FHC
FHC e Cristovam Buarque: A educação é o melhor caminho para o Brasil
Saída para reduzir as desigualdades sociais em todo o país é apostar na educação, avaliam o senador do PPS-DF e o ex-presidente
Por Germano Martiniano, com informações do Valor Econômico
O livro “Brasil, Brasileiros – Por que Somos assim?”, organizado e publicado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pela Verbena Editora, foi lançado nesta quinta-feira (15) em evento da Fundação FHC, em São Paulo. O evento, que contou com uma grande participação do público e a presença de autores da coletânea, foi antecedido de um diálogo entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).
Durante o debate, tanto o senador do PPS-DF quanto o ex-presidente apontaram a educação como o melhor caminho para o Brasil reduzir as desigualdades sociais, ampliar o acesso da população à saúde e enfrentar um quadro de violência nas principais capitais brasileiras. Ao abordar essa questão, FHC discordou da ideia de que a saúde, conforme pesquisas divulgadas pela imprensa ultimamente, representa o maior problema do país na atualidade.
Para Cristovam Buarque, a mudança de rumo no país passa pela universalização do ensino. "O vetor da construção de um Brasil diferente é um sistema educacional que faça com que nossas escolas estejam nos melhores padrões e que não haja diferença entre a educação oferecida a ricos e pobres", acredita o senador que pode concorrer à Presidência mda República em 2018 pelo PPS.
Em seu discurso, o senador adicionou que falta ao país um "sentimento nacional". "A raiva tomou conta de tudo. O corporativismo é como os brasileiros raciocinam hoje", avalia, ao manifestar preocupação com a divisão entre "grupos e seitas". "Talvez, a ira seja a principal musa do processo eleitoral que se avizinha. É algo que não combina com eleição”, completou Cristovam.
Fernando Henrique Cardoso, além de concordar com Cristovam no tema Educação, avalia que o Brasil e os outros países demandam, atualmente, uma renovação de seus quadros políticos. Ao analisar o cenário nacional, FHC avaliou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva "se matou politicamente". Em seguida, ao explicar a declaração, afirmou que o petista representava a esperança quando foi eleito em 2002, mas decepcionou a todos os brasileiros.
“Espero que este diálogo com FHC cresça cada vez mais, não com a pretensão dele me apoiar em uma possível candidatura para presidente em 2018, mas com a possibilidade de que tenhamos um candidato entre os extremos que vemos atualmente”, disse o senador no encerramento do evento.
Confira, no link abaixo, alguns trechos do evento e declarações de FHC, Cristovam Buarque, organizadores do evento e autores do livro:
https://www.youtube.com/watch?v=rBAfsr87ZYA&feature=youtu.be
O Globo: ‘Se entrar em vale-tudo, PSDB perde a eleição’, diz FHC
Raimundo Santos: Desenvolvimento e democracia no discurso de FHC
Nesta hora às vésperas da eleição de 2018, é útil lembrar não só o pleito de 1989 pela grande dispersão das correntes políticas que levou à vitória de um presidente messiânico, mas também as eleições de 1994 que consolidaram um momento democrático-construtivo que vinha se desenvolvendo a partir do impeachment de Collor. Este pleito, como dizia o presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso de despedida do Senado proferido em 14 de dezembro de 1994, abria o caminho para se evitar o pior dos cenários que era o marasmo de uma democracia representativa formal, esvaziada de conteúdo econômico e social pelas pragas do elitismo, do fisiologismo e do corporativismo.
Então ele seguia dizendo que o Brasil vivia não apenas um somatório de crises conjunturais, mas o fim de um ciclo de desenvolvimento, pois a manutenção dos padrões de protecionismo e intervencionismo sufocava a concorrência necessária à eficiência econômica e distanciava cada vez mais o Brasil do fluxo das inovações tecnológicas e gerenciais que revolucionava a economia mundial. Fernando Henrique divisava na circunstância da globalização da época a oportunidade para um novo ciclo de desenvolvimento desde que aqui se levassem adiante reformas reestruturantes da economia num amplo contexto de desestatização da vida nacional, mobilizando a política e a sociedade civil pluralista que se dinamizara com a conquista das liberdades democráticas.
As diretrizes de governo apresentadas naquele discurso se opunham às experiências autoritárias do passado, particularmente ao modelo de modernização econômica e de organização da sociedade que se consolidara na Era Vargas em moldes de uma revolução nacional-popular por meio da expansão das funções administrativas para estruturar de cima para baixo várias esferas da vida nacional, como ocorreu na economia, nos sindicatos, nos meios de comunicação e na cultura.
Em primeiro lugar, Fernando Henrique se propunha aprofundar o processo de estabilização macroeconômica iniciado no governo pluripartidário de Itamar Franco, do qual fora ministro da Fazenda, não como um fim em si mesmo, mas como condição para o crescimento sustentado da economia e para o resgate da dívida social. Defendia medidas que rompiam com o desenvolvimentismo à moda antiga baseado na pesada intervenção estatal, seja através da despesa, seja através dos regulamentos cartoriais. O objetivo do seu governo era aumentar as taxas de investimento, cujos pilares justamente radicavam na confiança na estabilidade econômica do país e na construção de um marco institucional que permitisse à iniciativa privada exercer “na plenitude o seu talento criador”. Instaurar “uma verdadeira democracia econômica e social”, como ele chamava, requeria que a ação do Estado se voltasse para as maiorias menos organizadas ou inorganizáveis: os consumidores, os contribuintes, os pobres e os excluídos. Para isso, continuava o presidente eleito o seu discurso, seria preciso resgatar o Estado da pilhagem dos “interesses estratégicos”, das “conquistas sociais” exclusivistas, do corporativismo, em suma, dos privilégios que distorciam a distribuição de renda.
Abertura da economia
O segundo ponto do programa de governo de Fernando Henrique se voltava para a abertura da economia ao mercado mundial daqueles anos 1990. Na contramão da grande maioria das correntes de esquerda, ele via a integração do país à globalização como um processo progressista e incontornável, sendo necessário superar o modelo da industrialização substitutiva das importações oriundo da Era Vargas. Fernando Henrique conferia à política de “Exportar para importar” um sentido estratégico, argumentando que se devia importar equipamentos e insumos para acelerar a modernização e a expansão da indústria, da agricultura e dos serviços domésticos. E importar bens de consumo, mantendo uma proteção tarifária moderada para que os preços internos se aproximassem dos preços internacionais, e os ganhos de produtividade já ocorridos e por ocorrer se transferissem para o conjunto da sociedade. Esse era o caminho que lhe apontava a experiência das economias capitalistas maduras para combinar crescimento e distribuição de renda. Ele também propunha ações para impulsionar o desenvolvimento tecnológico das indústrias (“E para seu financiamento a juros aproximados das taxas internacionais”). Manter e aumentar a competividade das exportações não significava a volta do protecionismo. Esperava que as medidas permitissem, por um lado, novos ganhos de produtividade às empresas e, por outro lado, aumentassem a eficiência sistêmica da economia, reduzindo o chamado “custo Brasil”. Fernando Henrique se referia a variadas providências que iam desde a eliminação de impostos sobre as exportações até a melhoria das estradas e dos portos cujo mau uso encarecia a produção nacional.
A terceira diretriz do discurso de 1994 redefinia a questão da relação entre o Estado e o mercado buscando que o eixo do novo ciclo econômico passasse da atividade produtora do setor estatal para o setor privado. O Estado tinha presença chave no desenvolvimento desempenhando função regulatória, não no sentido de espalhar regras e favores a “torto e a direito”, como ele dizia, mas de criar um marco institucional que assegurasse “plena eficácia ao sistema de preços relativos”, incentivando os investimentos privados na atividade produtiva. O princípio geral da regulação visava a eficiência do mercado, oferecendo à indústria brasileira condições semelhantes às dos concorrentes externos. Fernando Henrique tocava num outro tema arraigado na cultura empresarial brasileira inclusive na própria atividade política quando mencionava a necessidade de se desmontar as antigas regulamentações que davam proteção cartorial a determinados setores. Ele sublinhava que o objetivo da ação reguladora se centrava na reafirmação da vocação industrial da economia brasileira e de sua base tecnológica, sendo imprescindível não perder de vista a meta de conferir-lhe dinamismo e competitividade no tempo da globalização.
A quarta diretriz das reformas propostas objetivava dar sustentabilidade ao processo de desenvolvimento, constituindo uma moderna infraestrutura econômica e social por meio de novas formas de parceria entre o Estado, a empresa e a comunidade. O presidente eleito fazia referência a medidas destinadas aos setores de energia, transportes e telecomunicações; e ao chamado (“impropriamente”) “capital humano”. Em relação à primeira infraestrutura, dizia ser fundamental ampliar o conceito de privatização com vistas a aumentar a eficiência geral da economia desde que se fizesse acompanhar do fortalecimento da “autoridade pública” (“agências “controladoras”). Na sua visão, a parceria com a empresa privada na infraestrutura econômica abria espaço para que o Estado investisse mais em saúde, em educação, em cultura, em segurança; investisse mais no essencial, no seu povo (“o maior ativo estratégico de um país”). Essa tarefa, frisava ele, vinha junto com o “imperativo ético” de incorporar ao processo de desenvolvimento os milhões de excluídos pela miséria, observando ser necessário superar a “zona cinzenta do clientelismo e da corrupção”.
Política sociais
Para o êxito das políticas sociais, Fernando Henrique atribuía grande protagonismo à comunidade, realçando o papel das ONGs (que preferia chamar de “organizações neogovernamentais”), entendendo-as como formas inovadoras de articulação da sociedade civil com o Estado; por isso igualmente “sujeitas à prestação de contas e ao escrutínio público”. Nesse campo da infraestrutura social, a descentralização e a parceria com a comunidade passavam a ser as linhas mestras das ações do seu futuro governo, cumprindo papel chave para universalizar o acesso aos serviços de saúde e “a um ensino fundamental de boa qualidade”.
Às vésperas de assumir a Presidência da República, ele se propunha discutir com o mundo político as medidas legislativas para dar curso às reformas. Mencionava uma agenda constitucional, que já estava posta na cena pública, para remover da Carta de 1988 os “nós que atam o Estado brasileiro à herança do velho modelo, e algumas impropriedades que, assim recordava o presidente eleito, “nós, constituintes, acrescentamos para nossa conta”. Ele aludia às revisões constitucionais sugeridas por Itamar Franco e a outras que tramitavam no Congresso (o “solucionador de impasses”), citando as reformas fiscal, tributária, previdenciária, orçamentária; e também as medidas sobre o capital estrangeiro, monopólios estatais etc. Além dessas reformas no plano econômico, Fernando Henrique se referia a diversos temas constitucionais que precisavam ser redimensionados, dentre os quais os direitos e obrigações dos servidores públicos, as relações de trabalho, a organização sindical e a organização do Poder Judiciário. Incluía a reforma política, especialmente o sistema eleitoral, defendendo o sistema distrital misto alemão. Observava ainda que o detalhismo da Constituição de 1988 provocara o efeito indesejado de despolitizar e tribunalizar decisões, dizendo que matérias mais próprias de lei ordinária ou de programa de governo, “uma vez congeladas na Constituição, ficam excluídas do processo político normal”.
Lembrar o discurso de Fernando Henrique proferido em 1994 avulta o contraste entre o caráter construtivo dos seus governos e a Era Lula. Durante os seus dois mandatos, as diretrizes então anunciadas ensejaram transformações em diversos setores da economia, nas políticas públicas e na própria estrutura do Estado. A partir de 2003, muitas dessas mudanças foram mantidas, mas perderam nas ações dos governos de Lula e Dilma o nexo que ligava o Estado, a economia e a sociedade como esferas diferenciadas da formulação originária de 1994, cujo foco era o desenvolvimento econômico sustentável na circunstância da globalização visando assegurar uma sociedade aberta e de cultura política liberal-democrática.
Ao contrário, na visão que hegemonizará as atuações dos governos petistas vai predominar a questão da posse do aparelho do governo como base para um regime social de outro tipo. A participação do PT inclusive dos movimentos sociais nas estruturas estatais passará a ser mobilizada em termos de uma ocupação de mais e mais áreas do Estado. Para isso concorria o fato de seus principais protagonistas não terem compromisso com a democracia política, pois sempre desconheceram a questão democrática posta na esquerda brasileira há muitos anos atrás.
Chama a atenção o traço – próprio do populismo – de os governos de Lula e Dilma não darem valor fundamental às transformações da esfera propriamente produtiva que era o cerne do programa de Fernando Henrique de 1994. O desinteresse por este tipo de reestruturação de sentido construtivo, é o que, além das vicissitudes que advêm da crise da economia internacional, sobretudo no governo de Dilma, leva, afinal, à desorganização da economia e de outras áreas da vida nacional ao fim da Era Lula.
Também são expressivos daquela visão de poder o apelo do “nós e eles” com que Lula e o PT ao longo do tempo procuraram polarizar a vida social e política do país, e o fato de o segundo governo de Dilma, isolado politicamente em 2016, recorrer à mobilização das suas próprias forças para dentro de si como forma de luta contra os que considerava seus inimigos externos. As avaliações oficiais do PT, feitas logo após o impeachment da Presidente Dilma lamentando não ter radicalizado aquela estratégia de poder, revelaram que o esgotamento da Era Lula foi o fracasso de uma experiência assemelhável a uma revolução nacional-popular.
* Raimundo Santos é autor do ensaio introdutório ao livro O marxismo político de Armênio Guedes, FAP/Contraponto, Brasília/Rio de Janeiro, 2012.
Fernando Henrique Cardoso: Negros, preconceitos e ideologias
A dualidade entre a existência da discriminação e sua negação oficial caracteriza o estilo de nossas relações raciais
Na segunda metade dos anos 1950 houve um seminário internacional no Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro sobre raça e preconceito. Apresentei alguns dados da pesquisa que fizéramos no Rio Grande do Sul, na sequência dos estudos sobre os negros em São Paulo comandados por Roger Bastide e Florestan Fernandes. Os dados eram eloquentes: não se precisava de muito número ou de retórica para comprovar a fragilidade da noção de que o Brasil era um país sem preconceitos raciais. No Sul, como em toda parte, as coisas eram mais complicadas.
Conto isso não para reafirmar um truísmo, mas porque, ao fim da reunião, o embaixador que a presidia me chamou e disse secamente: “Eu quase o expulsei da reunião”. “Por quê?”, perguntei. “Porque isso não é coisa que se diga diante de estrangeiros!” Deveria prevalecer a noção de que não temos preconceitos raciais...
Contudo, não devemos tratar as afirmações sobre nossa democracia racial como “mera ideologia”, disfarces da realidade. As ideologias contam no comportamento das pessoas. De alguma maneira os que dizem ao mundo que no Brasil não existe preconceito contra os negros confessam inconscientemente que seria melhor que não o tivéssemos. Repetem um chavão, que tem consequências: empurram o preconceito para a área não pública. Em privado, nas relações cotidianas, ele é o feijão com arroz; nas palavras oficiais não é permitido. Não por acaso o preconceito “é crime”, capitulado no código penal.
Estamos longe, portanto, do “apartheid” sul-africano ou de quando havia nos Estados Unidos, legalmente, o lugar para os negros nos ônibus, nas escolas ou onde mais a discriminação fosse posta em prática. A dualidade entre a existência do preconceito e sua negação oficial e mesmo cultural caracteriza o estilo de nossas relações raciais. Melhor ou pior do que nos países considerados racistas? Apenas diferente. O convívio se torna mais ameno (uma pessoa “educada” nem sequer se refere a “negros”, ou mesmo “mulatos”, sobretudo na presença deles). Ao mesmo tempo se torna mais difícil o reconhecimento da categorização racial, a menor ascensão social dos não brancos fica obscurecida e se torna mais dificultoso tomar medidas corretivas.
Os dados são gritantes: as pesquisas genéticas comprovam, primeiro, que “raça” não se sustenta como conceito; segundo, que, no caso brasileiro, metade dos negros possui alguma dose de ancestralidade paterna europeia, e que os negros e mulatos, como também muitos brancos, têm altas dosagens de ancestralidade materna africana ou indígena. Nos estados do Sul, pode predominar a ancestralidade europeia por parte de pai e mãe; já nos estados em que houve exploração canavieira ou mineradora, a participação africana é maior, sobretudo na linhagem materna. Nos amazônicos, o mesmo ocorre com a participação indígena. A miscigenação é a regra. Logo, melhor afirmá-la como um valor e tratar de combater a discriminação e o preconceito, reconhecendo-os como parte negativa de nossa herança cultural.
O preconceito e o grau de discriminação prevalecentes no Brasil não são iguais, porém, ao que ocorreu nos Estados Unidos antes das lutas pelos direitos civis, ou ao que ainda ocorre em setores da sociedade e da cultura americana. As distinções no Brasil sempre foram mais de “marca” (a cor da pele ou o tipo de cabelo etc.) do que de sangue. Em certa época nos Estados Unidos bastava uma gota de sangue negro para que a pessoa fosse considerada como tal. A esse respeito há um diálogo (não sei se real ou imaginário) entre um diplomata europeu e um brasileiro. O europeu reparou criticamente: “Vocês não têm diplomatas negros”; ao que o brasileiro replicou: “Tampouco brancos”. O mesmo ocorre se olharmos com atenção a galeria de retratos dos presidentes da República, eu incluído... Alguns são mestiços, mesmo que não se reconheçam como tal.
Não há entre nós, por outro lado, distinções culturais nítidas entre uma “cultura branca” e uma “cultura negra”. Nossa miscigenação cultural é até maior do que a de sangue. Sem falar da religião ou da música, na qual há forte influência africana (embora também exista o “rock brasileiro”...), também o português falado no Brasil, tanto no vocabulário como na fonética, incorporou expressões e modos de dizer provenientes das várias línguas dos escravos, que vieram de etnias com línguas diferentes. Frequentemente se comunicavam entre si em português e, ao falar português com os brancos da terra, transmitiram a eles algo de seus idiomas. A essa mistura fonética e vocabular se somaram os modos de falar dos indígenas, dos italianos, espanhóis, alemães, poloneses, ucranianos, japoneses e de outros mais, como os que falam iídiche. Variavelmente, dependendo da região do país, eles deram tonalidades específicas ao português do Brasil. Essa variabilidade e diversidade nos são próprias.
Distintos segmentos da sociedade terão caracteres culturais específicos e mesmo estratificados. Contudo, não estamos lidando com “mera ideologia” ao afirmar nossa plasticidade cultural. Ela é, ao mesmo tempo, real e mistificadora. O preconceito continua jogando papel negativo. É importante lutar contra sua insidiosa presença até mesmo nos livros escolares e em múltiplas situações da vida brasileira. Assim como é importante a defesa de “cotas” para “negros” (autodefinidos) no serviço público ou nas universidades.
Em uma sociedade minimamente democrática, todos devem ser iguais. Entretanto, tratar os desiguais como se fossem iguais é perpetuar as desigualdades. Os censos mostram que os “não brancos”, especialmente os negros, têm renda menor, menores oportunidades de emprego e acesso seletivo às posições mais importantes da sociedade. Há os que furam a barreira e chegam a ser governadores, prefeitos, artistas de renome, futebolistas ou empresários. A ascensão, entretanto, é recente e dificultosa. Só nas últimas décadas as TVs, por exemplo, mostram atores negros em papéis de destaque ou nos anúncios de propaganda. E a entrada nos clubes “exclusivos” e mesmo em locais sociais de prestígio, sem ser oficialmente proibida, é rara.
Melhor, portanto, denunciar os disfarces da desigualdade que repetem que “entre nós não há preconceitos” e valorizar o fato de sermos social, racial e culturalmente mestiços, sem transformar os “não mestiços” em objeto de discriminações. A democracia é também uma forma de integrar a sociedade em sua diversidade.
* Fernando Henrique Cardoso é ex-presidente da República
O Estado de S.Paulo: 'Não temos um De Gaulle', diz FHC sobre ausência de líder capaz de unir a sociedade
Em Nova York, ex-presidente FHC evita se posicionar de maneira clara sobre sua preferência na corrida pelo Palácio do Planalto
Cláudia Trevisan, enviada especial, O Estado de S.Paulo
NOVA YORK - A menos de um ano da eleição presidencial brasileira, ainda não há na disputa um líder capaz de conquistar o apoio de vários partidos e da sociedade, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nesta terça-feira, 14, em Nova York. Em duas horas de discussão com alunos da Universidade de Columbia, ele evitou se posicionar de maneira clara sobre sua preferência na corrida pelo Palácio do Planalto.
“Não temos um De Gaulle”, disse FHC, em referência ao general que presidiu a França de 1959 a 1969 e liderou o país europeu durante a Segunda Guerra Mundial. “Alguém capaz de dar um sentimento de que estamos juntos.” O tucano lembrou que Charles de Gaulle enfrentou uma situação ainda mais difícil que a vivida pelo Brasil e conseguiu reorganizar a sociedade e fundar a Quinta República, em vigor até hoje.
FHC disse que a eleição se dará em um cenário de descrédito dos partidos políticos, em uma disputa na qual a questão moral estará no centro da motivação dos eleitores. Perguntado como o PSDB poderá enfrentar essa questão tendo o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado da legenda, como um de seus líderes, o ex-presidente respondeu: “Como todos os outros partidos, como todos os outros partidos. Não há diferença nisso aí. Há uns piores que os outros. O meu é o melhorzinho até”.
A chegada de FHC nos Estados Unidos, nesta segunda-feira, 13, coincidiu com o agravamento da crise interna do PSDB, motivada pela disputa em torno da presidência da legenda e sua permanência no governo Michel Temer. O ex-presidente limitou seus contatos com a imprensa a declarações relâmpago, de no máximo 1 minuto.
Fonte ouvida pelo Estado afirmou que FHC está em contato com líderes do PSDB, na busca de um caminho consensual para definir o comando do partido. Havia a possibilidade de ele se reunir com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que está em Boston, mas o encontro ainda não havia sido marcado nesta terça-feira.
Demagogo. Segundo FHC, o descrédito nas instituições políticas no Brasil se reflete na apatia da população. “Agora não há mais pessoas nas ruas, porque as pessoas não acreditam mais.” A emergência de candidatos vindos da extrema direita é um dos novos fatores da disputa presidencial no Brasil, afirmou FHC, que vê o risco de fortalecimento de um líder demagogo.
Para contrapor essa probabilidade, o tucano defendeu a necessidade de um candidato que seja capaz de se cercar de pessoas competentes, apresentar ideias e se comunicar com emoção. “Os partidos normalmente oferecem essas pessoas. Temos várias pessoas. Mas todos os partidos estão em um mau momento.”
O Estado de S. Paulo: FHC sugere que Alckmin assuma 'posição central no partido'
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende ‘restabelecimento da coesão’ na sigla e diz que Goldman deve ‘criar condições’ para líderes como o governador de SP
Pedro Venceslau e Elisa Clavery
O ex-presidente defendeu que o governador de São Paulo assuma uma “posição central no partido”. A mensagem, publicada em uma rede social, fortalece a tese de que Geraldo Alckmin, cotado para disputar o Planalto pelo PSDB, assuma também a presidência da sigla, que sofre a sua pior crise. A alternativa tem respaldo de outros nomes do partido.
Um dia depois de o senador Aécio Neves (MG) destituir Tasso Jereissati (CE) da presidência interina do PSDB e deflagrar a maior crise da história do partido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem publicamente uma posição “central” para o governador Geraldo Alckmin na legenda.
FHC se posicionou após conversar com Alckmin na noite de anteontem sobre o acirramento da disputa entre Tasso e o governador de Goiás, Marconi Perillo, na disputa pela presidência da sigla.
“Acredito que o restabelecimento da coesão, com tolerância à variabilidade das opiniões internas, mas também com firmeza de propósitos, requer que o presidente designado do PSDB, Alberto Goldman, crie condições para que líderes experientes e respeitados, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, assumam posição central no partido”, escreveu o ex-presidente em sua página no Facebook.
Na mesma postagem, porém, FHC afirmou que vai apoiar Tasso caso os tucanos não entrem em um acordo até a convenção nacional, marcada para o dia 9 de dezembro. “Se porventura tal convergência não se concretizar, o que porá em risco as chances do PSDB, já disse que apoiarei a candidatura do senador Tasso Jereissati à presidência do partido”, escreveu.
A mensagem do ex-presidente, que mantém grande influência na sigla, fortaleceu a tese de que Alckmin, o mais cotado para disputar o Palácio do Planalto pelo PSDB em 2018, assuma também o comando da legenda, como fez Aécio Neves na eleição de 2014.
“Nesse momento existem dois candidatos em disputa, mas é muito provável que Geraldo Alckmin seja uma alternativa”, disse o ex-senador José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela.
Aliados do governador estão em campanha para que ele assuma a presidência do PSDB, o que lhe daria mobilidade para viajar o Brasil na pré-campanha presidencial. “Alckmin é o nome da unidade do PSDB”, afirmou o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, que integra a direção do partido em São Paulo.
Sem acordo. A ideia de lançar Alckmin como uma terceira via para evitar uma guerra fratricida no partido ainda encontra resistência entre aliados de Tasso e Perillo. “Hoje a escolha caminha para uma disputa. Não vejo a possibilidade de o Alckmin presidir o partido. Ele mesmo disse que apoia o Tasso”, afirmou o deputado Ricardo Tripoli (SP), líder do PSDB na Câmara.
A mensagem de FHC recebeu diferentes interpretações entre os tucanos. Enquanto aliados do senador cearense celebraram o “apoio” a ele, outros deputados e dirigentes entenderam que o ex-presidente delegou a Alckmin a escolha de um nome com trânsito entre os dois grupos em disputa.
Além do chefe do Executivo paulista, outros dois nomes foram ventilados ontem para presidir o PSDB: o próprio FHC e o senador Antonio Anastasia (MG), que é ligado a Aécio Neves. O nome do ex-presidente surgiu em uma conversa reservada entre Tasso e Perillo antes de o senador ser retirado da presidência tucana, mas não houve acordo.
Já Anastasia é visto como um quadro equilibrado e com trânsito nas bancadas da Câmara e do Senado, mas muito identificado com Aécio. Alckmin reprovou a destituição de Tasso, mas por ora não pretende colocar seu nome abertamente na disputa interna. O governador só vai entrar em cena se todas as demais opções forem esgotadas.
Viagens. Enquanto o impasse permanece, Perillo já começou pela região sul sua campanha para presidir o PSDB. Ele esteve ontem em Porto Alegre e hoje deve visitar Curitiba.
Já Tasso vai começar a se movimentar pelo Brasil na próxima semana. Neste fim de semana ocorrem as convenções estaduais tucanas que vão definir parte dos delegados do PSDB na convenção nacional. A disputa mais acirrada será na Bahia, onde Antonio Imbassahy e Jutahy Jr. disputam o diretório.
Ruy Fabiano: O declínio da esquerda
PT e PSDB, que por décadas simularam um antagonismo de fachada, chegam juntos ao ocaso político. Enquanto o PT padece as consequências do desastre que impôs ao país, o PSDB, que lhe oferecia falso contraponto, perde suas referências existenciais.
Sua identidade vincula-se à do PT, que protagoniza a esquerda carnívora, enquanto os tucanos posam de socialistas vegetarianos, no melhor estilo da estratégia das tesouras, concebida por Lênin.
Ambos, porém, são faces da mesma moeda, que ora sai de circulação, sob o desgaste da Lava Jato e da debacle institucional do país. Se o povo ainda não sabe o que quer, já sabe, no entanto, o que não quer. E o projeto esquerdista, lastreado no politicamente correto, que busca minimizar ou ultrajar os que se lhe opõem, se empenha em refundar-se sem dispor de lideranças que o renovem.
FHC chegou a dizer que Luciano Huck, o animador de auditório de TV, representa o novo na política brasileira. É um diagnóstico de desespero, que expõe o estado de indigência política do partido.
O nome que despontava entre os tucanos, João Doria, prefeito de São Paulo, é alvo do fogo amigo, que cresce na razão direta de sua compulsão marqueteira. Seus maiores detratores estão dentro de casa – e seu maior concorrente é quem o apadrinhou: o governador Geraldo Alckmin. Parecem destinados ao abraço dos afogados, já que imersos num ambiente sem sinais de consenso.
Lula continua sendo o único nome no horizonte do PT, mas sua popularidade perde cada vez mais para os crescentes índices de rejeição. Seu projeto político hoje é escapar da cadeia. Não é pouco.
Dificilmente conseguirá registrar sua candidatura, como, aliás, já sinalizou o futuro presidente do TSE, ministro Luís Fux. Os petistas, por isso mesmo, passaram a conspirar contra as próprias eleições, como se depreende de reiteradas declarações da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann. Sem Lula, disse ela, as eleições não terão legitimidade. Órfão de candidato, o partido joga no caos.
Daí o retorno de ações predatórias, de teor criminoso, cada vez mais violentas, sob o patrocínio do MST e do MTST, os “exércitos” de Stédile e Boulos, braços armados do partido, a invadir propriedades e detonar redes elétricas e patrimônio público.
Ambos parecem desejar uma intervenção militar, dada a estratégia de desafio à lei e à ordem que protagonizam.
Lula, como se sabe, prometeu “tocar fogo no país”, sob os auspícios daquelas milícias, caso não possa se candidatar. Ao que parece, é a única promessa que está disposto a cumprir.
Os tucanos, antevendo o drama que ora vivem, tudo fizeram para evitar o impeachment de Dilma Rousseff. Aderiram aos 44 minutos do segundo tempo, e embarcaram no governo Temer na expectativa de dominá-lo. Perderam para as raposas do PMDB.
Coadjuvantes de um governo que já nasceu fadado à impopularidade, discutem agora se dele devem desembarcar. Aécio Neves, presidente afastado, às voltas com a Justiça, quer ficar.
Precisa do guarda-chuva do Planalto. Tasso Jereissati, que o substituía interinamente, quer sair. E tem FHC a seu lado - o que, até há pouco, era um trunfo; hoje talvez já não seja. Aécio, ainda com os poderes formais do cargo, o afastou, abrindo nova crise, que não tem prazo para acabar – e talvez não acabe nunca.
Alberto Goldmann, ex-governador paulista e crítico feroz de João Doria, substitui provisoriamente Tasso e fala em união, vocábulo que, no PSDB, tornou-se uma abstração metafísica. Marcone Perillo, governador de Goiás, disputará com Tasso a presidência efetiva, convicto de que nenhum dos dois dará jeito na encrenca.
As eleições do ano que vem (se o ano realmente vier) já não serão bipolares, como as anteriores. Prometem um vasto elenco de candidatos, o que está longe de significar grandes alternativas ao eleitor. Quantidade, desta vez, será antônimo de qualidade.
O descrédito – que vai dos partidos às urnas eletrônicas – permeia todo o processo, que se antevia precedido de profunda reforma eleitoral. A reforma não veio - e a esperança de renovação do país muito menos. O candidato que mais cresce nas pesquisas, Jair Bolsonaro, evoca no imaginário popular uma ruptura com a conjuntura presente, seja lá em nome do que for.
O eleitor, desencantado, parece dizer que aceita qualquer coisa, desde que não seja o que aí está. O cenário não é dos mais promissores, para dizer o mínimo.
* Ruy Fabiano é jornalista
Luiz Carlos Azedo: Adeus, mudanças!
Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse
O presidente Michel Temer admitiu ontem que o seu governo não tem força para aprovar a reforma da Previdência: “Vou insistir, vou me empenhar, mas concordo que, sozinho, o governo não tem condições de aprovar a reforma da Previdência”, disse. Resultado: o principal índice da bolsa paulista caiu mais de 2% e fechou abaixo dos 73 mil pontos pela primeira vez em dois meses. Foi a reação do mercado, ressabiado por causa do potencial de impacto da não aprovação da reforma nos índices de risco do Brasil.
Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse. Segundo ele, a questão da Previdência não é algo de interesse do governo, mas do país, admitiu. O presidente da República, ao manter o discurso a favor da mudança das regras da Previdência, compartilha o desgaste político de não aprová-las com os aliados, principalmente os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Ambos avaliam que o governo não tem votos para aprovar a reforma, a não ser que seja muito mitigada, com objetivo apenas de dizer que o governo fez o que prometeu.
Temer mal metabolizou o desgaste das votações das duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, que foram rejeitadas pela Câmara, e já se vê às voltas com o desembarque iminente do PSDB, anunciado para dezembro pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num artigo de jornal. Temer foi pego de surpresa pelo aliado “mui amigo”, que aprofundou o racha no PSDB a favor dos que desejam romper com o governo. FHC também tirou o tapete do presidente licenciado da legenda, senador Aécio Neves (MG), aliado de Temer, que recentemente conseguiu não só recuperar o exercício do mandato, do qual havia sido afastado por uma decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, como se blindou contra um possível processo de cassação no Senado. Para isso, foi fundamental a solidariedade da bancada do PMDB e de Temer.
A eleição do senador Tasso Jereissati (CE) para a presidência do PSDB será um golpe de morte na aliança do partido com Temer, apesar da indignação dos tucanos que ocupam posições no ministério. É o caso, por exemplo, do ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (SP), que não esconde a irritação com a cúpula do partido. A posição de FHC foi corroborada por declarações do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para quem o PSDB não precisa estar no governo para aprovar as reformas.
É uma boa senha para Temer antecipar a reforma ministerial, que ocorreria naturalmente em abril, reorganizando a base. As votações na Câmara mostraram que o presidente da República conta com 240 deputados para o que der e vier. É com eles que pretende recompor sua equipe, jogando ao mar os representantes dos partidos infiéis, processo que já começou. Experiente no jogo parlamentar, pois presidiu a Câmara por três mandatos, Temer sabe que é mais fácil negociar a aprovação das suas propostas com os antigos partidos de oposição, que estão demarcando distância regulamentar de seu governo, do que com uma base mais fisiológica insatisfeita.
Outro problema de Temer é a deriva eleitoral dos caciques da legenda, que já começam a aderir à candidatura de Lula. Sem um nome competitivo que possa chamar de seu, Temer corre o risco de ter um fim de governo semelhante ao do ex-presidente José Sarney. Tanto que muitos já comparam as eleições do próximo ano com a de 1989, mas há pelo menos duas diferenças importantes no plano institucional: primeira, a sucessão de Sarney ocorreu numa eleição solteira, o que não é o caso agora; segunda, Sarney não podia ser candidato à reeleição, o que não é o caso de Temer.
Mãos pesadas
A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) ontem aumentou em 14 anos a pena de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Foram condenados mais cinco réus na Lava-Jato, entre eles o casal Mônica Moura e João Santana— ex-marqueteiro da legenda. Vaccari, que cumpre prisão preventiva em Curitiba, havia sido condenado em fevereiro a 10 anos de prisão por corrupção passiva, em decisão de primeira instância. A pena agora aumentou para 24 anos.
O desembargador Leandro Paulsen, que absolveu Vaccari nas duas apelações criminais julgadas anteriormente, destacou que “neste processo, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.
Luiz Carlos Azedo: A sobrevivência da espécie
A corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país
O gene egoísta, de Richard Dawkins (o autor de Deus, um delírio), é considerado o livro científico mais influente de todos os tempos, batendo, inclusive, sua fonte de inspiração, o seminal Origem das espécies, de Charles Darwin, segundo pesquisa da Royal Society, que comemorou 30 anos de sua premiação de livros em junho passado. Dawkins é considerado “reducionista” pelos cientistas criacionistas, mas sua tese faz sucesso entre os neodarwinistas: para ele, somos uma “máquina de sobrevivência” de um gene cujo objetivo é a autorreplicação, isto é, a perpetuação da espécie.
Analisando a reprodução sexuada dos animais, Dawkins busca uma explicação para a convivência entre o egoísmo dos genes e o altruísmo das espécies, que seriam uma espécie de “cluster” biológico que garantiria a sobrevivência e replicação de ambos. Para isso, tem papel decisivo a “meme”, conceito que ele utiliza para explicar como o gene transmite de uma geração para outra a memória ou o conhecimento nato de cada espécie, a começar pelo chamado instinto de sobrevivência.
Por exemplo, o cuco é uma das espécies mais egoístas que existem: procria, mas não educa os filhos; põe os ovos no ninho de outras aves, aproveitando sua ausência. Quando o danado do cuco nasce, joga os demais ovos fora do ninho, matando os filhotes legítimos para ser criado no lugar deles. Só mesmo a “meme” explicaria o fenômeno. O conceito é adotado por antropólogos no estudo das religiões e sociólogos no estudo de sistemas políticos, utilizando modelos matemáticos, para explicar certos comportamentos e a disseminação de ideias.
Ninguém sabe direito o que vai acontecer nas eleições de 2018, tamanho o desprestígio ou desconhecimento em relação aos partidos. Segundo as pesquisas, o eleitor “fulanizará” as eleições em todos os níveis e haverá um Deus nos acuda nos partidos. A tese de Dawkins se aplica, por analogia, aos nossos políticos e seus partidos. Na disputa eleitoral do próximo ano, os grandes partidos servirão de “arranjo institucional” para salvar seus líderes do desgaste da Operação Lava-Jato; os pequenos partidos, que estão condenados ao desaparecimento gradativo, servirão de salva-vidas para que seus lideres sobrevivam no Congresso. Os políticos se comportam naturalmente como genes egoístas. Raros são os líderes altruístas.
Descrença
Por que o Deus nos acuda? “A taxa de rejeição é grande, e a taxa de rotatividade deve ser imensa nessa eleição. Tudo aponta para uma eleição que vai ser um momento pivotal da política brasileira, como poucos nós tivemos”, comenta o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Aurélio Ruediger, que coordenou a pesquisa “O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro”.O descolamento da sociedade em relação ao Congresso Nacional e ao Executivo ficou patente no levantamento.
Entre as 1.568 pessoas entrevistadas, 83% afirmaram não confiar no presidente da República (o levantamento não cita Michel Temer); 79% disseram desconfiar dos políticos eleitos; e 78% reforçaram que não confiam nos partidos. Além disso, 47% afirmaram que o país estaria melhor sem as legendas. Segundo Marco Aurélio, a redemocratização do país (1989), a eleição do Fernando Henrique Cardoso (1994) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2002) foram momentos semelhantes. “Então, 2018 está se armando como um grande palco no qual uma série de ajustes e contas para fechar vai ser resolvida. Ou seja, qual rumo o país vai ter? Qual configuração política vai liderar esse rumo? E qual a expectativa eu vou ter para o Brasil no futuro?”, indaga.
Na pesquisa, 55% dos ouvidos rejeitaram a possibilidade de escolher o mesmo candidato à Presidência em quem votaram nos pleitos anteriores. Os percentuais se mantêm no mesmo patamar para governador (53%), senador (52,4%) e deputado federal (51%). Será um tsunami eleitoral. Porém, a pesquisa confirma a tese de que a população tem antipatia pelo governo, mas não se dispõe a ir para a rua defender seu impeachment, porque acredita que pode resolver o problema pelo voto: 65% concordaram com a frase “mais importante do que protestar nas ruas é votar nas eleições”.
O levantamento indica que a corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país. A população também tem uma percepção negativa sobre a economia, ainda que os índices demonstrem a queda da inflação, da taxa de juros e do desemprego.
Para 63,9% dos ouvidos, o pior momento da crise econômica ainda está por vir, embora nada indique que o país caminhe nesta direção. O percentual aumenta nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ou seja, há um descolamento total entre os indicadores da economia e a percepção da população. O estudo foi realizado pelo Ibope, contratado pela FGV, entre 19 e 24 de agosto. O nível de confiança do levantamento é de 95%, com margem de erro de dois pontos percentuais.
O Estado de S.Paulo: FHC diz que STF é o guardião da Constituição e tem a 'decisão final'
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) está em Washington, nos EUA
Cláudia Trevisan
Sem mencionar o caso do presidente nacional licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira, 28, em Washington, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição e tem a "decisão final" no Brasil.
"Ele decide e é isso", declarou, pouco antes de o Senado aprovar regime de urgência para a proposta de rejeição da decisão do STF de afastar Aécio da Casa e submetê-lo a um regime de "recolhimento noturno". A atuação do Supremo foi apresentada por Fernando Henrique como um dos exemplos de fortalecimento das instituições democráticas depois da Constituição de 1988.
"No passado, quando confrontados com uma crise como a atual, os brasileiros estariam especulando sobre a atitude dos generais de quatro estrelas. Hoje, a maioria de nós nem sabe quais são os seus nomes, enquanto os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal são nomes familiares", afirmou.
"Essa é uma modificação profunda. Como sou velho, eu lembro-me dos tempos antigos", disse. Ele disse que o Supremo Tribunal tem problemas, mas observou que não gostaria de fazer críticas à Corte no exterior. Porém, ressaltou: "É melhor ter problemas para ajustar o Supremo Tribunal Federal do que ter problemas para colocar os militares de lado".
Em palestra intitulada "O impacto político da corrupção na América Latina", Fernando Henrique disse que, "certamente", havia corrupção no governo dele, mas afirmou que era de natureza distinta da que caracterizou as administrações do PT que o sucederam.
"Eu não fui informado, eu não era a favor, eu não permitia e essa não era a base em que meu governo se sustentava." A gestão do ex-presidente foi marcada pela suspeita de compra de votos para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição, em 1997.
Na época, o deputado Ronivon Santiago disse ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da proposta. De acordo com Santiago, outros quatro parlamentares teriam ganhado pagamento. O caso nunca foi investigado. Numa referência ao período pré-PT, que inclui o mandato dele, FHC declarou que os atos de corrupção eram "individuais" ou um "misto de clientelismo e negligência" e não "um mecanismo fundamental para um governo ganhar e manter o poder".
O ex-presidente acredita que as administrações petistas criaram um sistema de apoio parlamentar sustentado pela corrupção, por meio da cumplicidade de setores da economia e os partidos no poder. FHC acha que essa "conivência" entre interesses públicos e privados foi aceita pela sociedade em geral em razão dos programas de inclusão social do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teriam assegurado a "absolvição de qualquer transgressão - pelo menos por um período". O tucano não respondeu a perguntas da plateia e deixou o Wilson Center sem falar com a imprensa.
FHC: 'A Reconstrução do Brasil'
Em prefácio, FHC diz que livro 'A Reconstrução do Brasil' é 'estrada a percorrer'
Entre setembro do ano passado e janeiro de 2017, o Estadão publicou uma extensa série de matérias sobre a agenda de reformas que o Brasil tem de enfrentar para reconquistar um futuro coletivo melhor para os cidadãos e cidadãs que aqui vivem e trabalham. Ao reuni-las em um livro, o jornal oferece à sociedade um diagnóstico dos desafios nacionais e um mapa da estrada que o País terá de percorrer para superá-los neste e nos próximos mandatos presidenciais.
O livro vem em boa hora. Quis a história que os 30 anos da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1988 coincidissem com a retomada do debate público e da iniciativa do governo em relação a mudanças institucionais marginalizadas nos três mandatos presidenciais anteriores ao atual. Postergadas a partir de 2003 e substituídas por políticas econômicas destruidoras do equilíbrio fiscal e da capacidade de crescimento da economia a partir de 2010, essas reformas se tornaram não apenas necessárias para assegurar um futuro melhor, mas também urgentes para resgatar o Brasil da profunda e prolongada crise econômica legada pelo ciclo petista. O presidente Michel Temer compreendeu que sua breve passagem pela Presidência deveria estar dedicada à missão histórica e reiniciar o processo de reformas, a começar por aquela que maior dificuldade política representa, a da Previdência. Merece crédito por isso.
A reconstrução do Estado e da economia brasileira será longa, exigirá perseverança e sentido de direção. Nenhuma sociedade se move se não souber aonde quer chegar. E se não tiver uma razoável noção dos processos que a levaram às dificuldades do tempo presente. O livro que o leitor tem em mãos contribui para a compreensão do passado dos últimos 30 anos, assim como para o debate a respeito do futuro previsível.
Da sua leitura, saltam aos olhos o peso e a complexidade crescentes do sistema tributário para financiar um Estado que se agiganta, mas não devolve à sociedade em qualidade de serviços públicos e melhor distribuição da renda aquilo que lhe retira sob a forma de tributos. Parte desproporcional do que é transferido aos cofres estatais acaba no bolso de setores privilegiados. Neles se incluem as corporações mais bem organizadas do funcionalismo público, como mostram com fatos e dados várias das matérias publicadas no livro. As desigualdades que se formam no mercado de trabalho se acentuam nos sistemas desiguais de Previdência, exemplo claro de como o desequilíbrio fiscal e a desigualdade de renda não raro são irmãos siameses no Brasil.
Igualmente elucidativas são as matérias que mostram o anacronismo cada vez maior da CLT frente às transformações do mundo real do trabalho e da produção. Devido à minudente rigidez da legislação e ao conservadorismo da hipertrofiada Justiça do Trabalho, o Brasil é provavelmente o campeão mundial em matéria de judicialização das relações de trabalho. É também pródigo quanto à proliferação de sindicatos, criados com a finalidade exclusiva de abocanhar uma fatia do Imposto Sindical compulsório.
Tal situação não favorece a representação autêntica e a composição dos interesses divergentes dos trabalhadores e das empresas. Inibe o emprego formal e prejudica a produtividade ao criar insegurança jurídica nas relações de trabalho e estimular a rotatividade da mão de obra.
O livro acerta na crítica que faz à Constituição de 1988 pelo que nela existe de proteção a benesses e privilégios de um país feito para poucas corporações, oligarquias e grupos sociais ligados ao Estado. Ela os ajuda a se perpetuar não apenas por lhes dar status constitucional, mas também por consagrar na Lei Maior estruturas de poder necessárias à sustentação dessas benesses e desses privilégios.
Não se deve esquecer, porém, que, se a Constituição de 1988 reflete alguns “ismos” de um passado que custa a morrer, ela expressa também a vontade de uma sociedade democrática, que ainda não se desenvolveu por completo. A Constituição de 1988 tem ajudado o País a usufruir do mais amplo e duradouro regime de liberdades da sua história, a navegar por graves crises políticas sem ruptura da democracia, a combater a corrupção e os abusos de poder dentro do estado de direito, a avançar na redução da pobreza e na proteção do meio ambiente. Não é pouco.
Reformar a Constituição, sim, como fiz com convicção e empenho quando fui presidente. Preservando, entretanto, o que nela há de fundamental para garantir e ampliar conquistas civilizatórias indispensáveis à construção contínua de um país não apenas mais desenvolvido, mas mais justo, decente e democrático.
Partidos precisam encontrar narrativas e práticas mais próximas da sociedade, diz FHC
Os partidos precisam encontrar uma narrativa e uma prática que contemplem os anseios de uma nova sociedade ou ficarão falando apenas para si mesmos, ficarão inúteis frente à dinâmica da vida. A afirmação foi feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em palestra do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, ele argumentou que, ao contrário do que ocorria na era moderna, a sociedade contemporânea não está dividida em classes, mas fragmentada por questões ligadas à identidade, como gênero, raça e interesses comuns.
“Hoje as comunidades se formam pela internet. As pessoas não estão mais ligadas face a face, mas estão conectadas, vivendo dentro do mesmo espírito. São tribos que cortam a sociedade espacialmente, mas que não se limitam às relações de classe”, afirmou. “Temos um computador no bolso. Os jovens têm um computador na alma também. Mas os partidos envelheceram. Não se adaptaram a esses novos instrumentais de comunicação.”
Fernando Henrique reforçou que os partidos ainda estão na era moderna, quando de fato foram criados, porque ainda expressam a grande questão da época, que era a luta de classes. “As novas questões da sociedade estão a toda hora nas novelas, por exemplo, mas os partidos fingem que não veem e se recusam a debater isso”, completou.
Segundo o ex-presidente, a prática partidária precisa assumir que já existe um sentimento de que o progresso virá com mais respeito à diversidade. Entretanto, isso tem que tem que ser dito de forma mais contemporânea. “Senão não seremos ouvidos”, concluiu.