Folha de S. Paulo
Folha de S. Paulo: Retrocesso ambiental no Brasil pode custar R$ 20 tri para resto do mundo, diz estudo
Valor é três vezes maior do que o que seria gasto pelo país para conter emissões com preservação
Por Ana Carolina Amaral, da Folha de S. Paulo
Os retrocessos nas leis ambientais em troca de apoio político no Brasil acenderam um alerta na comunidade científica. Em pesquisa publicada nesta segunda (9), na revista Nature Climate Change, cientistas afirmam que o menor controle do desmatamento pode custar até US$ 5,2 trilhões (quase R$ 20 trilhões) para o resto do mundo.
O desmatamento é o principal fator que pode levar o país a ter dificuldades de cumprir suas metas do Acordo de Paris para redução de emissões de gases de efeito estufa. Além de sobrar para outros países, a conta a pagar também pode acabar nas mãos de outros setores da economia brasileira.
No artigo “A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil”, pesquisadores das universidades UFRJ, UFMG e UnB calcularam os custos para compensar as emissões de carbono do desmatamento.
A conta fica mais cara no cenário de uma política ambiental fraca por parte do Brasil —no qual as metas do Acordo de Paris não seriam cumpridas. Para segurar o aumento da temperatura média global em até 2°C, seria necessário que outros países desembolsassem US$ 5,2 trilhões (quase R$ 20 tri).
O valor é até três vezes maior do que aquele que seria gasto pelo Brasil para conter as emissões através da preservação ambiental. “O retrocesso para uma política do século 19 terá que ser compensado por tecnologias do século 21, ainda caras e pouco disponíveis”, diz Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e um dos autores do estudo, para explicar a diferença dos custos, que ainda não havia sido quantificada.
No entanto, as ações de controle do desmatamento já são conhecidas como as mais baratas para a mitigação climática. Para comparação, o estudo usou como base o orçamento de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 3,8 bilhões), aplicado desde 2011 nas políticas de controle ambiental do país.
CENÁRIOS
O estudo parte de três cenários de governança ambiental, elaborados pelo professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola.
O cenário de governança fraca é baseado no baixo controle ambiental do período pré-2005. As projeções de governança forte são baseadas no período de 2005 a 2012, quando o país reduziu suas emissões de carbono em 54%, principalmente através da redução do desmatamento em 78%. Já o cenário de governança intermediária é baseado na política atual, em que fortes mecanismos de controle ambiental convivem com concessões e retrocessos, desde a flexibilização do Código Florestal em 2012 e o fortalecimento da bancada ruralista no Congresso.
Com um modelo de avaliação integrada, os pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estimaram quais seriam as evoluções do desmatamento para cada cenário de governança.
Para Raoni Rajão, um dos autores do estudo pela UFMG, o modelo utilizado tem “parâmetros ajustados para a realidade brasileira, estimando metas de produção agrícola, onde ela deve acontecer e quais as possíveis competições pelo uso do solo”.
O modelo também calculou quanto sobraria no “orçamento de emissão de carbono” do país, ou seja, quanto carbono ainda pode ser emitido pelo Brasil até 2050 sem cruzar a linha que manteria o aquecimento global dentro de 2°C.
Enquanto no cenário de governança fraca o Brasil pode acabar emitindo acima do seu orçamento de carbono e implicando uma conta para outros países, no cenário de governança intermediária a conta das altas emissões por desmatamento ainda pode ser compensada dentro do país, mas com altos custos para outros setores da economia.
Também com modelos desenvolvidos especificamente para a realidade brasileira, os pesquisadores da UFRJ calcularam os valores dos investimentos necessários em energia elétrica, transportes, combustíveis e indústria.
A avaliação incluiu 8.000 opções tecnológicas, que podem implicar em um gasto de até US$ 2 trilhões (R$ 7,6 trilhões) até 2050. Segundo Schaeffer, “nem todo investimento tecnológico trará benefícios ao desenvolvimento do país, alguns são apenas para capturar carbono, um custo evitável”.
Já no cenário de governança ambiental forte, cujas ações se concentrariam em controle do desmatamento e regulações sobre o uso do solo, o investimento, também até 2050, não passaria de US$ 1,2 trilhão (cerca de R$ 4,5 trilhões).
ACESSO AO GOVERNO
A assessoria do Ministério do Meio Ambiente afirmou que ainda não teve acesso ao estudo.
Na última quinta-feira (5), o presidente Michel Temer desmarcou uma reunião que teria com o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, e com membros do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. É a segunda vez que o órgão tenta entregar a Temer —que também preside o Fórum— uma proposta para implementação das metas brasileiras no Acordo de Paris.
A UFRJ é uma das instituições autoras do documento, que inclui os cenários explorados na pesquisa publicada nesta segunda. Para Schaeffer, a preocupação dos cientistas em calcular os custos de cada opção reflete a expectativa de que o Brasil cumpra suas metas climáticas. “O Brasil assinou o Acordo de Paris, então esperamos que cumpra o que prometeu”, afirma.
Leandro Colon: Não há mocinho no bangue-bangue judicial sobre Lula
Guerra de decisões no domingo mostra que Brasil virou algazarra jurídica
O Brasil virou uma algazarra jurídica. Um juiz federal do TRF-4, que foi filiado ao PT por quase 20 anos, aproveitou o plantão no fim de semana para soltar o preso mais ilustre do país. Estimulada por um juiz de primeira instância em período de férias, a PF ignorou a decisão.
Outro magistrado do TRF-4 resolveu dar pitaco na liminar do colega para pedir o seu não cumprimento. No fim do dia, prevaleceu a manutenção da prisão do ex-presidente Lula.
Não há a figura do mocinho nesse bangue-bangue entre juízes. Parece evidente a estratégia oportunista dos aliados de Lula de esperar o ex-correligionário e desembargador Rogério Favreto assumir o plantão para obter de sopetão (em um domingo) a liberdade do ex-presidente.
Logo na segunda das dez páginas de seu despacho, Favreto diz que há um “fato novo” ocorrido durante a execução da pena do petista. Qual seria esse fato novo? Na opinião do desembargador, as demandas de veículos de comunicação para entrevistar o ex-presidente, que se diz pré-candidato ao Planalto em outubro.
“É notório que o próprio presidente já se colocou nessa condição de pré-candidatura”, diz o juiz. Pelo entendimento dele, basta então que um preso diga que é “pré-candidato” (figura inexistente na ordem eleitoral) para tentar sair da cadeia.
E a intromissão de Sergio Moro em um caso que não pertence mais a ele? Em despacho, Moro, durante as próprias férias, diz que Favreto é “autoridade incompetente” para decidir sobre Lula. Tem algo de errado no sistema jurídico quando um juiz de primeira instância tenta impedir determinação do andar superior.
Mas esses personagens não bailam sozinhos na folia da Justiça. O exemplo vem de cima, de Brasília, com a bagunça instalada à luz do dia pelas decisões monocráticas e de Turmas do STF sobre assuntos ainda não pacificados pelo plenário do tribunal.
O CNJ, órgão de controle do Judicário, é corporativista. Não age nem incomoda. A categoria mandou para a gaveta o debate sobre o fim do imoral auxílio-moradia pago aos juízes.
Celso Rocha de Barros: Um domingo para esquecer
Circo de soltura de Lula mostra como a eleição capturou as instituições
Na história das instituições brasileiras, foi um domingo para esquecer. Como costuma acontecer, quanto mais a política brasileira se judicializa, menos peso têm os argumentos jurídicos e mais politizadas se tornam as cortes.
O argumento do desembargador Favreto para soltar Lula era muito ruim: o fato novo que justificaria a soltura seria o lançamento da pré-candidatura do ex-presidente.
Você pode achar que Lula é inocente, mas não que esse argumento para soltá-lo ultrapassa o sarrafo do digno de ser levado em conta.
Além disso, em um ambiente institucional mais sólido, o próprio desembargador Favreto teria se declarado inabilitado para julgar, por ter trabalhado na Casa Civil durante o governo do PT.
O Brasil, infelizmente, não tem esse ambiente institucional sólido: Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes não se declaram inabilitados quando julgam o PSDB ou o MDB.
Mas depois que Favreto tomou sua decisão, o juiz Sergio Moro devia tê-la respeitado.
Havia canais jurídicos adequados para contestar a decisão de Favreto, e, mesmo se Lula fosse solto, poderia ser preso de novo muito rápido, sem a esculhambação deste domingo. Moro errou.
E aí começou o circo. Favreto reiterou sua decisão, o desembargador relator da Lava Jato reverteu sua decisão, Favreto voltou à carga. Nesse meio tempo tinha gente querendo punir Favreto no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tinha petista querendo prender Moro por desacato à autoridade, e fomos assim até de noite.
No momento em que escrevo esta coluna, Lula ainda está preso, e a polícia, veja que beleza, não sabe que ordem judicial deve cumprir.
E o triste foi isso ter tido importância.
Em nenhum momento deste domingo houve a chance real de que Lula fosse solto por mais do que alguns dias, e o próprio ex-presidente sabia disso.
Mesmo assim, o PT conseguiu marcar pontos em sua guerra de atrito de longo prazo contra Sergio Moro.
Depois que contestou a decisão de Favreto, ficou mais difícil argumentar que Moro trata o caso de Lula como trataria qualquer outro.
Era isso que a defesa de Lula queria, mas as perspectivas políticas da esquerda não deveriam depender desse tipo de coisa.
E se a Lava Jato depende tanto assim de não deixar Lula solto apenas por algumas horas, é porque ela está batendo em retirada.
Se a operação aceitar o discurso de que Lula era o chefe do esquema, que o importante mesmo era prender o chefe, e que o fundamental era isso, terá declarado sua rendição diante dos políticos conservadores que a têm sistematicamente derrotado desde que Michel Temer tomou posse.
Se a Lava Jato aceitar correr para o abraço dos antilulistas, precisa saber que isso é correr da briga real que tem diante de si.
A soltura de Lula não deveria ter sido decidida no plantão; já que foi, Moro deveria ter deixado que a decisão fosse cumprida e, hoje ou nos próximos dias, seguido os procedimentos para mandá-lo de volta à prisão nos termos da lei.
A questão “Lula deve ser solto até que acabe o plantão de Favreto?” não deveria ser de vida ou morte para ninguém.
Que o circo deste domingo tenha sido montado mostra o quanto as instituições brasileiras estão inteiramente capturadas pela atual disputa eleitoral.
E tudo isso poderia ter sido evitado se o sistema político brasileiro já tivesse produzido candidatos capazes de não levar uma surra de um sujeito que está preso.
*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Mônica Bergamo: Moro diz que não cumprirá decisão pois desembargador é 'incompetente'
Com todo o respeito, é autoridade absolutamente incompetente, disse Moro
O juiz Sergio Moro publicou um despacho neste domingo (7) afirmando que o desembargador Rogério Favreto "com todo o respeito, é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do plenário do Supremo Tribunal Federal", que autorizaram a prisão de Lula.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região deferiu uma liminar para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja solto ainda neste domingo (8). Favreto acatou habeas corpus apresentado na sexta (6) pelos deputados Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, do PT, pedindo que ele fosse libertado imediatamente, pois não haveria fundamento jurídico para a prisão dele.
Moro argumento que não será possível cumprir a decisão sem antes consultar o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso e, segundo ele, juiz "natural" do processo.
"Se o julgador ou a autoridade policial cumprir a decisão da autoridade absolutamente incompetente, estará, concomitantemente, descumprindo a ordem e prisão exarada pelo completente colegiado da 8a Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região".
Diante do "impasse jurídico", diz ele, "este julgador foi orientado pelo eminente presidente "do TRF-4 a "consultar o relator natural da apelação criminal", ou seja, o desembargador João Pedro Gebran Neto, "solicitando como proceder".
Samuel Pessôa: Reforma política, falsa questão
Deixemos a política trabalhar; as reformas mais importantes já foram feitas
Em período eleitoral, é inevitável que diversos candidatos e seus assessores econômicos se pronunciem sobre a necessidade de reforma política —para muitos, "a mãe de todas as reformas"— e ataquem o presidencialismo de coalizão, ou de cooptação, ou ainda o toma-lá-dá-cá.
Infelizmente, o diagnóstico não está claro e muito menos o que exatamente fazer. Corre-se o risco de mudar tudo para ficar tudo como está.
O sistema político brasileiro tem essencialmente três problemas: excessiva fragmentação partidária, grande distância entre o representante e o representado e elevado custo de campanha.
O Congresso Nacional aprovou emenda constitucional, publicada no Diário Oficial em 4 de outubro de 2017, que produzirá nos próximos 12 anos forte queda da fragmentação partidária.
Os interessados podem ler o texto da emenda constitucional 97 no endereço aqui.
A emenda estabelece que a partir da eleição deste ano "terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que, na legislatura seguinte às eleições de 2018, obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação".
Essa cláusula de desempenho aumentará até atingir, na eleição de 2030, "3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas" ou "tiverem elegido pelo menos 15 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação".
Adicionalmente, a emenda constitucional 97 veda, a partir da eleição de 2020, a coligação partidária para o Legislativo.
Quando partidos ideologicamente distintos concorrem para o Legislativo —seja municipal, estadual ou federal— coligados, como ocorre hoje, frequentemente o eleitor vota em um deputado de esquerda e esse voto contribui para a eleição de um candidato de direita e vice-versa. Turva demais o processo eleitoral, enfraquece muito a opção partidária do voto para o Legislativo e concorre para elevar a fragmentação partidária.
A manutenção das novas regras reduzirá muito, ao longo da próxima década, a fragmentação partidária.
Adicionalmente, foram aprovados um fundo público de R$ 1,7 bilhão e o fim da contribuição empresarial. A contribuição de pessoas físicas é permitida até certo limite.
Ou seja, nossas novas regras atacam dois dos três principais problemas de nosso sistema político. Apesar de aparentemente pouco ambiciosa, a reforma política de outubro passado é consensual entre os estudiosos do assunto, os cientistas políticos, e foi aprovada pelos profissionais do tema, os políticos, além de ser muito positiva.
Parece melhor deixar em paz o sistema político e que a passagem do tempo melhore seu funcionamento. Deixemos a política trabalhar. As reformas mais importantes já foram feitas.
Os assessores econômicos dos candidatos à Presidência precisam se debruçar sobre os alarmantes números fiscais e desenhar o ajuste fiscal que vão propor à sociedade.
Futebol é um jogo que imita a vida. Ou será o contrário? Por isso gostamos tanto.
* Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
Raquel Landim: Venda da Embraer é um desgosto para os brasileiros, mas há vantagens
Acordo com a Boeing mostrou que o mundo dos negócios não é tão ufanista assim
A venda da divisão de jatos comerciais da Embraer –que representa 60% do faturamento e a maior parte do lucro da empresa - para a americana Boeing vai, sem dúvida, despertar uma ponta de desgosto no coração de praticamente todos os brasileiros.
A Embraer foi alardeada por sucessivos governos com uma prova de que o Brasil é capaz de produzir mais do que commodities (sem demérito para a tecnologia empregada nas lavouras de soja) e competir com as potências globais. Tornou-se um orgulho nacional.
O negócio entre Embraer e Boeing mostrou que o mundo dos negócios não é tão ufanista assim. Desde que a Airbus fechou um acordo semelhante com a canadense Bombardier, em outubro do ano passado, o destino da fabricante de aviões brasileira estava selado.
O presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, disse à Folha que a Embraer precisava de “musculatura” ou acabaria espremida por concorrentes gigantes e fornecedores de peças cada vez mais globalizados.
Ele está certo. A fabricante brasileira de aviões não teria condições de competir em um mercado globalizado com uma Bombardier turbinada pela Airbus. Também não conseguiria enfrentar concorrentes russos e chineses, que já nascem pesadamente subsidiados por seus governos.
Praticamente quebrado, o Estado brasileiro, que tanto impulsionou a Embraer desde sua criação, não tem mais condições de apoiar financeiramente às exportações da companhia. E nem esse deve ser o seu papel dados os enormes desafios sociais do país.
Obviamente, os termos do acordo não foram os mais favoráveis para a Embraer, porque a Boeing jogo todo o seu peso na mesa de negociação e não pagou um prêmio de controle tão alto quanto o mercado imaginava.
Os acionistas da Embraer, cujo capital é pulverizado, vão colocar um bom dinheiro no bolso agora, mas não devem esperar alta dos papeis no médio prazo. A empresa passará a viver dos dividendos gerados pelos 20% que detém na nova joint venture e dos negócios de jatos executivos e defesa, que não são nem de longe tão rentáveis quanto a aviação comercial.
Os brasileiros, no entanto, podem escolher entre o “copo meio cheio” e o “copo meio vazio” no negócio Boeing - Embraer. O lado “cheio” é que a Boeing se instalou de vez no país e deve ter muito fôlego para impulsionar suas operações no Brasil.
Além da divisão de jatos comerciais, a gigante americana está “comprando” os engenheiros e gerentes da Embraer, uma mão de obra altamente qualificada, que custaria muito mais nos Estados Unidos. Isso significa que a Boieng não vai sair daqui tão cedo.
Em tempo: é bom irmos nos acostumando, porque o destino da Braskem, uma petroquímica gigante criada com apoio pesado do governo federal nas últimas décadas, será o mesmo em breve. Também vai acabar nas mãos de estrangeiros.
* Raquel Landim é jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política.
Samuel Pessôa: O consenso possível
Atacar a desigualdade e fazer o ajuste fiscal estão entre os consensos para a eleição
O processo eleitoral ganha corpo. Apesar de certo sentimento de que há muita polarização, é possível enxergar na conversa certos consensos.
Há quatro áreas em que parece haver acordo ao menos nos termos gerais. Primeiro, a necessidade de que a política pública em geral e a política econômica em particular enfrentem o problema da baixa produtividade e do fraco crescimento brasileiro, males que nos atingem desde a primeira metade dos anos 1980.
Segundo, a necessidade de que se ataque a desigualdade.
Terceiro, a importância do ajuste fiscal, ou seja, o reconhecimento de que, se o setor público não consegue pagar suas contas, mais cedo ou mais tarde cairemos no abismo inflacionário, tão conhecido dos mais velhos.
O quarto item do consenso é a necessidade de maior profissionalização do setor público e a melhoria da qualidade dos seus serviços, principalmente nas áreas de educação, saúde e segurança.
No primeiro item parece haver consenso de que temos de reduzir o custo administrativo das empresas brasileiras ao pagar impostos. O custo de observância da legislação tributária —dos impostos indiretos, nomeadamente, PIS-Cofins, IPI, ICMS e ISS— é exorbitante.
Há várias propostas na praça, sendo a melhor delas a do Centro de Cidadania Fiscal, para trocar esses tributos por um imposto sobre o valor adicionado (IVA) que seja compartilhado entre a União, estados e municípios. Fácil de escrever, difícil de fazer, parece que a medida tem amadurecido.
A maior abertura da economia, item importante em qualquer agenda de crescimento, parece ser bem menos consensual.
Nossa sociedade é muito desigual. É comum culpar os 350 anos de escravidão como a origem da má distribuição. No entanto, é provável que o fator que isoladamente mais explique nossa desigualdade pornográfica atual tenha sido a decisão tomada nos anos 1930, e que mantivemos até a redemocratização, nos anos 1980, de enfrentar uma transição demográfica com investimentos muito deficientes em educação.
Nos anos 1950, quando o crescimento populacional era da ordem de 3% ao ano, o investimento público em educação fundamental não ultrapassava 1% do PIB.
Hoje, não há subinvestimento em educação: gastamos 6% do PIB.
A agenda de redução da desigualdade passa também pela melhoria dos serviços públicos, pela elevação da progressividade dos impostos e pela redução dos privilégios, principalmente os previdenciários dos servidores públicos --que muito oneram o Tesouro e estão totalmente fora do razoável em termos comparativos internacionais.
O terceiro item do consenso é a necessidade de arrumarmos as contas públicas. Será necessário aumentar impostos e/ou reduzir gastos —com reformas, como a previdenciária. Não há consenso no desenho, e é atribuição do processo eleitoral que os candidatos explicitem à sociedade como pretendem atacar o problema fiscal e qual peso darão a corte de gastos e elevação de receitas.
Finalmente, resta o tema da elevação da eficiência do setor público. Será importante que os candidatos se pronunciem, por exemplo, em relação aos seus diagnósticos sobre os motivos de gastarmos 6% do PIB com educação —o governo sul-coreano nunca gastou mais do que 3,5%, mesmo quando a Coreia do sul era mais pobre do que o Brasil— e a qualidade ser tão ruim nessa área essencial.
Essa é a agenda, penso eu, do consenso possível. As divergências serão mais de meio do que de objetivo.
*Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV
Demétrio Magnoli: Lógica sectária
Há algo de novo no front quando surge uma direita nostálgica do regime militar
O sonho explícito de Ciro Gomes é encarar Bolsonaro no segundo turno. Na avaliação dele, sua marcha ao Planalto seria assegurada pela repulsa majoritária a uma candidatura da direita selvagem.
Mas Ciro não enxerga a hipotética disputa com Bolsonaro sob o prisma exclusivista da oposição esquerda/direita. Seus coreografados movimentos de aproximação com o DEM podem até não dar em nada, mas evidenciam que ele aposta numa abertura rumo ao centro. O PT interpreta o cenário eleitoral em termos muito diferentes, como revela a análise de André Singer (Folha, 23.jun).
Singer é um dos mais destacados "intelectuais orgânicos" do PT. Segundo ele, tudo que aconteceu na política brasileira recente —depressão econômica, impeachment, Lava Jato, desmoralização generalizada dos partidos e dos políticos— tem relevância apenas marginal. São "epifenômenos", como diria um marxista antiquado.
No fim, a morfologia de nossa paisagem política derivaria de uma implacável "estrutura profunda", imune às crises conjunturais. Abaixo da poeira, permaneceria decisiva a "lógica polar" esquerda/direita. A disputa PT versus PSDB, marca inconfundível das eleições presidenciais desde 1994, conheceria um novo capítulo, ainda que com nomes trocados.
"Lula (ou quem ele indicar), Ciro, Manuela e Boulos precisarão, de algum modo, se entender", escreve Singer, exprimindo o desejo de trancar Ciro na jaula da esquerda. Mas o principal está em outro lugar: "Tal como melancias no caminhão, o sacolejo irá arrumando as relações entre Bolsonaro, Alckmin, Meirelles (Temer), Maia e Marina".
Na lógica sectária de Singer, inexistem divergências fundamentais entre Bolsonaro, de um lado, e os partidos situados na ampla faixa que se estende da centro-direita à centro-esquerda, de outro. A direita antidemocrática representaria apenas uma encarnação circunstancial do PSDB, do PMDB ou da Rede.
Nove décadas atrás, no declínio da Alemanha de Weimar, os comunistas alemães aplicaram a estratégia do "terceiro período", ditada a partir de Moscou. De acordo com o dogma inventado por Stálin, a revolução proletária aguardava na esquina —e, diante do espectro da insurreição, os social-democratas convertiam-se em aliados objetivos dos nazistas. Consequentemente, os comunistas rejeitaram a ideia de uma aliança com os "social-fascistas", facilitando a ascensão de Hitler.
No discurso e em certas práticas políticas, o PT parece-se, cada vez mais, com os antigos partidos comunistas. Colocando no saco bolsonarista "melancias" como Alckmin, Marina, Maia ou Meirelles, Singer pouco esclarece sobre a corrida presidencial, mas revela-nos que o PT percorre o túnel escuro do "terceiro período".
A "lógica polar" de Singer existe realmente, sob a forma da concorrência entre os partidários da economia de mercado e os do capitalismo de Estado. Durante um quarto de século, o dilema expressou-se como disputa binária PSDB/PT.
Mas há algo de novo no front quando, em meio a uma crise multifacética, ergue-se uma direita nostálgica do regime militar. Nessa hora, a questão da democracia torna-se o mais elevado divisor de águas. Se Bolsonaro chegar ao segundo turno, algo que está longe de ser uma certeza, as "melancias" de centro-direita e centro-esquerda desmentirão a profecia de Singer, barrando o caminho ao nostálgico aventureiro.
O equívoco analítico do "intelectual orgânico" não é importante. Ele, como eu, erra e acerta. O relevante, no caso, é sua olímpica indiferença diante da questão da democracia.
Uma possível explicação para ela reside na persistência do apoio do PT ao regime venezuelano. Se o ditador Maduro serve para nós, por que Bolsonaro, um mero candidato, não serviria para nossos rivais de centro-direita e centro-esquerda? A indagação implícita do texto de Singer sugere que há algo de podre na alma do PT.
*Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.
Folha de S. Paulo: China mira Brasil como parceiro estratégico em meio a guerra global
Investimentos são forma de garantir fornecimento de grãos e escoamento de capacidade ociosa
Por Taís Hirata, da Folha de S. Paulo
Nem a recente crise brasileira nem a guerra comercial entre China e Estados Unidos abalaram os planos de investimento dos chineses no Brasil. Pelo contrário, a disputa global que vive o país asiático pode reforçar sua aposta no Brasil como, mais que um mero parceiro de negócios, uma aliança estratégica.
"Para o chinês, o investimento não é resultado de uma parceria geopolítica, ele é parte dessa parceria", diz Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, instituição que é parceira da estatal CCCC (China Communications Construction Company).
No mapa dos investidores chineses, o Brasil desponta como o único país de dimensão continental onde não há entraves políticos, de fronteira ou de supremacia, como ocorre no caso de Rússia, Índia e, claro, Estados Unidos, afirmam os analistas.
"A China olha o Brasil como um país onde pode escoar capital, tecnologia e capacidade ociosa", diz Kevin Tang, diretor-executivo da Câmara de Comércio Brasil-China.
A energia elétrica, um dos setores em que os chineses mais investiram nos últimos dois anos no país, é um exemplo disso. "A China compra linhas de transmissão porque é uma grande fabricante, tem 'know how' de engenharia, de gestão. Ela [também] é a maior fabricante de equipamentos solares e eólicos."
O agronegócio é outro setor que deverá atrair mais investimentos chineses, principalmente com o agravamento da guerra comercial com os americanos, que são importantes parceiros no setor.
"À medida que um grande fornecedor de algo que é vital e estratégico para o país assume uma postura agressiva, a China precisa se resguardar. Na parte de alimentos e toda sua cadeia de insumos e logística, o Brasil é visto como um parceiro mais confiável", afirma Tang.
"[O Brasil] faz parte de uma estratégia global de garantir acesso à matéria-prima e de construir a infraestrutura necessária para importá-la", diz Marianna Waltz, diretora da agência de risco Moody's.
Movimentos como a venda de ativos agrícolas da chinesa Dakang, controladora há dois anos da Fiagril , são pontuais, avaliam os analistas.
"Tem empresas perdendo dinheiro, pela questão do câmbio e pela crise no Brasil. Isso não vai impedir futuros investidores", afirma Tang.
O avanço na América Latina deverá se acelerar ainda mais com a inclusão da região na "nova rota da seda" traçada pelo país, segundo relatório da Moody's, divulgado nesta segunda(25).
No início deste ano, foi anunciado que a América Latina passaria a fazer parte da política de "One Belt, One Road", um megaplano de investimentos do governo chinês para injetar bilhões de dólares em grandes projetos de infraestrutura na Ásia, África, Oriente Médio e Europa.
Para o Brasil, essa inclusão teria um forte peso, já que o país atraiu 56,4% de todos os recursos chineses aplicados na região entre 2003 e 2016, que somaram US$ 110 bilhões, de acordo com o estudo.
Mesmo com o recente avanço dos chineses no país, a participação da China no total de investimentos diretos estrangeiros ainda é pequena para a dimensão do Brasil --e, portanto, ainda há muito espaço para expandir, afirma Waltz.
Investimento soma R$ 5 bi em 2018 e pode subir com leilões
No ano passado, os chineses investiram US$ 10,6 bilhões no Brasil, apontam dados da consultoria Dealogic, que não incluem operações cujo valor não foi revelado.
Em 2018, entre janeiro e abril, o Ministério do Planejamento contabilizou ao menos US$ 1,3 bilhão, também deixando de fora projetos sem a divulgação de valores.
Se depender dos chineses, o patamar subirá ao mesmo de 2017, afirma Daniel Lau, sócio-diretor da KPMG e especialista em negócios chineses.
O resultado, porém, vai depender dos projetos de infraestrutura, nos quais empresas chinesas já demonstraram interesse, mas que terão dificuldade para sair do papel em pleno ano eleitoral.
É o caso, por exemplo, dos projetos bilionários de ferrovias, cuja viabilidade neste ano é considerada remota. A Eletrobras é outro ativo que atrai interesse --no caso das distribuidoras, o leilão está marcado para julho, mas a privatização da controladora deverá ficar na gaveta.
Ainda assim, aquisições, investimentos privados e projetos que dependam menos da União seguirão o mesmo ritmo, diz Lau. "Onde houver espaço, o chinês vai entrar."
Para Centola, as recentes revisões para baixo do PIB brasileiro e o cenário político pouco influenciam nos planos para 2018. "O chinês investe com um horizonte mais longo que o europeu ou americano", diz.
"As empresas estatais seguem um programa anual de investimento, norteado pelo governo chinês. Se eles não se concretizam, elas precisam dar explicações."
Samuel Pessôa: Economia política do teto dos gastos
Sem o teto e se não aceitarmos a volta da inflação, será necessário elevar a carga tributária
Têm sido correntes entre os candidatos críticas à emenda que estabeleceu que o gasto primário da União não pode, por dez anos a se iniciarem em 2017, crescer a velocidade superior à alta da inflação.
Considera-se que, se o gasto suplantar o teto constitucional estabelecido, a emenda terá fracassado.
Esse entendimento está errado. A força da emenda constitucional que estabelece um limite ao crescimento do gasto primário vem da elevadíssima probabilidade de o teto ser rompido, caso não sejam feitas reformas importantes nas regras que determinam o crescimento da despesa obrigatória. Se não houvesse possibilidade de rompimento, a emenda não seria necessária.
Explico-me: a função da chamada emenda do teto é levar a uma profunda discussão do Orçamento com a redução gradual da despesa primária (em percentual do PIB) para que o país consiga fazer o ajuste fiscal.
Adicionalmente, a própria emenda estabelece regras de ajuste compulsório da despesa pública caso o gasto público ultrapasse o limite.
Nesse caso, não será possível aumentar salários de servidores públicos, elevar o salário mínimo real, contratar novos servidores além do necessário para repor os que se aposentam, renovar ou ampliar programas de isenção de impostos (como atualizar a tabela do Imposto de Renda ou elevar o nível para enquadramento de uma empresa no regime tributário especial do Simples), criar despesas obrigatórias etc.
Estamos no meio de fortíssimo conflito distributivo. A dívida pública de mais de 70% do PIB e a carga tributária de 33% do PIB são elevadas para um mercado emergente. Por outro lado, tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que reduzam o gasto público, como a reforma da Previdência. Também tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que elevem a carga tributária.
O equilíbrio desse jogo, se não for resolvido com as reformas necessárias para o cumprimento da emenda do teto dos gastos, será retornarmos ao abismo inflacionário dos anos 1980 e da primeira metade dos anos 1990.
O diagnóstico que produziu a emenda constitucional é explicitar o conflito distributivo antes que ele se transforme em inflação. É uma muleta para facilitar uma solução civilizada.
Como sempre afirmo, pior do que inflação, como solução para o conflito distributivo, somente guerra civil.
Nossa experiência é abundante em demonstrar que inflação no longo prazo impede o crescimento econômico e atinge desproporcionalmente os mais pobres.
Não há futuro com inflação: os pobres perdem, e a economia não cresce.
Uma possível flexibilização da emenda do teto seria excluir do limite alguns investimentos em logística em que a taxa de retorno fosse muito elevada a curto prazo —em razão de seus efeitos sobre o crescimento—, como ocorreu com o PPI (Programa-Piloto de Investimentos) em relação ao acordo de dívida do Brasil com o FMI nos anos 2000.
A emenda do teto é a âncora que temos para que o conflito distributivo brasileiro seja tratado antes que se transforme em inflação. Sem o teto e sem um forte aumento da carga tributária, teríamos de aceitar a volta da inflação. Argentina e Venezuela aceitaram.
Qualquer crítica ao teto precisa entender a sua natureza. As propostas de substitui-lo ou alterá-lo têm de se preocupar em saber se o que será colocado no lugar atende aos verdadeiros objetivos do teto.
Nunca é demais lembrar, ajuste fiscal é sempre corte de despesa e/ou aumento de receita (aumento de carga tributária).
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV
Demétrio Magnoli: Ciro, uma análise de texto
O homem que fala como quem desfere tiros nunca teve que escolher entre a fidelidade a suas ideias e a segurança pessoal
Jacques Derrida, o filósofo célebre pela desconstrução semiótica, imaginava que “nada existe fora do texto”. Não é preciso rezar pela cartilha dele para reconhecer a importância da linguagem, na política ou na literatura. Diz-se de Ciro Gomes, um compulsivo franco-atirador de adjetivos insultantes, que é boquirroto.
O irmão, Cid, interpreta seu destempero nos registros da “franqueza” e da “sinceridade” (Folha, 21/6). Tomo a sugestão de Cid como guia de análise das palavras escolhidas por Ciro, no Roda Viva (28/5), para qualificar a oposição venezuelana: “Fascista, neonazista, entreguista”. O tema está longe do centro do debate eleitoral brasileiro, mas o curto texto esclarece muito sobre o candidato.
Apesar de Derrida, o contexto sempre importa. No plano da ética pessoal, dirigir insultos a correntes políticas que operam num sistema democrático não é o mesmo que fazê-lo contra opositores perseguidos por um regime autoritário. A opção de poupar o regime chavista de sua artilharia verbal, desviando-a para figuras que enfrentam a repressão, a prisão ou o exílio, desvenda um traço de caráter. A biografia de Ciro ajuda a iluminá-lo.
A carreira política de Ciro começou no movimento estudantil, nos anos anteriores à Lei de Anistia (1979). Havia perigo, mas não para ele, que pertencia à Arena Jovem, base da chapa pela qual concorreria à vice-presidência da UNE.
Ciro jamais experimentou a condição de opositor de uma ditadura. Da política estudantil, seguiu para o PDS, o sucessor da Arena, antes de migrar para o MDB. O homem que fala como quem desfere tiros nunca teve que escolher entre a fidelidade a suas ideias e a segurança pessoal. Isso, antes de tudo, o distingue dos venezuelanos que ele ofende.
Alexander Soljenítsin, um dos mais destacados dissidentes soviéticos, era um nacionalista grão-russo; Václav Havel, dissidente tcheco que se tornaria presidente, um democrata liberal; Vladimir Herzog, assassinado na prisão pela ditadura brasileira, um comunista.
É possível, sem comungar com as ideias deles, defender o direito de expressá-las, que se confunde com o direito das sociedades de debater livremente seu futuro. Ciro optou por outro caminho, repetindo as senhas cunhadas pelo regime venezuelano para suprimir a oposição.
A repressão política vale-se da linguagem, tanto quanto do cassetete e do calabouço. O governo soviético crismava Soljenítsin como fascista. O governo comunista tcheco qualificava Havel como agente da CIA. O governo militar no Brasil classificava Herzog como agente da KGB.
Não existe nenhuma indicação de que os líderes opositores venezuelanos sejam fascistas ou neonazistas. Henrique Capriles pertence ao Primero Justicia, um partido-ônibus que abrange de social-democratas a liberais. Leopoldo López fundou o Voluntad Popular, um partido filiado à Internacional Socialista.
Henri Falcón, candidato oposicionista às eleições farsescas de maio, é um chavista histórico que cindiu com o regime em 2012. O general Raúl Baduel, que cumpre uma segunda sentença de prisão, foi um íntimo colaborador de Chávez entre 1982 e 2007. No Roda Viva, Ciro falou como porta-ofensa de Maduro.
Derrida não deixaria escapar a palavra “entreguista”. Diferente de fascista ou neonazista, “entreguista” não descreve uma ideologia e, rigorosamente, nada significa –mas cumpre função decisiva na linguagem do chavismo.
O termo destina-se a marcar um opositor como agente de interesses estrangeiros, senha crucial para forjar processos judiciais e justificar encarceramentos. Ciro pode ter falado taticamente, a fim de granjear as simpatias do PT. Ou pode ter exercitado a “franqueza” e a “sinceridade”.
Na primeira hipótese, o candidato mostra-se capaz de sacrificar qualquer valor no altar de sua campanha eleitoral. Na segunda, revela que, uma vez Arena, sempre Arena.
* Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana e especialista em política internacional.
Folha de S. Paulo: Segundo pesquisadores, movimentos de renovação na política estão errados
Rotatividade do Congresso brasileiro é uma das maiores do mundo
Por Marcos Augusto Gonçalves
Movimentos de renovação da política estão errados tanto em suas premissas quanto nas soluções que propõem, afirmam pesquisadores. Eles mostram que rotatividade do Congresso brasileiro é uma das maiores do mundo e dizem que país não precisa de salvadores da pátria.
Pelo menos desde a eclosão dos movimentos de junho de 2013, a sociedade brasileira atravessa um período de agudo questionamento da política e de seus representantes.
O fenômeno, que encontra paralelo em movimentações de outros países, ganhou aqui contornos inquietantes com o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) e a ampliação do arco partidário atingido por denúncias de corrupção e condenações da Lava Jato.
O enfraquecimento das principais siglas e lideranças levou a uma busca por saídas não convencionais que se traduziu no repentino prestígio de nomes até então pouco considerados ou sem experiência no jogo eleitoral.
Jair Bolsonaro, que permanece em posição de destaque nas pesquisas, é o mais rumoroso deles, mas especulou-se também, entre outras, sobre as candidaturas do apresentador de TV Luciano Huck e de Joaquim Barbosa, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.
Nesse cenário passou a prosperar a organização de movimentos da sociedade civil com o propósito de renovar a política. Em pouco tempo, a ideia de lançar nomes novos, éticos e jovens tornou-se coqueluche. Institutos e organizações se multiplicaram, e o discurso da renovação difundiu-se.
Seria imperioso renovar não só a Presidência, mas notadamente o Congresso, que se apresentou na TV, à época da votação do impeachment, em toda sua precariedade moral, vileza ética e despreparo cívico.
De uma hora para outra, assumiu-se em determinados círculos que o principal problema do país residia na perpetuação de políticos tradicionais, permeáveis à corrupção e ligados a interesses nebulosos.
Recentemente, uma dupla de pesquisadores brasileiros, Eduardo Cavaliere, 23, e Otavio Miranda, 24, arregaçou as mangas e partiu para levantar e analisar os números relativos à renovação do Congresso de 1986 a 2014 —o que eles chamam de "renovação orgânica" do Legislativo.
O esforço de Cavaliere, graduado em direito com concentração em matemática pela FGV do Rio, e de Miranda, pesquisador na área de economia política no Instituto Chongyang de Estudos Financeiros, na China, traz à luz fatos pouco conhecidos e levanta questionamentos a certas premissas do discurso dos movimentos renovadores, como o primado da ética ou a ideia de que candidaturas mais jovens seriam mais adequadas ao país.
Por exemplo:
1 - No Congresso, reeleição não é regra, mas exceção; 75% dos deputados federais não ultrapassam o segundo mandato.
2 - O excesso de nacionalização do debate público negligencia a complexidade da política local. Erros de avaliação do desempenho dos partidos levam a conclusões equivocadas sobre o Congresso. Por exemplo, apesar do bom resultado em eleições presidenciais, ao longo da história o pior desempenho eleitoral do PT, por regiões, é no Nordeste. O partido, aliás, elegeu mais deputados federais que o PSDB em São Paulo.
3 - Um número muito baixo (2,88%) de deputados federais venceu eleições majoritárias seguintes ao mandato no Legislativo.
4 - Não existe nenhum exemplo concreto na história brasileira em que o fortalecimento conjunto de jovens, figuras inexperientes e ativistas tenha desaguado em imediata melhora qualitativa na resolução dos principais gargalos da vida pública.
Na entrevista que se segue, os dois apresentam os diversos aspectos da pesquisa e comentam o debate acerca da renovação política no país.
Diversos movimentos têm defendido a necessidade de levar gente nova para a política no Brasil. Também se difunde a ideia de que um outsider seria uma solução contra a política tradicional. O que os dados levantados por vocês dizem sobre essas visões? Como tem sido a renovação do Congresso, por exemplo?
Há uma diferença significativa entre a percepção geral e os números sobre a renovação no Congresso. Ao compararmos a quantidade de reeleições de deputados, numa série histórica, os números indicam que grande parte dos congressistas têm "vida curta", contrariando, por exemplo, a percepção de que apenas "raposas velhas" ocupam a Câmara.
De 1990 a 2014, no Congresso, reeleição não é regra, mas exceção. Nesse período, cerca de 25% dos deputados federais ultrapassaram o segundo mandato. Quer dizer, há muito mais deputados eleitos uma ou duas vezes do que figuras reeleitas indefinidamente. No mesmo período, cerca de 21% dos senadores foram reeleitos. Números bem menores do que a percepção popular.
Entre os deputados eleitos nesse período, em torno de 57% estiveram na Câmara por um mandato e 21% conquistaram um segundo, reeleitos de maneira contínua ou após um breve período de interrupção.
No Brasil, o percentual de deputados eleitos cai bastante conforme se adicionam mandatos. Aproximadamente 11% alcançaram a marca dos 3 mandatos, 5,3% conquistaram 4 mandatos, 3,3% tiveram 5 e só 2,4% chegaram a 6. [Para comparar,] nos EUA, na legislatura atual, apenas 13% da Câmara é representada por deputados de primeiro mandato.
Temos então muita rotatividade no Congresso?
A verdade é que temos um dos Legislativos mais rotativos do mundo. Em relação a democracias consolidadas, a renovação do Congresso brasileiro está acima da média de países comparáveis.
Em 2014, 53% dos deputados federais brasileiros foram reeleitos, enquanto que 95% dos congressistas americanos, 90% dos britânicos, 88% dos espanhóis, 80% dos australianos e 72% dos canadenses se reelegeram. A baixíssima renovação em cada um desses países é razão de atraso ou ausência de progresso nacional? Improvável.
O Congresso tem sido boa plataforma para outros cargos, como os majoritários?
Não. Dos 1.889 deputados eleitos de 1990 a 2014, 103 conseguiram se eleger senadores, prefeitos ou governadores ao final de seu mandato (5,4% do total).
No Senado, 27 dos 259 diplomados nesse período sagraram-se governadores, prefeitos ou deputados, durante ou imediatamente após o mandato (10,4%). Enquanto isso, 205 não foram reeleitos como senadores (79,2% do total).
É justo afirmar que desses 205, 23 foram eleitos para outro cargo (10%). Isso significa dizer que, nos últimos 28 anos, nenhuma das Casas serviu de trampolim a outros cargos.
Como explicar a proliferação de movimentos de renovação?
A ansiedade que marca este ano eleitoral não é incomum. Basta folhear a história brasileira desde a queda do império para perceber que momentos de instabilidade reduzem as barreiras para novos entrantes.
Assim nasceu boa parte dos movimentos de renovação política. Historicamente, eles pegam carona em narrativas pouco contestáveis, como o fim de privilégios ou o combate à corrupção, para se apresentarem como alternativas ao que está posto. "Varre, varre, vassourinha" de Jânio em 1960. Collor, o "caçador de marajás", em 90.
Mas o que há de novo nesses grupos pela renovação? Na verdade, esse perfil de discurso que ocupa —ciclicamente— o debate público brasileiro não é novo, mas releitura de algo conhecido na política nacional.
Os defensores de uma renovação de pessoas não conseguem explicar como esse difícil quebra-cabeças abrangeria as realidades de um país enorme, diverso e desigual como o Brasil. Quanto mais diferentes somos, mais difícil é a arte da política. Novos nomes não resolvem esses impasses. Política, sim.
Se a premissa em que esses grupos se baseiam para legitimar os outsiders não se sustenta, o que oferecem, então? Reduzir a política nacional à ocupação dos espaços de poder em Brasília é solução? Mudar os rostos resolve nossos problemas?
Não podemos condenar a esperança justa de brasileiras e brasileiros por ideias novas, mudanças e melhoria em suas vidas. O erro que não podemos cometer mais uma vez é confundir a luta por um país justo, menos desigual e mais desenvolvido com slogans de grupos que aspiram a ocupar esses espaços. Grupos que propõem a renovação de caras e práticas, mas nem sequer apresentam uma proposta clara e corajosa sobre como chegaremos lá.
Qual a experiência do Brasil com outsiders?
Outsiders não são novos nem no Brasil nem no mundo. Por exemplo, Getúlio Vargas pertencia ao estamento político gaúcho, apesar de a marginalização do estado nos arranjos políticos nacionais da época lhe fazerem não pertencer à elite política "catetista" [o Palácio do Catete foi a sede do Executivo federal até 1960].
Os anos que antecederam e desaguaram em 1964 foram turbulentos pelas movimentações de tenentes e comunistas em campos opostos, mas ambos antiestamento político. Décadas depois, a fundação do PSDB e a jornada do PT rumo a Brasília representaram a renovação pela reforma, disputando espaços então tradicionalmente ocupados pela política tradicional.
Na história recente, há semelhanças entre a chegada de Dilma ao Planalto e a chegada de outsiders ao poder em outros países. Dilma não era política, não tinha sido eleita nem disputado cargos eletivos até então. Ocupou, é verdade, cargos de confiança no governo, mas sempre foi apresentada como um quadro "técnico". Não teve uma carreira com projeção nacional, tampouco era membro histórica do PT.
Em 2018, no Brasil, a narrativa outsider tem se misturado com o discurso pela renovação. O ponto é que existe uma diferença clara entre renovação e "outsiderismo". Há muitas formas de argumentar por renovação através da política. Mas os movimentos que têm aparecido no Brasil, na verdade, advogam por mais pessoas de fora do sistema.
A ideia do outsider como salvador da política também tem crescido no plano internacional. Como o caso brasileiro se relaciona com o que ocorre em outros países?
Movimentos pela renovação política tentam introduzir no Brasil em 2018, por acidente ou não, um eixo de polarização inspirado em debates populares pelo mundo. Eles se concentram numa outra divisão política. Entram em campo os "nacional-conservadores" e "progressistas-transnacionais".
Para os progressistas, o indivíduo é sobreposto por relações de etnia e gênero. O aspecto multifacetado da sociedade é substituído pelo binário "opressores naturais e oprimidos estruturais". A legitimidade representativa a partir do voto é sucedida pela crença na representatividade proporcional. E isso se soma ao tradicional eixo "direita-esquerda".
Esses aspectos foram o epicentro das eleições de 2016, tendo em Donald Trump uma vitória nacional-conservadora e em Emmanuel Macron uma vitória progressista-transnacional.
No Brasil, alguns desses grupos de renovação identificados com agendas progressistas-transnacionais tentaram apostar em Luciano Huck, outros orbitam em torno de Marina Silva (Rede), enquanto grupos nacional-conservadores seriam representados por Jair Bolsonaro (PSL).
O que nenhum movimento "renovado" procura explicar é: por que a única chance de o Brasil ser um país verdadeiramente desenvolvido só se dará quando um grupo de jovens líderes e outsiders conquistar o poder? Essa pergunta só pode ser respondida com base em crenças, não em evidências. O Brasil não precisa de salvadores da pátria, sejam eles uma pessoa, sejam um grupo.
A ideia de renovação parece valorizar mais o plano nacional do que o regional. Como esses dois planos se articulam no jogo político?
A política regional é a raiz da política nacional. Seja na disputa presidencial, seja no Congresso, o Brasil se define a partir de 27 eleições regionais. [Dado que] 35 partidos atualmente registrados dividem-se de maneira desigual em 27 estados e milhares de cidades, as composições políticas regionais não teriam como ser menos complexas.
Isso colabora para fortalecer a percepção de um Congresso menos representativo e mais afastado dos eleitores. Não é razoável esperar que o Congresso tenha instrumentos capazes de capturar todas as possibilidades de alinhamento político em cada região.
A isso se soma a realidade de que o espaço dos partidos em cada estado também está longe de ser consolidado. Cada eleição é uma nova batalha pela fidelidade do eleitor. Em razão dessa volatilidade e competitividade, não é natural que um político escolha a Câmara como primeira empreitada. Pelo contrário.
Na nossa opinião, [apostar na Câmara] é um grande erro desses movimentos. Não é difícil associar essa escolha com a necessidade de partidos pequenos aumentarem seus quadros em Brasília, sob risco de sua gradual extinção por falta de recursos e autonomia [por causa da cláusula de barreira].
Aqui, juntou-se a fome com a vontade de comer. A Rede, por exemplo, que não foi testada nas urnas em 2014, precisa aumentar sua representação na Câmara e está abrindo as portas para essas candidaturas. Após a última janela, o partido ficou com 2 deputados, mas tinha 5 um ano atrás. O mesmo vale para o PPS, que com 9 deputados eleitos por 7 estados em 2014, hoje estaria limitado pela cláusula de barreira.
A composição de uma chapa potencialmente vitoriosa ao governo de um estado acontece ao mesmo tempo em que se inicia a corrida rumo às cadeiras na Câmara.
As conversas ainda incluem uma composição de chapa que aproveite melhor os votos na disputa por posições majoritárias, limitando o canibalismo entre nomes relevantes para posições como Senado e governo. Além da negociação de apoios aos principais candidatos à Presidência, considerando seu respectivo endosso a candidatos em cada estado.
É isso que vemos nos jornais. São muitas combinações possíveis.
PT e PSDB polarizaram as eleições presidenciais nas últimas décadas, mas nos estados é diferente. Qual o papel dessa polarização na política nacional?
A "nacionalização" da política estadual desinforma o eleitorado. O exemplo mais claro é que o Brasil dos últimos anos está longe de ser definido por uma batalha campal entre tucanos e petistas. De fato, em todas as sete eleições presidenciais da Nova República, candidaturas encabeçadas por PT e PSDB foram as mais competitivas. Mas, quando olhamos o Congresso, o cenário é bem diferente.
Por exemplo, colorir vários estados do Nordeste de vermelho nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 nos faz esquecer da força do PMDB. Engana-se quem pensa que o PT é força majoritária na região. Em seu melhor cenário histórico, o partido alcançou 16,5% dos assentos do Nordeste [na Câmara], enquanto o DEM teve em sua melhor marca 33,7% das cadeiras. O PMDB, por sua vez, conquistou 19,9% dos assentos em seu auge.
E o melhor resultado do PT no Nordeste não se compara aos seus percentuais em São Paulo, onde a marca de 25% dos assentos em 2002 faz do PT o recordista histórico de cadeiras conquistadas por um partido em uma só eleição no estado.
Outro exemplo claro é que, apesar de São Paulo ter consistentemente votado em candidatos tucanos à Presidência, é o estado que mais elegeu deputados petistas ao Congresso. Desde sua primeira eleição em 1986 até hoje, o PT elegeu mais deputados em São Paulo (103) que em todo o Nordeste combinado (99).
A polarização entre PT e PSDB em São Paulo é grande. Desde 1990, PT e PSDB brigaram por aproximadamente 40% do eleitorado paulista em eleições proporcionais ao Congresso. A cada eleição um dos dois fatura a maior bancada do estado. PSDB e PT foram donos do maior número de deputados eleitos em metade das eleições e empataram em uma.
Mas esse fenômeno não se repetiu em nenhum estado. São Paulo pode estar polarizada entre os dois partidos. O Brasil, não. A percepção dessa divisão nada mais é que a "nacionalização" de rivalidades locais. A situação no resto do país é bem mais complexa e menos petista ou tucana.
Considerando os estados, pode-se dizer então que o cenário político atual é menos polarizado do que parece?
É importante desconstruir algumas percepções erradas sobre o momento atual. O Brasil vive o auge de um processo de pulverização política —não de polarização. A análise caso a caso dos estados qualifica essa afirmação. De 1990 a 2010, é possível notar que na maioria dos estados existia alguma continuidade entre grupos de dois ou três partidos.
Canalizando de 40% a 50% dos votos por estado a cada eleição, partidos mais sólidos e com envergadura nacional formavam uma espécie de amortecedor natural entre partidos mais extremados, novos entrantes e as relações políticas tradicionais do estado. Transições políticas aconteceram, mas sempre de maneira a substituir algum dos principais partidos por uma força em ascensão.
Porém, o ano de 2014 foi difícil para os principais partidos brasileiros. A estratégia governista de fragmentação do DEM foi seguida da maior rejeição eleitoral ao PT e a segunda maior ao MDB em 30 anos de democracia. Só a perda conjunta de parlamentares desses três partidos totalizou 10% de todo o Congresso.
Que padrão de voto vocês identificam nos estados brasileiros?
De forma geral, o atual contexto político nacional nos permite agrupar a maioria dos estados brasileiros em três grandes segmentos: estados de polarização, pulverização e de transição gradual na política regional.
Em estados de polarização, notamos que, apesar dos problemas enfrentados nos últimos anos, ao menos dois partidos de envergadura sustentam suas candidaturas baseando-se na oposição pragmática de um ao outro. A polarização PT x PSDB em São Paulo e PP x PT no Rio Grande do Sul dão o tom da vida política em ambos os estados.
Nos de pulverização, estados com estruturas políticas fortes e tradicionais viveram uma onda de decréscimos em seus quadros e um aumento na quantidade de partidos a representar seu eleitorado. O Distrito Federal e o Maranhão são bons exemplos. Num curto espaço de tempo, partidos influentes viram suas bancadas estaduais no Congresso serem fragmentadas e reaproveitadas por legendas menores ou novatas.
Os estados de transição gradual têm sido marcados por transições de poder menos conturbadas. O Acre, ao longo da crise política, continuou elegendo candidatos e candidatas petistas de maneira implacável à maioria dos cargos.
Ao mesmo tempo, o Acre é o terceiro estado que mais renova seus quadros no Brasil (65% de troca, em média), perdendo apenas para o Distrito Federal (69%) e o Sergipe (69%). Logo, a crise política vivida por Brasília não afetou de maneira abrupta a tradição política hegemônica do estado.
* Marcos Augusto Gonçalves é repórter especial da Folha, editor da série de cadernos temáticos "E agora, Brasil?" e autor de "1922 - A Semana que não Terminou". Foi editor da Ilustrada e da Ilustríssima.
* Visca é artista plástico.