Flávio Bolsonaro

Bolsonaro cometeu crimes sérios na pandemia, mas não genocídio, diz Aziz

Ao GLOBO, presidente do colegiado diz que não há 'prova factível' de advocacia administrativa de Flávio Bolsonaro

Julia Lindner e Natália Portinari / O Globo

BRASÍLIA — O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou nesta terça-feira que está comprovado que o presidente Jair Bolsonaro cometeu delitos sérios na pandemia, citando entre eles crime contra a humanidade e charlatanismo. Em entrevista ao GLOBO, Aziz ponderou que é preciso focar em acusações que possuem evidências consistentes para evitar questionamentos posteriores. Ele defende retirar do parecer final a acusação de genocídio contra indígenas por parte de Bolsonaro. No lugar, seria incluído um encaminhamento para aprofundar as investigações sobre o tema pelo Ministério Público após o encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito.

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Aziz também afirmou que é contra sugerir o indiciamento do filho do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), pelo crime de advocacia administrativa, como consta na minuta do relatório de Renan Calheiros (MDB-AL), por avaliar que não há provas suficientes. Ele vai pedir, ainda, a retirada do nome do pastor Silas Malafaia entre os possíveis indiciados.

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Independente das alterações feitas por Renan, Aziz garante que votará favorável ao parecer e que o grupo majoritário G7 permanece unido. Confira os principais trechos da entrevista:

Após embates públicos entre o grupo G7, como está a relação entre os integrantes do grupo na reta final?
Temos que fazer o que é necessário para a gente conduzir e terminar os trabalhos. Nós vamos terminar. Quando a gente pega um peixe tucunaré, se você der linha, ele pula e solta na boca. Então você sempre tem que manter o tucunaré no cabresto. Esse governo está no cabresto. Não vamos dar folga para eles, não. Está fisgado. A gente não tem porque, depois de seis meses de trabalho, chegar agora no final e colocar tudo a perder. Isso não passa pela cabeça de ninguém.

Tem alguma possibilidade de meio termo sobre a questão do genocídio contra indígenas, um dos pontos de maior divergência no grupo, para garantir a aprovação?
Tem. Eu acho que temos que encaminhar para mais investigação (e não pedir indiciamento). É a minha opinião, não é para a gente esquecer, temos que ver isso. Temos que passar para todos os órgãos investigarem, o Ministério Público Federal do Amazonas, o Ministério Público Estadual do Amazonas, todos.

Essa questão do genocídio já está pacificada para constar no relatório dessa forma?
A grande preocupação em relação ao genocídio é que se você já tem crime contra a humanidade, já é um crime muito grande, e esse já foi provado e 'desprovado' por ele. O Bolsonaro fez aglomerações propositadamente, o Bolsonaro pregou a imunização de rebanho, pregou medicamento não comprovado, foi charlatão prescrevendo medicamento sem eficácia... Então, ele tem crimes sérios, só que o genocídio é muito mais sério que isso tudo. O meu medo é esse crime (genocídio) ser arquivado no futuro e os outros dizerem 'está vendo, eles estavam errados'. Mas, se o Renan mantiver esse ponto, eu votarei a favor.

É o único dos 12 crimes relacionados ao Bolsonaro que o senhor questiona?
Se você tem um caminho mais fácil para percorrer uma distância, por que ir no mais difícil? O mais difícil de tudo é essa questão (do genocídio). Genocídio é um planejamento proposital para extinguir uma etnia, como foi feito com judeus, como foi feito com turcos, na Bósnia, na Palestina. Houve planejamento de extinguir índios? Não. 'Ah, eles permitiram que o homem branco entrasse'. Espera aí, não permitiu. O índio não fica na maloca, ele sai. Índio não mora em maloca, ele mora em casa. Quando chegaram as vacinas (na Amazônia), para quem foi primeiro distribuído? Para os índios, a primeira e a segunda dose.

Então o senhor acha que não houve esse crime de genocídio?
Eu preciso ser convencido de que houve. Ate agora eu não fui.

Além disso, Renan incluiu homicídio qualificado. O senhor concorda?
Sim. Mas aí foi aglomeração, é outra coisa. Era proibido, ele foi multado. Ele fazia 'motociata', fazia questão de ficar sem máscara. Isso ele provocou, não foi espontâneo. Não é que ele desceu num local para ir ao banheiro e chegou um monte de gente na porta do banheiro, não. Era anunciado, se gastava dinheiro para fazer essa motociata, tudo era programado, então isso sim. Se é homicídio qualificado, não sei, mas é crime.

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Há outros pontos considerados controversos, como o possível indiciamento de Flávio Bolsonaro por suposta advocacia administrativa. O que acha?
Eu não acho isso. Sinceramente, pessoalmente eu não vejo que o Flávio possui alguma prova factível de advocacia administrativa. O cara participar de uma reunião por vídeo para tratar do que eles falaram que estavam tratando ali. Eu não vejo mal nenhum nisso aí, todos os parlamentares fazem. Advocacia administrativa seria se ele dissesse 'eu quero que essa empresa ganhe porque não sei o quê", mas não é isso aí.  

O senhor acha que existem excessos em alguns pontos do relatório?
Eu não vou comentar isso. Nem eu e nem ninguém no G7 vai falar.

A ideia é mostrar unidade do grupo?
Não há desunião, há divergências pontuais. Se teu marido discorda de você não quer dizer que você está desunindo dele. O que nós estamos discutindo são questões pequenas pelo trabalho que foi feito. Tem arranca rabo. Teve arranca rabo a CPI toda, ou vocês acham que foi todo mundo uma lua de mel? E eu sempre disse que se a CPI der certo foi o grupo todo, mas se der errado a responsabilidade é do presidente e do relator.

Vai fazer alguma sugestão de mudança para o Renan?
Ele sugeriu indiciamento do Silas Malafaia, mas é lógico que eu sou contra. Assim como o Malafaia tem quinhentos caras aí falando mal da gente. Sou contra indiciar o Malafaia. Vou votar contra.

Quais os grandes responsáveis pelos erros do governo na condução da pandemia?
Todos que o Renan está indiciando, cada um na sua área. Gabinete paralelo, gabinete de fake news, tem uma série de pessoas que têm participação direta.

O senhor acha que eles serão responsabilizados?
A população brasileira espera que se faça justiça, e a CPI está dando os caminhos.

Alguém do governo procurou o senhor sobre o relatório?
Não, ninguém. A única coisa que o líder (do governo no Senado) Fernando Bezerra me pediu e que eu cederei são 15 minutos para falar na leitura do relatório.

E tem mais algum acordo para a sessão de amanhã?
O que me preocupa é a condução para a leitura do relatório. Fazendo perguntas o pessoal pulava às vezes, imagina sendo acusado. Mas se precisar dou uma mãozada, não tem conversa nenhuma, não. Eu vi agora Marcos Rogério dizendo que soltou uma nota. Solta uma nota contra a CPI, não solta uma nota de solidariedade à população brasileira. É uma tristeza.

Qual foi o legado da CPI?
Eu acho que a democracia avançou muito na questão da informação. Nós proporcionamos já oito ações que estão por fora, na CGU (Controladoria-Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União). Sobre o caso Covaxin, Precisa, e tudo antes de a CPI acabar, mostrando que o governo nunca teve intenção de comprar vacinas. Se hoje tem 50% da população imunizada com duas doses, a CPI é uma das grandes responsáveis.

O senhor acha que o G7 pode continuar atuando junto depois da CPI?
Acho que nós criamos uma relação, apesar das divergências agora no final, muito próxima. Claro, podemos estar afastados porque temos diversos pensamentos. Mas o Randolfe (Rodrigues), por exemplo, é um grande amigo que eu criei. Vamos criar uma frente para continuar acompanhando (denúncias sobre a pandemia).

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-cometeu-crimes-serios-na-pandemia-mas-nao-genocidio-diz-omar-aziz-em-entrevista-25243012


Luiz Carlos Azedo: Lula, ser ou não ser

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cogita não disputar a Presidência da República e participar da chapa do PT como vice, repetindo o estratagema peronista que elegeu o presidente Alberto Fernández na Argentina, tendo a ex-presidente Cristina Kirchner como vice. Nesse caso, o nome mais cotado para encabeçar a chapa seria o do jovem governador do Ceará, Camilo Santana, um engenheiro agrônomo que governa o estado desde 2014 e foi reeleito com facilidade. Supostamente, o acordo permitiria uma reaproximação com Ciro Gomes, cuja candidatura pelo PDT virou uma pedra no sapato de Lula, e também com o senador tucano Tasso Jereissati (PSDB-CE).

O assunto está sendo discutido pelo círculo mais próximo de aliados de Lula e já divide a cúpula petista. O ex-presidente tem revelado preocupação com o desgaste causado pela Operação Lava-Jato e pelo fato de que ainda está numa posição vulnerável, porque suas condenações foram anuladas, mas ainda não foi absolvido. Seu processo será retomado na Justiça Federal em Brasília, o que pode se tornar uma frente de erosão da sua candidatura. Além disso, está com 75 anos; caso fosse eleito, terminaria o mandato com 80 anos.

Para Lula, o mais importante é derrotar o presidente Jair Bolsonaro e garantir a volta do PT ao poder, não necessariamente, voltar a ser o presidente da República. Seus aliados mais próximos dizem que essa obsessão Lula não tem; se a tivesse, não teria apoiado a reeleição de Dilma Rousseff, embora, hoje, ele próprio admita que talvez tenha sido um grave erro. Outros petistas que poderiam encabeçar a chapa são o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o governador da Bahia, Rui Costa. Entretanto, segundo os defensores da candidatura de Lula a qualquer preço, ambos queimaram a largada quando o petista estava inelegível. Essa discussão, inclusive, teria desgastado a relação do senador Jaques Wagner (PT-BA), ex-governador da Bahia, com seu velho amigo Lula.

No entanto, Lula se movimenta para retirar o PT do isolamento e construir uma ampla base de alianças em nível nacional, procurando antigos aliados regionais. Na terça-feira, reuniu-se com os dirigentes do partido no Rio de Janeiro para discutir o apoio à candidatura do deputado federal Marcelo Freixo (PSol) ao governo fluminense, numa aliança que incluiria o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, que sempre teve boas relações com o PT. Maia está de malas prontas para deixar o DEM. O que pode inviabilizar essa aliança é a renúncia do atual governador, Claudio Castro(PSC), que não pretende disputar a reeleição. Nesse caso, o presidente da Assembleia Legislativa fluminense, André Siciliano (PT), picado pela mosca azul, assumiria o governo e disputaria a reeleição. Para Lula, o Rio de Janeiro é considerado decisivo para a derrota de Bolsonaro, pois foi um dos estados que lhe garantiram a eleição em 2018.

O outro estado considerado estratégico por Lula é Minas Gerais, onde o PT busca uma aliança com o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, tendo o ex- governador Fernando Pimentel no comando das articulações, a partir de suas relações com o ex-deputado Adalclever Lopes (MDB), secretário de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte e ex-presidente da Assembleia Legislativa mineira, durante seu governo. A chave da aliança com o PSD, porém, é o apoio do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Para isso, o PT estaria disposto a apoiar a candidatura de Kalil ao governo de Minas ou mesmo lhe oferecer a vaga de vice-presidente, caso Lula seja mesmo o postulante do PT.

Cerco a Doria
Enquanto Lula alimenta sua dúvida hamletiana — ser ou não ser, eis a questão —, a candidatura do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), sofre um cerco dentro do partido. Ontem, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio anunciou que pretende disputar as prévias da legenda, previstas para outubro. Na semana passada, foi o senador Tasso Jereissati, ex-governador do Ceará, que anunciou a mesma intenção. Enquanto isso, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o primeiro a anunciar o desejo de disputar a vaga de candidato à Presidência do PSDB, ao se reunir com o presidente do Cidadania, Roberto Freire, e com o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), começa a costear o alambrado, como dizem os gaúchos, para deixar a legenda e concorrer por outro partido.


Maria Cristina Fernandes: Governo no modo pânico

O sincericídio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na instalação da CPI da pandemia mostrou que o potencial de uma investigação do gênero é dado pela quantidade de erros que alvos cometem a partir da iminência de seu funcionamento. Primeiro foi o ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, que partiu para o ataque contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, na tentativa de se blindar da investigação sobre a intermediação entre indústrias farmacêuticas e o governo.

Depois veio o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, que, ao revelar ter tomado vacina escondido do presidente, como mostraram Thaísa Oliveira e Cézar Feitosa (CBN), poderá ser convocado para explicar porque o governo, publicamente, empurra a população ao matadouro enquanto seus ministros, privadamente, se acautelam contra o vírus.

Ao escancarar a cobrança aos aliados contra a instalação da CPI, Flávio Bolsonaro fragilizou ainda mais seu pai. O governo gastou muito mais do que podia para eleger Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência da Câmara e do Senado. Entregou ao Centrão grandes orçamentos da administração pública como o FNDE, a Codevasf e a Funasa. E, finalmente, acabou de renovar o passe de sua sobrevivência ao custo de R$ 49 bilhões para as emendas parlamentares no Orçamento de 2021, como notou Delfim Netto (“FSP”).

Nada disso foi suficiente para dar sossego ao governo. E, a partir de agora, nada dará. Além de escancarar a incúria governamental na condução da pandemia, a CPI tem um dano intangível sobre a base governista e os cofres públicos. Como os atores da comissão terão, a partir de agora, um palanque antecipado para 2022, resta aos adversários tentar sair da sombra de seu protagonismo.

Tome-se, por exemplo, o que acontecerá em Alagoas. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), não precisará renovar seu mandato em 2022, mas deixou claro, em discurso com referências ao fascismo, à República do Galeão, às batalhas de Monte Castelo, a Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet, que joga para voltar ao cargo de mais poder que já ocupou, o de presidente do Senado. Tem como condições necessárias para isso, ainda que não suficientes, que seu filho eleja um sucessor no governo de Alagoas e que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva volte ao poder.

Se Renan contará com uma CPI que tende a galvanizar o debate nacional até as eleições, seu principal adversário regional, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), só teria como rivalizar se desengavetasse um dos mais de 100 pedidos de impeachment que lá repousam. Como não deseja desfazer a sociedade com este governo, lhe restou ressuscitar as reformas tributária e administrativa. Agrada seus interlocutores no mercado financeiro, que precisam de tempo para se desfazer de posições alavancadas pela aposta neste governo, e escancara a Câmara à atuação de lobbies que, neste momento de atomização do poder, podem agravar distorções. Basta ver o que aconteceu com o projeto aprovado na Casa liberando a vacinação privada.

Suas contingências diferem daquelas de seu parceiro, o senador Ciro Nogueira (PP-AL). A Ciro resta tentar o governo do seu Estado, visto que a única vaga ao Senado será disputada pelo governador Wellington Dias (PT), favorecido pela candidatura de Lula. Disputará contra o candidato de Dias, mas mostrou, na CPI, a maestria no jogo duplo.

A Lira resta renovar seu mandato de deputado federal por Alagoas. Não terá problemas para fazê-lo, o mesmo não pode ser dito da renovação de seu mandato na presidência da Câmara se Bolsonaro não for reeleito. Satisfeitas as ambições de Lira e Renan, as duas Casas legislativas ficariam sob o comando da dupla de alagoanos em 2023, o que parece improvável. Até Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto se revezaram no poder.

Para tornar sua recondução incontornável, resta a Lira fazer uma bancada suprapartidária maior do que a de hoje e eleger um aliado em Alagoas. Sua agenda busca contemplar ambas as prioridades. Numa semana está em contatos empresariais em São Paulo, noutra vai a Campo Alegre, na Zona da Mata alagoana, para inaugurar 190 casas populares.

Com a Secretaria de Governo sob o comando de seu grupo, Lira não terá dificuldades de avançar ainda mais no Orçamento de 2022, mas não terá vida fácil em Alagoas, onde o governador dispõe de R$ 6 bilhões para investir até as eleições, graças à concessão do saneamento, a privatização da folha de pagamentos e às reformas administrativa e previdenciária. Alagoas deixou de ser o golfo que Graciliano Ramos vaticinava com a queda nos homicídios por 16 meses consecutivos e a redução de 65% na relação entre dívida líquida/receita.

O único flanco que Renan Filho tem desguarnecido é sua pretensão ao Senado. O presidente da Assembleia Legislativa assumiria o governo e se tornaria, automaticamente, candidato natural à reeleição, contrariando a vontade do governador de fazer, como sucessor, um dos secretários projetados por sua gestão. Um acordo fica cada dia mais difícil.

Só um projeto ainda os une, o de fazer o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, ministro no Supremo. Desembargador pelo quinto constitucional, Martins chegou ao STJ no governo Lula pelas mãos de Renan. No cargo, salvou Lira da Lei da Ficha Limpa.

Além dos dois alagoanos, Martins tem o apoio de Flávio Bolsonaro, que conta com o filho do ministro, Eduardo Martins, para iniciá-lo no mercado da advocacia da capital federal. Depois de uma visita desastrada ao Palácio do Alvorada, quando causou má impressão sobre o presidente, Martins conseguiu ser recebido em outras três ocasiões em que a ansiedade se manteve sob mais controle.

Duas ações resumem a postulação de Martins. O ministro Gilmar Mendes votou na terça-feira pela incompetência do juiz Marcelo Bretas na ação penal contra advogados contratados pela Fecomercio, entre eles o filho do presidente do STJ, acusado, em delação, de ter recebido R$ 77 milhões, maior fatia entre os causídicos. Na semana passada, a ministra Rosa Weber negara o pedido da PGR pela suspensão de inquérito do STJ contra procuradores cujos diálogos foram captados. Neles, Humberto Martins aparece como beneficiário de propinas reveladas pelo ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, em delação.

Um ministro com esses precedentes seria, obviamente, refém do Planalto. A aliança que se forma em torno dele, porém, mostra que é o pós-Bolsonaro que já está em jogo.


Bernardo Mello Franco: O primeiro milagre da CPI

A CPI da Covid já produziu seu primeiro milagre: transformou Flávio Bolsonaro num defensor do isolamento social. Ontem o senador tentou convencer os colegas a deixar a investigação para depois. “Por que não esperar todo mundo se vacinar?”, sugeriu.

A preocupação tardia com a doença não foi a única surpresa do discurso. Com a pele bronzeada pelas férias no Ceará, o primeiro-filho atacou o presidente do Senado, o relator da CPI e até a bancada feminina. O falatório não virou votos para o governo, mas escancarou o desespero do clã presidencial.

Pelo que se viu ontem, a família tem motivos para temer a comissão. Na sessão inaugural, a tropa bolsonarista levou um baile. Flávio ainda foi obrigado a engolir uma descompostura da senadora Eliziane Gama. Ela avisou que ali não era lugar para chute na porta e ironia machista. Só faltou dizer que o Zero Um não estava em Rio das Pedras.

Quando a reunião começou, os governistas se agarraram à liminar que impedia Renan Calheiros de assumir a relatoria. Foi uma tática desastrada. Como se previa, a decisão foi derrubada rapidamente. O senador se sentou na cadeira e desceu a lenha no Planalto.

“Vamos dar um basta aos suplícios, à inépcia e aos infames”, discursou. Ele atacou o negacionismo e prometeu “apontar culpados”. Num recado a Jair Bolsonaro, citou os genocidas Augusto Pinochet e Slobodan Molosevic. “O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes, e eles devem ser punidos”, arrematou.

Renan também criticou a entrega do Ministério da Saúde ao general Eduardo Pazuello, que no domingo passeava sem máscara num shopping de Manaus. “A diretriz é clara: militar nos quartéis e médicos na saúde. Quando se inverte, a morte é certa”, disse.

O emedebista não se limitou à retórica: de cara, apresentou 11 requerimentos. A lista inclui a convocação de quatro ministros da Saúde, a requisição de documentos e o compartilhamento do inquérito das fake news.

No dia em que a comissão entrou em campo, Bolsonaro usou cinco palavras para defender seu desempenho na pandemia. “Eu não errei em nada”, garantiu. O capitão vai precisar de outro milagre para convencer a CPI.


Maria Cristina Fernandes: Um carimbador na saúde e o mercado de vacinas

Ao indicar ministro da Saúde, filho do presidente demonstra que vai marcar de perto o avanço do Centrão no mercado de vacinas. Entre, um e outro está um presidente acossado pelo protagonismo de Lula no tema

Se um milésimo da esperteza usada pelo presidente Jair Bolsonaro para trocar o ministro sem mudar a política de saúde, fosse destinada a enxotar a covid-19, os brasileiros não teriam uma vala comum por horizonte. A astúcia presidencial é proporcional não à tragédia da pandemia, mas ao quinhão que está em jogo. Foi a arbitragem desta disputa, e não sua inépcia, que derrubou Eduardo Pazuello. De tão grande, a esperteza de Bolsonaro despertou o apetite do Centrão, demonstrado na derrubada dos vetos presidenciais. Antes de Bolsonaro, porém, é a saúde dos brasileiros que será engolida.

O roteiro é auto-explicativo. Primeiro o presidente driblou a pressão pelo deputado Luiz Antonio Teixeira (PP-RJ), presidente da comissão de acompanhamento da covid-19, que já era chamado de ministro na Câmara. Depois deixou na mão a fileira de padrinhos poderosos da cardiologista Ludhmila Hajjar, alguns dos quais recebeu no sábado, no Palácio do Alvorada.

Naquela manhã, Pazuello fez conferência virtual em que apalavrou o pagamento, pelo ministério, das 37 milhões de doses acertadas pelos governadores do Nordeste com um fundo russo que financia a Sputnik V, sob a condição de que seriam redistribuídas para todo o país. À tarde, recebeu o convite de Bolsonaro para participar da conversa com Ludhmila.

No dia seguinte, Bolsonaro montou o circo da audiência com a cardiologista, que, bombardeada, renunciou ao convite que o presidente jamais quis fazer. O deputado Arthur Lira (PP-AL), que, num primeiro momento, parecia resignado a negociar o segundo escalão do ministério, acabou com um tuíte de apoio a Ludhmila para não passar recibo do atropelamento. Desde o princípio, era Marcelo Queiroga o nome que Bolsonaro tinha na manga.

É o segundo ministro que o senador Flávio Bolsonaro emplaca em menos de seis meses. O primeiro, Kassio Nunes Marques, estava destinado a compor sua retaguarda no Supremo Tribunal Federal. Já a indicação de Marcelo Queiroga é uma jogada de quem se antecipa aos fatos, a compra de milhões de doses de vacinas cujo atraso empurrou o Brasil para a naturalização da barbárie.

A ofensiva do Centrão nesse mercado foi protagonizada pela desenvoltura do líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) na liberação da Sputnik por intermédio do lobby armado pelo bloco. É um mercado competitivo este em que 01 resolveu se posicionar. Com a compra da casa em Brasília, o filho do presidente mostrou, porém, que audácia não lhe falta. Até lei flexibilizando a compra o Congresso já aprovou. Agora resta saber quem vai avançar para ocupar esse terreno

O primeiro efeito da troca de ministros sobre o aquecido mercado de vacinas se dará na relação de Queiroga com os governadores. O documento assinado por 21 deles para a formação de um gabinete de crise para agilizar compra de vacinas e insumos até agora não foi respondido por nenhum dos Poderes. Mas na manhã desta quarta-feira, a maioria dos nove governadores do Nordeste assinaram contratos de compra da Sputnik V. A U$ 9,95 dólares a unidade, o lote total de vacinas ultrapassará os R$ 2 bilhões.

Um dos signatários, o governador do Maranhão, Flávio Dino, preferia que a vacina fosse encampada pelo Plano Nacional de Imunização para evitar o salve-se-quem-puder, mas está disposto até mesmo a bancar com recursos do tesouro estadual as 4,5 milhões de doses com as quais imunizaria 30% da população do Estado até julho. Fez um seguro para a eventualidade de a bateção de cabeça em Brasília não parar.

E não há sinais de que vá. O azedume com Queiroga é generalizado. Na definição de uma liderança do Centrão, ao negar a indicação ao bloco, Bolsonaro perdeu a oportunidade de dividir responsabilidades sobre seu desempenho. Se tiver sucesso, pegam carona. Se der errado, o insucesso é todo do presidente. A escolha ignorou os ritos mais pueris da política. Atropelou, por exemplo, o poderoso líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), que não foi consultado na escolha de um médico de seu Estado.

A primeira resposta concreta do Centrão veio na sessão do Congresso de ontem quando foram derrubados todos os vetos presidenciais à limitação das emendas parlamentares. Agora tanto as emendas de relator e de comissão, a exemplo do que acontece hoje com as individuais e de bancada, serão impositivas quanto a Caixa Econômica Federal deixou de fazer a intermediação das emendas.

Com isso, Queiroga, na definição de outra liderança do bloco, vira um despachante de emendas em tempo integral. A Secretaria de Governo envia aqueleas a serem contempladas com recursos da Saúde para o ministro e ele se limita a assinar e passar para a frente. Com a derrubada dos vetos, os parlamentares ampliam sua fatia na Saúde, queira ou não Queiroga. Mas emenda não compra vacina. Esta é a briga da hora. Entre 01 e o Centrão, tem um presidente da República acossado pela ofensiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista, que atuou na aproximação entre o consórcio dos governadores e os russos, fez ontem, em entrevista à CNN americana, um apelo ao presidente dos EUA, Joe Biden, “o suspiro da democracia mundial”, por vacinas.


Elio Gaspari: Flávio Bolsonaro desconsiderou Tancredo

Senador descumpriu uma norma, explicitada por Neves em 1963: “É norma ética consabida que o governante não compra nem vende nada”

Flávio Bolsonaro comprou uma casa de R$ 5,9 milhões, com R$ 3,1 milhões financiados pelo Banco de Brasília, cujo maior acionista é o governo do Distrito Federal. Com uma renda familiar declarada de R$ 37 mil mensais brutos, deverá aguentar uma mensalidade de R$ 18 mil. Poderá viver sem pedir auxílio emergencial.

O doutor ganhou fama de empreendedor com uma casa de chocolates da Kopenhagen e, em 16 anos, fez 20 transações imobiliárias, muitas delas quitando parte dos pagamentos em dinheiro vivo. Filho do capitão Jair Bolsonaro, elegeu-se deputado estadual no Rio em 2002, aos 21 anos, e senador em 2018.

Flávio Bolsonaro descumpriu uma norma, explicitada por Tancredo Neves em 1963:

 “É norma ética consabida que o governante não compra nem vende nada.”

Era pura sabedoria. Lula deu-se mal porque usufruiu o sítio de Atibaia e discutiu a compra de um apartamento no Guarujá. Juscelino Kubitschek foi muito mais longe, adquirindo um apartamento na avenida Vieira Souto.

Na “nova política” dos Bolsonaro, faltam os pilares da cultura histórica de Tancredo. Nela, abunda aquilo que o presidente americano Joe Biden acaba de chamar de “pensamento de Neandertal”. Rachadinhas podem ser coisas da Idade da Pedra.

A repórter Malu Gaspar mostrou que na “nova política” acontecem também golpes da modernidade, como a utilização de informações vindas do coração do governo para se ganhar um dinheirinho fácil no mundo do papelório.

Às 17h15m de quinta-feira, dia 18 de fevereiro, terminou uma reunião no Palácio do Planalto. Delas participaram o presidente Bolsonaro e, por ordem alfabética, os ministros Augusto Heleno, Bento Albuquerque, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos, Paulo Guedes e Tarcísio Freitas. Nela, o capitão manifestou seu desconforto com o presidente da Petrobras.

Às 17h35m, uma mão invisível do mercado operou uma aposta de R$ 2,6 milhões na baixa nas ações da Petrobras. Passados nove minutos, outra, de R$ 1,4 milhão. Nunca haviam acontecido operações desse tamanho em tão pouco tempo. Às 19h (85 minutos depois da primeira aposta), Bolsonaro anunciou que “alguma coisa” aconteceria na Petrobras.

Malu Gaspar mostrou que até as 17h15m, quando terminou a reunião do Planalto, aconteceram 41 transações, com algo mais de 2 mil apostas. Depois que a reunião terminou, em apenas 39 minutos, foram negociadas 2,5 milhões de apostas.

Quem conhece o mercado estima que o dono, ou os donos, da mão invisível embolsaram algo como R$ 18 milhões com a queda do valor da ação da Petrobras no dia seguinte.

À primeira vista, os órgãos de controle do governo poderão desvendar essa salada de números. Contudo, durante o governo Bolsonaro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) soltou um edital prevendo a compra de R$ 3 bilhões de equipamentos para a rede pública de ensino.

A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle do governo, sentiu cheiro de queimado. Afora os indícios de direcionamento, 355 colégios receberiam mais de um laptop por aluno, 46 ganhariam mais de dois, e um deles, em Itabirito (MG), teria direito a 30 mil, 118 para cada aluno.

A CGU funcionou. O edital foi suspenso e logo depois cancelado, mas até hoje ninguém explicou como e por quem foi produzido o jabuti. Nem em pizza deu, deu em nada.

Recordar é viver

Em 1969, um comando da Vanguarda Armada Revolucionária roubou um cofre guardado na casa da namorada do ex-governador paulista Adhemar de Barros. Quando o arrombaram, encontraram cerca de US$ 2,5 milhões de dólares (algo como US$ 18 milhões de hoje). Parte do ervanário ainda estava com as cintas de papel de um banco suíço.

A poderosa máquina da ditadura identificou quinze pessoas envolvidas no assalto. Quatro foram mortos e sete foram presos nos meses seguintes. Um deles morreu sob tortura num quartel. Sua autópsia, feita no Hospital Central do Exército, apontou dez costelas quebradas e pelo menos 53 marcas de pancadas.

Imenso foi o esforço para se descobrir o que foi feito com o dinheiro. Nula foi a curiosidade para saber como ele foi parar no cofre. Adhemar era conhecido por ter uma “caixinha” e apreciava o slogan “rouba, mas faz”.

Com a ajuda de um amigo militar, a dona da casa sustentou que o cofre estava vazio. Nem em pizza o cofre do Adhemar deu. Deu em nada.

A ditadura negava que torturasse presos e orgulhava-se de ter uma Comissão Geral de Investigações para caçar corruptos. À época, era presidida por generais.

Tarcísio está noutra

Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura, só convive com as moscas de padaria. Não é candidato a nada e não quer ser. Até porque já decidiu: quando sair do governo, irá para a iniciativa privada.

Guedes e Maritza Izaguirre

Outro dia, o ministro Paulo Guedes disparou uma urucubaca:

“Para virar a Argentina, seis meses; para virar Venezuela, um ano e meio.”

Misturou cloroquina com cloro de piscina. A Argentina teve projetos liberais mal conduzidos e fracassados. Na Venezuela, isso nunca aconteceu. O projeto de demagogia miliciana de Hugo Chávez era político.

Em 1999, quando o coronel Chávez assumiu, o tal de “mercado” torceu para que a manutenção de Maritza Izaguirre no Ministério da Fazenda garantisse alguma racionalidade. Um ano depois, Izaguirre foi substituída e voltou para o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Chávez chegou prometendo “mercado até onde for possível e Estado apenas onde for necessário”. Era lorota.

Sonham acordados

Quando o governador João Doria anunciou que em janeiro começaria a vacinação em São Paulo, o secretário executivo do Ministério da Saúde, coronel da reserva Élcio Franco (aquele que usa brochinho de crânio atravessado por uma faca), disse o seguinte:

— Senhor João Doria, não brinque com a esperança de milhares de brasileiros, não venda sonhos que não possa cumprir, prometendo uma imunização com um produto que sequer possui registro nem autorização para uso emergencial.

No dia 17 de janeiro, foi vacinada no Hospital das Clínicas a enfermeira Mônica Calazans.

Jogo jogado

Na quinta-feira, a repórter Paula Ferreira mostrou que Franco encaminhou ao Senado uma planilha informando que neste mês o ministério distribuirá 38 milhões de vacinas.

No dia 17 de fevereiro, o general Eduardo Pazuello anunciou que entregaria 46 milhões de imunizantes. Onze dias depois, a previsão baixou para 39,1 milhões.

Em duas semanas, evaporaram-se 7,9 milhões de vacinas.

O doutor deveria entrar na sala do general Pazuello admitindo:

— Chefe, estamos brincando com a esperança de milhares de brasileiros, vendendo sonhos que não podemos cumprir.

 (O Ministério da Saúde levou em conta 8 milhões de doses de um laboratório que ainda não deu entrada ao pedido de autorização da Anvisa, mas deixa pra lá.)


Bernardo Mello Franco: A mansão de Flávio Bolsonaro e a profecia de Dom Bosco

Na noite de 30 de agosto de 1883, o padre italiano Giovanni Bosco sonhou que fazia uma viagem pela América do Sul. Entre os paralelos 15 e 20, ele vislumbrou uma “enseada bastante longa e larga, que partia de um ponto onde se formava um lago”. Uma voz divina assoprava em seu ouvido: “Quando vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.

Dom Bosco morreu em 1888, virou santo em 1934 e inspirou os fundadores de Brasília em 1960. A cidade foi erguida entre as coordenadas geográficas do sonho e à beira de um lago artificial, o Paranoá. O sacerdote se tornou onipresente no Planalto Central: batiza igreja, colégio, farmácia e pizzaria. Agora seu santo nome também está associado aos negócios da família presidencial.

Flávio Bolsonaro virou morador do Setor de Mansões Dom Bosco, uma das áreas mais valorizadas da capital. O senador comprou uma casa de 1.100 m² de área construída, com quatro suítes, oito vagas de garagem, piso de mármore e piscina aquecida. Com salário líquido de R$ 24 mil, ele arrematou o imóvel por R$ 6 milhões.

A mansão é o mais novo símbolo do enriquecimento dos Bolsonaro na política. Quando disputou sua primeira eleição, em 2002, o primeiro-filho declarava como único bem um Gol 1.0. Cinco mandatos depois, ele pilota um Volvo XC e acaba de adquirir seu 20º imóvel em 16 anos.

A casa também simboliza a crença da família na impunidade. Em novembro, o Ministério Público do Rio denunciou o senador por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele fechou o negócio dois meses depois, às vésperas de o Superior Tribunal de Justiça julgar seus recursos contra a investigação.

Seguindo a tradição da família, a transação está encoberta por mistérios. O Zero Um registrou a compra do imóvel na cidade-satélite de Brazlândia, a 58 quilômetros da mansão. O cartório atropelou a Lei de Registro Público e tarjou a escritura pública para ocultar seus dados patrimoniais. O Banco de Brasília (BRB), ligado ao governo do Distrito Federal, financiou parte da operação com juros abaixo do mercado.

Irritado com a descoberta da mansão, Flávio atacou a imprensa e negou irregularidades. Ele disse ter comprado o imóvel com o valor da venda de um apartamento e de uma franquia da Kopenhagen, apontada pelo MP como fachada para lavar dinheiro. “Tá tudo redondinho, dentro da lei e sem problema nenhum”, afirmou, em vídeo divulgado nas redes sociais.

Eleito com a promessa de combater a corrupção, o presidente ainda não falou sobre a casa milionária. Há poucos dias, ele abandonou uma entrevista para não responder sobre as manobras do herdeiro no STJ.

Depois de 138 anos, os Bolsonaro dão novo significado à profecia de Dom Bosco. Ao se instalar entre os paralelos 15 e 20, o clã passou a ostentar uma riqueza inconcebível. A diferença está no detalhe: em vez de leite e mel, a mina do primeiro-filho faz jorrar chocolate.


Ricardo Noblat: Compra de mansão por Flávio Bolsonaro vira um negócio tarja preta

Informações escondidas em cartório

Pode ser considerado sério, muito menos transparente, um negócio de R$ 6 milhões registrado em cartório em que 18 trechos estão cobertos com tarjas de cor preta que omitem informações tais como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de uma das partes?

O jornal O Estado de S. Paulo obteve cópia da escritura da compra de uma mansão em Brasília pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher. A dentista Fernanda Antunes Figueiredo Bolsonaro. A renda declarada pelo casal é um dos trechos cobertos por tarja.

O ato, do 4.º Ofício de Notas do Distrito Federal, contraria a prática adotada em todo o país e representa tratamento especial conferido ao filho do presidente Bolsonaro. A escritura da compra e venda de um imóvel, pela lei, deve ser acessível a qualquer pessoa. Leis que tratam da atividade cartorial não preveem sigilo.

O cartório fica em Brazlândia, a 45 km de Brasília. Seu titular, Allan Guerra Nunes, disse ao jornal que usou a tarja para proteger os dados pessoais do senador e da sua mulher. Duas outras escrituras de imóveis em nome da família Bolsonaro, obtidas pelo jornal em dois outros cartórios, foram fornecidas sem tarjas.

“Ele (Flávio) não me pediu nada. Quem decidiu colocar a tarja fui eu. Quando fui analisar o conteúdo da escritura, acidentalmente tem essa informação da renda”, justificou Nunes. Para comprar o imóvel, o senador financiou R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), com parcelas mensais de R$ 18,7 mil.

As prestações representam 70% do salário líquido de Flávio – R$ 24,7 mil. Nos 299 artigos da Lei de Registro Público, não há previsão de sigilo de informação, seja pessoal, bancária ou fiscal. Flávio disse que o negócio foi “transparente” e que usou “recursos próprios” e um financiamento para comprar a mansão.


O Estado de S. Paulo: Cartório oculta dados de Flávio Bolsonaro em escritura pública da casa de R$ 6 milhões

Titular do estabelecimento admite ao ‘Estadão’ ser a primeira vez que esconde informações que deveriam ser públicas; advogada afirma que ato descumpre a lei

Breno Pires e Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O cartório onde o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) registrou a compra de uma casa de R$ 6 milhões em Brasília escondeu informações da escritura pública do imóvel, documento com os dados do negócio que deveria ser acessível a qualquer pessoa que o solicitar. O ato, do 4.º Ofício de Notas do Distrito Federal, contraria a prática adotada em todo o País e representa tratamento diferenciado ao filho do presidente Jair Bolsonaro, segundo especialistas consultados pelo Estadão. As leis que tratam da atividade cartorial não preveem o sigilo. 

Na cópia da escritura obtida pela reportagem no cartório, que fica em Brazlândia, região administrativa a 45 km de Brasília, há 18 trechos com tarjas na cor preta. Foram omitidas informações como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de Flávio e da mulher, a dentista Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro. 

Para comprar o imóvel, o filho “01” de Bolsonaro financiou R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), com parcelas mensais de R$ 18,7 mil. Como revelou o Estadão, as prestações representam 70% do salário líquido de Flávio como senador – R$ 24,7 mil. Outras duas escrituras de imóveis em nome da família Bolsonaro obtidas pela reportagem no mesmo dia, mas em cartórios distintos, foram fornecidas sem qualquer tarja. Uma delas do próprio presidente da República. 

Procurado, o titular do cartório, Allan Guerra Nunes, disse ao Estadão que tomou a medida para preservar dados pessoais do casal. Em um primeiro contato, ele não soube explicar em qual norma embasou sua decisão. Mais tarde, em nota, Nunes afirmou que as informações são protegidas pela Lei 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. A regra, porém, não se aplica a cartórios de notas. “Ele (Flávio) não me pediu nada. Quem decidiu colocar a tarja fui eu. Quando eu fui analisar o conteúdo da escritura, acidentalmente tem essa informação da renda”, disse Nunes. 

Ele não explicou a razão de também ter omitido números de documentos de identificação pessoal. “Se hoje me pedirem cópia de escritura com financiamento bancário eu vou omitir os dados da pessoa”, afirmou o cartorário, que admitiu nunca ter incluído tarja em escrituras públicas antes. “Não há nenhum tratamento privilegiado, de maneira alguma.” 

Nos 299 artigos da Lei de Registro Público, não há previsão de sigilo de informação, seja pessoal, bancária ou fiscal. A advogada Ana Carolina Osório, especialista em direito imobiliário, vê tratamento privilegiado a Flávio neste caso. “Não existe embasamento para se colocar tarja nessas informações. A publicidade é um dos princípios basilares do direito registral. O cartório tem o objetivo claro de proteger, digamos assim, os dados do Flávio Bolsonaro, porque é um documento público e as informações ali são de interesse de quaisquer interessados”, avaliou. “Diferente seria se estivéssemos divulgando a informação de renda prevista no Imposto de Renda, por exemplo.” 

O tabelião Ivanildo Figueiredo, titular do 8º Tabelionato de Notas do Recife e professor de Direito Notarial na Faculdade de Direito do Recife, disse ao Estadão que a Lei nº 6.015, de 1973, que trata dos registros públicos, prevê a publicidade de todos os atos, como escrituras. "O tabelião  não tem nenhuma função de censura", afirmou Figueiredo ao Estadão.

"Se a parte vai ao cartório e faz um ato público, esse ato é público. Qualquer pessoa pode pedir cópia desse documento. Qualquer pessoa pode ter acesso ao conteúdo desses atos. O dever é entregar a certidão como está no livro, não pode censurar", disse ao Estadão. "O único ato que tem alguma restrição são testamentos", ressalvou. Ainda segundo o tabelião, deixar de prestar as informações integrais pode configurar violação aos deveres funcionais dos notários e dos oficiais de registro. Pela lei, entre as punições para violação ao dever funcional estão a aplicação de multa, suspensão, e até a perda da delegação, nos casos mais graves.

Em outra medida que contraria a norma vigente, o 4.º Ofício de Notas ainda requisitou que o pedido da cópia da escritura fosse formalizado por e-mail com a informação sobre o motivo da solicitação do documento. Pela Lei de Registros Públicos, isso não é necessário. “Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”, diz o trecho da lei. 

Questionado sobre a omissão das informações, a corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a quem cabe fiscalizar a atividade dos cartórios, não se manifestou. Em nota, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil afirmou ser “responsabilidade do notário/registrador avaliar no caso concreto os preceitos legais de acesso à informação”. 

Nesta semana, Flávio disse que o negócio foi “transparente” e que usou “recursos próprios” e um financiamento para comprar a casa. 


Ricardo Noblat: Mansão de Flávio Bolsonaro vira dor de cabeça para seu pai

Rapaz treloso

É estranho que Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) tenha comprado uma mansão em Brasília no valor de 6 milhões de reais se tem, como senador, a custo quase zero, o direito a um amplo apartamento em área nobre de Brasília e mais perto do seu local de trabalho da Praça dos Três Poderes?

Sim, seria estranho se recuarmos no tempo algo como 36 anos. Enquanto durou a ditadura militar de 64, apenas os mais destacados servidores do Estado moravam em casas luxuosas da chamada Península dos Ministros, no Lago Sul da cidade, com direito a todo tipo de mordomia. O acesso ali era controlado.

Havia quadras nas Asas Sul e Norte do Plano Piloto, como ainda há, destinadas a deputados, senadores e ministros de tribunais superiores. Mansões eram para os ricos do Distrito Federal que as construíam, ou para representantes de empresas que atuavam como lobistas, ainda poucos para os padrões atuais.

Ostentar riqueza pegaria mal para um parlamentar, era simplesmente inconcebível. A política ainda não tinha virado um grande negócio capaz de encher os bolsos dos mais ousados. A corrupção existia, embora não fosse admitida nos vastos salões, corredores e gabinetes do Congresso.

Um deputado ou senador comemorava quando conseguia emplacar um afilhado político em algum cargo de escalões inferiores do governo. No máximo, o afilhado retribuía mais adiante indicando fornecedores de serviços públicos que poderiam ajudar seu padrinho a pagar despesas das próximas eleições.

Àquela época, uma Lava Jato não teria feito o menor sucesso. O último presidente da ditadura, o general João Figueiredo, deixou o poder com alguns cavalos de raça a mais, presentes que recebeu de bom grado. E teve depois seu Sítio do Dragão, na região serrana do Rio, reformado de graça por empreiteiras.

O presidente Jair Bolsonaro conhece muito bem essas histórias, mas não as admite. Disse que criou os filhos para que comessem filé mignon, não carnes inferiores. Uma vez assim criados, com o pai a empregar na Câmara funcionários fantasmas, natural que eles queiram desfrutar das coisas boas da vida.

Nesse ramo, dos três primeiros filhos de Bolsonaro, Flávio é o que mais sabe aproveitar. Acusado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, demonstrou estar convencido de que ficará impune a ponto de comprar um dos melhores e mais caros imóveis do exclusivo Setor de Mansões de Brasília.

Além do conforto, a casa oferece discrição. Fica num condomínio onde só entram os donos e seus convidados. Nada do que acontece por lá é visto de fora. Quem chega de avião a Brasília não precisa passar por nenhum ponto da cidade se quiser se reunir com Flávio. O aeroporto fica a 15 minutos de distância.

O senador consultou o presidente sobre a transação selada em dezembro passado e ele deu seu ok. Aconselhou-o, porém, a ser discreto. Flávio teve esse cuidado. A escritura de compra e venda foi assinada em um cartório de Brazlândia, cidade a 45 quilômetros de Brasília. O vendedor é um dos devotos do seu pai.

Mas aí deu ruim. Como, com a renda mensal que ele tem, pôde comprá-la? Mais uma pergunta a juntar-se a tantas outras que incomodam o presidente. Exemplo: por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle, a primeira dama?

Em 7 vídeos, como Bolsonaro sabotou a vacinação contra o vírus

O apocalipse sanitário está logo ali

Os vídeos abaixo, aqui oferecidos em ordem cronológica, são uma pequena amostra do que disse o presidente Jair Bolsonaro de outubro último para cá a respeito da vacinação em massa contra a Covid. Todos estão postados no Youtube.

Eles indicam com clareza que Bolsonaro sempre teve duas preocupações: pôr em dúvida a eficácia das vacinas e livrar-se de qualquer culpa pelo número de mortos que nas últimas 24 horas bateu um novo recorde, o terceiro em uma semana: 1.840.

1 Bolsonaro diz que vacina contra covid-19 “não será obrigatória, e ponto final” (19/10/2020)

Não seria mais fácil investir na cura do que na vacina?”, perguntou Bolsonaro (28/10/2020)

Bolsonaro diz que não vai tomar a vacina (18/12/2020)

4 Bolsonaro questiona ‘pressa’ para acessar vacina (20/12/2020)

5 Bolsonaro diz que fabricantes de vacinas contra covid-19 deveriam procurar o Brasil (28/12/2020)

6 Bolsonaro afirma que apenas 50% da população brasileira pretende tomar vacina contra a Covid-19 (7/1/2021)

7 Enquanto Mourão vê vacina como saída para crise, Bolsonaro volta a defender tratamento precoce(2/3/2021)


Afonso Benites: Luxo acima de tudo de Flávio Bolsonaro constrange até os apoiadores do Planalto e assessores do pai

Enquanto filho do presidente ganha tempo no caso das “rachadinhas”, onde é investigado por lavagem de dinheiro, aquisição de mansão Brasília provoca críticas de assessores da presidência

Entre moradores e funcionários do condomínio de mansões Ouro Branco o silêncio impera quando questionados sobre o novo residente do local, o senador e primogênito do presidente, Flávio Bolsonaro. “Não tenho nada a dizer sobre ele. Ainda não o conheço pessoalmente. Só sei que agora mora aqui”, afirmou à reportagem um condômino que aguardava a abertura do portão automático do local. O novo CEP do parlamentar, no setor de mansões Dom Bosco, uma das diversas áreas nobres de Brasília é, como se pode prever pelo nome da região, uma das mais luxuosas da capital brasileira. É um local com pouca circulação de pedestres, próximo ao lago Paranoá. Os que por lá caminham são em sua maioria funcionários das casas da região.

Se não fosse pela ficha criminal do novo morador e seu vínculo com o principal mandatário do país, talvez poucos dariam atenção à aquisição de uma luxuosa residência de 2.500 metros quadrados por um congressista ao custo aproximado de 6 milhões de reais (1,06 milhão de dólares). Esse foi o 20º imóvel que ele negociou em 16 anos. Ainda assim, na sua declaração entregue à Justiça Eleitoral, em 2018, disse ter 1,74 milhão de reais em patrimônio. Seu salário líquido como senador é de 24.900 reais.

O silêncio entre os moradores do condomínio não se repete entre assessores no Palácio do Planalto. Dois deles relataram ao EL PAÍS que o momento não era o mais propício para uma movimentação como essa e temem que, de alguma maneira, a repercussão do caso possa respingar na imagem de seu pai, Jair Bolsonaro. Eles argumentam que o presidente já tem outras batalhas para enfrentar, sendo a principal delas a pandemia de coronavírus os reflexos políticos, sociais e econômicos que ela trouxe nos últimos 12 meses.

Desde 2018, Flávio Bolsonaro é investigado por um esquema de desvio de salários de seus funcionários no período em que foi deputado estadual no Rio de Janeiro. A suspeita é que ele tenha desviado 6,1 milhões de reais de proventos de 12 de assessores entre os anos de 2007 e 2018. Parte desses recursos abasteceram as contas de seu antigo braço direito, o ex-policial militar Fabricio Queiroz, hoje em prisão domiciliar. É o esquema batizado de “rachadinha”.

O parlamentar foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. No âmbito dessa apuração, ainda pairam dúvidas sobre os outros 19 imóveis que ele comprou e vendeu entre 2010 e 2017, pelos quais lucrou cerca de 3,1 milhões de reais. Seu processo tem sofrido idas e vindas entre as instâncias judiciais brasileiras. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça anulou a quebra de sigilo bancário feita contra ele, um revés crucial para os investigadores. Há ainda outros recursos a serem analisados por essa Corte, que podem enterrar as investigações e que seriam analisadas nesta terça, mas foram mais uma vez adiadas.

A compra da mansão em Brasília foi oficializada no dia 2 de fevereiro e revelada pelo site O Antagonista na última segunda-feira. Conforme a escritura, pouco mais da metade do valor casa (3,1 milhões de reais) foi financiada por meio do banco público BRB, vinculado ao governo do Distrito Federal, que está sob a gestão de Ibaneis Rocha, um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. A taxa de juros nominal é uma das mais baixas do mercado, de 3,65% ao ano. Como beneficiária do financiamento também está a mulher de Flávio, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, que há menos de dois anos trabalha como dentista na capital.

Nesta terça-feira, o jornal Folha de S. Paulo revelou que, pelo financiamento registrado na escritura pública, o casal gastará 18.744 reais mensais como prestação da casa. É pouco mais da metade da renda mensal deles juntos: 36.957 reais. De acordo com a publicação, as rendas são menores que a mínima exigida pelo BRB para contratação de financiamento nessas condições. O beneficiário do empréstimo deveria receber ao menos 46.401 reais, conforme simulador disponível no site da instituição.

Sauna, piso de mármore e forno de pizza

A nova casa da família de Flávio tem dois andares, piso em mármore, academia, sauna integrada com a piscina, churrasqueira, forno de pizza, brinquedoteca, salas de jantar e estar, garagem para oito carros, além de um espaço para home theater e monitoramento por câmeras. No condomínio, há outras três casas e um terreno à espera de uma nova construção. A imobiliária que vendeu o imóvel, fez um vídeo com drone para demonstrar todos os atrativos do local. Quando a reportagem esteve no condomínio, nesta terça-feira, havia pouca movimentação de pessoas. Ninguém quis conceder entrevistas. Desde o condomínio até o Senado Federal, onde dá expediente, Flávio Bolsonaro leva pouco mais de dez minutos de carro. Até o início deste ano, ele vivia em um dos imóveis funcionais do Senado.

Em defesa, Flávio Bolsonaro postou um vídeo nas suas redes sociais no qual diz que é alvo de uma “narrativa criminosa da imprensa em cima de uma simples compra e venda de imóvel”. Justificou que adquiriu sua nova morada após vender um imóvel e uma franquia de loja no Rio de Janeiro. Essas vendas, contudo, ainda não foram oficializadas em cartórios de registro de imóveis e na Junta Comercial do Estado. Para isso, o parlamentar também tem uma explicação: “Foi um instrumento particular de compra e venda, que daqui a pouco vai ter uma escritura pública também, e está na fase de elaboração das certidões”.

A franquia a qual ele se refere é a da loja de chocolates Kopenhagen, que, conforme o Ministério Público do Rio, era usada para mascarar os desvios de recursos dos assessores do senador, já que boa parte das compras eram feitas em dinheiro vivo e em quantias iguais todos os meses. Flávio era dono de 50% da franquia.

Entre seguidores de Flávio Bolsonaro nas redes sociais também houve quem o recriminasse. “O povo quebrando, desempregado e você gastando em uma mansão? Sou eleitor do seu pai, e do seu irmão. Mas não tem como te defender. Falta de vergonha na cara”, disse um deles. “Atrapalhou o Governo do teu pai, que ao invés de colocar o Brasil acima de tudo, colocou você acima de todos!”, disse outra seguidora em alusão ao lema de campanha do presidente. As explicações ainda estão distantes de ter um fim.


Luiz Carlos Azedo: A política como negócio

O senador Flávio Bolsonaro acaba de comprar uma casa no Setor de Mansões Dom Bosco, um dos mais valorizados da capital, no valor de R$ 5,7 milhões

Max Weber, em sua antológica palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. No primeiro caso, estão aqueles que veem a política como bem comum; no segundo, como negócio. As duas espécies se digladiam na democracia, faz parte do jogo na ordem capitalista. Mas no Brasil é diferente: todos dizem defender o bem comum, ninguém assume que está na política para defender interesses empresariais. Como temos um pé no Oriente, em razão de nossas raízes ibéricas, muitos estão na política para formar patrimônio.

Parece o caso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que acaba de comprar uma casa no Setor de Mansões Dom Bosco, um dos mais valorizados da capital, no valor de R$ 5,7 milhões. O imóvel tem área total de 2,4 mil metros quadrados. O registro em cartório da aquisição do imóvel revela que houve o pagamento de R$ 2,87 milhões à vista, além do valor da parcela do financiamento, entre R$ 18,7 mil e R$ 21,5 mil. Para justificar a operação, o filho primogênito do presidente Jair Bolsonaro disse que vendeu um apartamento na Barra da Tijuca (RJ) e a franquia de sua loja de chocolates para dar a entrada no imóvel na capital federal.

Um blogueiro gozador, rapidamente, fez as contas, comparando o valor do imóvel com a quantidade de Nhá Benta (merengue coberto por chocolate), equivalentes aos R$ 6 milhões: 182.370 caixas de 90 gramas, de acordo com os preços da loja virtual da Kopenhagen. O financiamento obtido no Banco de Brasília (BRB) para aquisição do imóvel foi bem camarada. Pelas regras do sistema financeiro habitacional, a prestação não pode ultrapassar 30% da renda bruta. Do valor total do imóvel, R$ 3,1 milhões foram financiados, em 360 parcelas, a uma taxa de juros de balcão efetivos de 4,85% ao ano. No cartório em Brazlândia, onde foi registrada a operação de compra e venda, consta que Flávio Bolsonaro tem renda de R$ 28,3 mil e sua esposa, R$ 8,6 mil.

A notícia da compra do imóvel pegou de surpresa os aliados do presidente Jair Bolsonaro, pois o senador tem direito a apartamento funcional. Logo, repercutiu nas redes sociais, porque o imóvel havia sido anunciado por corretores e havia abundância de imagens em vídeo da mansão na internet (https://youtu.be/TrzNkaBgYE4). Recentemente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 4 votos a 1, havia anulado a quebra de sigilo das contas do senador, que é investigado no escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, supostamente, por ter movimentado cerca de R$ 2,3 milhões. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o dinheiro teria sido lavado com aplicação em uma loja de chocolates no Rio, da qual o senador era sócio, e em imóveis.

Preconceitos

Para o senso comum, as pessoas ricas poderiam se dedicar inteiramente à política de forma genuína, pois não teriam interesses econômicos nela. As pessoas que vivem da política seriam aquelas que veem na política sua profissão. Essa é uma visão preconceituosa, que não é bem o que Max Weber quis dizer, porque dá margem à ideia de que pessoas ricas estariam mais habilitadas a entrar na política, pois não roubariam, enquanto uma pessoa pobre não poderia fazer o mesmo, pois veria na política um meio de garantir sua vida financeira.

O que Weber quis dizer é que políticos que vivem para a política atuam em defesa do bem comum, não importa se são ricos ou pobres. A remuneração de um parlamentar existe exatamente para permitir que um assalariado possa exercer seu mandato sem pôr em risco a sobrevivência de sua família. De igual maneira, há pessoas que entram na política não porque vão ganhar um alto salário como deputado, por exemplo, mas, sim, porque esse cargo lhe permitirá participar da cúpula do poder, com a possibilidade de tomar decisões que favoreçam um grupo específico ao qual pertence ou ao qual deva favores, o que é legítimo na democracia. Mas também há inúmeros casos de homens ricos que estão na política para fazer seus próprios negócios e que se notabilizaram como políticos corruptos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-politica-como-negocio/