Folha de S. Paulo

Luiz Weber: O candidato bombado

Geraldo Alckmin (PSDB) recorreu ao mercado de anabolizantes da política

Geraldo Alckmin tomou uma injeção de PMMA. De um dia para outro inflou. Ficou na aparência competitivo na disputa pelo Planalto (apesar dos 7% de preferência do eleitorado, segundo o Datafolha).

Projeta-se maior após receber doses cavalares de tempo de TV fornecidas pela aliança com DEM, PP, PR, PRB e SD. Uma sopa de letras tão letal quanto a sigla que identifica o silicone usado em cirurgias estéticas.

Magro nas pesquisas, Alckmin recorreu ao mercado de anabolizantes da política (só a base de muita metáfora para entender isso). Para tanto, procurou o líder do PR, o mensaleiro condenado Valdemar Costa Neto.

Valdemar é um Dr. Bumbum da política. Opera na semiclandestinidade, carrega seu estoque tóxico de fisiologismo para inocular nos aliados de ocasião. E está pronto para sair de cena tão logo algo dê errado na coligação siliconada.

Se o tucano —mesmo com um bom naco de TV— não crescer, o PR e alguns associados vão escapar do flagrante e atuar noutra frente.

Assim, flácido, Alckmin vai sofrer as dores de um crescimento artificial e malformado. Pode vir a claudicar em plena campanha. Pior, terá negligenciado a prática de exercícios obrigatórios que sempre fizeram parte do núcleo duro do PSDB e que garantiam a coesão e musculatura do partido mesmo na oposição. Responsabilidade fiscal, reforma do Estado, desaparelhamento, não são o forte desse grupo.

Não se faz política sem alianças ou cavalgando um moralismo extremado. Mas a falta de empuxo da candidatura de Alckmin nesta fase tornou-o presa dos interesses oportunistas dos novos aliados. Já se fala nos bastidores em divisão do butim se o tucano for eleito.

Eleição sem doping, isto é, sem réus da Lava Jato, sem caixa 2, sem fisiologismo, parece ser essa a demanda reprimida do eleitorado. Ao concorrer dopado pelo centrão, Alckmin pode até largar bem, mas, se vai chegar inteiro numa corrida de obstáculos como uma eleição presidencial, é outra história.

* Luiz Weber é secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.


Folha de S. Paulo: 'O problema do Bolsonaro não é econômico, é civilizatório', diz ex-presidente da Fiesp

Horácio Lafer Piva afirma também que se espanta com o fato do centrão comandar a cena política

Por Josette Goulart, da Folha de S. Paulo

Líder nas pesquisas, aplaudido por industriais, ovacionado como mito em aeroportos.

A combinação destes fatores tem dado a sensação no mercado financeiro e entre grandes empresários de que Jair Bolsonaro, mesmo afeito a declarações polêmicas, parece não representar uma ameaça à economia do país.

O empresário Horácio Lafer Piva, 61, é um dos que atesta que o problema de Bolsonaro não é o da condução da economia. Mas ele completa sua sentença: “O problema do Bolsonaro é civilizatório. O Brasil retrocederia neste ponto e voltaria a discutir temas como gênero, segurança… O Brasil não precisa disso”.

Piva é o comandante de uma das principais indústrias de papel do país, a Klabin, e foi presidente da Fiesp. Em entrevista à Folha, o empresário disse que se espanta com o fato de o “centrão” comandar a cena política.

Os partidos que compõem esse grupo —DEM, PP, PRB e Solidariedade— estão sendo hoje paparicados pelas candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e de Geraldo Alckmin (PSDB), pela força que podem trazer às suas campanhas, principalmente em tempo de televisão. O MDB, para ele, também é outro grande centro de interesses.

“Acreditar demais neste momento nos candidatos é perda de tempo”, diz Piva. “Quais são as demandas do centrão? Só vamos saber mais adiante. Proponho-me a acreditar no que os candidatos estão dizendo só depois de já terem negociado.”

O centrão tem tido força para barrar votações consideradas importantes pelos empresários, como aconteceu com a reforma da Previdência. E também para apoiar outras reformas consideradas ruins pelo empresariado, como a política.

“Maior golpe que teve no Brasil foi o da reforma política, que manterá a política nas mãos dos mesmos”, diz Piva, referindo-se às mudanças nas regras que, na prática, inviabilizam o potencial de novas candidaturas para o Legislativo.

Historicamente o empresário é ligado ao tucanato, mas ele não declara voto ou mesmo não-voto neste momento a qualquer candidato.

Na sua avaliação, apenas quatro têm chances reais de se eleger: Alckmin, Bolsonaro, Ciro e Marina. De antemão, coloca dúvidas sobre uma chance real de transferência de votos de Lula a um candidato do PT, que ele acredita que será Fernando Haddad.

Marina, segundo Piva, tem grande potencial de se mostrar como uma alternativa ao eleitor desalentado, desde que consiga se destacar na campanha. A candidata terá apenas 10 segundos de tempo de TV.
Alckmin depende das coligações para decolar e Ciro tem se colocado como uma opção de centro, mesmo que de esquerda. “Mas é muito cheio de certezas e com viés muito estatizante”.

No cenário traçado nas conversas entre empresários e representantes de mercado financeiro, só há uma certeza: a de que ninguém tem certeza. “Mesmo aqueles que tentam apontar as certezas não estão tão certos quando pressionamos um pouco”, diz Piva.


Marcos Troyjo: Japão e União Europeia contra-atacam a desglobalização

Países acertam pacto de livre-comércio que atinge 600 milhões e um terço do PIB global

A dinâmica de desglobalização –crítica às democracias liberais, a um sistema internacional baseado em regras construídas multilateralmente e ao livre comércio– não começou com o ‘brexit’ ou a presidência de Donald Trump.

Já se podiam perceber seus movimentos no rescaldo das crises gêmeas de 2008 (subprimes) e 2011 (dívidas soberanas europeias).

Em meio às muitas disfuncionalidades da democracia, ganharam relevo autocracias como as de Rússia, China e Turquia.

O comércio multilateral sob o signo da OMC não ficou necessariamente mais justo. A ONU não se reformou, sobretudo em seu núcleo central de deliberação –o Conselho de Segurança.

Processos de cooperação regional, como Nafta, Mercosul e União Europeia, perderam velocidade e eficiência, e sua própria existência é posta em xeque.

A globalização profunda, que ganhou tração com o fim da Guerra Fria, vem sendo carcomida há pelo menos dez anos. Quando ‘brexit’ e Trump emergiram no local do acidente, muitas fraturas já se encontravam expostas. E a guerra comercial posta em marcha nas últimas semanas apenas amplia o potencial disruptivo.

Em meio a tantas nuvens escuras, que pairam especialmente sobre o comércio global, lançaram-se ontem alguns raios de luz. Japão e União Europeia assinaram nesta terça (17), em Tóquio, um importante tratado –o JEFTA, sigla em inglês para o acordo de livre comércio entre o país oriental e o bloco europeu.

Se ratificado, tal pacto abrangerá 600 milhões de pessoas que passarão a integrar o maior mercado comum do mundo, de onde se gera 1/3 do PIB global.

Há várias considerações a fazer sobre tal acontecimento. A atual onda de protecionismo precipitada pelos EUA de Trump funcionou, ao contrário do que se possa imaginar, como acelerador de tal acordo. Aliás, o mesmo pode se dizer do ‘brexit’, que acabou fornecendo um incentivo indireto a que os europeus abandonassem sua zona de inércia negociadora.

Objeto de minuciosas negociações havia quatro anos, o JEFTA tinha tudo para continuar sendo empurrado com a barriga ainda por muito tempo não fosse a pressão política em Bruxelas e Tóquio por boas notícias comerciais.

Esse quadro não pode passar desapercebido pelos negociadores do Mercosul, que portanto se deparam incidentalmente com a conjuntura europeia mais favorável a um acordo entre UE e o mercado sul-americano desde que os dois blocos iniciaram tratativas nesse sentido há quase vinte anos.

Importante também ressaltar que aquilo pactuado em Tóquio não pode ser considerado um acordo comercial de “última geração”. Trata-se essencialmente de um toma lá, dá cá de remoção de tarifas.

Os europeus, por exemplo, eliminam restrições tarifárias à importação de carros japoneses (Toyota, Nissan, Mazda e Suzuki festejam).

Já os japoneses liberalizam seu mercado agroalimentar (salvo o tradicional setor do arroz, é claro) e de bebidas, para alegria de conglomerados europeus como Danone, LVMH e Pernod Ricard.

Isso não significa que estamos de volta ao mundo de tarifas e quotas. A liderança do Japão em recolher os cacos do TPP depois do abandono dos EUA de Trump e recompô-los na forma do CPTPP (sigla em inglês para Acordo Abrangente e Progressivo para uma Parceria Transpacífico), que reúne onze países de Ásia, Oceania e América Latina, mostra como é possível fazer avanços em distintas frentes.

Com os europeus, o Japão passa a ter um acordo comercial mais tradicional. Com as nações do Pacífico sob a égide do TPP, um tratado mais moderno, que inclui dispositivos sobre regras do jogo compartilhadas em compras governamentais ou legislação ambiental e trabalhista.

É revelador também que, seja no tratado firmado ontem com Bruxelas, seja no acordo da Ásia-Pacífico, o Japão não se vê limitado –no escopo da negociação– a circunstâncias geográficas.

O objetivo de um comércio mais livre, complementado por parâmetros jurídicos comuns de competição e integração, mostra-se mais determinante do que a proximidade com seus vizinhos.

Japão e União Europeia, individualmente considerados, continuam a apresentar uma série de perfis protecionistas em seu comércio com outros parceiros. Isso se observa em particular no agronegócio, setor de enorme interesse para os países latino-americanos, que muito ganhariam se japoneses e europeus promovessem uma liberalização “horizontal” de seu mercado agrícola.

Ainda assim, é bom ver que neste cotidiano comercial tão conturbado, Japão e UE, com seu novo acordo, estão desferindo um contragolpe na desglobalização.

Marcos Troyjo é diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia


Foto: Beto Barata\PR

Samuel Pessôa: Vamos para o ajuste?

Com reformas, próximo presidente tem chance elevada de reeleição em 2022

A economia brasileira tem forte desequilíbrio fiscal. O Congresso Nacional estabeleceu atribuições para o Estado que não conversam com as fontes de receita que este mesmo Congresso definiu.

Temos um impasse. Será necessário criar impostos ou aprovar reformas que reduzam o gasto.

Desde o primeiro ano do governo Dilma, o Congresso tem se recusado a arbitrar esse conflito distributivo. Tem rejeitado propostas que reduzam o gasto público, como, por exemplo, a reforma da Previdência, e tampouco aceita criar novos impostos.

O resultado é que a dívida pública cresce e estamos nos aproximando do momento em que a política monetária deixará de ser efetiva. Corremos o risco de retornar aos anos 1980 de triste memória.

Será que o novo governo a ser eleito em 2019 fará o ajuste?

Há diversos analistas e operadores do mercado que consideram que o ajuste não ocorrerá. Parte da desvalorização do câmbio e da pressão sobre os juros domésticos que houve desde maio segue desse entendimento.

Penso que cometem um erro.

De fato, a situação política deteriorou-se muito. Se o governo Temer já era fraco, a chamada "Ponte para o Futuro", o seu programa econômico, virou pinguela (para usar a expressão de FHC) após a divulgação da gravação com Joesley Batista.

O movimento dos caminhoneiros mostrou que a pinguela ruiu.

Caímos todos no rio e estamos a nado em direção à outra margem.

Em meio à incapacidade de centralização das ações de um governo que mais parece um pato morto do que manco, abundam pautas-bomba no Congresso.

Por exemplo, está para ser aprovado na Câmara projeto de lei, já votado favoravelmente no Senado, que cria inúmeros novos municípios. Puro desperdício de recursos da União, visto que esses municípios viverão exclusivamente dos fundos de participação dos estados e municípios.

As análises mais pessimistas projetam que, para o próximo ano, o Executivo nacional terá as mesmas dificuldades de centralização das ações enfrentadas pelo atual. Não parece ser correto.

Penso que iremos para o ajuste. Pode não ser o melhor ajuste: é bem possível que o pacote de reformas aprovado não seja suficiente para colocar a economia crescendo em patamar mais elevado.

Porém, provavelmente, faremos o ajuste fiscal, o que deve ser suficiente para colocar a economia em velocidade de cruzeiro, uns 2,5% anuais, e, nos primeiros anos, um pouco mais em função da elevada ociosidade.

A pessoa que sentar na cadeira de presidente em 1º de janeiro de 2019 receberá a inflação a 4%, com Selic a 6,5%, e a economia tendo crescido 1,5% em 2018.

Se não fizer o ajuste, legará ao seu sucessor inflação acelerada, com desemprego elevado e juros também. Difícil imaginar que consiga a reeleição.

Por outro lado, se fizer o ajuste fiscal, mesmo que de baixa qualidade, conseguirá provavelmente entregar a economia em 2022 em situação bem melhor do que a atual. As chances de reeleição serão elevadas.

Ou seja, os incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente empregue todos os instrumentos ao seu alcance para ajustar a política fiscal.

Minha avaliação é que os políticos entendem perfeitamente essa lógica.

Essa é, no meu entender, a grande virtude da reeleição. Ao alongar o horizonte de cálculo do presidente, estimula boas práticas quando a situação requer forte ajuste.

*Samuel Pessôa, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Elio Gaspari: A cadeia de Lula virou seu melhor palanque

Lula não pode dar entrevistas, mas sua voz estará na campanha, como a do aiatolá Khomeini nos anos 70

A juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba decidiu que Lula não pode receber jornalistas. Ela informou também que ele está em “situação de inelegibilidade”. Seja lá o que for o que isso signifique, a essência da decisão faz sentido. O que lhe falta é eficácia.

No início dos anos 70, quando começaram a aparecer cassetes com os áudios de sermões do aiatolá Khomeini, o Xá do Irã mal ligou. Afinal, ele era um islamita radical exilado na Turquia, Iraque e França. A liderança religiosa desprezava-o, e os poderes do mundo acreditavam que era apenas um excêntrico. O sujeito de barbas brancas tomou o poder e criou uma ditadura muito mais intolerante e repressiva. A ilusão foi favorecida pelo romantismo da voz do ausente. Isso aconteceu no tempo em que não havia internet.

Lula é um “apenado” na carceragem da Federal de Curitiba, e, proibindo-o de dar entrevistas, cumpre-se a lei, mas não se impede que ele seja ouvido. Mais: limita-se a sua capacidade de dizer tolices, como a louvação dos pneus queimados ou as ocupações de propriedades, cometidas na sua última fala.

A decisão judicial não tem eficácia porque Lula recebe advogados, e eles podem gravar o que ele lhes diz, com direito a divulgar o áudio. Por ser um preso, ele não pode montar palanques na cadeia. Por ser um cidadão, pode falar.

Em situações malucas, até os doidos acabam mostrando que são sábios. No século passado, quando o frenesi anticomunista tomou conta dos Estados Unidos, o compositor Woody Guthrie acabou num hospício, seus amigos preocuparam-se, e ele acalmou-os:

“Eu é que estou preocupado com vocês. Lá fora, se você diz que é comunista, vai para a cadeia. Aqui, eu digo que sou comunista, e eles dizem que sou maluco.”


Luís Francisco Carvalho Filho: Lula, estado mental e crise

Cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco

O sistema eleitoral, contaminado pelo ranço autoritário e pelo cinismo, aproxima-se do esgotamento.

Até 16 de agosto é o país do faz de conta. Propaganda antecipada não pode. O candidato que desrespeitar é punido se tiver conhecimento prévio: como os candidatos não sabem de nada, nem se são candidatos, nada acontece.

Propaganda só em língua nacional. Ato grave de insubordinação, punido com até seis meses de prisão, é criminoso o slogan em idioma estrangeiro. Para intérpretes rigorosos, língua nacional é o português (idioma oficial da República), o que inviabilizaria publicidade eleitoral em caiapó ou em bororo.

Pré-candidatos não pedem voto. Fazem "menção à pretensa candidatura", exaltam suas "qualidades pessoais", prometem a salvação do país, mas o "vote em mim" é proibidíssimo. Admite-se até o "impulsionamento" patrocinado de mensagens em redes sociais, mas não podem pedir voto explicitamente. Só implicitamente. Dizem que o sistema é liberal porque autoriza a divulgação do posicionamento de pré-candidatos sobre questões políticas: era o que faltava proibir.

A liberdade de expressão é "passível de limitação" por formidáveis juízes em todo o Brasil. O TSE promete a "menor interferência possível no debate democrático" e sugere "remoção de conteúdo".

Pesquisa eleitoral é tratada com desconfiança por candidatos, legisladores e magistrados, como se fosse ato de propaganda, para iludir o eleitor, e não fonte de informação.

Mentir pode, mas fake news tem status de perigoso inimigo.

É proibido ridicularizar partidos e candidatos mesmo quando partidos e candidatos são ridículos. A propaganda não deve atentar contra os "bons costumes". Desenho animado é abuso de poder. Artistas estão impedidos de "animar comícios". É proibido confeccionar ou distribuir camiseta, chaveiro e boné. No dia da eleição só se admite "manifestação individual e silenciosa".

É como se o ano eleitoral fosse um intervalo de obscurantismo. O desejo de tutelar a cabeça do eleitor —protegendo-o de influências perniciosas— é antigo, mas o jogo da influência é da natureza democrática.

Um princípio curioso da lei brasileira vem do regime militar e tenta impedir meios publicitários destinados a "criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".

Difícil imaginar qual seria o estado não mental que o TSE pretende estabelecer no eleitorado, mas, em 2018, Lula é candidato a ser fio condutor de algum "estado mental". Resta saber se é artificial.

Quer se eleger, mas não pode ser eleito. Quer se pronunciar e ser sabatinado, mas está preso e, segundo a Justiça, preso não fala. Emudecido e atrás das grades, lidera as intenções de voto. Seus seguidores não enxergam lisura na eleição sem Lula, vítima de conspiração judicial. Seus oponentes não enxergam lisura na eleição com Lula, condenado por corrupção em duas instâncias de julgamento.

Até o registro de seu nome pelo PT, depois da convenção, a candidatura de Lula não existe. Ou existe? A partir de 16 de agosto, solto ou preso, se o PT quiser, Lula estará habilitado a fazer propaganda oficial: o julgamento da impugnação do registro acontece até 17 de setembro (20 dias antes do primeiro turno).

Cassada a candidatura, uma liminar do Supremo (Brasil, terra das liminares) esticaria sua permanência na disputa eleitoral. E se Lula vencer? Vai ser cassado? Antes ou depois de assumir? A Lei da Ficha Limpa deixaria de existir para todos ou ela só não existirá para Lula?

O cenário de crise é inevitável e a legitimidade do futuro governo corre risco. Independentemente do resultado.

* Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).


Nelson de Sá: Economist questiona compra da Embraer pela Boeing

'Os céus estão ficando sem competição', diz a revista, sublinhando que negócio pode cair

A liberal The Economist não gostou da compra da Embraer pela Boeing. Afirma que a americana Boeing e a europeia Airbus estão “jogando duopólio”, trocadilho com o jogo Monopoly, e que “os céus estão ficando sem competição”.

Questiona a desculpa apresentada para o negócio, de que russos e chineses estariam preparando aviões concorrentes.

Mas lembra com aparente alívio que “os passageiros não estão condenados a voar em aviões de Boeing ou Airbus para sempre”, porque “muitos acionistas da Embraer estão insatisfeitos de que vão ficar só com 20%” da empresa —e presidenciáveis brasileiros prometem vetar.

BOLSONARO LÁ
A Foreign Affairs, revista do principal centro de estudos de política externa dos EUA, Council on Foreign Relations, se pergunta se “o próximo presidente do Brasil será de extrema direita”. Diz que o crescimento da popularidade de Jair Bolsonaro ”é impressionante”, de 5% para 20% em dois anos.

E avisa que ele não é mais considerado "inelegível", como acontecia antes, "por sua apologia da ditadura militar e da tortura, seus comentários ofensivos contra afro-brasileiros, gays e outros".

Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.


Folha de S. Paulo: Flávio Rocha, da Riachuelo, desiste de ser candidato à Presidência da República

O empresário Flávio Rocha (PRB), dono da Riachuelo, desistiu de ser candidato à Presidência. O anúncio de sua saída da corrida eleitoral deve ser formalizado nesta sexta (13), informa Thais Arbex.

O movimento abre espaço para que o seu partido, o PRB, declare apoio a outro candidato na corrida ao Planalto.

A sigla faz parte do grupo que discute se sela uma aliança com Ciro Gomes (PDT) ou com Geraldo Alckmin (PSDB), mas o PRB pende para um apoio ao presidenciável tucano.

Aliados de Rocha dizem que a retirada será justificada como um gesto a favor do país e contra “o flerte com os extremos”. O PRB deve fazer um apelo pela união das forças de centro em torno de um único projeto.

Ao abandonar a candidatura, Flávio Rocha dirá que abre espaço para o diálogo sobre a construção de uma proposta “mais equilibrada para o Brasil”.

A expectativa é a de que a desistência de Rocha seja formalizada em nota. O empresário também vai divulgar um vídeo nas redes sociais para explicar sua decisão.

Neste sábado (14), os presidentes dos quatro partidos do centrão –PRB, DEM, PP e Solidariedade– se reúnem em São Paulo para definir o caminho do bloco.


Folha de S. Paulo: Atrás de aliança com DEM, Alckmin diz que pesquisas virarão de ponta cabeça

Ex-governador defende investigações sobre caixa dois em São Paulo e afirma ser 'vida limpa'

Por Fernando Canzian e Fábio Zanini, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Geraldo Alckmin, 65, pré-candidato do PSDB à Presidência, diz estar "trabalhando" para compor uma aliança com DEM, partido que tem flertado com a candidatura de Ciro Gomes (PDT).

"Se depender de mim, estaremos juntos", disse o ex-governador paulista à TV Folha.

Com 7% das intenções de voto no último Datafolha e atrás de seus principais adversários, Alckmin diz que as pesquisas vão "virar de ponta cabeça".

Sobre suspeitas envolvendo a Dersa e caixa dois para campanhas tucanas, diz que tudo deve ser investigado. "Sou vida limpa", afirma.

PESQUISAS
Nunca houve uma campanha com tanta fragmentação de pré-candidatos. Há também uma desesperança com a política. Hoje, mais de 60% dos eleitores não têm candidato definido. O que é bom. Mostra que o eleitor estará mais amadurecido.

A dez dias da eleição no Tocantins, quem estava em primeiro era o ex-prefeito da capital e, em segundo, uma senadora. Nenhum dos dois foi sequer para o segundo turno.

Essa pesquisa vai virar de ponta cabeça. A campanha só vai começar mesmo com o rádio e a televisão, que é 31 de agosto. Vai ser uma campanha curta, de um mês.

ALIANÇA COM O DEM
Se depender de mim, estaremos juntos. E já estamos em muito estados. Estamos apoiando os democratas na Bahia, no Pará, no Amapá.

É normal que os partidos tenham como objetivo chegar ao poder e ter candidato a cargo executivo. À medida que eles tinham candidato à Presidência, nós não insistimos. A partir do momento que eles disseram que vão escolher outro candidato, estamos trabalhando e queremos estar juntos.

Hoje já temos cinco partidos encaminhados para uma aliança, o que nos dará cerca de 20% do tempo no rádio e na TV. Temos um diferencial que é o que fizemos, pois entre o falar e o fazer na política existe um abismo. Como ex-governador (de São Paulo), dá para mostrar o que foi feito.

DESAFIOS
Não vai ser fácil para quem assumir a Presidência. É o sexto ano de déficit primário, com a dívida pública do governo passando os R$ 5 trilhões, chegando a mais de 75% do PIB.

Não é um quadro simples. Mas quem for eleito vai ter mais de 50 milhões de votos e a legitimidade disso é muito grande para poder implementar rapidamente as reformas.

Faremos a reforma política, com voto distrital ou distrital misto, com cláusula de desempenho mais forte. Também a reforma tributária, para simplificar o modelo, a reforma da Previdência e a reforma do Estado. Vamos enxugar, reduzir.

AJUSTE FISCAL
Nós sabemos fazer ajuste fiscal e vamos fazer isso rapidamente para a economia voltar a crescer. Não vai ter crescimento sem investimento e não vai ter investimento sem confiança de que estamos no rumo certo e que o país não vai quebrar.

E com isso podemos ter política monetária de juros baixos, câmbio competitivo e o Brasil volta a crescer. Faremos também uma grande inserção internacional. Eu pretendo abrir a economia.

CAIXA 2, CCR E DERSA
A Folha publicou na Primeira Página matéria que repercutiu em todas as televisões, rádios e sites e que era mentirosa. Ela dizia que dentro do inquérito havia sido dito que teria recursos da CCR para a minha campanha em 2010.

Ficamos sabendo e nosso advogado leu de A a Z. Não tem nem menção. Fazer uma matéria de ouvir dizer é muita irresponsabilidade. Não se pode brincar com o caráter das pessoas.

[Em maio, a Folha publicou reportagem mostrando que a CCR, maior concessionária de estradas do país, repassou R$ 5 milhões para o caixa dois da campanha de Alckmin, segundo relatos de representantes da empresa ao Ministério Público. O dinheiro teria sido entregue ao cunhado do tucano, o empresário Adhemar Ribeiro, segundo a narrativa feita à Promotoria, que ainda investiga o caso].

Agora, se surgiu uma denúncia, investigue-se. Sou vida limpa. Tenho 40 anos de vida pública e meu patrimônio não dá para comprar aquela máquina ali [diz, apontado para uma câmera].

Precisa respeitar as pessoas. Essa forma de jogar todo mundo, dizer que ninguém presta, é um grande desserviço para a sociedade, porque você destrói a política.

Com o Paulo Vieira [de Souza, ex-diretor da Dersa investigado por desvios] eu não tenho nenhum relacionamento. Com o Laurence Casagrande [outro ex-diretor da Dersa investigado] eu não tenho nenhuma intimidade.


José Aníbal: Sempre pelo Brasil

Nossa tarefa é levar o país de volta ao bom caminho

Trinta anos é tempo suficiente para a experiência que ensina, mas também para que se renovem esperanças. É esta a lição que o PSDB tem a tirar no momento em que completa três décadas de fundação. É hora de novos rumos, mas é igualmente momento de rememorar o caminho que percorremos até aqui.

São poucos os partidos brasileiros que realizaram tanto em tão pouco tempo. Chegamos ao poder com sete anos de fundação, numa ascensão sem paralelo no país, e fizemos o governo mais transformador da nossa história.

Antes do presidente Fernando Henrique éramos marginalizados no mundo, com uma inflação anual na casa de quatro dígitos que boicotava qualquer possibilidade de construir o futuro —qualquer futuro. O Plano Real foi uma revolução na nossa história e correspondeu a uma refundação, a uma redescoberta; sem ele, o Brasil teria mergulhado no caos —ameaça que nos ronda hoje.

O fim da hiperinflação foi, por si só, o mais abrangente instrumento de inclusão social que o Brasil já experimentou. Aqueles que viveram sabem a perversidade que a carestia impunha aos mais pobres, incapazes de se defender da corrosão diária do dinheiro. A estabilidade abriu novos horizontes para nossa gente. Mas não foi só.

Aqueles oito anos forjaram o Brasil da modernidade, da responsabilidade com o dinheiro público, da abertura da economia ao investimento privado. Da criação de uma rede de proteção social que busca emancipar os mais pobres e não mantê-los sob o jugo do Estado.

Rememoro essas conquistas apenas para fazer justiça à história. E ouso dizer: o que teria sido do governo Lula se não tivesse havido antes o governo do PSDB? Teria sido um desastre desde o seu começo. Aliás, o próprio Lula, no governo, disse: "Ainda bem que não ganhei as eleições antes". Sorte do Brasil que aquele alicerce estivesse construído. As experiências recentes reiteraram que o pouco do Estado que funciona é aquele que legamos.

Temos passado, mas também temos futuro —basta ver a idade de muitos dos nossos prefeitos, centenas deles na casa dos 40 a 50 anos. Nossa missão agora é semelhante à que nos aguardava 25 anos atrás, mas teremos que construir a partir de escombros, pois os alicerces se foram, corroídos por anos de irresponsabilidade. Nossa tarefa é, novamente, levar o país de volta ao bom caminho. E vamos fazê-lo!

Escrevo sem saudosismo, sem o sofrimento que costuma amparar a saudade, sem nostalgia. Porque o PSDB segue sendo o lugar natural para onde convergem as mentes e vocações com sede de futuro.

Tenho orgulho do que temos sido capazes de fazer sempre que somos governo. Também tenho convicção da importância que, como oposição no plano federal, tivemos para evitar que o petismo se tornasse hegemônico.

O país tem pela frente uma encruzilhada que marcará não só os próximos quatro anos, mas definirá o destino de uma geração. Cabe ao PSDB apresentar-se novamente à nação para, com responsabilidade, conduzir a reconstrução. Estou seguro de que temos as melhores opções, os melhores quadros, as propostas mais condizentes com o momento crítico que o país atravessa. E temos um candidato talhado para essa travessia: Geraldo Alckmin.

Trinta anos é idade boa para renovar nossa profissão de fé no futuro. O PSDB sempre busca conduzir as aspirações por um governo que funcione, uma economia que cresça com inclusão, uma política feita com responsabilidade e ética. Estou convicto de que faremos, de novo, a diferença, a favor do povo brasileiro.

* José Aníbal, economista, ex-presidente nacional do PSDB e do Instituto Teotônio Vilela; ex-deputado federal por São Paulo e atualmente suplente do senador José Serra


Folha de S. Paulo: Moro contrariou quatro vezes ordens de tribunais superiores

Juiz da Lava Jato só não conseguiu o que queria no caso da prisão de Dirceu

Por Ricardo Balthazar, da Folha de S. Paulo

Mantida a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a quatro o número de casos em que o juiz federal Sergio Moro contrariou decisões de tribunais superiores desde o início da Lava Jato. Em três desses casos, ele conseguiu o que queria.

Responsável pelas ações da operação no Paraná, Moro só recuou uma vez até agora, ao cancelar a ordem para que o ex-ministro José Dirceu fosse monitorado por tornozeleira eletrônica após sua libertação pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada.

O episódio de domingo, quando Moro mandou a Polícia Federal ignorar a ordem do juiz federal Rogério Favreto para soltar Lula, foi o segundo em que ele se insurgiu contra uma decisão superior por considerar que o magistrado responsável não tinha jurisdição para lidar com o caso.

No fim de abril, um juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Leão Aparecido Alves, mandou suspender o processo de extradição do empresário Raul Schmidt, que é naturalizado português, vive em Portugal e é tratado pela Lava Jato como foragido da Justiça.

Moro se recusou a retirar o pedido de extradição, argumentando que a vara em que atua é subordinada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região e que, por isso, juízes da outra região não podem interferir em seu trabalho. "Apesar de todo o respeito que lhe cabe, [o TRF-1] não tem jurisdição sobre o assunto", disse.

O Superior Tribunal de Justiça cassou a decisão do TRF-1 e autorizou a continuidade do processo de extradição, que é conduzido pelo Ministério da Justiça. Ao tomar a medida, o ministro Sérgio Kukina disse que só o STJ tem autoridade para tanto, e que nem Moro nem Leão têm jurisdição quando atos do ministério são contestados na Justiça.

A liminar que contrariou Moro foi derrubada, mas a defesa de Schmidt conseguiu barrar a extradição nos tribunais portugueses e ele continua longe do alcance da Lava Jato. "A decisão de Moro nesse caso foi atrevida e desrespeitosa", diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que representa Schmidt.

No caso de Lula, a ordem de Favreto para soltar o líder petista foi dirigida à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso, e não a Moro. Embora tenha condenado o ex-presidente, o juiz de Curitiba não é o responsável pelo acompanhamento da execução da pena.

Os 8 capítulos da novela da soltura
Mesmo assim, a Polícia Federal seguiu a determinação de Moro, que mandou ignorar a ordem de Favreto até que o juiz João Pedro Gebran Neto, relator das ações da Lava Jato no TRF-4, se pronunciasse.

"Um juiz de primeiro grau determinar o descumprimento de uma ordem de tribunal superior é algo totalmente descabido em nosso ordenamento", diz o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio.

Nesta terça (10), ao manter Lula na prisão, a presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, criticou Favreto e elogiou Moro. Para ela, o juiz de Curitiba agiu "com oportuna precaução" ao se deparar com uma "esdrúxula situação processual".

Moro fez seu movimento mais audacioso em maio de 2014, quando a Lava Jato ainda estava no início e o ministro Teori Zavascki, do STF, mandou suspender as investigações e soltar todos que tivessem sido presos pela operação.

Em vez de simplesmente cumprir a decisão, Moro soltou o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pediu esclarecimentos a Teori sobre os demais presos, argumentando que havia envolvidos com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro entre eles.

Teori reviu sua ordem após o questionamento, permitindo que a Lava Jato avançasse nos anos seguintes. Em 2016, ele declarou ilegal a decisão de Moro de divulgar conversas telefônicas de Lula gravadas com sua autorização, mas não houve sanção ao juiz em nenhuma instância do Judiciário.

Como Moro reagiu às decisões dos tribunais

Em 2014, a pedido do ex-diretor da Petrobras, o STF mandou soltar todos os presos da Lava Jato e suspender as investigações. Moro soltou Costa e convenceu o STF a recuar

Raul Schmidt
Em abril deste ano, um juiz do TRF-1 mandou parar o processo de extradição do empresário, que vive em Portugal. Moro disse que só se submete ao TRF-4. O STJ cassou a liminar do TRF-1

José Dirceu
Em junho, o STF libertou o ex-ministro, condenado por Moro a mais de 27 anos de prisão. O juiz obedeceu, mas mandou Dirceu usar tornozeleira eletrônica. O STF o obrigou a cancelar a medida

Luiz Inácio Lula da Silva
No domingo (8), quando o juiz Rogério Favreto mandou soltar o líder petista, Moro mandou a Polícia Federal ignorar a ordem e esperar outro juiz se pronunciar. A prisão foi mantida


Folha de S. Paulo: Abandonei a ideia de ser premiê pelo movimento de educação de meninas, diz Malala

Para ganhadora do Nobel, maior vingança será educar filhas e irmãs daqueles que a atacaram

Por Fernanda Mena, da Folha de S. Paulo

"Não existe educação sem segurança", disse a paquistanesa Malala Yousafzai, referência global da luta por educação e igualdade de gênero, sobre as crianças brasileiras impedidas de ir à escola por causa de trocas de tiros ocorridas durante operações policiais em comunidades dominadas por organizações ligadas ao tráfico de drogas.

"O governo e as autoridades do país têm de se posicionar para assegurar o acesso dos brasileiros a educação, sem medo e sem riscos. A gente subestima o poder de nossas vozes, e essa é a primeira barreira que temos de enfrentar", afirmou à Folha.

Malala sabe o que diz. Militante desde os 11 anos, quando registrava num blog sua vida sob o regime do Taleban, que proibia garotas de frequentar a escola, aos 15 anos foi alvo de um atentado do grupo extremista islâmico que quase lhe tirou a vida. Um taleban invadiu um ônibus procurando por ela e atirou em sua cabeça, ferindo ainda duas colegas.

"Eles acharam que as balas nos silenciariam, mas falharam. E, do silêncio, surgiram milhares de vozes", discursou nas Nações Unidas dez meses depois do atentado, e um ano antes de se tornar a pessoa mais jovem a receber o Nobel da Paz, em 2014.

Nesta semana, Malala completará 21 anos durante sua primeira visita ao Brasil, que marcará a expansão das atividades do Malala Fund para a América Latina.

A organização, fundada por ela e seu pai em 2013 para promover a educação de meninas no mundo, movimenta US$ 10 milhões (R$ 39 milhões) ao ano e deve investir US$ 700 mil (R$ 2,7 milhões) em três jovens ativistas pela educação de diferentes partes do Brasil. O objetivo é incluir na vida escolar os cerca de 1,5 milhão de meninas que não têm acesso a educação no Brasil.

"A minha melhor vingança será educar a todos, inclusive as filhas e irmãs daqueles que me atacaram", brincou durante debate sobre educação e empoderamento feminino promovido pelo Itaú nesta segunda-feira (9) em São Paulo.

Durante o evento, a paquistanesa avaliou a importância dos homens na luta pela igualdade de gênero ("É uma responsabilidade compartilhada"), afirmou querer fomentar o debate sobre educação de meninas nas eleições brasileiras deste ano e reiterou que o poder sobre os rumos do país não está nas mãos dos políticos.

"O poder está nas mãos das pessoas. Use esse poder e eleja quem vai lhe representar bem", disse. "Os políticos precisam ser lembrados de novo e de novo que têm de ouvir as necessidades das pessoas."

Quando você avaliou que educação era algo crucial para uma garota?
Em 2009, quando eu fui impedida de ir à escola por um grupo do Taleban, que proibiu meninas de toda a minha região —o vale do Swat, no Paquistão— de estar em sala de aula. Eles claramente queriam impedir o empoderamento das mulheres, pois não queriam vê-las fora de suas casas, trabalhando ou estudando. E sabiam que só conseguiriam deter as mulheres de perseguirem seus sonhos se as impedissem de estudar. Foi aí que percebi que educação era mais do que ler e escrever: era poder, era emancipação.

Seu posicionamento contra o Taleban a tornou alvo de um atentado. Desde então, você vive sob forte esquema de segurança. Do que tem medo hoje?
Não tenho medo dessas mentalidades que almejam deter as mulheres, que as fazem acreditar que são menores que os homens, que suas vozes não contam e, portanto, não devem se posicionar contra aquilo que as oprime. Os argumentos que sustentam essas mentalidades são muito fracos e cedem facilmente. Mas tenho medo de altura e de aranhas e sempre tenho medo de não conseguir entregar meus trabalhos aos professores dentro do prazo. [risos]

Como é estar numa das mais importantes universidades do mundo e qual seu objetivo nesta área?
Estou estudando filosofia, política e economia em Oxford e meu principal objetivo é me formar! [risos] É um ambiente de aprendizado formal e pessoal, de descobrir o que quero para minha vida e os meus interesses.

Você declarou que gostaria de ser primeira-ministra do Paquistão, como Benazir Bhutto, que governou o país por dois mandatos e foi assassinada em atentado em 2007. O ativismo não é suficiente para promover mudanças?
Eu disse isso quando era mais nova. Não estou considerando essa possibilidade neste momento [risos]. Quero continuar meu trabalho no Malala Fund para criar um movimento global pela educação de meninas. Hoje sei que um primeiro-ministro não é capaz de solucionar tudo neste campo, que é de responsabilidade coletiva.

O que é feminismo? Você é feminista?
Feminismo é apenas outra palavra para designar igualdade, a ideia de que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos. E ainda não chegamos lá! As mulheres estão atrás em muitos aspectos: não recebem a mesma remuneração que os homens, não estão representadas em instituições públicas, em chefias ou em conselhos de empresas. E ainda enfrentam violência e discriminação. Feminismo é a luta por igualdade de gênero. Dito isso: sim, sou feminista.

Quais os custos de se negligenciar a educação de meninas?
Ignorar a educação de meninas implica grandes perdas para a sociedade e a economia de um país. As meninas, sozinhas, enfrentam mais desafios para obter educação, tais como casamento precoce, violência e pobreza. Prover educação para elas, portanto, não só protege seus direitos humanos e permite que sigam seus sonhos como ainda promove o crescimento da economia porque agrega recursos a ela.

Desde que você criou o Malala Fund, em 2013, iniciou uma campanha global pela educação de meninas. Quais as principais barreiras que encontrou à educação de meninas?
Isso varia muito de uma região para outra. Em alguns lugares, são tradições e normas culturais, em outros, são extremismos e patriarcados. E há também pobreza, desigualdade, violência, falta de professores, baixa qualidade das aulas.

Quais seriam os principais problemas brasileiros neste campo?
Conversei com uma série de especialistas em educação, desde investidores até jovens garotas ativistas, e há uma série de desafios locais. O principal deles é uma certa mentalidade da sociedade brasileira que torna natural o fato de meninas terem oportunidades desiguais de educação, de trabalho e de remuneração. Além disso, garotas brasileiras deixam de estudar porque casam precocemente, porque engravidam muito cedo, porque trabalham ainda criança ou são vítimas de tráfico. Neste contexto, as meninas de comunidades indígenas e afrodescendentes são ainda mais privadas porque sofrem discriminação extra.

O combate ao tráfico de drogas no Brasil tem gerado tiroteios constantes entre policiais e traficantes em comunidades carentes, que já vitimaram estudantes a caminho da escola ou dentro dela. Existe educação sem segurança?
Não. Segurança é elementar e precisa ser garantida para todas as crianças, onde quer que elas vivam. Nenhuma criança ou jovem pode ser morto ou ferido no exercício de um direito tão fundamental como o do acesso ao conhecimento e à educação.

Você ganhou o Nobel da Paz aos 17 anos e tem acesso a ambientes que quase nenhuma garota da sua idade tem. O que a notoriedade global lhe deu e o que ela lhe tirou?
Eu perdi certa espontaneidade dos outros em relação a mim. Muitas pessoas hesitam em falar comigo ou se intimidam diante de mim porque têm uma visão preconcebida a meu respeito. Peço sempre que me tratem como alguém normal. Por outro lado, eu ganhei uma plataforma para ter minha voz ouvida na causa que escolhi, a educação. Conheci líderes do mundo todo, presidentes e primeiros-ministros para os quais passei a mensagem de que precisamos fazer da educação nossa prioridade total em termos de investimento.

O que a move neste propósito?
Minhas esperanças se renovam toda vez que me encontro com meninas jovens, que sofreram todo tipo de restrição e vejo que não se intimidaram diante de ameaças e das violências que sofreram, seguindo firmes em seu propósito de obter educação. Isso ocorre tanto num campo de refugiados sírios como no Brasil, no Paquistão ou na Nigéria.

Qual conselho daria para jovens ativistas pela educação?
Que acreditem no poder de suas vozes. Que não esperem que outros falem por elas. Que levantem suas vozes e falem por si, exigindo que seus governos garantam recursos suficientes para uma educação segura e de qualidade. Que elas saibam que o poder está com elas e que nunca se é jovem demais para mudar o mundo.