as tendências separatistas afinal adotadas pelos sulistas para garantir a escravidão. O federalismo dos pais fundadores acabou preservando a União e abolindo a escravidão, embora à custa de uma sangrenta guerra civil, ao mesmo tempo em que dava ampla liberdade às unidades federadas.

Entre nós, federalismo e centralização é um debate secular. A enorme desigualdade das unidades da Federação leva a uma grande dependência do governo central que, por sua vez, coíbe iniciativas estaduais.

Por volta de 1627, frei Vicente do Salvador escreve uma citação que virou clássico sobre o Brasil: “nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. O que nos fez assim?
Apesar de ser lugar-comum, não é possível deixar de mencionar a gênese de nossa economia e de nossa sociedade. Não é que o passado nos condene. Mas as sociedades têm biografia, têm valores e práticas arraigadas. Se não, como entender que com tanta desigualdade não tenhamos tido qualquer revolução social? Como entender que com uma das maiores franquias eleitorais do mundo não consigamos produzir políticas redistributivas, limitando-nos ao assistencialismo distributivista?

O Brasil de hoje tem repúblicos?
Nossos repúblicos podem ser contados nos dedos. Olhando pelo ângulo da preocupação com o bem coletivo, só os positivistas ortodoxos do início da República foram republicanos. Até iniciativas republicanas acabam comprometidas. Veja-se a Operação Lava Jato.

Nada mais republicano do que igualdade perante a lei. Rico e poderoso no Brasil nunca ia para a cadeia. A Lava Jato os mandou para lá. Vitória da República. Mas aí vem a denúncia de práticas arbitrárias por parte de promotores e juízes que ameaçam a validade das sentenças. Podemos voltar à estaca zero. Derrota da República.

E nossa República, tem salvação?
Só por milagre de frei Vicente. Temos que avançar aos trancos e barrancos, combatendo sistematicamente as desigualdades na economia e os privilégios na sociedade. A República extinguiu o privilégio dos Braganças, mas não conseguiu eliminar os privilégios sociais.

Temos pela frente o imenso problema de incorporar ao mercado de trabalho os milhões de desempregados, subempregados e não empregáveis. Só uma combinação de República e democracia, de bom governo e inclusão, pode resolver o problema, se ainda tiver solução.

*José Murilo de Carvalho, 80, nascido em Andrelândia (MG), é formado em sociologia e política pela UFMG, mestre e doutor ciência política pela Universidade de Stanford (EUA). Entre suas obras estão “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não Foi” (1987), “A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil” (2003), “O Pecado Original da República: Debates, Personagens e Eventos para Compreender o Brasil” (2017) e "Forças Armadas e Política no Brasil" (2019, 2ª ed.)


Mariliz Pereira Jorge: Lula, o incriticável

Pressão para não criticar o petista teve escalada violenta no debate público

Lula, o incriticável. É isso mesmo. Desde o dia em que o ex-presidente ganhou a liberdade, a pressão para que não se critique o petista e seu partido teve uma escalada violenta no debate público, com o intuito de obviamente calar o debate. Não é a hora de apontar erros, contradições, idiossincrasias, porque a democracia corre perigo, pregam seus partidários.

Bolsonaro e companhia já deram motivos de sobra para acreditarmos que seu caráter é despótico. Mas olha que maravilha. Para resguardar a democracia, defende-se que as pessoas se autocensurem porque não é conveniente bater no partido que os "democratas" acham ser a única alternativa ao autoritarismo do governo atual. Deixa ver se eu entendi, a opção a um governo autocrata é uma oposição que não gosta de quem se manifesta livremente se for contra ela?

Não basta ser crítico ao governo, seus desmandos, seus ministros borra-botas, defender que o STF julgue procedente a suspeição de Sergio Moro. É preciso demonstrar apoio irrestrito ao PT e a Lula para não ganhar o selo de "fascista". Apoiadores ficam indignados quando comparações são feitas às duas principais figuras na política do país. Falsa simetria, gritam. Mas o que não faltam são atitudes que colocam Bolsonaro e Lula dentro do mesmo espectro em que habitam líderes populistas.

Com Lula em campanha pelo país, o seu comportamento de hoje e de ontem voltará a ser passível de escrutínio por parte da sociedade e da imprensa --aquela culpada pela vitória de Bolsonaro, segundo os petistas. O que se vê é que qualquer crítica negativa já começou a ser rebatida com a pobre e infame retórica bolsonarista.

De um lado, "e o PT?", apontam os governistas para tudo o que acontece no país. Do outro, "e o Bolsonaro?", rebatem os apoiadores do lulopetismo quando as opiniões são desfavoráveis. E tem gente que tem a pachorra de falar em falsa simetria entre esses dois extremos.


Bruno Boghossian: Em recado ao governo, deputados querem barrar fim de seguro obrigatório

Insatisfação pode levar bloco majoritário da Câmara a apoiar Bivar contra Bolsonaro

Os partidos que encabeçam o bloco majoritário do Congresso querem derrubar a medida do governo que acaba com o seguro obrigatório de veículos. Num só movimento, os deputados pretendem dar ao Planalto um sinal claro de insatisfação e estabelecer uma barreira ao uso da caneta presidencial como instrumento de retaliação.

O mundo político impôs alguns limites a Jair Bolsonaro desde que ele assumiu o poder, mas a articulação para vetar o fim do DPVAT carrega um simbolismo particular no momento em que o presidente finaliza seu divórcio com o partido que o elegeu.

A medida provisória que extingue o seguro, editada na segunda (11), atinge em cheio uma empresa do deputado Luciano Bivar, grande rival de Bolsonaro na disputa interna do PSL. A canetada do governo pode tirar da Companhia Excelsior de Seguros uma receita estimada em cerca de R$ 5 milhões por ano.

Numa reunião no início da semana, líderes de partidos de centro decidiram trabalhar para derrubar o texto, com o argumento de que o Congresso não dará chancela a uma vingança particular do presidente contra adversários políticos.

A movimentação dos parlamentares é um mau prenúncio para Bolsonaro. Ao fim de um ano de relações turbulentas, o Congresso ameaça ficar ao lado de um desafeto do presidente diante de um cisma que fragiliza ainda mais sua base aliada.

O argumento oficial para o fim da cobrança é o alto custo de operação do DPVAT e o número de fraudes (que é de apenas 2% de todos os pedidos de indenização). Mesmo assim, os parlamentares querem anular a medida provisória ainda neste ano.

Bolsonaro gosta de usar o poder para perseguir críticos e adversários --e o Congresso mostra sua disposição para freá-lo. Na terça (12), senadores rejeitaram a decisão do governo de acabar com a publicação obrigatória de balanços de empresas em jornais. Quando publicou a medida, o presidente insinuou que o objetivo era prejudicar a imprensa. Foi derrotado por 13 votos a 5.


Ruy Castro: Partidos sem sentido

Bolsonaro e Lula já não precisam de partidos. Só precisam um do outro

O Brasil tem 32 organizações para fins comerciais, chamadas partidos políticos. Ou 31 ½, se considerarmos que o presidente Jair Bolsonaro está abandonando o PSL, pelo qual se elegeu, levando 20, digamos, correligionários, com os quais ameaça fundar um novo partido. Como Bolsonaro se diz um cortador de gastos, essa decisão é dúbia. Partidos vivem do dinheiro público. Não seria mais econômico aderir a um dos outros 31 com cujo “programa” se identificasse? Mas, como não fará isso, a única explicação é que, para Bolsonaro, todos os partidos brasileiros são umas porcarias.

E devem ser mesmo, considerando-se que, em sua apagada carreira de 29 anos na Câmara dos Deputados, ele passou por oito deles —pouco mais de três anos em cada um. Ou não gostou de nenhum ou nenhum gostou dele. Talvez Bolsonaro simplesmente não goste de partidos políticos e acredite que, com ele à frente de um Executivo forte, para que partidos, para que política? Combina com seu asco pela democracia —a mesma que lhe serve para fazer sua inconstitucional pregação liberticida.

Lula, por sua vez, nunca saiu do PT, partido que fundou e comanda há 40 anos. Mas isso também não quer dizer muito porque, até hoje, ele não quis formar um só membro capaz de, um dia, sucedê-lo, conduzir suas bandeiras ou apenas ser seu reserva. A prova é que, durante sua temporada em Curitiba, o PT quase se extinguiu, por falta de programa, de lideranças e dos velhos dinheiros escusos. E, agora, o último mote que lhe restava, o “Lula livre”, perdeu a razão de ser.

O novo partido de Bolsonaro não passará de uma marca de fantasia dele próprio, a existir apenas enquanto o chefe achar conveniente. Quanto ao PT, pode-se marcar até a data de sua extinção: o dia seguinte ao do desaparecimento de Lula.

O fato é que Bolsonaro e Lula não precisam mais de partidos. Só precisam —e desesperadamente— um do outro.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Bruno Boghossian: Com Bolsonaro, país pode ganhar um partido de ultradireita

Sigla em criação pelo presidente tende a se tornar veículo para posições radicais

Com Jair Bolsonaro, o país pode ganhar um partido de ultradireita. A legenda que o presidente quer criar surge ancorada em valores reacionários, no populismo e no personalismo puro.

A aparente espinha dorsal da Aliança pelo Brasil coube numa sequência de publicações de Eduardo Bolsonaro. Na primeira frase, o deputado anuncia a criação da sigla com o objetivo de libertar a população "da destruição de valores cristãos e morais". Em poucas linhas, ele repete essa fórmula e encerra com um resumo dos princípios do novo partido: "fé, honestidade e família".

O ensaio de manifesto é carregado de tons messiânicos. Fala no "novo rumo brasileiro" e no que chama de "a verdadeira união com o povo", como se Jair fosse o único capaz de representá-lo. Sem modéstia, cita ainda um "momento histórico" e o "grito solitário" do pai, que passaria a ecoar com a criação da legenda.

Isso, é claro, sem falar na defesa aberta de ditaduras e de torturadores, que os grandes próceres da sigla fazem questão de defender publicamente e a todo momento.

O partido parece se inspirar na Arena (Aliança Renovadora Nacional), que serviu de sustentação para o regime militar. Seu manifesto de 1975 mencionava a união dos brasileiros e uma aliança com o povo, mas não apelava tanto aos valores cristãos quanto Eduardo Bolsonaro.

O partido pode se tornar veículo para a difusão de ideias radicais, a exemplo do espanhol Vox e do alemão AfD. Essas duas legendas ainda brigam pelo poder em seus países, enquanto a Aliança já nasce no topo.

A migração de integrantes do PSL para a nova legenda deve acelerar uma depuração do bolsonarismo e definir em que ponto do espectro político o grupo mais afinado com o presidente passará a operar.

Se apenas os mais fiéis seguirem Bolsonaro, como parece claro até aqui, haverá espaço para posições mais extremadas. Elas tendem a sobressair em ambientes de forte apelo religioso e de fidelidade a um líder que sustenta posições desse tipo.