Folha de S. Paulo

Leandro Colon: Ameaça a Bolsonaro em 2022 tem gabinete na Esplanada

Datafolha mostrou que Moro é a personalidade pública em que os brasileiros mais confiam

O presidente Jair Bolsonaro começou 2020 sem surpreender. Soltou nos primeiros dias do ano frases desconexas, como a do “montão de amontado de muita coisa escrita” nos livros didáticos, e apoiou desnecessariamente o ataque dos EUA que matou um líder militar iraniano.

No sábado (4), passou 55 minutos em uma live em rede social. Falou de assuntos diversos e transpareceu o que tende a ser sua obsessão a partir deste segundo ano de governo: pavimentar o caminho para disputar a reeleição ao Planalto em 2022.

“Tem alguma liderança hoje em dia para 22? Me respondam. Não tem, não tem. Nenhuma liderança sólida para 22”, disse. “Às vezes o cara é muito bom. Aí você vai ver, é bom para ganhar o voto, mas vai chegar na hora e não vai funcionar”, afirmou.

Bolsonaro negará a intenção, porém não é um despropósito vincular as frases acima ao ministro da Justiça, Sergio Moro. Ao dizer que não há um nome sólido para 2022, o presidente não considera que o ex-juiz da Lava Jato esteja pronto para sucedê-lo, apesar da popularidade alta, inclusive acima da do próprio chefe da República, segundo o mais recente Datafolha, e de ser um ministro conhecido por 93% dos brasileiros.

Assim como também declara que alguém com potencial de voto, como Moro indica ser, pode não dar certo.

O mesmo Datafolha mostrou neste domingo (5) que o ministro da Justiça é a personalidade pública em que os brasileiros mais confiam entre 12 figuras do cenário político. Ele supera nomes pesos-pesados, como Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT).

Após a divulgação da pesquisa, com Brasília sob uma garoa chata e ininterrupta, Bolsonaro foi dar uma volta na Esplanada. Rezou na catedral, abraçou e tirou fotos com populares e brincou com crianças.

Logo depois, publicou as imagens em suas páginas. Assim foi também durante a estadia na base naval de Aratu, na véspera do Ano-Novo. O presidente sabe que hoje a maior ameaça à sua candidatura em 2022 não está no campo da esquerda, mas em um gabinete na Esplanada.


Vinicius Torres Freire: Economia do Brasil pode sair da cama e caminhar, se não levar rasteira política

Há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017

Um perigo para o Brasil e o mundo saiu da jaula logo no primeiro dia útil do ano. A metralhadora biruta de Donald Trump atirou no Irã, como se viu. Quanto à vidinha doméstica, como andam as coisas nesta roça?

As perspectivas são ainda medíocres, mas em alta, sem riscos maiores no horizonte, afora os da política, lá fora e aqui.

A agropecuária não faz o país crescer de modo direto e significativo (tem parte pequena no PIB), mas nos mantém de pé.

A previsão mais recente, de dezembro, é de alta de quase 2% na safra 2019/2020, segundo a Conab. As exportações do setor pagam boa parte das contas externas; a alta da produção deve manter os preços da comida sob controle.

Os reservatórios das hidrelétricas estão em mínimas históricas. Mas o sistema tem folga, por causa da recessão, e está mais bem preparado para compensar os danos da seca na produção de eletricidade. Mas, se a chuva continuar pouca, vai haver pressão nos preços, daqui para o ano que vem, o que de resto não é perspectiva boa para quem quer investir.

Por falar em energia, a produção de petróleo e gás enfim começou a aumentar de modo relevante no terço final de 2019. Também não salva a lavoura, claro, não somos um emirado. Mas é outra ajuda para empurrar esta baleia encalhada.

Também na indústria extrativa, a Vale deve elevar sua produção, depois dos desastres assassinos.

Talvez a taxa básica de juros não caia mais, em parte por causa de riscos na energia, mas deve ficar historicamente baixa, um impulso relevante. O real desvalorizado deve dar alguma vida à indústria, zumbi desde 2010.

Mas o mundo não vai dar grande ajuda às fábricas. A Argentina, grande cliente, continuará no buraco, embora talvez não afunde muito mais. A economia mundial, que cresceu em torno de 3,5% ao ano de 2014 a 2018, deve avançar apenas 3% ao ano em 2019 e 2020, sem cair de novo, mas degraus abaixo.

A receita de impostos ainda cresce menos que o Pibinho. Estados continuarão quebrados ou na pindaíba.

O aperto horrendo nas contas públicas federais vai continuar, com encolhimento adicional do investimento “em obras”, que até novembro caía 16% em relação a 2018.

Apesar de “o mercado” festejar de modo tolo ou maluco um possível crescimento sem obra pública, a pindaíba do governo é uma desgraça de curto, médio e longo prazo para a infraestrutura econômica e social.

A construção civil se recupera, mas ainda no buraco profundo em que caiu na recessão. De resto, a construção mais pesada vegeta, por falta de obra pública e porque tão cedo não haverá investimento de monta em instalações produtivas. Enfim, quantas casas as pessoas podem comprar, quanta dívida podem fazer?

O emprego terá melhoria “gradual”, eufemismo de “o mercado” para quase nada, embora aumente a massa de pessoas trabalhando e ganhando pouco, o que, tudo somado, deve acelerar o consumo.

Na política, é preciso ver o que será o Congresso na volta das férias, depois de deputados e senadores sentirem os humores do eleitorado, e o efeito da eleição municipal na geringonça de direita, o “parlamentarismo branco” reformista liberal que toca o país, na ausência de governo articulado.

Em tese, até a campanha eleitoral sai algum conserto extra nas contas públicas, se Jair Bolsonaro não cometer alguma atrocidade aí também.

Enfim, há certa arrumação para o país crescer os tais 2,5%, por aí, estimativa furada desde 2017. A política, aqui e lá fora, é o maior risco.


Cristina Serra: O Porta dos Fundos e o silêncio presidencial

Surge mais um personagem bizarro na já extensa galeria de figuras grotescas

Eis que no apagar das luzes de 2019 surgiu mais um personagem bizarro na já extensa galeria de figuras grotescas que povoam a vida contemporânea brasileira. Trata-se de Eduardo Fauzi Richard Cerquise, um dos responsáveis pelo atentado terrorista à sede da produtora do canal de humor Porta do Fundos.

A folha corrida do sujeito é um passeio pelo Código Penal. Ele foi condenado por dar um soco no secretário de Ordem Pública da Prefeitura do Rio em 2013. Recorria em liberdade. Tem cerca de 20 registros criminais, entre eles: ameaça, formação de quadrilha e agressão à ex-mulher.

Fauzi foi logo identificado, mas, enquanto a polícia discutia se o atentado com coquetéis molotov caracterizava ou não crime de terrorismo, ele postou vídeo nas redes sociais; passou lépido e fagueiro pelos controles do aeroporto internacional do Rio e escafedeu-se para a Rússia, onde supostamente tem uma namorada. Sabe-se também que desde 2001 era filiado ao PSL --partido pelo qual o presidente Bolsonaro se elegeu.

O atentado exumou das catacumbas da história grupos de extrema direita derivados do integralismo, movimento de inspiração fascista que floresceu nos anos 1930 no Brasil. Após a morte de seu criador, Plínio Salgado, nos anos 1970, o integralismo fragmentou-se em pequenos grupos, com os quais Fauzi tem relações. Alguns desses grupos são formados por policiais, ex-policiais e milicianos, segundo o historiador Leandro Gonçalves, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em entrevista à BBC Brasil.

O atentado ao Porta dos Fundos já tem mais de dez dias, e até agora o presidente não deu uma palavra sobre o assunto. Em 1987, quando era capitão, Bolsonaro respondeu a processo judicial, acusado de elaborar um plano terrorista para explodir bombas em quartéis, no Rio de Janeiro. Num julgamento controverso (explicado no livro "O cadete e o capitão", de Luiz Maklouf Carvalho), ele acabou absolvido.

O silêncio presidencial dispensa maiores explicações.


Hélio Schwartsman: Decência democrática

"How to Save a Constitutional Democracy" (como salvar uma democracia constitucional), de Tom Ginsburg e Aziz Huq, que já citei aqui en passant, é mais um livro sobre a onda populista com traços autoritários que vem fazendo aparições no Ocidente. Ele tem, porém, uma diferença que o torna digno de nota. Seus autores são juristas e não cientistas políticos, de modo que se concentram nas regras constitucionais e leis que podem tanto acelerar quanto conter a erosão democrática.

"How to Save..." mergulha nas experiências autoritárias que estão mais avançadas (Venezuela, Hungria, Turquia, entre outras) e mostra os vetores normalmente atuantes no processo de fragilização da democracia. Tenta também extrair lições que sejam úteis para os países que ainda estão no meio do caminho.

Americanos, fieis ao mito do excepcionalíssimo, costumam acreditar que sua vetusta Constituição os protege de regressões, mas os autores discordam. Para eles, a dificuldade de promover reformas constitucionais nos EUA dá um poder desproporcional à Suprema Corte, que não hesita em abraçar velhas doutrinas que dão a última palavra ao Executivo.

Para Ginsburg e Huq, constituições não podem ser nem tão rígidas que não admitam mudanças, nem tão maleáveis que permitam a maiorias de ocasião fazerem o que bem entenderem. Uma das sugestões que dão é a de que emendas constitucionais que tratem de cláusulas pétreas dependam da aprovação de duas legislaturas diferentes.

A dupla oferece vários outros conselhos úteis, mas os autores são os primeiros a admitir que não existe mágica. Desenho constitucional e estratégia política são importantes, mas a democracia exige também uma certa moralidade política, na ausência da qual nenhum remédio jurídico é suficiente. Instituições só funcionam direito se houver um pouco de decência por parte dos atores políticos.

Dou duas semanas de férias ao leitor.


Demétrio Magnoli: Chamado de Trump brasileiro, Bolsonaro não passa de um imitador vulgar

Que ninguém se engane: o espectro da revolta social ronda o ano dois

Jair Bolsonaro é a manifestação brasileira da onda mundial do nacionalismo populista de direita. Bolsonaro é o “nosso” Trump —o “nosso” Orbán, Salvini ou Erdogan. O diagnóstico anterior tem grãos de verdade, mas erra no que é essencial. Ele não serve como bússola para delinear os rumos do governo e, sobretudo, identificar os riscos potenciais que pesam sobre a democracia brasileira.

Bolsonaro macaqueia o discurso de Trump et caterva. Por meio de Olavo de Carvalho e do filhote 03, costurou pactos com a “internacional dos nacionalistas”. Contudo, no fundo, o fenômeno brasileiro é uma singularidade. Ao contrário de seus ídolos, nos EUA e na Europa, Bolsonaro carece de raízes na cultura política nacional. É, para usar a expressão de Roberto Schwarz, uma “ideia fora de lugar”.

Trump et caterva ascenderam na maré de incertezas, angústia e raiva impulsionada pela recessão global e pelas sucessivas crises do euro e dos refugiados. Bolsonaro, por sua vez, foi transportado ao Planalto nas asas de dois acidentes concomitantes: a depressão econômica manufaturada pelo lulopetismo e o colapso do sistema político precipitado pela Lava Jato. Mais: na hora decisiva, o deputado insignificante beneficiou-se do atentado cometido por um desequilibrado. Jamais saberemos ao certo, mas o incidente dentro do duplo acidente pode ter selado o resultado eleitoral.

Um marxista diria que Bolsonaro é um acaso, não uma necessidade histórica. Trump está ancorado nas sombrias tradições americanas do nacionalismo isolacionista (America First), do nativismo étnico e do racismo legalizado. Salvini, Orbán e Erdogan refletem correntes profundas das histórias italiana, húngara e turco-otomana. Bolsonaro, porém, não passa de um imitador vulgar, um importador de línguas estranhas. Não é que faltem, entre nós, as árvores do ultraconservadorismo ou do autoritarismo. É que a versão olavo-bolsonarista dessas ideias não tem registros no nosso passado. A Aliança pelo Brasil, partido clânico, traça as fronteiras de um gueto político.

A algaravia das redes sociais ilude os militantes e engana os analistas. Bolsonaro não dispõe de sólidas bases populares: equilibra-se, precariamente, no disseminado antipetismo e na monumental incompetência do chamado centro político. A erosão da popularidade do presidente, ritmada pela resistência institucional a seus intentos arbitrários e pelas investigações sobre os laços do clã familiar com o mundo das milícias, ameaça solapar os alicerces do governo. Nessas circunstâncias, mais que nunca, Bolsonaro depende de Paulo Guedes.

FHC tinha uma hiperinflação para destruir. O Plano Real abriu-lhe o caminho à massa do eleitorado pobre —e à reeleição. Lula tinha um superciclo de commodities para financiar políticas de subsídio, renda e consumo. As periferias das metrópoles e o Nordeste garantiram-lhe tanto a reeleição quanto o triunfo da sucessora desastrada. Bolsonaro, um acaso eleitoral e uma singularidade ideológica, não tem nada disso. Precisa, já no ano dois, de um vigoroso crescimento do investimento com amplo impactos nas dinâmicas do emprego e da renda.

Paradoxalmente, é na fragilidade estrutural do governo que mora o perigo. O Brasil não é o Chile, mas 2013 foi aqui. Que ninguém se engane: o espectro da revolta social ronda o ano dois. Sebastián Piñera reprimiu, antes de negociar e recuar, seguindo os roteiros do equatoriano Lenín Moreno e do colombiano Iván Duque. Mas, assim como não é o “nosso” Trump, Bolsonaro não é o “nosso” Piñera. Separa-os, sobretudo, o valor atribuído à democracia. Diante do desafio real, o que faria seu governo?

Ideias fora de lugar podem até deitar raízes, conseguindo naturalização e cidadania. O processo exige adaptação —ou seja, mudança e sincretismo. No ano um, porém, aprendemos que Bolsonaro é sempre igual a si mesmo.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Cristina Serra: Suas Excelências e suas mordomias

Maus exemplos no uso do dinheiro público estimulam descrença na democracia

Volto ao tema de reportagem publicada nesta Folha nos últimos dias de 2019 e que, pela importância, deveria ter tido maior reverberação. Refiro-me à viagem do presidente do STF, Dias Toffoli, à cidade de Ribeirão Claro (PR), em avião da FAB e comitiva de 11 pessoas. Toffoli teve como único compromisso na cidade inaugurar o fórum eleitoral local, que recebeu o nome de seu pai.

Como ninguém é de ferro, esticou o fim de semana em um resort de luxo e só deixou a região na segunda, em avião da FAB. A reportagem (de Camila Mattoso, Ranier Bragon e Ricardo Balthazar) mostra um traço enraizado nos costumes de autoridades no país: o uso de patrimônio público em compromissos privados.

A imprensa já noticiou inúmeros casos dessa nefasta interseção. Ocorre-me um, de 2011, também revelado por esta Folha, quando o então presidente do Senado, José Sarney, usou um helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para ir de São Luís até a ilha do Curupu, sua propriedade particular. O uso da aeronave —comprada para atuar em emergências médicas— atrasou o atendimento a um pedreiro acidentado.

As justificativas de sempre, "representação", "segurança" e "serviço", revestem de legalidade o mau uso do patrimônio que deveria servir apenas aos interesses do Estado e dos cidadãos/contribuintes.

No ótimo livro "Um país sem excelências e mordomias", sobre como vivem políticos e autoridades na Suécia, a jornalista Cláudia Wallin conta o caso de uma deputada que se viu no meio de um escândalo, em 2011, porque, ao deixar o Parlamento após sessões que se estenderam até tarde da noite, usou o dinheiro do contribuinte para voltar de táxi para casa em vez de usar o trem.

Maus exemplos no uso do dinheiro público estimulam a descrença na democracia, nas autoridades e nas instituições. O Brasil tem muitas reformas à frente. Talvez a mais importante seja estabelecer uma separação nítida entre interesse público e conveniência de nossas autoridades. Seremos capazes de tal mudança?


Folha de S. Paulo: Sob ataque, movimentos de renovação política colidem com partidos e são copiados

Conflitos aprofundaram racha entre grupos e siglas e vão exigir nova acomodação, dizem líderes

O ano de 2019 começou do jeito que eles sonharam: com recorde de novatos eleitos e a promessa de ambiente favorável a inovações.

Desde então, grupos que pregam renovação na vida pública e ajudaram a impulsionar a oxigenação se depararam com a política da vida real —e vêm lidando com muita cara feia.

Organizações como RenovaBR, Acredito e Livres sofrem ataques e questionamentos de partidos, em um movimento que classificam como reação do status quo a um corpo estranho.

No conflito, já teve legenda que fechou as portas para membros de movimentos, acusação de que as entidades atuam como siglas paralelas e embates na Justiça Eleitoral. Uma guerra que, na visão dos dois lados, só tende a se acirrar, apesar de exemplos de boa convivência aqui e ali.

O estopim da crise foi o voto de dois expoentes desse ecossistema de movimentos na reforma da Previdência, em julho.

Por darem sim ao projeto, contrariando a orientação partidária, Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) foram punidos pelas siglas e agora brigam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para se desfiliarem sem perder os mandatos.

Os dois deputados federais de primeiro mandato integram o Acredito, um movimento de jovens com ramificações pelo país que tem como bandeira o combate à polarização e à desigualdade.

Eles também foram alunos do RenovaBR, iniciativa privada de capacitação de candidatos que elegeu 17 pessoas para o Legislativo na eleição passada, desde Assembleias até o Senado.

As primeiras reações deram o tom da grita. Dirigentes do PDT, entre eles o ex-presidenciável Ciro Gomes, disseram que Tabata era uma infiltrada, servia a dois senhores e integrava partidos clandestinos.

O presidente da sigla trabalhista, Carlos Lupi, repetidas vezes deu declarações no sentido de que o mais democrático seria os ativistas fundarem as próprias legendas e se submeterem às regras do jogo.

As críticas se embasavam na visão de que os dois deputados se posicionaram a favor da reforma previdenciária por influência de patrocinadores das organizações que representam.

O RenovaBR, por exemplo, tem como garoto-propaganda o apresentador Luciano Huck, que é provável candidato à Presidência em 2022 e frequentemente associado ao mercado financeiro. A escola, oficialmente, se declara suprapartidária e sem preferências ideológicas.

Em resposta, o PDT aprovou uma regra para impedir que membros dos movimentos disputem eleições pelo partido. Pela norma, agora o postulante terá que se decidir entre um e outro.

Além do Renova e do Acredito, a restrição atinge integrantes do Agora! (que formula políticas públicas e também tem Huck como um dos porta-vozes) e do Livres (que difunde o ideário liberal e abriga eleitos de variadas filiações).

Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), que não tem a renovação como principal chave, mas agrega políticos com e sem mandato em torno da sustentabilidade, também entrou na mira.

Em manobra parecida, o Partido Novo surpreendeu e frustrou filiados ao incluir, no termo de compromisso dos pré-candidatos de 2020, a determinação de que eles não podem estar vinculados a "movimentos ou instituições que tenham caráter político ou atuação política".

A medida pegou em cheio participantes do Livres que se preparavam para concorrer pela sigla presidida por João Amoêdo, com a qual têm afinidade ideológica.

Outro grupo que guarda proximidade com as pautas do Novo e pode agora ser barrado no baile laranja é o MBL (Movimento Brasil Livre). E a saída apontada pelo Novo é, curiosamente, a mesma do PDT: que a turma da renovação monte seus próprios partidos. Assim, teriam "uma representação efetiva de fato e de direito", ressaltou em nota.

Em outra frente de pressão, a atuação do Renova é questionada perante o TSE, em consulta formulada pelo deputado federal Fausto Pinato (PP-SP).

Ele indaga a corte sobre a legalidade de atividades que em tese são de competência exclusiva dos partidos e quer que o tribunal se pronuncie sobre a intromissão de "instituições para-legais" no processo eleitoral.

Pergunta também que órgão público responde pela fiscalização da associação, sobretudo no financiamento. O curso, que ainda será intimado para se manifestar, sempre disse que sua atuação se restringe ao período pré-eleitoral e respeita as leis.

Depois da ascensão do Renova, legendas como PSDB, PT, Cidadania e PDT reativaram ou reforçaram seus programas de formação política e de atração de quadros.

O PT, por exemplo, que via com desconfiança a adesão de filiados à iniciativa apoiada por Huck, lançou há alguns dias a plataforma Representa, para incentivar candidaturas de esquerda em 2020 e treinar interessados.

Alunos do RenovaBR usam máscaras com o rosto do ex-presidente Lula na cerimônia de formatura do grupo, em São Paulo, no sábado (8); Eduardo Mufarej, fundador da iniciativa, publicou artigo na Folha afirmando que gesto foi 'equívoco isolado' e 'falta de consideração também com os profissionais, professores e apoiadores do RenovaBR' Acervo pessoal

Na avaliação de atores ligados a esse cenário que foram ouvidos pela Folha, a série de rixas dos últimos meses delimitou uma fronteira. Organizações independentes consideram que provocaram um incômodo que obrigou os partidos a se mexerem. E siglas que aproveitaram o capital eleitoral dos novatos agora repensam a aproximação.

O Cidadania tem sido identificado como exceção, já que fez o caminho inverso e mudou seu estatuto para garantir a entrada de membros de movimentos e a presença deles em postos na cúpula da agremiação.

De modo geral, no entanto, os partidos são enxergados pelos ativistas como estruturas arcaicas e sem transparência, que são comandadas por caciques e repelem tentativas de modernização.

A paralisia de um projeto de lei protocolado no Congresso para reverter essa situação é atribuída justamente à falta de interesse da política tradicional. Apresentado em agosto, o texto que propõe reformar o sistema foi construído por uma rede de entidades.

"Precisamos transformar os partidos, pelo bem da nossa democracia", diz Samuel Emílio, coordenador nacional do Acredito. "Falta refletir sobre como aproximar os jovens de verdade das legendas. Isso ninguém conseguiu fazer com qualidade."

PRINCIPAIS ORGANIZAÇÕES

  • Acredito
  • Agora!
  • Livres
  • MBL (Movimento Brasil Livre)
  • Raps (Rede de Ação pela Sustentabilidade)
  • RenovaBR

PARTIDOS X MOVIMENTOS

  • PDT e PSB disparam ataques a filiados que são membros do Acredito, apontando influência da organização no voto pró-Previdência dos parlamentares, que foram punidos
  • PDT e Novo baixaram normas impedindo membros de movimentos de concorrer pelos partidos nas eleições
  • Deputado do PP foi ao TSE questionar legalidade do RenovaBR, escola privada para formar políticos
  • Depois da ascensão do RenovaBR, siglas como PSDB, PT, Cidadania e PDT reforçaram capacitação de filiados e campanhas para mapear novos líderes
  • Cidadania, em gesto favorável, institucionalizou presença de representantes de movimentos em postos de direção da legenda

Fernando Schüler: Pode zoar todo mundo, só não pode chutar a santa

A ilusão é imaginar que a intolerância venha deste ou daquele lado do campo político

Elena Landau disse algo interessante, em uma entrevista recente. Não dá pra ser um liberal pela metade. Isto é, defender a liberdade econômica, mas ser avesso às liberdades no terreno da cultura e dos costumes.

Acho que a Elena quis dizer o seguinte: no plano pessoal, você pode professar a religião que quiser e escolher o tipo de vida que deseja levar, desde que isto não danifique a liberdade dos outros. O que você não pode é usar a força ou recorrer ao Estado para promover suas crenças, sejam elas ligadas ou não à religião.

Não é pouca coisa. Ronald Dworkin escreveu um belo texto, fruto de uma conferência dada no Metropolitan Museum, em Nova Iorque, em que se pergunta se um Estado liberal pode apoiar as artes. Sua resposta é sim, mas com uma condição: apoiar de um modo geral, sem tomar partido por esta ou aquela corrente estética ou visão de mundo.

A Lei Rouanet sempre pretendeu agir desse modo, e não sei se sempre conseguiu. De qualquer maneira recomendo a leitura do texto de Dworkin para o pessoal que lida com cultura, hoje no país.

Essas coisas vão longe. Um estado liberal deveria impedir a ideologização de livros didáticos, deveria proibir o governo de fazer propaganda de si mesmo ou de seus projetos com dinheiro público, deveria se abster de comandar emissoras de comunicação ou escolher a escola em que os pais devem matricular os filhos. E não deveríamos ser obrigados a votar. A lista é longa, e é certo que estamos muito longe disso, aqui pelos trópicos.

Este tema emergiu com força, no Brasil, com a polêmica envolvendo o filme de final de ano do Porta dos Fundos, com o Jesus gay. Afora toda a conversa fiada em torno do filme, que no final imagino lhe ter dado ótima publicidade, a pergunta que ficou no ar é bastante direta: caberia ao Estado fazer alguma coisa para proibir o filme? Há algum delito sendo cometido ali?

Fábio Porchat escreveu um artigo dizendo o seguinte: a lei divina vale para os indivíduos, não para o país. Cada um pode ter a sua própria lei divina. O sujeito pode, inclusive, proclamar a si mesmo como o autor da referida lei (está cheio por aí, em particular nas redes sociais), mas os outros tem direito de zoar do jeito que quiserem. Entendi que o limite que não pode ser ultrapassado é o da violência: pode esculachar, ridicularizar, mas não invadir terreiro, jogar coquetel molotov e coisas do tipo.

O ponto é que, numa sociedade liberal, o critério deve valer para todos. Não dá pra fazer uma listinha e dizer: você pode zoar esses grupos, sejam regionais, étnicos, comportamentais, religiosos, o que for, e esses outros aqui, na coluna da esquerda, você não pode.

Foi por essas razões que os americanos consagraram, ao longo do tempo, a Primeira Emenda à Constituição. O Congresso não criará leis restringindo a liberdade de expressão. Ponto. Imagino que seja um pouco isso que o Fábio queira dizer. Pode zoar todo mundo, sem problemas, só não pode chutar a santa.

O Brasil anda muito longe disso tudo. E não apenas por um problema legal. A revolução digital fez explodir, no mundo da política, o fenômeno das guerras culturais. Passamos a imaginar que alguém, algum grupo de opinião, alguma vertente religiosa, ideológica ou estética vai ganhar o jogo e pautar a vida pública em uma grande sociedade plural, como a brasileira.

Não vai. Essa é a boa notícia. A má notícia é que as pessoas continuarão tentando. A guerra cultural é uma dança sincronizada de pequenos donos da verdade, que se retroalimentam, e a grande ilusão é imaginar que eles pertencem a este ou aquele lado do espectro político.

Sempre acho graça do sujeito que se apresenta como paladino da democracia, campeão da tolerância, da “compreensão do outro”, mas que não pisca o olho pra sair chamando de fascista, e daí para baixo, a quem diverge, mesmo que no detalhe, de sua pequena lei divina de todos os dias.

Não sei se isso irá mudar, algum dia, ou é um fenômeno que veio para ficar, na democracia digital. De qualquer jeito, meu desejo para 2020 é o de um país com menos raiva, que vocifere menos e vá aprendendo devagarinho a rir um pouco mais de si mesmo.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Maria Hermínia Tavares: O ovo da serpente

É hora de usar as leis da democracia para impedir que a serpente do terrorismo saia à luz

Na madrugada da véspera do Natal, coquetéis molotov atingiram o prédio onde funciona a produtora do grupo humorístico Porta dos Fundos, no Rio.

Logo depois, em um vídeo que circulou nas redes sociais, um grupo que se dizia pertencer à “família integralista” reivindicou a autoria do atentado. O vídeo era caseiro: a encenação —tendo como fundo o estandarte da organização, à frente a bandeira do Império do Brasil e um mascarado dando o recado— plagiava mensagens de grupos terroristas.

O texto pueril chamava os humoristas de militantes do “marxismo cultural” empenhados em “destruir o povo brasileiro, suas crenças e seu patrimônio imaterial”. Tudo tão malfeito e patético que o primeiro impulso seria minimizar o episódio, atribuindo-o a um bando de lunáticos, desejosos de exumar a Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, dos anos 1930, importada da Itália fascista.

Afinal, já há algum tempo, grupos do gênero tem existência virtual nas profundidades mais lamacentas da internet, sem consequências perceptíveis. Entretanto ignorá-los seria um erro, pois os dias são outros. O terrorismo está firme e presente no mundo, ombro a ombro com os movimentos sociais de direita em ascensão e o crescimento eleitoral de partidos extremistas, nos Estados Unidos e na Europa.

Seus agentes constituem uma fauna variada formada de supremacistas brancos, islamofóbicos, antissemitas, racistas de todos os naipes ou anti-imigrantes, tendo em comum a prontidão para a violência contra seus alvos. Dados atualizados e análises fundamentadas do fenômeno foram reunidos pelo Start – Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e das Respostas ao Terrorismo, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos (https://start.umd.edu//).

Estudiosos atribuem a multiplicação do terrorismo de direita ao aumento da polarização política e à alta do populismo nos Estados Unidos e na Europa. Também aqui é possível que isso esteja acontecendo, embora os alvos sejam outros: os artistas e todos quantos prezam a liberdade de criação.

A guerra ao chamado marxismo cultural declarada por Bolsonaro, alguns de seus ministros e auxiliares próximos e pelo guru terraplanista da família —que nada sabem nem de marxismo, nem de cultura— pode ter produzido seu primeiro fruto envenenado na véspera de Natal. Como no conhecido monólogo de Brutus, na tragédia “Júlio César” de Shakespeare o que vemos hoje é apenas o ovo da serpente que, “ao ser chocado, há de tornar-se peçonhento”.

É hora de usar as leis da democracia para impedir que a serpente do terrorismo saia à luz.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Elio Gaspari: 2020 poderá filtrar a carga de atraso e mediocridade de 2018

Junto com o novo, veio uma carga de mediocridade e atraso

Começa hoje o ano capaz de filtrar o que o eleitorado quis dizer em 2018 e isso será percebido em outubro, depois da eleição municipal. Houve um voto contra o PT, mas houve também um voto hostil aos políticos. Até aí, nada de novo, mas 2018 elegeu Wilson Witzel (PSC) para o governo do Rio, Romeu Zema (Novo) para o de Minas Gerais e Eduardo Leite (PSDB) para o do Rio Grande do Sul. Todos encarnavam o novo. Dois vinham de partidos nanicos, só Leite vinha do tucanato e só ele tinha experiência administrativa, como prefeito de Pelotas.

Witzel (Harvard fake '15), com sua necropolítica, nada tem a ver com Zema e Leite. (João Doria, que se elegeu pelo PSDB para o governo de São Paulo, ficou no meio termo. Pode assemelhar-se a Witzel às segundas, quartas e sextas e à dupla mineira e gaúcha às terças, quintas e sábados.)

Esses governadores tão diferentes refletiram o resultado geral de 2018. São Paulo elegeu Tabata Amaral para a Câmara e o major Olímpio para o Senado. O antipetismo pode explicar a eleição de todos eles, mas isso não é suficiente. O ronco da rua entronizou tanto o novo como o atraso e é provável que em outubro esses dois ingredientes sejam separados.

Faltam dez meses para o pleito e só uma coisa é certa: as caciquias estão mais perdidas do que surdo em sinfonia. Basta que se acompanhem os jogos de cubos que se armam nas disputas pelas prefeituras do Rio e de São Paulo. No Rio, o novo poderia ser Eduardo Paes, talvez Marcelo Freixo, com a petista Benedita da Silva na vice. Em São Paulo, uma parte do PT sonha com uma chapa de Fernando Haddad e Marta Suplicy. (Uma outra parte sonha em destruí-los, mas não diz o que quer.)

Do outro lado do balcão, onde está o bolsonarismo, a única coisa que se sabe é que em um ano ele se dedicou a brigar em casa. Brigou no palácio, defenestrando ministros e generais da reserva. Brigou no Congresso, implodindo o próprio partido e brigou na rua, demonizando até o governador Witzel. Ganha um mês em Caracas quem souber qual política pública que provocou essas brigas.

Em 2018, Eduardo Leite era um candidato competitivo no Rio Grande do Sul, mas Witzel e Zema entraram na corrida como completos azarões. (Quem estiver disposto a delirar pode se perguntar: o que teria acontecido se o Partido Novo tivesse lançado a candidatura do economista Gustavo Franco ao governo do Rio?)

Depois de um ano de governo do capitão Bolsonaro, estuário de todas as insatisfações de 2018, parece claro que ele consolidou uma base de apoio com sua política de liberalismo econômico no andar de cima e, no andar de baixo, com sua cruzada no campo dos costumes. A paixão da campanha dissolveu-se, e o exercício do poder mostrou a Paulo Guedes que não se prensa o Congresso e a Ricardo Salles que a piromania custa caro ao verdadeiro agronegócio. Bolsonaro mudou pouco, mas não é o mesmo que prometia “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”. Convive com os ativistas, com as instituições e, por menos que goste, até com o Ministério Público.

Em 2018 uma tempestade varreu a política brasileira. No que se supunha que seria o novo, veio junto uma carga de mediocridade e atraso. A eleição de outubro poderá separar o atraso.


Vinicius Torres Freire: O futuro do ciclista de aplicativo e a situação do emprego em 2020

Mercado de trabalho melhora um tico no final de 2019, mas vai mudar muito ainda

Ciclista de aplicativo, bolo de pote e filas imensas de feirão do emprego foram as imagens do mercado de trabalho do ano que acabou de acabar. Quem arruma alguma ocupação ainda é trabalhador “por conta própria”, na linguagem das estatísticas oficiais. Mas, tudo somado, houve sinais de boa notícia nos números de novembro, os mais recentes.

Isto posto, é preciso explicar o que são essas melhorias. Mais ainda, é preciso ter perspectiva para pensar um pouco do que pode ser o mercado de trabalho —a neoprecarização começou bem antes da recessão e vai mudar de cara.

Primeiro, o emprego continua ruim. Mas o salário médio voltou a subir um pouquinho; a massa de rendimentos (a soma do que todo mundo ganha trabalhando), também. É combustível para alguma aceleração do consumo e do PIB em 2020.

O salário médio ficou estagnado (na comparação com o ano anterior) de abril a setembro; a massa de rendimentos crescia apenas 1,8% ao ano em agosto, setembro. Em novembro, crescia a 3%. Parece acelerar.

Segundo, não vai ser possível ter segurança dessas melhorias antes de fevereiro ou de março do ano que vem, quando teremos dados da virada do ano e uma medida do efeito de impulsos (talvez) passageiros, como a liberação do FGTS.

Terceiro, sabemos pouco do mercado de trabalho e menos ainda dessa economia que, parece, sai das ruínas.

Considere-se o último momento de criação de empregos antes da recessão (para os quais há dados comparáveis), de 2012 a 2015. Nesse período, a categoria “por conta própria” cresceu 9,5%; a de “empregador” (quem emprega ao menos um trabalhador), 13,5%; a dos celetistas, 3,4%.

Mesmo nos anos finais do “boom”, o emprego mudava.

Desde 2017, quando passou de novo a haver criação de emprego (sempre em comparações com o ano anterior), o número de “por conta própria” cresceu 7,2%; o de “empregadores”, 2,2%; a de celetistas, 0,9%.

O grosso do emprego novo vem desses três grupos. A diferença maior agora é a escassez de emprego novo com CLT e a aparente falta de oportunidade dos “empregadores” (que talvez sejam “por conta própria” que ora não têm condição de empregar ninguém). Uns 10% dos CLTs devem ser trabalhadores em tempo parcial ou intermitentes.

Quarto, com algum progresso no emprego, talvez falte ciclista de aplicativo. Alguns jovens talvez deixem o mercado com a melhora da situação da família ou arrumem trabalho menos massacrante. De qualquer modo, haverá menos jovens, para pedalar ou para outro trabalho.

De 2012 a 2018, a população de 14 a 29 anos diminuiu mais de 4%; o número dessas pessoas na força de trabalho também diminuiu uns 4%. Deve diminuir ainda mais rápido nos próximos anos, segundo a projeção do IBGE.

O grupo de idade que mais cresce (e vai crescer ainda mais rápido), na população e no mercado de trabalho, é o das pessoas de mais de 50 anos e, ainda mais rapidamente, o daqueles com mais de 60 anos.

Parece razoável acreditar que mais empregos sejam uberizados. Os já uberizados podem criar organizações sindicais ou similares (como começa a acontecer nos Estados Unidos). Mais pessoas vão procurar inventar seu trabalho, por necessidade ou oportunidade. Mais e mais empregos formais são criados na área social (saúde e educação).

O futuro da indústria brasileira é uma incógnita, mas daí não virá muito emprego. A população empregada envelhece de modo notável ano a ano.

Caso a economia melhore um tico, a conversa vai mudar.


Hélio Schwartsman: Proibindo a proibição

A pauta de 2020 do STF é fraca em costumes, mas a questão da doação de sangue dará o que falar

O presidente do STF, Dias Toffoli, não parece muito disposto a entrar nas guerras culturais neste ano. A pauta dos próximos julgamentos que foi divulgada há pouco é forte em questões penais e tributárias e fraca em costumes. A notável exceção é a retomada do juízo sobre a constitucionalidade da proibição de doação de sangue por gays.

Sou simpático ao desejo de homossexuais de não se sentirem discriminados, mas não dá para esquecer que, do outro lado, está o direito de pacientes de ter acesso a sangue com o melhor mix possível de segurança e custo.

Todo sangue doado é testado, para o HIV e outras doenças. O problema está nos falsos negativos e na janela imunológica, que podem fazer com que sangue contaminado não seja detectado. Como as taxas de infecção por HIV são maiores em homossexuais masculinos do que na população geral —19 vezes maior—, o Brasil, a exemplo de vários outros países, prefere excluir do pool de doadores homens que fizeram sexo com homens no último ano.

Se isso fosse tudo, eu penderia para o lado dos técnicos. Bancos de sangue não são o melhor lugar para travar batalhas de direitos civis, se é que a doação pode ser considerada um direito. Acredito, porém, que é possível buscar soluções alternativas.

Uma possibilidade é trocar o critério de exclusão de ter feito sexo com outros homens nos últimos 12 meses por ter feito sexo anal no mesmo período. Com isso, a pergunta se tornaria mais republicana, pois deixaria de dizer respeito só a gays, abarcando toda a população. A segurança estaria em certa medida preservada, já que a mecânica do sexo anal (microlesões que facilitam o contato entre esperma e sangue) é o principal fator a explicar a alta prevalência de HIV entre homossexuais.

Como a tendência do STF é proibir a proibição, é bom já ir testando a segurança dessa e outras variações no questionário, para ninguém ser apanhado de calças curtas.