FHC
O Estado de S. Paulo: FHC defende ‘união’ entre Alckmin e Doria
Ex-presidente adotou um tom conciliador no evento do grupo Lide, do prefeito João Doria, e chamou o governador e o prefeito de 'queridos amigos'
Pedro Venceslau e Marcelo Osakabe, O Estado de S.Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse nesta segunda-feira, 11, que o prazo máximo para o PSDB realizar prévias para definir o candidato à Presidência em 2018 é março. Fernando Henrique também relativizou o comentário do presidente nacional interino do partido, senador Tasso Jereissati (CE), de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é o "primeiro da fila" na disputa. Para FHC, a fala de Tasso Jereissati tem a ver com o tempo em que Alckmin está na política.
"Geraldo está há mais tempo na política. Nesse sentido, é o primeiro da fila. Isso significa que tem lugar garantido? Não", disse o ex-presidente, após uma palestra oferecida pelo Lide - Grupo de Líderes Empresariais, organização criada pelo prefeito da capital paulista e também postulante ao cargo, João Doria (PSDB).
FHC reiterou que acha saudável a competição na legenda e se disse feliz pela sigla ter mais de uma opção "com vontade e em posição" de se candidatar ao Planalto. O tucano declarou também não ter preferência entre a escolha do candidato via prévias ou por meio de pesquisas de opinião. "Se não estiver claro quem tem chance, o partido faz prévias", disse, ao acrescentar que as pesquisas dizem "pouca coisa" nesta altura, a cerca de um ano da eleição. "A pesquisa não é o único indicador. Tem de ver qual a ideia da pessoa, o que ela representa, quais os apoios efetivos que a pessoa tem. Não é só uma avaliação numérica, é qualitativa também", resumiu.
Por outro lado, Fernando Henrique disse entender que março é a data-limite para a realização de prévias, uma vez que é preciso dar espaço às agremiações para fazer a campanha.
Amigos. No começo de sua palestra, FHC saudou os dois "queridos amigos". "O fato de estarmos juntos esta manhã me deixa realmente feliz da vida", disse o ex-presidente. Postulantes à vaga de candidato do PSDB à presidência em 2018, Alckmin e Doria trocaram afagos. "Queria registrar a alegria de estar com João Doria três dias seguidos. Estou disputando com a Bia (Doria, esposa do prefeito)", disse o governador.
Após o almoço com empresários, o ex-presidente minimizou as diferenças entre os dois tucanos. Enquanto o governador defende a realização de prévias para a escolha do candidato tucano ao Planalto, o prefeito quer que o resultado das pesquisas de opinião seja levado em consideração. "As duas coisas não se contradizem. A pesquisa vai ter peso. Mas vai ser o suficiente? Isso é outra questão."
Delações. Fernando Henrique também defendeu o instituto da delação premiada, que foi colocado em cheque após a prisão de Joesley Batista da JBS. "O fato de que a pessoa foi e é um pouco fanfarrona não é suficiente para anular delação". O ex-presidente ponderou, porém, que é preciso complementar a delação com outros indícios. "Como você pode garantir que o delator não tem outro interesse? Não pode. Tem que avaliar e complementar a delação com outras delações e elementos probatórios dos materiais que houverem."
FHC defendeu a delação premiada e lembrou que o instituto foi recentemente introduzido na legislação brasileira e que está em outras democracias ocidentais. "É difícil para pessoas de outras tradições como a nossa aceitar, mas ela funciona. Funciona nos EUA e funciona bem", declarou.
FHC: Escolha do candidato do PSDB à Presidência recairá sobre favorito
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, nesta quinta-feira (17/8), que vai apoiar o pré-candidato do PSDB à Presidência que for “capaz de falar com o Brasil”. FH destacou que ainda é cedo para o partido definir quem será o escolhido para disputar o cargo — o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria, se movimentam nesta direção.
Durante evento com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o ex-presidente ressaltou a importância de o candidato tucano “ser nacional” e não restringir o discurso ao eleitorado paulista.
— É muito difícil para um paulista ser nacional, porque São Paulo tem especificidades. O Brasil é complicado. Tem que ter uma abrangência mais ampla. O candidato tem que falar com o Brasil. Não adianta falar só com a sua turma. Deles (possíveis candidatos do PSDB), o que for capaz de falar com o Brasil, vai ter meu apoio — defendeu FH.
Para Fernando Henrique, a escolha do candidato tucano será pragmática:
— Os partidos vão procurar quem tem mais possibilidade de ganhar. É cedo para dizer isso com relação ao PSDB. Não quero nominar, mas tem dois que tem aí mais chance. Qual dos dois? Queira eu, não queira eu, vou ver o que vai acontecer com a sociedade e o que vai refletir sobre o partido, senão vai perder a eleição.
Fernando Henrique lembrou que, durante o processo de escolha do candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, no ano passado, apoiou Andrea Matarazzo. FH reconheceu que o desempenho de Doria o surpreendeu.
— Eu errei, disse isso ao João (Doria). Eu não acreditava que ele fosse capaz. Foi, deu show — afirmou o ex-presidente, que brincou com jornalistas quando perguntado sobre quem estava se comunicando melhor, Doria ou Alckmin:
— Acho que sou eu.
Quando respondeu uma pergunta da plateia, questionando se o PSDB havia morrido, FH concordou.
— Na medida em que os outros partidos também acabaram. A crise é geral, o que não significa que os partidos vão desaparecer. Na próxima eleição eles estarão aí. O PSDB tem possibilidades. É preciso ver que ideias o PSDB vai ter e que pessoas vão incorporar isso. Se eu puder ajudar, ajudo. Vou pensar primeiro no Brasil.
Fernando Henrique manifestou apoio ao presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), que encomendou um programa de TV em que o partido admite erros. O tom da propaganda causou desconforto em parte do PSDB.
— Nessa nova sociedade, mentiu, morreu. Tem que dizer as coisas. Tem que dizer com sinceridade: “Acredito, não acredito, penso, não penso, estou errado, errei”. Se o PSDB fizer isso... Vi muita crítica ao Tasso (Jereissati) por causa do programa, mas ele (programa) falou isso: “Erramos? Erramos, fazer o quê?” Vai dizer que não erramos? Não foi um erramos, alguns erraram, mas está bem, você está falando pelo partido, tem que dizer que erramos, não tem outro jeito. Isso quer dizer mea-culpa, máxima culpa? Não é isso, o erro em política se resolve com nova proposta. Se (os partidos) forem capazes de avançar, sobrevivem — disse FH.
Reforma Política
O ex-presidente criticou ainda a possibilidade de a reforma política em discussão na Câmara implementar o distritão como sistema eleitoral para a escolha de deputados. Pelo modelo que está sendo debatido, os deputados mais votados seriam eleitos, em um processo majoritário. Hoje, os deputados são escolhidos de acordo com um sistema proporcional.
— Nosso sistema está muito deformado, mas o distritão é uma deformação maior ainda. Não resolve — disse Fernando Henrique. — Acho que essa reforma (política) ainda está mal parada. Na verdade, não tem clareza, muita confusão. O meu partido, o PSDB, é favorável ao voto distrital misto. Acho que devíamos começar pelos vereadores, para aprender, ir pouco a pouco. No Brasil, a gente sempre pensa que vai salvar tudo. Não é assim. Introduz o voto distrital na eleição de vereadores e vamos ver se dá certo. Se der certo, damos outro passo — afirmou.
Fernando Henrique também defendeu um novo modelo de financiamento, com a volta das doações privadas. Para ele, seriam necessárias duas restrições: a proibição da doação para mais de um partido; e a vedação das contribuições diretamente às legendas — elas seriam feitas aos tribunais eleitorais.
— Tínhamos que voltar ao bom senso. Tem que baixar o custo das campanhas. Esse é o ponto inicial. Não vejo por que proibir a doação privada, desde que seja só para um grupo ou um partido, não para todos. Segundo, doa ao tribunal eleitoral, e o partido vai lá e leva a conta (com as despesas), para evitar corrupção. Senão, o povo vai pagar (pelo financiamento público), e o povo está cansado de pagar — afirmou.
FHC vê sistema político 'podre' e defende mais privatizações contra corrupção
SÃO PAULO (Reuters) - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez duras críticas à classe política e pediu que o Brasil amplie as privatizações de estatais para evitar novos casos de corrupção nessas companhias, após recentes escândalos na Petrobras e na Eletrobras, as duas maiores empresas públicas do país.
"Nosso sistema político deu cupim nele, está todo podre, ele bichou, e a população percebeu isso", disse o ex-presidente, que participou nesta quarta-feira de evento para discutir o futuro da Eletrobras na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.
"O que puder privatizar, privatiza, porque não tem outro jeito. Essa não é minha formação cultural, mas não tem mais jeito, ou você realmente aumenta a dose de privatização, ou você vai ter de novo um assalto ao Estado pelos setores políticos e corporativos", disse o ex-presidente.
Ele ainda teceu elogios à gestão do atual presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., que assumiu a companhia em julho passado, pouco após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e o início do governo Michel Temer.
O executivo tem conduzido um programa de reestruturação da companhia que prevê a privatização de suas seis distribuidoras de eletricidade que atuam no Norte e Nordeste até o final deste ano, além da venda de ativos de geração e transmissão.
Mas FHC ressaltou que as privatizações devem enfrentar resistência de políticos e sindicatos, e lembrou que seria preciso garantir que estatais como a Eletrobras pudessem continuar com boa gestão mesmo com futuras mudanças de governo e de executivos.
Ele lembrou que seu governo só conseguiu privatizar uma subsidiária da Eletrobras, a Gerasul, que reunia ativos de geração da companhia no Sul do país, vendida em 1998 à Tractebel, que atualmente opera com o nome de Engie Brasil Energia.
"Por que só conseguimos privatizar a Gerasul? Porque era impossível enfrentar os blocos de poder nas outras empresas. Tentei o que podia, era impossível, no fundo era um condomínio enorme...quando se fala 'uma estatal pertence ao povo', não, pertence aos políticos e aos grupos de interesse ali organizados, e isso continua", atacou o ex-presidente.
"Não é que a burocracia estatal não seja capaz de chegar a uma boa performance, o que não é capaz é o sistema político", concluiu.
Ele elogiou ainda o atual momento do Brasil com a operação Lava Jato, em que autoridades investigam um enorme esquema de corrupção no país, e disse que é importante haver prisões de políticos para gerar a possibilidade de mudanças na cultura do país.
Assista:
Fernando Henrique Cardoso: Convicção e esperança
É hora de sonhar com 2018, deixar de lado o desânimo e preparar o futuro
Escrevo antes de saber o resultado da votação pela Câmara da autorização para o STF poder julgar a denúncia oferecida pelo procurador-geral contra o presidente da República. É pouco provável que a autorização seja concedida. Houve precipitação da Procuradoria, que fez a denúncia sem apurações mais consistentes. Entretanto, para o que desejo dizer, pouco importa a votação: a denúncia em si mesma e a fragmentação dos partidos no encaminhamento da matéria já indicam um clima de quase anomia, no qual algumas instituições do Estado e os partidos políticos se perderam.
Esta não é uma crise só brasileira. Em outros países onde prevalecem sistemas democrático-representativos também se observa a descrença nas instituições, por seu comportamento errático, sobretudo no caso dos partidos. Mesmo nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França – países centrais na elaboração de ideologias democráticas e na formação das instituições políticas correspondentes – se nota certa falta de prestígio de ambas. Não falta quem contraste as deficiências dos regimes democráticos com as supostas vantagens dos regimes autoritários e mesmo ditatoriais.
O contraste é falacioso, sobram exemplos de ineficiência nos regimes autoritários, sem falar na perda da liberdade, individual e pública, cujo valor não pode ser medido em termos de eficiência dos governos. Nem faltam casos para mostrar o quanto podem levar ao desastre os regimes que de autoritários passam a ditatoriais, como na Turquia atual ou, mais impressionantemente ainda, na Venezuela, onde acontece um verdadeiro horror perante os céus. Nela, a inexistência das garantias democráticas se soma ao descalabro econômico-financeiro.
Não é, contudo, o caso do Brasil. Houve, é certo, a perda de controle das finanças públicas pelo governo anterior. Mas nunca se chegou a ameaçar diretamente a democracia. Aqui o que houve foi a generalização e a sacralização da corrupção, com as ineficiências decorrentes, aprofundando a perda de confiança popular no governo e na vida política. Nesse sentido, estamos imersos num mar de pequenos e grandes problemas e tão atarantados com eles que somos incapazes de vislumbrar horizonte melhor. É isso o que mais me preocupa, a despeito da gravidade tanto dos casos de corrupção quanto dos desmandos que vêm ocorrendo.
Falta alguém dizer como De Gaulle disse quando viu o desastre da Quarta República francesa e a derrocada das guerras coloniais: que era preciso manter uma “certa ideia da França” e mudar o rumo das coisas. Aqui e agora, guardadas as proporções, é preciso que alguém – ou algum movimento – encarne uma certa ideia de Brasil e mude o rumo das coisas. Precisamos sentir dentro de cada um de nós a responsabilidade pelo destino nacional. Somos 210 milhões de pessoas, já fizemos muito como país, temos recursos, há que voltar a acreditar no nosso futuro.
Diante do desmazelo dos partidos, da descrença e dos fatos negativos (não só a corrupção, mas o desemprego, as desigualdades e a falta de crença no rumo) é preciso responder com convicções, direção segura e reconstrução dos caminhos para o futuro. Isso não significa desconhecer que existam conflitos, incluídos os de classe, nem propor que política se faça só com “os bons”. Significa que chegou a hora de buscar os mínimos denominadores comuns que nos permitam ultrapassar o impasse de mal-estar e pessimismo.
Infelizmente, os partidos, sozinhos, não darão respostas a essa busca. O quadro desastroso – quase 30 partidos atuando no Congresso, separados não por crenças, mas por interesses grupais que se chocam na divisão do bolo orçamentário e no butim do Estado – isola as pessoas e os líderes, enclausurando-os em partidos que se opõem uns aos outros sem que se veja com clareza o porquê.
Penso que o polo progressista, radicalmente democrático, popular e íntegro precisa se “fulanizar” numa candidatura que em 2018 encarne a esperança. As dicotomias em curso já não preenchem as aspirações das pessoas: elas não querem o autoritarismo estatista nem o fundamentalismo de mercado. Desejam um governo que faça a máquina burocrática funcionar, com políticas públicas que atendam às demandas das pessoas. Um governo que seja inclusivo, quer dizer, que mantenha e expanda as políticas redutoras da pobreza e da desigualdade (educação pública de maior qualidade, impostos menos regressivos, etc.); que seja fiscalmente responsável, atento às finanças públicas, e ao mesmo tempo entenda que precisamos de maior produtividade e mais investimento público e privado, pois sem crescimento da economia não haverá recuperação das finanças públicas e do bem-estar do povo.
Um governo que, sobretudo, diga em alto e bom som que decência não significa elitismo, mas condição para a aceitação dos líderes pelos que hão de sustentá-los. Brizola, referindo-se a Lula, disse que ele era a “UDN de macacão”, lembrando a pregação ética dos fundadores do PT. Infelizmente, Lula despiu o macacão e se deixou engolfar pelo que havia de mais tradicional em nossa política: o clientelismo e o corporativismo, tendo a corrupção como cimento. Não é desse tipo de liderança que precisamos para construir um grande País.
Ainda que venham a ocorrer novos episódios que ponham em causa o atual governo, e melhor seria que não houvesse, de pouco adianta substituir quem manda hoje por alguém eleito indiretamente: ao líder faltaria o sopro de legitimidade dado pelo voto popular, necessário para enfrentar os desafios contemporâneos. É tarde para chorar por impeachments perdidos ou por substituições que nada mudam. É hora de sonhar com 2018 e deixar de lado o desânimo. Preparemos o futuro juntando pessoas, lideranças e movimentos políticos num congraçamento cívico que balance a modorra dos partidos e devolva convicção e esperança à política.
*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi Presidente da República.
Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso
As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.
Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.
A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.
Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.
A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.
Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).
Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.
Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.
Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.
É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.
Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.
Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.
Coloca-se a questão agônica do que fazer.
Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.
Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.
Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?
É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.
Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.
Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.
Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.
O imbróglio é grande.
Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.
Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.
Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.
Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.
Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.
Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.
Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?
Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.
Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.
Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml
Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'
Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem
Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo
É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.
Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.
Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?
RUY FAUSTO - No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.
Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?
Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.
Lula seria um bom candidato?
Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.
O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?
Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.
Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...
O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.
Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...
A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.
O Estado de São Paulo
O Globo: FHC diz que Lula é um candidato ‘derrotável’
Para ex-presidente tucano, Michel Temer deveria deixar o governo antes de 2018
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou na sexta-feira (23/6) a Justiça Eleitoral, que absolveu o presidente Michel Temer. FH voltou a defender a ideia de convocação de eleições antecipadas e disse a empresários e profissionais do setor de saúde, que ouviram sua palestra num hotel de luxo em São Paulo, que eles devem estar preparados para enfrentar o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.
— O Lula está por conta da Justiça, não sei o que a Justiça vai fazer. Mas suponhamos que a Justiça diga que o Lula não fez nada: ele é candidato, é o único candidato possível (do PT). Só resta vencer na urna. Ou então dar golpe, mas como eu sou contra golpe, só resta é vencer na urna — afirmou FH, em evento mediado pelo colunista do GLOBO Merval Pereira.
FH disse achar difícil Lula recuperar “o que perdeu na classe média” e não acreditar que o petista “seja não-derrotável”.
SITUAÇÃO GRAVÍSSIMA
Depois de analisar a crise política no mundo e direcioná-la ao Brasil, ao afirmar o quanto o presidente “deve falar ao Congresso, à nação e saber lidar com a burocracia, a máquina do Estado e as instituições brasileiras”, FH disse que existe a possibilidade de Michel Temer não terminar o mandato. Ele sugeriu que Temer convoque as principais forças políticas do país e se disponha a deixar o governo antes de 2018, com a realização de eleições diretas.
O tucano classificou a situação de Temer de gravíssima e inédita, devido à provável denúncia a ser apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
— Se por um lado isso é sinal de que as instituições estão independentes, por outro lado, é gravíssimo — disse FH, depois de criticar a decisão do TSE de inocentar a chapa Dilma-Temer: — O TSE surpreendentemente disse que não houve abuso de poder econômico, depois de ter mostrado todos e usado como argumento “que como um colegiado de sete pessoas vai derrubar um presidente que está lá pelo voto de milhões” — disse.
Segundo FH, o Brasil está “vivendo um colapso do modelo da Constituinte de 1988”. O ex-presidente elogiou o papel dos militares na crise, que respeitam as leis, e o fato de as Forças Armadas estarem “fora do jogo”. Para FH, a classe média está indignada, mas “em casa”. A falta de mobilização se dá ao fato de que nenhuma sociedade moderna “se mobiliza o tempo todo”. As vezes, segundo ele, o motivo de mobilização é lateral, como o aumento do preço dos ônibus em 2013. A rua, para FH, “não fica permanentemente fervendo o tempo todo”.
O Globo
Mauricio Huertas: É chegada a hora de uma nova geração?
Ou seja, tanto na política quanto no futebol, o protagonismo está mudando de mãos. A velha guarda passa o bastão, ainda que por vezes a contragosto.
A sociedade emite sinais que às vezes são percebidos apenas com distanciamento histórico, mas o que está acontecendo hoje na política e no futebol certamente já simboliza uma transformação em curso. Olhos abertos e ouvidos atentos, portanto, para não sermos atropelados pelos acontecimentos…
Quando FHC dá uma entrevista em que afirma que o prefeito João Doria e o apresentador Luciano Huck representam o “novo” na política, porque “não estão sendo propelidos pelas forças de sempre”, e quando vemos jovens treinadores de futebol campeões – todos novatos no cargo em grandes clubes brasileiros – nessa época de desdobramentos ainda imprevisíveis da Lava Jato e das mudanças que ela já vem causando, precisamos fazer a leitura correta desse novo quadro.
Os técnicos campeões paulista, carioca, paranaense e mineiro – para ficar apenas nos times mais emblemáticos – estão na casa dos 40 anos. O corinthiano Fabio Carille tem 43 anos; o flamenguista Zé Ricardo, 46; o curitibano Pachequinho, 46; e o atleticano Roger Machado, 42. Paralelamente, na política, João Doria com 59 anos talvez seja a exceção entre os quarentões, apesar de aparentar menos idade e de ser também um neófito nas disputas eleitorais. Luciano Huck tem 45 anos. O juiz Sergio Moro, 44. O procurador Deltan Dallagnol, 37.
O novo presidente francês, Emmanuel Macron, tem 39 anos. Não que a juventude, por si só, seja sinônimo de progresso, evolução, inovação ou modernidade. Está aí Kim Jong-un, na Coreia do Norte, com 33 anos, para provar o contrário. Mas é certo que modelos antigos (em idade, em conceitos e nas práticas políticas), como Donald Trump, aos 70 anos, ou Michel Temer, aos 76, Lula, 71, e Dilma, 69, estão de fato saindo de linha.
Ou seja, tanto na política quanto no futebol, o protagonismo está mudando de mãos. A velha guarda passa o bastão, ainda que por vezes a contragosto. Uma nova safra desponta no cenário. Não é por acaso. O mundo vem mudando. A sociedade busca novos caminhos. É chegada a hora de uma nova geração.
Novas organizações políticas no mundo todo vem crescendo e se destacando, desde a onda de manifestações globais – da Primavera Árabe e do Occupy Wall Street às passeatas que no Brasil fizeram surgir o Movimento Brasil Livre, o Vem Pra Rua e, do lado oposto, o MTST, por exemplo, todos liderados por jovens na casa dos 20, 30 e 40 anos.
São os novos atores tomando o palco central. E nós, vamos nos contentar apenas em assistir, vamos desempenhar um papel meramente coadjuvante ou, enfim, compartilharemos o protagonismo destes novos tempos?
*Mauricio Huertas é jornalista, secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente
Fonte: http://www.pps.org.br/2017/05/09/mauricio-huertas-e-chegada-a-hora-de-uma-nova-geracao/
FHC e o "algoritmo que rege a política" no #ProgramaDiferente
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fala com exclusividade ao #ProgramaDiferente sobre a crise institucional no Brasil e comenta sobre o "novo algoritmo da política", ou as mudanças globais que ele identifica com precisão em artigo recente. Assista.
Artigo de FHC: O algoritmo da política mudou
Diversamente do progressismo do século XVIII, centrado no indivíduo, e do XIX, centrado na classe, o atual deve se centrar nos que nascem e vivem ‘em redes’
A eleição de Donald Trump confirma o que já se pressentia. Na França, mesmo sem vencer, é provável que Marine Le Pen aumente sua votação. Será o temível “direita volver”? Sim e não. É indiscutível que a onda contemporânea é de rechaço aos “males da globalização”. Os que simbolicamente representam a “globalização feliz”, na expressão do sociólogo Pascal Perrineau, estão colhendo o repúdio dos deserdados dela. Mas isso é só parte da história.
Ao mesmo tempo, a sociedade está refazendo liames de solidariedade e definindo formas de comportamento orientadas por valores que se afastam do padrão anterior. As razões desse sacolejar não podem ser reduzidas às consequências, negativas para alguns, da integração global dos mercados, da alta produtividade das novas tecnologias e do consequente drama do desemprego.
Nossos modelos mentais se formaram, a partir do século XIX, de modo pós-iluminista: menos do que a razão, contariam os interesses. Estes, desigualmente distribuídos graças às heranças das famílias e às regras de êxito nos mercados, davam sustentação mais ou menos sólida aos laços de classe, que se espelhavam em ideologias. Foi esse mundo que Marx levou ao extremo ao definir a luta de classes como o “motor da História”.
A partir daí, aproveitando resquícios da Revolução Francesa, podiam-se classificar as posições políticas entre esquerda e direita e um centro “amorfo”, ou, como o qualificou Maurice Duverger, um pântano eterno. Por quê? Porque o proletariado e seus aliados simbolicamente eram a “esquerda” revolucionária (posição na Assembleia Nacional onde tomavam assento os militantes mais ardorosos) e se contraporiam à burguesia, que defendia os interesses de conservação da ordem (a “direita”).
Esse mundo se transformou profundamente. Novas formas de produzir, com a disseminação das inovações tecnológicas da automação, miniaturização e especialmente comunicação em rede, criaram uma economia de alta produtividade e baixa empregabilidade, com o encolhimento do setor fabril e a expansão dos serviços. As sociedades capitalistas acrescentaram à estrutura de classes (sem desfazê-las) mecanismos de mobilidade ocupacional e formas de interação e de eventual coesão social, que se fazem e desfazem rapidamente dispensando estruturas organizacionais intermediárias.
As pessoas se juntam e se separam por redes intercomunicadas. Estas, de tempos em tempos, levam à ação coletiva: as paradas, os protestos, as “ondas eleitorais” que se formam independente mente dos partidos. Tudo isso assusta os membros do establishment tanto da esquerda quanto da direita: organizações multinacionais, sindicatos, mídia tradicional, partidos, igrejas etc. se sentem inseguros, e frequentemente partes deles se voltam “contra tudo isto que está aí”.
Às consequências sensíveis da globalização em momentos de crise (estagnação, deslocalização e desemprego), portanto, somam-se também tensões em torno a padrões de comportamento. Há novos parâmetros quanto ao que seja aceitável em uma sociedade crescentemente diversa (paradas de “orgulho gay”, ascensão política de migrantes, presença ativa de minorias, lutas pró-direito de aborto, regulamentação do uso das drogas etc.).
Há também reações tradicionalistas contra todas essas mudanças. Se a isso somarmos os conflitos pela hegemonia mundial e as ameaças inquietantes do terrorismo, completa-se o quadro no qual, mais que “de direita” (no sentido clássico), as reações são de medo. Refletem o desejo de retorno ao que foi ou se imaginava ter sido bom no passado (“Make America great again”) e de proteção e segurança (protecionismo, nacionalismo xenófobo etc.) frente às ameaças do presente.
O assunto não se esgota, portanto, em dizer: é a direita que está vitoriosa, embora seja. Não é qualquer direita, é a direita do orgulho nacional xenófobo, do “fora, imigrantes”, do protecionismo e do personalismo autoritário, valores em parte compartilhados por certa esquerda. Mais correto diante da vitória de Trump seria repetir Angela Merkel e dizer: nós temos princípios, amamos a liberdade, temos respeito à dignidade humana e à democracia.
As regras desta se aplicam a todos, independentemente da cor da pele, da orientação sexual, religiosa ou partidária. Ao mesmo tempo, não se deve fechar os olhos às consequências da “globalização assimétrica” que põe à margem regiões inteiras do mundo e setores internos das sociedades, mesmo das mais prósperas. Diante das transformações sociais e culturais que estão ocorrendo, o pensamento progressista não deve cantar loas à debacle da globalização que arrasta com ele os princípios “iluministas”, que Marx acolhia (com a pretensão de superá-los).
Tampouco cabe fechar o nariz com repugnância ao que está ocorrendo. O mal-estar precisa ser entendido para recriar-se a esperança. As propostas para o futuro devem olhar as necessidades concretas das pessoas. Foi isso que os “brancos, pobres e pouco educados” (o proletariado...) viram na demagogia de Trump.
Não basta denunciá-la como enganosa, embora seja: é preciso escutar o drama dos perdedores, dar-lhes uma resposta efetiva, não fechar os olhos aos efeitos negativos da globalização, e, não menos importante, reafirmar ao mesmo tempo os princípios fundamentais da liberdade, da dignidade humana e da igualdade democrática.
Diversamente do progressismo do século XVIII, centrado no indivíduo, e do XIX, centrado na classe, o atual deve se centrar em pessoas que nascem e vivem “em redes”. Não repudiam o coletivo: querem existir dentro dele mantendo suas autonomias, sua liberdade de escolha. O algoritmo é outro. Há os interesses, mas os valores também contam.
Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República
Ferreira Gullar: Não basta ter razão
Não tem cabimento demonizar o populismo, ainda que ele contenha inevitavelmente contradições que podem levá-lo ao impasse. É inegável, porém, que ele parte da constatação de que a sociedade é, sem dúvida alguma, desigual.
Há uma minoria rica, uma classe média de alguns recursos e –particularmente em países com o nosso– uma maioria que vive ao nível da necessidade, mal tendo como sustentar e educar os filhos.
Eleger como objetivo de governo a melhoria das condições de vida dos mais pobres é indiscutivelmente um propósito louvável. Mas não basta ter razão para estar certo.
O problema é que esse populismo é ideológico e, por isso, faz do propósito de ajuda aos mais pobres um projeto de governo. Ao contar com o apoio dessa maioria carente, transforma-se em um modo de permanecer indefinidamente no poder.
Hugo Chávez, por exemplo, chegou a fazer aprovar uma lei que permitiria que ele fosse reeleito indefinidamente pelo resto da vida. Para enganar o povo, inventou um outro que daria à maioria o direito de depor o governante se ele traísse o interesse popular.
Se digo que o populismo latino-americano é ideológico, é que ele surgiu em decorrência da revolução cubana – que provocou um surto de guerrilhas no continente– como alternativa, após o fim dos regimes comunistas em quase todo o mundo.
De qualquer modo, o sonho da revolução proletária se desfez. O populismo troca a luta de operários contra a burguesia pela luta de pobres contra ricos. Assim, se o populismo não se assume comunista, procura em compensação se apresentar como anticapitalista.
Como não nasce de uma revolução que elimina da sociedade a classe capitalista, vale-se do governo para usar os recursos públicos na tarefa de dar casa, comida, escola e outros confortos até então fora de seu alcance, para assim, ao mesmo tempo, conquistar os votos dessa maioria da população.
Mas, para fazer isso, tem que contar com o apoio do capitalismo, como ocorreu na Argentina, na Venezuela e no Brasil.
Essa aliança inevitável compromete, de certo modo, o caráter anticapitalista que o populismo necessita ostentar. Para superar a contradição, é levado a adotar medidas e atitudes que aparentem sua hostilidade ao capitalismo, como dificultar as relações políticas com os norte-americanos e adotar exigências nos contratos com grandes empresas. Isso termina por reduzir –como no caso do Brasil– o comércio exterior e, internamente, leva ao fracasso projetos econômicos que necessitam de capital privado.
Somado isso às despesas com os programas sociais que beneficiam milhões de pessoas, é inevitável que a crise econômica termine por se instalar no país.
Para que se veja com clareza a diferença entre um governo não populista e um governo populista, tomo como exemplo os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso e o do governo Lula.
FHC criou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Luz no Campo, que Lula criticou, acusando o presidente do PSDB de estar dando esmola aos trabalhadores e a suas famílias.
Quando assumiu o governo, porém, adotou os mesmos programas, trocando os nomes para Bolsa Família e Luz para Todos, aumentando em vários milhões o número dos beneficiados.
O resultado foi que a fusão dos programas e esse aumento de milhões de pessoas tornaram quase impossível a sua fiscalização, o que induziu muita gente a largar seu emprego para viver da ajuda do governo. Há mesmo exemplo de pequenos municípios em que quase todos vivem do Bolsa Família.
É que o populismo, na melhor das intenções, parte de que o problema da desigualdade social se resolve com o dispêndio do dinheiro público. Trata-se de uma ilusão. Não há mágica capaz de resolver problema tão complexo, do dia para a noite, às custas do Tesouro Nacional.
A solução efetiva desse problema exige que os mais pobres tenham condições efetivas de criarem seus filhos, educá-los e dar-lhes qualificação profissional. E temos que tomar isso a peito, sem demagogia. (Folha de S. Paulo – 09/10/2016)
Fonte: pps.org.br
Exclusivo na TVFAP.net: Fernando Henrique Cardoso e "A Miséria da Política"
"Usar crise como mecanismo para chegar ao poder é versão moderna de golpe", afirmou a quase ex-presidente Dilma Roussef, em mais uma demonstração explícita de autismo político.
"Eu não conheço quem esteja usando a crise (para dar golpe). Todo mundo está sofrendo com a crise. E quem está sofrendo não quer dar golpe, quer se livrar da crise. Na medida em que o governo faz parte da crise, começaram a perguntar se ele vai durar, mas isso não é golpe", respondeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No lançamento de "A Miséria da Política - Crônicas do Lulopetismo e outros Escritos", livro no qual reúne artigos publicados desde 2010, além da transcrição de dois discursos, FHC se apresenta como o mais lúcido, equilibrado e coerente líder tucano.
Num bate-papo com os jornalistas Eliane Cantanhêde e Ricardo Gandour - exibido na íntegra, com exclusividade, pela TVFAP.net - ele mostra a leveza que só o "peso" da idade permite.
Bem humorado, acessível, com a popularidade em alta, FHC se dedica a analisar o Brasil, a crise do governo e a derrocada do que chama de "lulpetismo", ou a transformação de um governo de coalizão em governo de cooptação.
"Esses governos que estão aí levaram o Brasil à quebra. Quebrou o tesouro, quebraram os recursos. E a sociedade não quer mais pagar imposto. Então, tem um impasse muito grande. Ao mesmo tempo que há necessidade, que a população pede ao governo, a população diz 'eu não dou porque vocês não estão usando adequadamente’", afirmou o ex-presidente.
Para FHC, são necessárias pelo menos duas condições para que a hipótese de impeachment se concretize. "O impeachment precisa de duas condições: uma é a perda de capacidade de governar. Essa, parece que está existindo. A outra é você ter uma condição de responsabilidade objetiva", declarou FHC. "Portanto, não se trata de uma torcida, mas há fatos apontados por canais institucionais".
O "pós-PT" também foi tratado por FHC. Para ele, se concretizado o afastamento de Dilma (por impeachment, renúncia ou cassação), o Brasil exigirá um pacto para sair da crise e garantir a governabilidade, do qual todos os partidos e as principais lideranças políticas devem participar.
Fez uma comparação do momento atual com o governo de transição do presidente Itamar Franco, após o impeachment de Collor ("hoje, porém, a crise é mais grave"), do qual foi ministro da Fazenda (segundo ele, por insistência de Roberto Freire, então líder do governo no Senado), e reiterou que é preciso ter novas lideranças com um discurso "compatível, unindo o social com o econômico e o político". Citou nominalmente Marina Silva como exemplo de liderança íntegra que deve ser chamada a este pacto para "renovar a esperança com confiança".