Folha de S. Paulo
Hélio Schwartsman: De volta ao século 13
Novo presidente da Capes defende criacionismo em contraponto à teoria da evolução
Depois de uma breve escala na Alemanha nazista, o governo Bolsonaro agora nos leva para o século 13. Como o leitor já deve ter adivinhado, falo da nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto para a presidência da Capes, o órgão responsável pela pós-graduação no país.
Aguiar Neto é evangélico. Até aí, nenhum problema. Existem excelentes cientistas religiosos. Um bom exemplo é o do geneticista Francis Collins, cristão devoto que dirigiu o Projeto Genoma Humano e agora comanda o NIH, a agência dos EUA responsável pela pesquisa biomédica. Collins, apesar de já ter escrito um livro religioso, não permite que suas convicções pessoais interfiram em seu trabalho científico.
Aguiar Neto, que é engenheiro eletricista, não segue o exemplo de Collins. Ele defende que o design inteligente (DI) seja ensinado nas escolas “como contraponto à teoria da evolução”.
Os proponentes do DI, vale recordar, tentam refutar o darwinismo afirmando que a vida é complexa demais para ter surgido por acaso. Como “prova”, apresentam modelos matemáticos alimentados com parâmetros escolhidos por eles mesmos e dizem que certas estruturas como o olho ou o flagelo bacteriano são “irredutivelmente complexas”, isto é, teriam uma organização tão intricada que só poderiam ser obra de um projetista inteligente. O DI fracassa na maioria dos critérios de demarcação do método científico. Não é difícil ver aqui a volta dos velhos criacionistas, mas brandindo a calculadora em vez da Bíblia.
Ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aguiar Neto criou ali um núcleo de DI. Faz tanto sentido quanto fundar um departamento de alquimia ou a cátedra de astrologia, mas o Mackenzie é uma instituição privada e confessional. Se quer passar ridículo perante a comunidade científica, é problema seu. Já a perspectiva de o poder público impingir à garotada criacionismo travestido de ciência esbarra em graves questões éticas e constitucionais.
Leandro Colon: Weintraub já estaria fora do MEC se houvesse meritocracia no governo
O ministro mais falastrão é o que transformou a pasta em palco de ineficiência
O discurso de que a meritocracia seria um pilar do governo Bolsonaro tem falhado no Ministério da Educação, uma das pastas mais importantes da Esplanada.
Faltam argumentos defensáveis em relação à gestão de Abraham Weintraub. Se o critério de meritocracia fosse sério, ele já teria sido demitido do cargo. O ministro mais falastrão é também o que transformou o MEC em um palco de ineficiência.
Os graves erros na correção das notas do Enem e as falhas no Sisu mancham um exame nacional que se consolidou, ao longo dos anos, como a ferramenta de ingresso de jovens nas universidades federais.
No ano passado, foram 5,1 milhões de inscritos na prova. Apenas 11,5% deles tinham acima de 30 anos. Dos participantes, 2,8 milhões foram isentos de pagar a taxa de inscrição devido a critérios de baixa renda.
O Enem é realizado, portanto, por uma maioria de jovens de famílias pobres que encontram no exame uma chance de ascensão profissional e, sobretudo, social. O governo não tem o direito de falhar com eles.
Ações judiciais foram protocoladas em resposta aos problemas. Além do susto e da frustração em receber notas erradas, o estudante se deparou com o acesso ineficaz ao Sisu.
Algumas liminares obrigaram o governo a revisar notas de inscritos. Decisão da Justiça Federal barrou a divulgação do resultado da seleção.
No dia 18, após surgirem as primeiras inconsistências no Enem, Weintraub publicou um vídeo tocando gaita ao lado do irmão Arthur, assessor especial do Palácio do Planalto.
Enquanto sua gestão é um vexame, o ministro da Educação gasta tempo com gaita, stand-up comedy de guarda-chuva, ataques à imprensa e retóricas ideológicas nas redes.
Jair Bolsonaro até agora não se manifestou sobre a bagunça no MEC. A crise não é sobre uma declaração polêmica ou um gesto de viés autoritário, episódios comuns no governo.
Desta vez, trata-se de algo que mexe com os sonhos de milhões de pessoas que apostam no Enem como a maior oportunidade de realizá-los.
Hélio Schwartsman: A arma fatal
Livro mostra como ideias de economistas foram implantadas e produziram consequências
Começo com uma piada. Dois dignitários assistem a uma parada militar, na qual desfilam soldados, tanques e mísseis. No final, aparece um caminhão com alguns civis maltrapilhos sobre ele. "Quem são?", pergunta a primeira autoridade. "Economistas", responde a segunda. E completa: "Você não acreditaria no estrago que eles podem causar".
Os mais novos talvez não acreditem, mas, até o início dos anos 50, havia poucos economistas trabalhando para governos e eles quase nunca eram ouvidos pelos dirigentes. Estavam lá para fazer contas. É principalmente a partir de 1969 que passam a desempenhar papel central na definição de gastos públicos, impostos e desregulamentação, levando à globalização, que coleciona alguns sucessos e um bom número de fracassos.
"The Economists' Hour" (a hora dos economistas), de Binyamin Applebaum, conta essa história (e também a piada). O livro mostra como as ideias de gente como John Maynard Keynes, Milton Friedman, Alan Greenspan, Martin Anderson, Paul Volcker, George Shultz e Robert Mundell, entre outros, chegaram aos ouvidos do poder, foram implantadas e produziram consequências.
Applebaum não trata só de macroeconomia. Embora descreva com detalhes a quebra do padrão ouro e outros momentos decisivos que forjaram o ambiente econômico em que vivemos, ele mostra também como economistas foram decisivos para acabar com o serviço militar obrigatório nos EUA e para desregulamentar o setor aéreo, tornando o avião um meio de transporte acessível não apenas para os ricos.
Na análise de Applebaum, mesmo antípodas ideológicos como Keynes e Friedman têm mais semelhanças do que diferenças. Suas intervenções decerto contribuíram para aumentar o nível de prosperidade global, mas a fé na virtude de mercados pouco regulados provavelmente foi longe demais e vai deixando um rastro de desigualdade econômica que ameaça a saúde da democracia liberal.
Bruno Boghossian: E se a população não liga para a democracia?
Muitos grupos aceitam a erosão desses princípios em troca de benefícios
Os húngaros estavam aborrecidos quando decidiram levar Viktor Orbán de volta ao cargo de primeiro-ministro, em 2010. Uma pesquisa do ano anterior mostrava que só 1% da população dizia estar muito satisfeita com a democracia do país, enquanto os insatisfeitos eram 76%.
O político de extrema direita explorou essa desilusão como terreno fértil para implantar um programa que concentrou poderes em suas mãos. Ele cerceou o Judiciário, impôs controle sobre a imprensa e usou o governo para perseguir adversários.
A escalada autoritária ocorreu à luz do dia, mascarada sob o populismo e o nacionalismo. Reeleito duas vezes, Orbán hoje comanda um regime autocrático. Boa parte da população não liga: a última pesquisa Eurobarômetro mostra que 58% dos húngaros estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a democracia no país.
A última década carrega exemplos do perigo representado pela erosão gradual dos princípios democráticos. Esses valores deveriam ser inegociáveis, mas muitos grupos aceitam fazer concessões graves em troca de alguns benefícios.
A apatia de banqueiros e empresários brasileiros diante de sinais autoritários e flertes hitleristas é só uma amostra. Ainda que parte da população demonstre repulsa a esses gestos, a deterioração da democracia muitas vezes acaba absorvida.
Na Hungria, o governo conseguiu vender a destruição das liberdades num contexto de guerra cultural, de promessas de melhora do mercado de trabalho a partir do tratamento desumano de imigrantes e de entrega de resultados econômicos.
Algo semelhante aconteceu na Venezuela: nos anos de explosão do PIB, quando Hugo Chávez começou a implantar seu programa autoritário, quase 60% da população se dizia satisfeita com a democracia. Sob a recessão brutal dos últimos anos, esse patamar ficou na casa dos 10%.
Não é coincidência que tantos demagogos nutram sonhos absolutistas. Denunciar suas manobras é a única maneira de evitar que esses golpes sejam vistos como algo aceitável.
Vinicius Torres Freire: Sem oposição, direita se dá até o luxo de brigar e discutir 2022
Sem oposição, direitistas e Bolsonaro ignoram crise social e discutem 2022
O bolsonarismo tentou fritar Sérgio Moro. No fim das contas, parece que Jair Bolsonaro corre o risco de acabar frito por Moro. A paranoia do presidente com frequência antecipa discussões e ações relativas à distante eleição de 2022, como ocorreu na semana que passou: bateu em Moro, mas levou.
Viu-se que o ministro tem apoio bastante para fazer com que Bolsonaro guarde a pistola no saco. Afinal, Moro e seu partido lavajatista podem rachar a direita mais extrema e, no limite, complicar a reeleição. Sabe-se lá se o ministro da Justiça tem fumaças de candidato, mas o mero risco de que se lance pode reorganizar os times do jogo de 2022, que começa a ser jogado, como se o país não estivesse ainda em ruínas.
Luciano Huck, como se viu, fez o primeiro pré-lançamento de sua candidatura, em Davos, para plateia de coluna social, “poucos e bons”. Discute-se como Rodrigo Maia pode se encaixar em um projeto 2022. Etc.
Claro que esse assunto rende porque é flor do recesso, porque o ano político não começou propriamente. Mas não só por isso: é porque não há quase qualquer outra política. A crise social e os vexames do governo Bolsonaro não estão em pauta em parte porque a oposição está morta, catatônica ou com Lula livre na praia. Filas do INSS, vexames no Enem, ministros enrolados, salário mínimo sem aumento, emprego precário, nada disso se torna assunto político de dimensão relevante nem campanha de desgaste do presidente. Ao contrário.
A popularidade de Bolsonaro deixara de cair no terço final de 2019. Agora, há indícios de que sobe. Sem um desastre criminal de monta (caso Flávio-Queiroz) ou atrocidade nova e grande do governo, é razoável esperar que o prestígio do presidente possa subir mais. Decerto Bolsonaro e equipe econômica ainda têm de empurrar goela abaixo de parte do país reformas duras (arrochão do funcionalismo, mexidas desagradáveis em impostos etc.). No entanto, as reformas trabalhista e previdenciária passaram quase sem um pio.
Embora muito devagar, a economia parece melhor. O resultado do emprego formal de 2019 foi apenas passável, medíocre, apesar da festinha dos governistas oficiais e oficiosos, na política, na TV e na finança. A precarização do emprego formal aumentou. Mas, no conjunto, há progresso e uma discreta aceleração no mundo do trabalho, desde novembro. Além do mais, a turma de Bolsonaro aprendeu um pouco de governo e tende a ser mais esperta e eficaz neste 2020. Em resumo, a esquerda pode ser atropelada se acreditar, sem mais, que o carro da economia não vai andar.
Alguns governadores de esquerda mais atilados perceberam o risco do imobilismo e da negligência burra de esperar que o governo e a economia caiam de podre. Tentam se mover a fim de evitar o isolamento político e social. Até agora, não há sinal de que Lula e seu PT (é posse dele, certo?) vão abandonar a estratégia de “polarização” (isto é, se garantir no segundo turno de 2022 contra Bolsonaro).
Mas esse movimento de governadores é quase nada, não mexe com bases nem tem programa de ataque ao governo federal. A bola continua tocada entre a centro direita e a extrema direita, as quais, nessa apatia geral do “campo popular e progressista”, têm o lazer de discutir arrochos e 2022 quase sem serem amoladas ou sem risco maior de serem punidas por inabilidade política grotesca, tal como a crise Bolso-Moro.
Hélio Schwartsman: Delícias do pecado
Guedes articula uma ideia inteligente, mas Bolsonaro está preocupado com o preço da sua cerveja
Bastou Paulo Guedes articular uma rara ideia inteligente sobre a reforma tributária —a adoção do "imposto do pecado", isto é, de alíquotas maiores para produtos com impacto social negativo, como cigarros e bebidas alcoólicas ou açucaradas-- para o presidente Jair Bolsonaro desautorizá-lo: "Ô Paulo Guedes, eu te sigo 99%, mas aumento no preço da cerveja, não".
Ao preocupar-se mais com a conta do bar do que com as contas públicas, o presidente desdenha da mais formidável ferramenta governamental para promover a virtude, que são os tributos. E digo "formidável" com convicção, já que a carga de impostos que incide sobre cada produto permite promover pequenas revoluções comportamentais de forma relativamente rápida e sem recorrer a medidas autoritárias como a proibição.
Para dar um exemplo, a elevação dos tributos sobre o cigarro teve um papel importante na redução da prevalência de fumantes no Brasil, que passaram de 35% dos adultos em 1989 para menos de 15% em 2013 ""e ninguém precisou ir para a cadeia. Mais, com o aumento dos impostos pagos por fumantes, que passaram a arcar com uma fatia maior dos custos que o tabagismo gera, a repartição da fatura ficou menos injusta.
Essas são ideias sobre tributação que defendo há bastante tempo. A leitura do excelente "Capitalism, Alone", de Branko Milanovic, me fez ver que o impacto pode ser ainda maior, afetando a própria arquitetura da sociedade.
Milanovic mostra que a uniformidade de comportamentos é a base moral da seguridade social. Em sociedades mais complexas, onde diferentes grupos têm diferentes hábitos, que resultam em maior ou menor uso dos serviços públicos, a percepção de que a conta não é distribuída de forma equânime frustra a adoção de regimes de "welfare state" mais generosos. "Impostos do pecado" podem ajudar a corrigir isso.
Bolsonaro, porém, está mais preocupado com o preço da sua cerveja.
Demétrio Magnoli: Decisão de Fux sobre juiz das garantias ilumina os contornos do Partido de Moro
Inimigo dissimulado talvez revele-se mais perigoso para a democracia que o inimigo declarado
A alfabetização básica proporciona a leitura da mensagem direta, explícita e superficial, de um texto. Nesse registro, a liminar de Luiz Fux suspendendo a instituição do juiz das garantias foi lida como evidência do ativismo judicial, da incapacidade do STF de operar como corpo único e da sua inclinação a produzir incerteza jurídica. A alfabetização funcional propicia a interpretação do sentido profundo de um texto. Nesse registro, o ato de Fux deve ser decifrado como elemento da campanha presidencial de Sergio Moro.
A inclusão do juiz das garantias na Lei Anticrime nasceu da Vaza Jato. As provas do conluio entre Moro e os procuradores da força-tarefa evidenciaram o desprezo do juiz por seu juramento constitucional de submissão às tábuas da lei —e o perigo de subversão do sistema judicial. Os parlamentares agiram para assegurar a separação entre Estado-acusador e Estado-julgador, um pilar fundamental da democracia. “In Fux we trust”, escreveu Moro a seu comparsa Deltan Dallagnol numa das mensagens que vieram a público. A decisão monocrática do ministro do STF —um desafio a seu pares, ao Congresso e à separação de Poderes— atesta a confiança nele depositada. Mais que isso: ilumina os contornos do Partido de Moro.
Rússia, Turquia, Hungria e Venezuela contam-nos uma mesma história: a transição do governo populista ao regime autoritário passa, invariavelmente, pela politização do sistema judicial. A Justiça deve render-se à política, para calar as vozes dissonantes. Os diálogos expostos pela Vaza Jato mostraram que Moro e os procuradores não só operavam como parceiros mas também acalentavam um projeto de poder. Quando o juiz com causa metamorfoseou-se em ministro da Justiça, a articulação emergiu à luz do Sol. Moro, o homem que prometeu não se reinventar como político, traía sua palavra pela segunda vez.
Notícias periféricas desnudam as dimensões da articulação. As reclamações ao STF contra o juiz das garantias partiram do PSL, o antigo partido de Bolsonaro, de duas associações de juízes (Ajufe e AMB) e de uma entidade profissional do Ministério Público (Conamp). Numa nota oficial, Moro celebrou a liminar de Fux. Os elogios salpicaram algumas páginas de jornais assinadas por devotos do ex-juiz e as páginas eletrônicas de blogueiros fieis. O Partido de Moro compõe-se de uma sigla partidária e de porta-vozes midiáticos informais —mas, sobretudo, de organizações corporativas de juízes, promotores e procuradores.
Há tempos, a política infiltrou-se nos domínios do Ministério Público. Abertamente, no seu interior, organizaram-se “partidos” de esquerda (MPD, Ministério Público Democrático, fundado em 1991) e de direita (Ministério Público Pró-Sociedade, fundado em 2018). O primeiro, que sofreu uma cisão em 2016, circula na órbita ideológica do PT. O segundo, que apoiou a candidatura de Bolsonaro, gira no campo gravitacional do ministro da Justiça.
As implicações da politização do MP estão à vista de todos: o procurador Wellington Marques de Oliveira, que oferecera uma denúncia vazia contra Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, agora reincide na prática da intimidação. O procurador sem limites mira o jornalista Glenn Greenwald, protagonista da Vaza Jato, tentando transformar em crime a exposição de verdades inconvenientes. Sem surpresa, o Ministério Público Pró-Sociedade saiu em defesa do gesto de abuso de autoridade. O Partido de Moro instrumentaliza o sistema judicial antes mesmo de chegar ao poder.
A democracia traça uma fronteira nítida entre as esferas da Justiça e da política. Moro saltou, legitimamente, de uma a outra para, ilegitimamente, demolir a muralha que as separa. Bolsonaro, o nostálgico da ditadura militar, o adulador de torturadores, é um inimigo declarado da democracia. O inimigo dissimulado talvez revele-se mais perigoso.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Vinicius Torres Freire: Por nada, Bolsonaro cria mafuá na direita e risco de dificuldades políticas
Presidente inventa crises do nada, um problema em ano parlamentar curto
O ano político nem começou, mas Jair Bolsonaro tomou a iniciativa de abrir a porteira para uma crise que até então pastava nas internas do governo. A ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública animou o mafuá na direita, soltou a manada que quer atropelar Sergio Moro e explicitou a disputa pela polícia e pela espionagem federais.
Pode dar em nada ou apenas em uma avacalhada em Moro a fim de mostrar "quem é que manda". Seja como for, o sururu interno mostra como o governo cria tumultos quase de graça, que podem ser daninhos em um ano parlamentar curto, de eleição.
A filhocracia quer a Polícia Federal sob controle direto do Planalto e incrementar a espionagem. Carlos Bolsonaro, o 02, quer colocar o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, seu próximo, na direção da PF. Difícil que tenha sucesso, mas trata-se de parte de seu projeto de influenciar a comunicação, a polícia e a inteligência do governo.
Parece ridículo esse negócio de espionagem, de Abin ou o que mais inventarem, mas é um assunto real no Planalto. Já incomodou militares no início do governo e começa a incomodar de novo, se por mais não fosse porque o filho 02, Carlos, tem a capacidade de derrubar generais.
Outros amigos de Bolsonaro pai e gente da cozinha do Planalto querem levar Anderson Torres, secretário de Segurança do Distrito Federal, para o comando da PF. Torres quer o novo ministério.
Ministros do Planalto querem a PF e parte do ministério de Moro porque pretendem: 1) dar "agilidade" à política de segurança pública; 2) identificar o possível sucesso de tais políticas diretamente com Bolsonaro, sem deixar casquinha para Moro.
A esse respeito, convém notar que o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, é alguém que tenta colocar alguma ordem política, administrativa e jurídica nos assuntos do governo. É de confiança de Bolsonaro, uma raridade, tem parte na recriação do Ministério da Segurança e, decididamente, na mudança da direção da Polícia Federal.
O bolsonarismo parlamentar rachou com a crise do PSL. Os pesselistas remanescentes são moristas. A tropa parlamentar que ficou com Bolsonaro, muitos líderes da bancada da bala e os amigos policiais do presidente querem recriar e ocupar a Segurança Pública.
Pelo menos um ministro que trabalha no Planalto diz que Bolsonaro não deu sinal de que vá tomar decisão alguma, mas "deixou que o debate fosse reaberto". Pode dar um cala-boca geral a qualquer momento.
Como está óbvio, trata-se de disputa de cargos, de prestígio político e de cálculo eleitoral (evitar proeminência ainda maior de Moro). Em tese, é política politiqueira ou palaciana de costume. Porém, desembestadas, como agora, tais crises criam desafetos e divisões daninhas em demasia. Não é boa ideia para um governo sem articulação parlamentar.
Entre março e julho, parte do governo pretende aprovar as emendas constitucionais que cortam gastos a fundo, mexendo com servidores. Quer aprovar alguma reforma tributária e até mexer em imposto que vai deixar fula a indústria de comida e bebida. É pouco tempo.
Quer fazer tudo isso enquanto as milícias digitais batem em Rodrigo Maia, que, por sua vez, continua podando asinhas várias do governo.
Maia tem seu programa, que é o da elite econômica e, sem mais, não vai criar problema. Mas não é prudente forçar a amizade e, de resto, Maia é liderança parlamentar, não dono de rebanho. Se os humores mudam, ele não pode fazer grande coisa.
Hélio Schwartsman: Denúncia suspeita
É importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado
A denúncia oferecida pelo procurador Wellington Oliveira contra o jornalista Glenn Greenwald no caso do hackeamento de autoridades é escandalosamente frágil. Ela é fraca não apenas no plano jurídico mas principalmente no lógico (não dá para participar de um crime depois que ele já foi consumado). A crer nas avaliações de especialistas, é pouco provável que a iniciativa prospere.
Dado o papel central de Greenwald na divulgação das mensagens que abalaram o prestígio da Lava Jato, acho difícil escapar da suspeita de que o corporativismo motivou a denúncia. Se fosse de fato esse o caso, estaríamos diante de um lastimável desvio de função, em que um procurador se vale do poder do qual foi investido para fazer avançar duvidosos interesses de classe em vez dos da sociedade. Pior, fá-lo buscando enfraquecer uma instituição, a liberdade de imprensa, que é importante para a democracia.
O mundo, porém, é um lugar complexo, que esconde efeitos paradoxais. O filósofo John Stuart Mill defendia a tese de que as más ideias precisam circular livremente para que sejam confrontadas com as boas e estas possam triunfar no debate público. Algo semelhante vale para o Direito.
Ações destrambelhadas de juízes e procuradores, embora essencialmente condenáveis, podem, se forem revertidas de forma rápida e veemente, produzir o efeito contrário ao pretendido pela autoridade usurpante. Foi o que vimos quando o STF cassou diligentemente a decisão do desembargador que proibira a exibição do especial do Porta dos Fundos. A ideia vencedora aí foi a de que a censura não é tolerável. De modo análogo, uma contundente rejeição da denúncia contra Greenwald significará que a Justiça brasileira está comprometida com a imprensa livre.
Num momento em que até a cúpula do Judiciário se vê avariada pela polarização, seria importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado.
Bruno Boghossian: Bolsonaro e Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito
Presidente tenta atordoar personagem que enxerga como ameaça, mas pode irritar sua base
Jair Bolsonaro e Sergio Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito político. Apesar das eventuais homenagens de um e das recorrentes mesuras de outro, presidente e ministro parecem cada vez mais dispostos a mergulhar numa disputa de poder inevitável.
Ainda que tenha sido divulgada apenas como uma ideia em estudo, a redução dos atributos de Moro com a possível recriação do Ministério da Segurança mostra que Bolsonaro está disposto a enfrentar o integrante mais popular de seu governo.
O presidente faz questão de turbinar a propaganda oficial que ostenta as estatísticas de redução de crimes violentos, mas indicou claramente que poderia tirar esse brinquedo das mãos do subordinado.
Empacado na pauta anticorrupção (sabotada pelo presidente, aliás), Moro abraçou a bandeira da segurança. Bolsonaro poderia ter dito apenas que as coisas vão bem. Preferiu participar ativamente das discussões e dar combustível ao plano encampado por secretários estaduais.
Embora o ministro seja considerado intocável por parte considerável da base bolsonarista, o presidente não demonstrou nenhum receio em contrariá-lo. “Lógico que o Moro deve ser contra”, antecipou-se.
Desde que Moro disse “sim” e entrou no governo, Bolsonaro insiste em dar sinais de que é o dono do passe do subordinado. Disse haver um compromisso para indicar o ministro à primeira vaga aberta no STF em seu governo, mas recuou. Depois, tascou um “quem manda sou eu” ao ameaçar demitir o chefe da Polícia Federal, atropelando o auxiliar.
O presidente quer manter Moro na rédea curta. Ora sinaliza que o ex-juiz seria um vice dos sonhos em 2022, ora indica que ele pode ser seu sucessor em 2026, mas dá outros recados quando o ministro demonstra estar confortável no mundo político.
Bolsonaro age para atordoar um personagem que o ameaça, mas esses choques também desgastam sua imagem entre os seguidores de Moro. Se o ministro decidir enfrentar o chefe, o presidente terá problemas.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro estuda recriar pasta e esvaziar funções de Moro no governo
Recriação do Ministério da Segurança seria mais uma derrota do ex-juiz da Lava Jato desde que chegou ao governo federal
Talita Fernandes, da Folha de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro voltou a falar nesta quinta-feira (23) sobre a possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública. Se isso ocorrer, segundo ele, o ministro Sergio Moro permanecerá à frente da pasta da Justiça e perderá a sua principal bandeira até aqui: a queda nas taxas de homicídios, tendência iniciada ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e acelerada agora.
"Se for criado, aí ele [Moro] fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança", afirmou Bolsonaro, ao deixar o Palácio da Alvorada pela manhã, antes de embarcar para uma viagem à Índia.
A declaração foi feita um dia depois de um o presidente ter dito em encontro com secretários de segurança pública que vai estudar reformular a estrutura ministerial.
"É comum receber demanda de toda a sociedade. E ontem [quarta-feira] eles [secretários] pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. Estudado com o Moro. Lógico que o Moro deve ser contra, mas estudado com os demais ministros."
"O Rodrigo Maia [presidente da Câmara] é favorável à criação da Segurança. Acredito que a Comissão de Segurança Pública [da Câmara] trabalhou no passado, também seja favorável. Temos que ver como se comporta esse setor da sociedade para melhor decidir", disse.
Se o Ministério da Segurança for recriado, a pasta hoje comandada por Moro sofrerá novo esvaziamento. Desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2019, o ex-juiz da Lava Jato já viu seu poder ser reduzido quando perdeu o antigo Coaf, rebatizado de UIF e subordinado atualmente ao Banco Central.
Moro poderá perder ainda a Polícia Federal, que responde administrativamente à Justiça. No desenho anterior do Ministério da Segurança, na gestão Temer, o órgão passou a ser vinculado à pasta.
Então juiz da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, Moro foi convidado por Bolsonaro logo após sua vitória. Ele chegou ao governo com a promessa de que assumiria um "superministério" com a missão de reforçar o combate à corrupção.
Apesar do desgaste, segundo o Datafolha, Moro se consolidou como o ministro mais bem avaliado no primeiro ano do governo Bolsonaro, com apoio popular maior do que o do próprio presidente.
Entre os que dizem conhecê-lo, 53% avaliam sua gestão no ministério como ótima/boa. Outros 23% consideram regular, e 21%, ruim/péssima. Já Bolsonaro tem indicadores mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.
Nos bastidores do Planalto o nome do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) começou a ser cotado para assumir uma eventual pasta de Segurança. Com discurso pró-armas e ex-integrante da bancada da bala da Câmara, Fraga é amigo pessoal de Bolsonaro desde os tempos em que ambos eram parlamentares e com quem mantém estreita relação até hoje.
METAS DA SEGURANÇA
Após pouco mais de um ano no Palácio do Planalto, Bolsonaro ainda não tirou do papel mais da metade das promessas que fez para reduzir a violência e a criminalidade no país.
A segurança pública foi a grande aposta da campanha bolsonarista e é um de seus trunfos para alavancar uma reeleição em 2022. Até agora, no entanto, só foram cumpridas 4 das 18 metas para a área anunciadas por Bolsonaro. Outras três começam a ser postas em prática.
Continuam na gaveta propostas como acabar com as audiências de custódia (que garantem o encontro entre a pessoa presa e um juiz em até 24 horas); reduzir a maioridade penal para 16 anos; construir presídios; tipificar ações do MST como terrorismo; usar as Forças Armadas contra o crime organizado; e gravar no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, o nome de policiais mortos.
Outras metas estão travadas no Congresso, como diminuir de 25 para 21 anos a idade mínima para obter acesso a armas. Por enquanto, os parlamentares só permitiram a aquisição de armamento mais cedo em área rural.
Outra pauta emperrada é a do excludente de ilicitude para policiais, que apareceu no pacote anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. O trecho que isentava policiais que matassem em serviço de responder à Justiça em caso de “medo ou violenta emoção” foi retirado pelos deputados antes de o projeto ser aprovado no Congresso sem as principais bandeiras bolsonaristas.
A atual gestão tem destacado a aceleração na tendência de queda no índice de homicídios nos primeiros oito meses do ano. Dados preliminares do governo indicam que a redução está na casa de 20%.
Se confirmados esses dados quando houver consolidação das ocorrências no ano, isso significa que deixaram de ser mortas 7.000 pessoas em comparação com 2018. Caíram também latrocínios, roubos de carga, veículos e a banco. Os índices têm sido comemorados por Moro como mérito da gestão bolsonarista.
Ainda nesta quinta-feira, Bolsonaro revogou um decreto de 2000, editado na gestão de Fernando Henrique Cardoso, que permitia que o ministro da Justiça pudesse decidir sobre a expulsão de estrangeiros do país. O ato tem validade imediata e também é assinado por Moro também.
A decisão de expulsar um estrangeiro do território brasileiro é de competência do presidente da República, mas desde 2000 essa prerrogativa havia sido estendida também para o chefe da Justiça.
Consultado, o Ministério da Justiça afirmou que trata-se apenas de “limpeza normativa” e que pela Lei de Migração, de 2017, a competência já era da Justiça. A pasta informou ainda que o decreto foi editado a pedido do ministro.
Em outubro do ano passado, após sofrer críticas, Moro recuou de uma portaria sobre regras de deportação de estrangeiros considerados perigosos pelo governo brasileiro.
A primeira portaria, editada em julho, previa a deportação sumária em até 48 horas. Já o texto de outubro amenizou a legislação e estendeu de dois para cinco dias o prazo de apresentação de defesa, ou seja, de deportação sumária.
A primeira portaria foi editada em julho em meio às divulgações do site The Intercept Brasil, que revelou, em trocas de mensagens privadas entre o ex-juiz da Lava Jato e procuradores da força tarefa, ingerência do atual ministro da Justiça sobre as investigações da operação.
O jornalista americano Glenn Greenwald, do Intercept Brasil, é cidadão dos Estados Unidos e mora no Rio de Janeiro. Ele é casado com um brasileiro, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos, também nascidos no país.
Mesmo sem ter sido investigado, Glenn foi alvo de uma denúncia do Ministério Público Federal nesta semana.
RECUOS E DERROTAS DO SUPERMINISTRO
Polícia Federal - Bolsonaro anunciou que Ricardo Saadi seria substituído por Alexandre Silva Saraiva na Superintendência da PF no RJ. A direção da PF, contudo, havia escolhido o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco.
O anúncio de Bolsonaro foi malvisto pela corporação como uma interferência do presidente em assuntos internos. Desde então, Bolsonaro deu diversas declarações reforçando a intenção de intervir na Polícia Federal. Também alfinetou Moro ao afirmar que cabe a ele, e não ao ministro, fazer nomeações no órgão.
Mensagens da Lava Jato - Mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, revelam que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, aconselhou e colaborou com a Procuradoria. Segundo a lei, contudo, um magistrado deve se manter imparcial diante das partes de um processo.
Confiança de Bolsonaro - Após a divulgação das primeiras mensagens, em junho, Bolsonaro deu declarações de apoio ao ministro, mas também disse que não existe 100% de confiança.
Destruição de provas - Logo que a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackear autoridades e captar suas mensagens no aplicativo Telegram, Moro disse que o material apreendido seria destruído. Tanto a PF quanto Bolsonaro afirmaram que essa decisão não cabia ao ministro —essa competência é da Justiça.
STF - Bolsonaro havia afirmado que prometeu a Moro uma vaga no STF ao convidá-lo para assumir o ministério da Justiça. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve combinado. O presidente também tem afirmado que pretende indicar alguém "terrivelmente evangélico" para uma das duas vagas que devem ser abertas até 2022 e deu a entender que pode nomear o atual ministro da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça.
Perda do Coaf - Criado em 1998, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas. Ao assumir a Presidência, Bolsonaro tirou o Coaf do Ministério da Economia (antiga Fazenda) e o colocou na pasta de Moro, a Justiça.
O ex-juiz acabou derrotado depois que o Congresso devolveu o Coaf à Economia (sob Paulo Guedes) ao analisar a MP da reforma administrativa do governo federal.
Agora, o Coaf, que passa a se chamar UIF (Unidade de Inteligência Financeira), foi transferido para o Banco Central. O chefe do órgão e aliado de Moro, Roberto Leonel, foi substituído por Ricardo Liáo, funcionário de carreira do BC.
Decreto das armas - Seu primeiro revés foi ainda em janeiro. O ministro tentou se desvincular da autoria da ideia de flexibilizar a posse de armas, dizendo nos bastidores estar apenas cumprindo ordens do presidente. Teve sua sugestão ignorada de limitar o registro por pessoa a duas armas —o decreto fixou o número em quatro.
Laranjas - No caso do escândalo de candidaturas de laranjas, enquanto Moro deu declarações evasivas, dizendo que a PF iria investigar se “houvesse necessidade” e que não sabia se havia consistência nas denúncias, Bolsonaro determinou dias depois, de forma enfática, a abertura de investigações para apurar o esquema.
Ilona Szabó - Moro teve de demitir a especialista em segurança pública por determinação do presidente, após repercussão negativa da nomeação. Ilona Szabó já se disse contrária ao afrouxamento das regras de acesso a armas e criticou a ideia de ampliação do direito à legítima defesa que está no projeto do ministro. Até hoje, Moro não nomeou um substituto.
Folha de S. Paulo: Prefiro Huck dialogando comigo do que com Bolsonaro, diz Flávio Dino
Governador do MA vê 'conjuntura de trevas' e quer frente de esquerda e centro para eleições
Thais Arbex, da Folha e Constança Rezende, do UOL
BRASÍLIA- Empenhado em construir uma frente ampla, que reúna a esquerda e partidos de centro, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), diz que, hoje, "ninguém tem força hoje para conter, sozinho, essa avalanche que está aí".
Segundo ele, para que a esquerda vença as eleições, é preciso "sentar com quem pensa diferente de você". "E não tem nada de pecaminoso."
Por isso, o governador, que se define como um "militante antibolha", diz preferir o apresentador Luciano Huck dialogando com ele do que com o presidente Jair Bolsonaro.
"O Brasil vive uma conjuntura de trevas. Nós temos uma ameaça objetiva à vida democrática, à dissolução da nação. O nazismo está entronizado como política de Estado daqui e de acolá. O vídeo desse secretário [Roberto Alvim] não é algo isolado. É preciso ter responsabilidade", afirmou ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, em estúdio compartilhado em Brasília.
Dino se refere ao vídeo com referências ao nazismo protagonizado pelo então secretário e que levou à sua demissão.
"Eu tenho responsabilidade com o Brasil e, por isso mesmo, não fico olhando preconceitos e rótulos, porque eu sei o tamanho dessa ameaça. O que estou procurando fazer é não deixar essa tal dessa bolha se cristalizar. Isso seria ruim para o Brasil."
DEMISSÃO DE ROBERTO ALVIM
É importante assinalar que o episódio traz uma conquista civilizacional e democrática importante.
Por outro lado, é também importante destacar que a demissão do secretário é insuficiente, na medida em que não houve a revogação da concepção que embasou os anúncios que foram feitos pelo próprio presidente da República.
É fundamental que, em complemento a essa necessária atitude de demissão do secretário, que fez, na prática, apologia de um dos piores momentos da história da humanidade, haja também a revisão da política cultural no sentido de que ela não seja extremista, não seja excludente, não seja ontologicamente violenta.
FABIO WAJNGARTEN
Nós temos claramente uma situação em que há uma confusão entre o papel próprio do agente público e transações no mercado. E isso não é possível porque distorce um dos valores da nossa Constituição, que é a chamada livre concorrência.
Ora, se você tem um agente público comprometido com algumas empresas, naturalmente isso significa dizer que há objetivamente, independentemente de intenções, uma política de favorecimento de uns e prejuízos a outros.
Ou ele se livra das empresas privadas, hipótese número um, deixa de atuar no mercado diretamente ou por interposta pessoa, ou sai do governo.
O que não pode é ter a chamada porta giratória, em que o mesmo cidadão ora está dentro ora está fora.
Na medida em que até o presente momento, após a revelação dos fatos, não houve nenhuma atitude por parte de quem deveria tomar, no caso o presidente da República, é que claro que pode se configurar uma conivência com uma prática ilegal.
RELIGIÃO E POLÍTICA
A religião é algo positivo para a sociedade, é algo inerente à vida humana, desde os seus primórdios.
Eu, particularmente, tenho a minha crença religiosa e a prático e a defendo, mas claro que não é possível, em nome da chamada laicidade do Estado, que eu transforme a minha concepção religiosa em uma imposição para as outras pessoas.
Por isso, a laicidade é um mecanismo de proteção da liberdade religiosa de todos os cidadãos e de todas as igrejas.
O que estamos vendo é uma fronteira sendo ultrapassada na medida em que, por parte de alguns segmentos extremistas, há uma ideia de colonização da esfera pública por concepções religiosas unilaterais. Isso acaba sendo antidemocrático e uma violação à liberdade religiosa.
UM COMUNISTA NA PRESIDÊNCIA
Os mesmos que diziam que eu não posso concorrer à Presidência pelo PC do B são aqueles que achavam que eu jamais seria governador do Maranhão pelo PC do B.
E nós vencemos duas eleições em primeiro turno em um estado em que tive apoio de católicos, evangélicos e outras religiões. Está muito longe de ser uma verdade objetiva que isso constitui um obstáculo, e eu já testei empiricamente.
Não é verdade, nos dias de hoje, que o PC do B seja um partido antirreligioso.
Se hoje, lamentavelmente, esse preconceito ainda é repetido é por um terrível eco das heranças ditatoriais que o Brasil infelizmente carrega.
São os ecos do Doi-Codi, da Operação Bandeirante e da tortura que fazem com que esse preconceito seja alimentado. Mas ele é destituído de base objetiva.
FRENTE AMPLA
O que eu tenho defendido com a ideia da Frente Ampla é a compreensão de que, quando você está num quadro de defensiva estratégica, que é o que nós vivemos em 2013, e mais acentuadamente desde o impeachment, você tem de reunir forças para retomar as condições de apresentar o seu programa, transformá-lo [em] vitorioso e implementá-lo.
Quando você não consegue fazer isso sozinho, você busca alianças, como nós fizemos no Maranhão.
Eu reuni nove partidos em 2014 para enfrentar o político mais longevo da vida brasileira, o ex-presidente e ex-senador José Sarney [MDB].
E agora, [em 2018], para enfrentar a ex-governadora Roseana Sarney [MDB], reunimos 16 partidos exatamente porque reconhecemos que era necessário reunir forças para continuar mudando a realidade do nosso estado.
Às vezes, a gente fica preso a rótulos e esquece o conteúdo. Nós temos que olhar o conteúdo e, no conteúdo, é claro que eu vejo uma ameaça, minha gente.
O Brasil vive uma conjuntura de trevas. Nós temos uma ameaça objetiva à vida democrática, à dissolução da nação.
O nazismo está entronizado como política de Estado daqui e de acolá.
LULA
É a maior liderança popular da vida brasileira. Você pode fazer cem pesquisas e, em cem pesquisas, dará o ex-presidente Lula [PT] como, se não o melhor na visão de alguns, como um dos três melhores presidentes da vida brasileira.
Não é pouca coisa, é muita coisa. E ele está vivo. Graças a Deus.
É claro que o meu campo político se referencia na liderança do ex-presidente Lula, e por isso ele tem um papel muito grande, e espero que ele faça os movimentos necessários e cabe a ele, mais do que a mim ou qualquer outra pessoa, cabe a ele, sem dúvida, liderar esse rearranjo de forças.
2022
Só haverá uma chapa unificada [da esquerda] se a gente construir uma unidade desde já de outra forma. Não pode ser um processo atropelado em 2022.
Eu coloco como premissa, como pré-condição: nós temos que agora, em 2020, nas eleições municipais, atuar juntos no maior número de cidades quanto possível, seja em primeiro, seja em segundo turno.
Isso me refiro ao campo da esquerda, mas também à vertente liberal social-democrata da vida brasileira. Ou seja, em segundos turnos nós queremos o apoio do centro, e também apoiá-lo nas cidades em que ficarmos fora do segundo turno.
LUCIANO HUCK
Acredito que não há nenhum muro que deva ser visto como um intransponível. Agora, é preciso que as pessoas queiram.
E eu, particularmente, não tenho medo de crítica. Não preciso ficar disputando torneio de valentia.
Eu tenho coragem, tenho perspectiva, tem um lado, eu tenho seriedade, sei o que eu represento, o que eu defendo.
Sou militante da esquerda brasileira, defendo uma perspectiva social, os mais pobres, a soberania do país. Outras pessoas querem se somar a isso? É nosso papel trazer.
Eu prefiro Luciano Huck dialogando comigo do que dialogando com Bolsonaro.
Isso é elementar porque, se ele está dialogando com o outro campo, significa dizer que nós estamos alienando não apenas ele, mas, sobretudo, nós estamos afastando segmentos sociais que se sentem representados por ele.
Quando me reúno com o Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente], com o Luciano Huck, com o Rodrigo Maia [presidenta da Câmara e deputado pelo DEM-RJ], não estou reunido com o indivíduo. Estou mostrando que o segmento social que eu represento pode e deve dialogar com o segmento social que eles representam.
Eles possuem também legitimidade no jogo político e sempre foi assim. Não é hora de sectarismo.