FHC
Ex-presidentes defendem democracia e pacificação do país
Sarney, FHC e Temer pregam diálogo entre Poderes para superação da crise institucional
João Rodrigues, da equipe da FAP
Nesta quarta-feira (15), primeiro dia do seminário “Um novo rumo para o Brasil”, os ex-presidentes da República José Sarney (1985-1990), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Michel Temer (2016-2018) defenderam diálogo para pacificação do país e apontaram a busca por entendimento como solução para a estabilidade do ambiente político. Os ex-presidentes também defenderam paz pelas vias constitucionais.
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FHC diz que Bolsonaro tem arroubos que não condizem com democracia
Ex-presidentes Fernando Henrique, Temer e Sarney pediram harmonia entre poderes e diálogo
Ivan Martínez-Vargas / O Globo
SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta quinta-feira que o presidente Jair Bolsonaro tem comportamentos "que não são condizentes com o futuro democrático". Em evento virtual com a participação dos também ex-presidentes José Sarney e Michel Temer, FH defendeu o diálogo entre os partidos e a defesa da democracia.
Os ex-mandatários evitaram, contudo, fazer críticas nominais a Bolsonaro e não falaram sobre um eventual impeachment do presidente.
— É chegada a hora de um toque de alerta. O significado do nosso encontro aqui transcende o fato da reafirmação da democracia neste momento, em que estamos vendo, não dá pra negar o fato, de que o presidente tem arroubos que não são condizentes com o futuro democrático. Ele não vai conseguir, nem creio que ele tenha o objetivo de consegui-lo, mas cabe a nós (...) reavivar na memória dos brasileiros a necessidade de estarmos juntos em defesa da liberdade e da democracia — disse Fernando Henrique Cardoso, sem citar nominalmente Bolsonaro.
Para o ex-presidente tucano, o clima é de "relativa tranquilidade, apesar de tudo". Cardoso reafirmou declarações anteriores de que não acredita que o regime democrático esteja em perigo, apesar da retórica de Bolsonaro contra as instituições.
— Devemos reafirmar nossa crença democrática, mas creio que isso (a democracia) não está em perigo neste momento. (..) O povo gosta de votar. Dia de eleição no Brasil é dia de festa. (...) Mesmo que um presidente não queira, ele vai passar, todos nós passamos — ressaltou FH.
Em suas falas, o ex-presidente Michel Temer não mencionou a recente carta que escreveu e Bolsonaro assinou, escrita para distensionar a relação do presidente com o Supremo Tribunal Federal. O documento foi divulgado dois dias após declarações golpistas de Bolsionaro feitas no 7 de setembro.
— Temos de estabelecer uma harmonia, um diálogo entre os poderes. (...) Se todos somos frutos da soberania popular, prevista na Constituição, quando há desarmonia (entre os poderes), há inconstitucionalidade — disse.
Temer criticou ainda a ideia de que ministros do STF, por exemplo, não possam conversar com o presidente da República.
— Eu me recordo (...) que muitas vezes ministros do STF iam falar comigo no sábado ou domingo e a imprensa noticiava (como se fosse) um gesto criminoso (...). É uma cultura que enseja essa divergência entre os próprios poderes.
Já José Sarney, que governou o país entre 1985 e 1990, fez críticas ao que chamou de judicialização da política, em referência à profusão de ações de inconstitucionalidade propostas por parlamentares derrotados em votações no Congresso.
— Passou a ser a Justiça uma terceira via, isso decorre de que no Brasil não temos tradição de partidos políticos — disse.
Sarney defendeu a adoção do parlamentarismo e o fim do voto proporcional uninominal (em que o eleitor vota diretamente no candidato a parlamentar que deseja eleger), que segundo ele provocam instabilidade política.
O evento foi organizado por fundações e institutos ligados aos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e teve a participação também dos presidentes das siglas e do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim.
Também discursaram o deputado federal Baleia Rossi, presidente do MDB; Bruno Araújo, presidente do PSDB; ACM Neto, presidente do DEM; e Roberto Freire, presidente do Cidadania. Desses, apenas Freire disse considerar o apoio ao pedido de impeachment do presidente.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/fh-diz-que-bolsonaro-tem-arroubos-que-nao-condizem-com-democracia-25199305
Ex-ministros da Justiça pedem rejeição de ‘aventura’ de Bolsonaro contra Moraes
Grupo de juristas, advogados e constitucionalistas sustenta que presidente da República segue 'roteiro de outros autocratas ao redor do mundo' e encaminha manifesto a Rodrigo Pacheco apontando 'inépcia' da representação contra o ministro do Supremo Tribunal Federal
Rayssa Motta e Fausto Macedo / O Estado de S. Paulo
Dez ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula (PT), Dilma Roussef (PT) e Michel Temer (MDB) enviaram um manifesto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defendendo que ele rejeite o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
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Supremo repudia pedido de impeachment apresentado por Bolsonaro contra Alexandre
Documento
Eles afirmam que não há sinal de crime de responsabilidade que justifique a abertura de um processo para destituição de Moraes do cargo e apontam a ‘inépcia’ da ação de Bolsonaro.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
“Eventual seguimento do processo surtirá efeitos nocivos à estabilidade democrática, de vez que indicará a prevalência de retaliação a membro de nossa Corte Suprema gerando imensa insegurança no espírito de nossa sociedade e negativa repercussão internacional da imagem do Brasil”, diz um trecho do documento.
Os ex-ministros classificam o pedido de impeachment como ‘mero capricho’ do presidente que, na avaliação deles, segue ‘roteiro de outros autocratas ao redor do mundo’ e alertam para o risco do Senado Federal se transformar em um ‘instrumento de perseguição pessoal’ de Bolsonaro caso aceite o pedido.
“Em face da evidente atipicidade da conduta e da tentativa de se instrumentalizar esta Casa do Legislativo, para tumultuar o regime democrático, é imperioso dar de plano fim a esta aventura jurídico-política”, seguem os ex-ministros.
Assinam o texto Miguel Reale Jr., Jose Gregori, Aloysio Nunes, Celso Amorim, Jacques Wagner, José Eduardo Martins Cardozo, José Carlos Dias, Tarso Genro, Eugenio Aragão e Raul Jungmann.
Bolsonaro cumpriu a promessa e enviou ontem ao Senado o pedido para abrir o processo de impeachment contra Alexandre de Moraes. A peça chegou no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra apoiadores do presidente atendendo a uma determinação do ministro do STF.
O MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
A investida faz parte de um movimento mais amplo de atrito com o Judiciário: além dos ataques recentes a ministros, o chefe do Executivo também entrou com uma ação para proibir o Supremo Tribunal Federal de abrir investigações de ofício, com base no regimento interno e sem aval do Ministério Público Federal, como o inquérito das fake news. A investigação conduzida por Moraes, instaurada para apurar notícias falsas e ameaças contra os membros do STF, atingiu a redes bolsonarista e o próprio presidente, que passou a ser investigado no início do mês.
Fonte: Blog Fausto Macedo/ O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/dez-ex-ministros-da-justica-de-fhc-lula-dilma-e-temer-pedem-ao-presidente-do-senado-que-rejeite-liminarmente-aventura-de-bolsonaro-contra-alexandre/
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da FAP
Monica Bergamo: FHC e Lula se reúnem na casa de ex-ministro Nelson Jobim
Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula se reuniram há alguns dias no apartamento do ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça e da Defesa Nelson Jobim.
O encontro, no dia 12 de maio, pode ser considerado histórico: os dois estiveram em lados opostos nas últimas sete eleições presidenciais, ou em um embate direto ou apoiando diferentes candidatos.
Depois da reunião, o tucano e o petista começaram a trocar amabilidades por meio da imprensa. Fernando Henrique Cardoso disse, em entrevista à TV Globo, que votará em Lula em 2022 caso o segundo turno fique entre o petista e Jair Bolsonaro.
Lula retribuiu a gentileza e disse que faria o mesmo caso a disputa ficasse entre o tucano (que não é candidato) e Bolsonaro.”Fico feliz que ele tenha dito que votaria em mim e eu faria o mesmo se fosse o contrário. Ele [FHC] sempre foi um intelectual e sabe que não dá para inventar uma candidatura”, escreveu o petista em suas redes sociais.
De acordo com fontes ouvidas pela coluna, os dois conversaram sobre os problemas do Brasil e os desafios diante da crise econômica e da pandemia do novo coronavírus. E concordaram nas críticas em relação a Bolsonaro.
O perfil oficial de Lula no Instagram também registrou o encontro. Disse que o almoço oferecido por Jobim aos dois teve “muita democracia no cardápio”: “Os ex-presidentes tiveram uma longa conversa sobre o Brasil, sobre nossa democracia, e o descaso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia”.
Jobim foi ministro da Justiça no governo de FHC e da Defesa nos governos de Lula e Dilma Rousseff.
A declaração de voto de FHC em Lula irritou Jair Bolsonaro.
Em live na quinta (20), o presidente afirmou que “esse cara de pau do FHC dizendo agora que vai votar no Lula. Dá vontade de soltar um dinheirinho para o MST da região da fazenda do FHC para o pessoal invadir de novo lá. Quem sabe ele aprenda”. Em setembro de 2000, quando o tucano ainda era presidente, um grupo de sem-terra ligado ao MST invadiu uma fazenda no Pontal do Paranapanema que tinha como herdeiro um ex-sócio de FHC.
Em um debate online promovido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Fernando Henrique Cardoso voltou a dizer que quer uma terceira via para 2022. Mas que, se ela não se viabilizar, votará em Lula no segundo turno.
“Vou lutar para que haja um candidato. Se for do PSDB, bom. Se não for, também não tem importância. Mas vou votar contra Bolsonaro”, disse o tucano.
Disse também que conhece Lula “razoavelmente bem” há muitos anos e que o petista sente o momento político.
“Não sou lulista.. Se tiver terceira solução, melhor. Mas ele [Lula] sente o momento. O presidente atual do Brasil não sente o momento, não sente nada. O outro [Lula] tem suficiente esperteza para sentir”. E seguiu: “Acho melhor terceira via, mas, se não houver, quem não tem cão caça com gato. E, no caso, o gato não é tão feroz, não é uma onça. É um gato pacificado, já tem experiência. A vida ensina. Pelo menos alguns aprendem. É melhor apostar”.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada em 12 de maio mostrou que Lula lidera a corrida eleitoral e que polariza com Bolsonaro. Nomes que seriam da terceira via ficam bem atrás dos dois na disputa.
De acordo com o instituto, Lula teria hoje 41% dos votos, contra 23% de Bolsonaro. Sergio Moro teria 7%, Ciro Gomes, 6%, Luciano Huck, 4%, João Doria, 3%, Luiz Henrique Mandetta, 2%, e João Amoedo, 2%.
No segundo turno, Lula bateria Bolsonaro por 55% a 32%.
Fonte:
Folha de S. Paulo
FHC: “Não pode ser o candidato da elite”
Para ex-presidente, nome da terceira via em 2022 precisa conhecer bem realidade brasileira
Cristiano Romero, Valor Econômico
BRASÍLIA - Na polarização que se desenha para a eleição de 2022, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirma ser possível criar o “espaço” para uma terceira via competitiva que enfrente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (sem partido). Desde que a alternativa construa esse “espaço” com um forte discurso de “progresso econômico”, que conheça a realidade brasileira e não seja “anódina”. “É preciso ver quem é capaz de conversar com o Brasil. Não pode ser o candidato da elite”, defende, em entrevista ao Valor.
Para FHC, o Brasil “gosta de novidade” e a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos é “positiva” por refletir “aqui de alguma forma” a possibilidade de se escolher “uma candidatura que seja equilibrada”. O ex-presidente almeja, mas não enxerga no momento o portador do perfil ideal para combater Lula e Bolsonaro em 2022: alguém que exerça liderança nacional, “atenda aos mais pobres” e seja popular.
“Estamos longe de ver alguém que simbolize essa diversidade, para ser um bom candidato de oposição”, diz. “Há governadores que têm peso. Dizem que são candidatos, mas eles não simbolizam nada nacionalmente”, acrescenta FHC, correligionário dos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, pré-candidatos na corrida presidencial.
Para o tucano, “política não se faz com o passado”, mas com o futuro. Apesar disso, a disputa em 2022, afirma, pode favorecer Lula. Em sua opinião, o petista, na falta de uma terceira via competitiva, pode aglutinar forças do centro. “Bolsonaro é mais extremo que o Lula. Se não aparecer uma [terceira] candidatura, o Lula vai somar essa gente [que hoje faz oposição ao governo] para enfrentá-lo”, diz o tucano, que tampouco é a favor do impeachment de Bolsonaro. “Estamos muito longe de uma situação de impeachment. Bolsonaro está governando. Então, acho que é insensato”, disse.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O senhor imaginou que o Brasil fosse se tornar o epicentro da pandemia?
Fernando Henrique Cardoso: Na minha casa falavam muito da gripe espanhola, que foi algo muito difícil, mas nunca mais se falou de uma pandemia no sentido que temos hoje. As pessoas não estavam, em geral, preparadas para isso. Quando o governo não sinaliza a gravidade, é pior. A situação é muito complicada, o número de mortos não para de crescer. E o pior é que os pequenos negócios na economia estão fechando, todo mundo está sofrendo as consequências e vai sofrer por muito tempo ainda.
Valor: Como estaremos depois da pandemia?
FHC: Não sei o que vai acontecer porque, neste momento, todos querem salvar a própria pele, todo mundo pensando em si mesmo, depois vai pensar na vida. E a vida é o trabalho, a política. O Brasil é curioso porque tem um serviço de saúde bom. Quando eu era criança, aqui só havia as santas casas de misericórdia e olhe lá. Hoje, temos o SUS e ele funciona, atende às pessoas. Eu uso o SUS.
Valor: Mas o senhor é bem atendido porque é ex-presidente.
FHC: Espero que sim, mas a cama é a mesma, os lençóis são os mesmos, os médicos, enfim, o SUS é razoável.
Valor: O que está faltando?
FHC: Confiança. É difícil manter a confiança numa situação dessas. E com o nosso presidente que acha que a pandemia é uma gripezinha, ninguém acredita em nada. Agora, isso não para a vida política. Ainda bem que tem eleição, mas sempre repito: política não se faz com o passado.
Valor: Não?
FHC: Não. Política se faz com o futuro. O que você apresenta, qual é o caminho. Num país como o Brasil, isso é mais forte.
Valor: Por quê?
FHC: Porque aqui não tem partido para disciplinar os políticos. O povo vai atrás de pessoas que expressam aquele momento. Neste momento, você olha em volta e vê falta de quem expresse alguma coisa. Vamos ver quem, depois da pandemia, vai expressar o momento novo do Brasil. É um país que tem futuro, tem riqueza, tem gente.
Valor: Mas não cresce há sete anos.
FHC: O problema fundamental é retomar o crescimento, mas diminuir a desigualdade, que é muito grande. Quando falam do meu governo, dizem: “Ele fez o Plano Real”. O real foi importante, mas fiz a reforma agrária, algo que tem um peso grande para a população. A educação melhorou bastante, Paulo Renato [de Souza] era um bom ministro; a saúde, onde o [José] Serra foi um bom ministro, antes dele o [Adib] Jatene, deu um salto grande. Comecei a reforma fiscal para enfrentar o déficit público, que sempre existiu e agora vai aumentar.
Valor: Bolsonaro, ex-deputado sem grandes pretensões políticas, rompeu com a polarização PSDB-PT que prevaleceu de 1994 a 2018. Como se explica isso?
FHC: Bolsonaro veio como o anti-PT. O pessoal ficou com medo da vitória do PT.
Valor: Medo do que exatamente?
FHC: O medo não estava baseado propriamente em fatos, mas muito mais na pintura que se fazia das coisas. Na verdade, quando foi presidente, Lula governou de acordo com o mercado. A presidente Dilma [Rousseff] foi mais voluntariosa, mas não fez nada que fosse contra os interesses predominantes. Ela podia ser menos capacitada que o Lula para lidar com a máquina pública.
Valor: Onde o senhor acha que a ex-presidente errou?
FHC: Ela rompeu [com o modelo macroeconômico herdado de Lula], sobretudo, no segundo mandato [2015-2016], quando fez outra coisa. A Dilma era mais estatizante que o Lula.
Valor: Lula manteve o modelo adotado em seu governo e, inclusive, o aperfeiçoou. Um exemplo foi a acumulação de reservas cambiais. Como o senhor o define?
FHC: O Lula é prático. Eu o conheci bastante quando ele era dirigente sindical. Ele é inteligente, sensível e prático. Sempre teve mais amor ao capital, mas nunca deixou de olhar para o povo, sempre fez uma mescla das duas coisas. É mais paulista: “O governo faz, mas quem faz também é o mercado”. Com a Dilma, é mais Estado. Não deu certo não só por ser Estado, mas também porque a conjuntura não favoreceu. Bolsonaro se elegeu na base de que é um liberal.
Valor: Ele é um liberal?
FHC: Não é liberal. É um militar e eu conheço bem os militares. Meu pai era general e meu avô, marechal. Nada contra isso, mas conheço a mentalidade militar deles, que é mais Estado. No caso do presidente, ele é capitão, então, é mais reivindicativo ainda. Nunca falei com ele, mas lembro que ele era um ser reivindicante, queria coisas para os militares. Não me parece que ele tenha grandes habilidades políticas.
Valor: Mas foi eleito presidente.
FHC: Sempre disse: quem tem votos eu respeito. Ele foi eleito. Sou visceralmente antigolpe. Nossa sociedade provou o gostinho da liberdade, é difícil voltar atrás.
Valor: O senhor não vê risco de golpe da parte do presidente?
FHC: Acho que não tem. Ele pode ter o ímpeto que tiver, não sei qual é o ímpeto dele, mas não pega. É difícil você botar um país do tamanho do Brasil na risca, tem que ter um partido. Aqui não tem nem partido nem de esquerda nem de direita.
Valor: E os partidos que chegaram ao poder, como PT e PSDB, são hoje bem menores do que eram, o que mostra que a fragmentação das legendas continua aumentando.
FHC: Além da fragmentação partidária, temos tradição de seguir o líder, de seguir pessoas. Bolsonaro, querendo ou não, tem liderança, o Lula também. Estão pregando a necessidade de localizar o centro. Depende de pessoas. Quem é? Não pode ser um centro anódino. Isso não pega na política.
Valor: Quem teria esse perfil?
FHC: Tem que ser alguém que faça a economia crescer e dê emprego para quem precise e atenda aos mais pobres. É fácil falar e difícil fazer, mas tem que simbolizar isso. Há governadores que têm peso. Dizem que são candidatos, mas não simbolizam nada nacionalmente.
Valor: É torcedor do Fluminense ou do Flamengo?
FHC: Eu era mais Fluminense, mas estava errado. Era melhor ter sido mais Flamengo... Quando fui candidato à Presidência [em 1994], Marcello Alencar era [candidato a] governador do Rio. Ele tinha força na Baixada Fluminense e me levou a uma cidade da região. No [Estado do] Rio, não conhecia nada; mais Niterói. Era assustador para mim.
Valor: Por quê?
FHC: Fui a um lugar onde tinha um bar, uma escadinha, por onde subimos e chegamos a uma sala grande, meio escura, onde estavam os “chefes” da Baixada, todos com pulseiras e colares de ouro. Eu era ministro da Fazenda. Conhece a Ana Tavares [então assessora especial]? Ana ia comigo e dizia: “Não vai falar com fulano!”. Eu dizia: “Ana, eu tenho que falar”. É complicado. Nossos líderes que estão aí têm que conhecer o Brasil. Eu tinha algum conhecimento de Brasil porque, primeiro, fui sociólogo. Minha mãe nasceu em Manaus. Minha família, por parte de mãe, é de Alagoas. Meu pai nasceu no Paraná, mas a família é de Goiás. Você tem que conhecer essa realidade, a diversidade que é o Brasil. Não adianta saber pelos livros, tem que ter contato com as pessoas. Ser líder político no Brasil não é fácil.
Valor: Como assim?
FHC: Bolsonaro tem a vantagem de ser capitão da reserva. Não sei o quanto ele andou pelo país, mas, mesmo que não tenha feito isso, eles [os militares] têm um certo conhecimento da realidade. Algum conhecimento do povo o líder político tem que ter. Estamos longe de ver alguém que simbolize essa diversidade, para ser um bom candidato de oposição. Os que estão aí e que são possíveis candidatos podem vir a ter, mas têm que obrigatoriamente vir a ter.
Valor: O senhor disse que ficou assustado com o encontro na Baixada Fluminense. Como foi?
FHC: Ah, chegou uma hora, depois de me ouvirem, que um deles disse: “Eu aposto não sei quanto nesse menino aí”. O menino era eu [com 63 anos na época]! Andei muito na Baixada com o Zito [José Camilo Zito dos Santos Filho, ex-prefeito de Duque de Caxias]. É muito importante falar com todo mundo e isso, que as pessoas pensam que é fácil, não é. Quando era presidente, eu falava com os motoristas, o sujeito que tomava conta da piscina [do Palácio da Alvorada], a moça que cuidava das flores, que se chama Dalina... Eu queria saber como as pessoas simples sentem a vida. Como não há estrutura partidária que sustente uma candidatura, é você que tem que se projetar. Projetar é jogar para fora, não é ficar para dentro. É preciso ver quem é capaz de conversar com o Brasil. Não pode ser o candidato da elite. Se ficar só na elite, está perdido.
Valor: Pesquisas mostram que, com a volta de Lula, neste momento a disputa de 2022 está entre ele e Bolsonaro. Há espaço para uma terceira candidatura, de centro?
FHC: Em política, o espaço é criado. Não está dado. Eu gostaria que houvesse alguém que criasse esse espaço. A maioria [dos eleitores] não é uma coisa nem outra, então, alguém tem que criar. No Brasil, o importante é o progresso econômico. Os que são espertos, Bolsonaro e Lula, ganharam espaço porque tiveram a capacidade de demonstrar [que conhecem a realidade].
Valor: Terão a mesma capacidade agora?
FHC: O Brasil gosta de novidade. Depende de aparecer uma novidade que seja palatável para a maioria da população. O mundo hoje é um mundo mais calmo, não tem expectativa de guerra. Isso reflete aqui de alguma maneira. Ganhou nos Estados Unidos o [Joe] Biden. Isso para nós é positivo porque não foi o extremo que ganhou. Então, há condições para uma candidatura que seja equilibrada, que não seja do extremo.
Valor: Lula é do extremo?
FHC: Não estou dizendo que Lula seja de extremo porque ele não é. Bolsonaro é mais extremo que o Lula. Se não aparecer uma [terceira] candidatura, o Lula vai somar essa gente [que hoje faz oposição ao governo] para enfrentá-lo. O Lula é inteligente, pegou no ar, aprendeu. O que ele vai simbolizar? Não sei. O que foi que ele simbolizou com o governo? Foi uma época feliz da vida no Brasil. E a economia foi bem. Mas ele não vai simbolizar o que vão dizer que ele simboliza, que é o socialismo, o comunismo, o Lula vermelho.
Valor: O que a sociedade tem a seu alcance para lidar com um presidente que nega a gravidade da pandemia desde o início e, por isso, não comprou a vacina ao tempo?
FHC: Ele vai pagar um preço por isso se houver alguém que diga isso, com força. Se não houver, não adianta. Política é sempre assim.
Valor: O governador de São Paulo, João Doria, está fazendo isso e o resultado tem sido o oposto. O Estado produz a vacina, mas esta tem que ser entregue ao governo federal para distribuição nacional. Como o governo atrasa a importação de vacina, o governador tem que fazer “lockdown” e isso derruba sua popularidade. Ele não corre risco de perder a reeleição?
FHC: Pode ser que ele ganhe de novo, pode ser. Por enquanto, quem está pagando um preço elevado [pela falta de vacinas] são os governadores. Você sabe como é o povo aqui. O povo não olha quem está tão lá em cima.
Valor: Quando começar a imunização em massa, Bolsonaro não pode se tornar o “pai” da vacina?
FHC: Quem for o pai da vacina terá vantagem eleitoral enorme, mas, isso hoje. Não sei daqui a um ano, porque as pessoas esquecem.
Valor: Em 36 anos de redemocratização, tivemos dois presidentes afastados por impeachment. Nossa democracia é frágil?
FHC: Não. Acho que já está consolidada, o povo gostou da liberdade de escolher. Eu acho difícil que dê marcha à ré. Não é impossível. Como dizia Otávio Mangabeira [ex-governador da Bahia], “a democracia é uma plantinha tenra que tem que ser regada todo dia”.
Valor: O senhor apoiaria Lula?
FHC: No segundo turno, se ficar o Lula contra o Bolsonaro, não sei se o PSDB vai fazer isso... Se depender da minha inclinação, iria nessa direção, com muita dificuldade porque o Lula jogava pedra em mim.
Valor: Mas ele ainda joga?
FHC: Não, ultimamente não tem jogado, porque ele não precisa.
Valor: As condenações, agora anuladas, e a prisão de Lula o tiraram da eleição de 2018. O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro é acusado de ter agido politicamente. Como o senhor avalia isso?
FHC: É isso aí, o Moro fez isso. Acho que ele fez um erro ao aceitar ser ministro. Ele mostrou, na época da Lava-Jato, sua importância no combate à corrupção. É importante, é verdadeiro. Mas, depois, entrou no jogo de poder. Não é a dele. Ele é um bom juiz. O jogo do poder é um jogo difícil e ganhar do Lula não é brincadeira, é difícil. Ele sabe. Lula segue a regra. Instintivamente, ele sempre faz isso. Isso não quer dizer que o outro lado não possa transformar o Lula num fantasma outra vez. Pode, independentemente do Lula. É claro que eu não vou contribuir para isso nunca.
Valor: Para onde vai o PSDB, que, assim como o PT, se enfraqueceu e sem dividiu nos últimos anos?
FHC: Unir o PSDB é uma tarefa sempre difícil. E não sei se se deveria perder muito tempo com isso, porque não são os partidos que elegem os governantes. Eu me dou com o Doria. Sou amigo dele há muito tempo. Conheço pouco o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que é do PSDB também. Ele tem bom nome também. Agora, é mais recente e o Sul é longe do centro. Mas vai ficar entre esses dois, você vai ver.
Valor: E o Luciano Huck?
FHC: Eu o conheço bem, sou amigo da mãe e do padrasto dele. Não sei... Ele vai ter que decidir agora. Ele teria que queimar a vela e deixar a [Rede] Globo. É agora. Se ele tomar a decisão e se jogar, tem condição de se transformar num político. Mas tem que se transformar num político, naquilo que os outros já são. Não é tão simples assim. Ele tem mais popularidade do que qualquer deles, hoje. Ter popularidade é uma coisa, ser líder político não é a mesma coisa. É bom ter popularidade, mas tem que ser como líder político. Eu não quero dizer que ele não possa, mas ele vai ter que mostrar que pode se transformar em um líder político. Custa mais a ele do que aos outros porque os outros já queimaram as velas.
Valor: O senhor acha que há motivos para um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro?
FHC: Nunca fui favorável à ideia que você trabalhasse pelo impeachment. É golpe, de outra maneira. Na situação da Dilma, ela mesma inviabilizou. Mas agora estamos muito longe de uma situação de impeachment. Ele está governando. Então eu acho que é insensato.
Fernando Henrique Cardoso: A epidemia e a política
Como disse o senador Jereissati, é preciso gritar alto um ‘basta’ e dar nome aos bois
Primeiro é bom ressaltar que a “crise” (usa-se tão amiúde o vocábulo que ele acaba por perder o significado) começou a se manifestar antes do maldito vírus ter sido percebido entre nós. Nisso me refiro à “crise econômica”, não à política, que parece ser permanente em nosso caso. Mas o certo é que o mar tranquilo em que navegaram os governos de Lula e, parcialmente, de Dilma perdeu-se no passado, antes da pandemia, apesar dos esforços corretos do governo Temer.
Com isso não quero dizer que o governo Bolsonaro seja “o” responsável pelos descaminhos por que passa a economia brasileira. A questão é mais complicada, depende de vários fatores, alguns internacionais. Tampouco seria correto imaginar que a pandemia seja “a causa” do fraco desempenho da economia. Este a antecedeu.
Mas, convenhamos, é muita má sorte do País ter de enfrentar, além da epidemia, uma economia trôpega, com exceção apenas do setor agrícola. Este já ia bem e assim continua, ao menos quanto às exportações. Pior, aos maus ventos anteriores somou-se o apego popular a um líder que não chega a ser populista, mas parece haver-se sentado numa cadeira na qual não se sente bem, ou não foi preparado para ela, apesar dos anos de Câmara. Os tempos de “baixo clero” fazem custar-lhe a se adaptar a situações novas. Coisas da democracia.
Os mais inquietos só veem uma saída, o impeachment. Eu, que já vi de perto dois, sou cauteloso: é alto o custo político de uma intervenção congressual no que foi popularmente decidido. Às vezes não há outro jeito. Mas tal desiderato depende mais das ações (ou inações) de quem foi eleito do que, como comumente se diz, da “vontade política”. É melhor ir devagar com o andor.
Melhor aguentar quem hoje manda – o quanto seja possível – e preparar candidatos para as próximas eleições que possam bem desempenhar a função presidencial. Enquanto isso não ocorre, aproveitemos o tempo para treinar civicamente o eleitorado. Ingenuidade? Talvez. Mas sem certa dose de otimismo corre-se o risco de jogar fora não só a água do banho, mas a criança, a democracia.
Quousque tandem?, perguntava Cícero na antiga Roma. Vale repetir a pergunta: até que ponto os “minimis” de Bolsonaro serão suportáveis? Ninguém sabe ao certo, e ele pode dar a volta por cima. Em larga medida depende não só da paciência do povo, mas dele próprio, Bolsonaro, manter seus “fiéis” e também conter seus impulsos de franqueza autoritária. Do ponto de vista político, mais que tudo depende de quem vocalize o “outro lado”. Por enquanto o que se vê é uma mídia quase unânime na crítica à falta de condições de quem nos governa para manter um mínimo de coerência na ação. É muito, mas é pouco. Enquanto não aparecer alguém com força para expressar outro caminho viável, o presidente leva vantagem.
A verdade é que os partidos ou não são capazes de se opor, ou quando o fazem não convencem os seguidores de forma a abalar quem está no poder. Será sempre assim? Depende, por exemplo, dos trejeitos do presidente, que costuma jogar a culpa nos outros, ou, em outro exemplo, menosprezar o sofrimento das vítimas da pandemia. Mas depende, sobretudo, do surgimento de quem encarne “o novo”. Como disse o senador Jereissati, é preciso gritar bem alto um “basta” e dar nome aos bois.
Não é novidade que o sistema de partidos, por si, perdeu a capacidade de guiar as escolhas populares. Daí que o que aparece como “personalismo” acaba por ser condição necessária para sair da paralisia em que nos encontramos. E enquanto houver democracia e liberdade de opinião, o verbo conta. As falas, por enquanto não chegam a ser ouvidas pelos eleitores. Há, sim, murmúrios no povo, mas não ainda contra quem governa, e sim contra a difícil situação de vida.
De imediato, o que interessa é a saúde. Logo depois será o emprego. Os dados recentes mostrando um encolhimento de 4,1% do PIB somam-se ao aumento consequente do desemprego, que vinha de antes. Se já havia 12% de desempregados, agora não se trata apenas de serem 13% ou 14%, mas de a economia não dar sinais de vida para absorver cerca de 25 milhões de pessoas, somando-se aos que procuram trabalho, os “inimpregáveis”. É muita gente. Terminada a pandemia (oxalá!), daremos com a insuficiência da economia para abrigar tantos, principalmente os de menor qualificação.
O panorama é desanimador. Para quem governa e para quem está contra os governantes. Só há um jeito: buscar uma trilha de maior prosperidade e alento. Recordo-me dos tempos de JK: ele “inventou” um país. Abriu a economia a capitais de fora, ampliou a produção de automóveis, expandiu a indústria naval, etc. E ainda por cima “inventou” Brasília. Reatou um sonho antigo num horizonte de esperanças. Não me esquecerei jamais da conferência que André Malraux fez na FFCL da USP, na qual mostrava a nós, críticos de tudo, o significado simbólico de transcendência da capital imaginada por Niemeyer e Lúcio Costa.
É disso que precisamos: de alguém que indique um caminho de superação e permita voltarmos a acreditar em nós próprios. E cujas palavras e ação não se percam na retórica chinfrim, mas animem muitos outros mais a dar vida ao que se propõe. Que se reinvente nosso futuro.
*Sociólogo, foi presidente da República
Época: FHC menciona 'mal-estar' por não ter votado em Haddad em 2018
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expressou certo arrependimento por ter votado nulo no segundo turno da última eleição presidencial que consagrou Bolsonaro
Sérgio Roxo e Gustavo Schmitt, Revista Época
1. O presidente Jair Bolsonaro se mantém com apoio de um terço do eleitorado e tem chance de ir ao segundo turno das eleições de 2022. Qual é sua análise sobre esse fenômeno?
Em primeiro lugar, ele ganhou a eleição. Tem muita gente que se sente representada por ele. O estilo dele, um pouco rude, aparece como uma coisa aberta, de sinceridade, uma certa raiva das elites e um sentimento de que o Brasil precisa de gente dura. Agora a situação econômica está ficando mais complicada por causa da pandemia. Mas acho que ele vai manter, de alguma maneira, um certo favoritismo, pode ser até reeleito.
2. Bolsonaro foi eleito com propostas liberais, mas promoveu intervenção na Petrobras. O senhor acha que ele vai abandonar de vez as propostas liberais?
Tenho a impressão de que ele nunca foi liberal. Tem uma formação militar. Eu conheço bem, meu pai era militar general, meu avô marechal. Ele expressa um pouco esse sentimento mais próximo do povo do que uma visão liberal que ele nunca teve. Num país como o Brasil, com tanta desigualdade, com tanta pobreza, se referir só ao liberalismo não resolve. Ele se elegeu não porque era liberal. Elegeu-se porque se identificava com o povo. Tinha capacidade de falar e tocava no interesse popular. Será que ele vai ser capaz de novo? É possível. É claro que essa pandemia é desagradável para qualquer um que esteja no governo. E ele trata mal a pandemia. Não é uma pessoa que tenha sentimento de sofrimento alheio. Depende de aparecer alguém que toque naquele momento o povo. Se não houver alguém que expresse um sentimento que diga “venha comigo e eu te levo ao paraíso”, o pessoal vai no Bolsonaro.
3. O senhor acha que há risco para a democracia brasileira se Bolsonaro for reeleito?
Fazer o quê? Pode ser reeleito. Nada assegura que a maioria esteja consciente de todos esses problemas. É preciso, durante a campanha, aumentar o grau de informação, debater mais abertamente e pegar aqueles pontos que são sensíveis à população.
4. Em 2018, o senhor votou nulo no segundo turno. Numa situação semelhante em 2022, com duelo entre PT e Bolsonaro, repetiria esse caminho?
Eu preferia não votar. Foi a única vez na vida que votei nulo. Não acreditava na possibilidade de o outro lado fazer uma coisa, que, no meu modo de entender, fosse positiva. Embora eu reconheça que o outro lado tinha mais sensibilidade social do que o Bolsonaro. Mas tinha medo que houvesse uma crise muito grande financeira e econômica e rachasse ainda mais o país. Só em desespero que se vota nulo. Tinha votado no Geraldo Alckmin no primeiro turno e fiquei sem ter candidato. E achei melhor que uma candidatura do PT, de uma pessoa que eu conheço até, me dou bem com ele, o Fernando Haddad. É uma boa pessoa, mas eu achei que ele era pouco capaz de levar o Brasil, naquela época. Hoje, deve ter melhorado. A pior coisa é você ser obrigado a não ter escolha. Ao não ter escolha, permite o que aconteceu: a eleição do Bolsonaro. Teria sido melhor algum outro? Provavelmente, sim. Pergunta se eu me arrependo? Olhando para o que aconteceu com o Bolsonaro, me dá um certo mal-estar não ter votado em alguém contra ele.
5. Mas em 2022 o senhor votaria no PT contra Bolsonaro?
Depende de quem do PT seria capaz de levar o país. Espero que não se repita esse dilema. Pouco provável que se repita. O PT perdeu muita presença. O Lula tinha uma imantação, que era do Lula, e não do PT. Não sei quem vai ser o candidato do PT. Mas eu prefiro que seja um candidato saído do PSDB, do centro, não necessariamente do PSDB. Porque acho que temos de fazer a economia crescer e, quando temos um candidato que é muito antimercado, como era sensação no caso do PT, há pouca chance de que o país se reconcilie consigo próprio. Nós somos hoje um país muito dividido. É preciso ter uma pessoa que seja capaz de unir esse Brasil. Mas que não tenha como propósito rachar. A sensação que eu tenho com o Bolsonaro é que, na cabeça dele, quanto mais rachado, melhor. Nós já estamos demasiado polarizados. Por enquanto, temos um polo só que é negativo: a favor do Bolsonaro ou contra. Não temos o outro. Quem for capaz de criar um polo que transcenda seu próprio partido e chegue ao povo terá meu voto, independentemente de ser do meu partido ou não. Prefiro obviamente que seja do meu partido.
6. O senhor acredita que a força política de Lula se esvaziou?
O Lula sempre foi uma pessoa muito inteligente, sempre foi mais da sensibilidade do que da razão. O Lula melhorou muito, aprendeu muito com a vida. Não creio que hoje — o Lula tem 75 anos — ele tenha a mesma energia para governar o Brasil. Não sei se há no PT alguém que tenha condições efetivas de substituí-lo. Não sei se o Lula vai ter... provavelmente terá capacidade de entender que não é a hora dele. Mas deve ter alguém que ele apoie. Ele apoiou da outra vez o Haddad. O Haddad é uma pessoa correta, que eu saiba, e governou a cidade de São Paulo. Ele é muito paulista. É muito difícil alguém que não tenha capacidade de ser diverso chegar lá com o voto. Estamos vivendo um momento de desânimo. Precisamos de alguém que anime o Brasil. O Lula foi capaz de ter algo disso naquela sua época, agora acho que precisa de alguma coisa diferente.
7. O senhor acha que o PSDB faz oposição clara ao governo Bolsonaro?
Não acho. Com o tempo, o PSDB virou um partido como os demais. O PSDB ficou mais dissolvido na geleia dos partidos. Mas existe ainda um sentimento no PSDB de que tem de fazer a diferença. Será capaz? Não sei. Depende de quem seja o candidato do PSDB. Pode ganhar eleição? Isso é outra coisa. Vai ser capaz de mudar o Brasil? A gente ainda tem umas dúvidas. Acho que falta um pouco mais de crença, de ideologia, para falar em termos mais tradicionais.
8. O senhor disse recentemente que todo político tem de encontrar um jeito de se identificar com o povo. A vacina seria um meio para Doria? Por que ele ainda não conseguiu transformar esse ativo em popularidade?
O pai dele era baiano, mas ele ficou muito paulista. E a vacina é um instrumento que ele tem grande e que é de interesse nacional. O problema do Doria é exatamente isso. Como é que ele vai se vestir de brasileiro e não só de paulista? É impossível? Não. Porque ele tem onde se apegar. Ele tem raízes. Já o Luciano Huck é diferente. Porque ele fala na televisão todo dia. Fala com todo mundo. Conhece o povo. O Luciano é o oposto do Doria. Só que ele não conhece a máquina, o mecanismo, o Estado. Mas tudo isso se pode aprender, não é uma coisa tão difícil assim. Já o rapaz do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite), que é muito simpático, eu conheço menos. Não conheço o suficiente para saber se ele vai ter essa capacidade de se nacionalizar. Um candidato tem de ser nacional. Quem for candidato vai ter de simbolizar mais do que só a sua região. O Lula veio do Nordeste. Mas o Lula ficava à vontade em qualquer lugar. Era capaz de entender, de reagir à altura de seu interlocutor. Outras pessoas que eu não vou citar o nome não são capazes disso. Não conseguem ultrapassar.
9. O senhor está mandando recado para Doria?
Acho que o Doria tem de mostrar essa capacidade. Ele é baiano de origem. Agora, ele fez a vida em São Paulo. Eu acho que ele tem de demonstrar que é brasileiro. É mais do que paulista, mais do que empresário. Que é capaz de sentir. Tem de ouvir. E não é essa coisa de roupa. Não é isso. Tem de compreender as dificuldades. E não é só o Doria. Isso vale para todos que são candidatos.
10. Recentemente, Doria tentou assumir o comando do partido e acabou isolado politicamente. Como reação, parte dos deputados lançou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. O senhor acredita que esse movimento político colocou a candidatura de Doria em risco?
Olha, eu acho que está na hora de colocar a candidatura. Agora, vai ter mais de um candidato no PSDB. É bom que tenha. Porque começa a haver discussão dos nomes. Os candidatos têm de começar a existir fora do partido, na sociedade. Mas a escolha vai depender do desempenho, da capacidade que cada um tem de se mostrar. Quem escolhe o candidato não são os líderes do partido. Tem de ver quem é que tem capacidade de atrair gente. O candidato se faz. Os que são governadores mostraram que alguma capacidade têm. Os dois mencionados são de estados fortes — São Paulo e Rio Grande do Sul. Têm marca. Isso é bom, mas não é suficiente. Precisa ter marca com os outros. Os outros têm de reconhecer. Não adianta você querer ser. Os outros é que têm de querer que você seja. Caso contrário, você vai morrer querendo ser e fica com raiva de quem é e dos que vão ser. Os deputados têm importância, é claro. Mas eles não são cegos. Eles vão sentir se a própria eleição vai ser facilitada ou dificultada por tal candidato. Tem de convencer o eleitorado.
11. O PSDB vai acabar tendo de ir para uma prévia?
Eu acho que a prévia pode acontecer. É bom que aconteça. Nunca fui contra prévia.
12. Doria voltou a defender o afastamento do deputado Aécio Neves (MG) do PSDB por causa das denúncias de corrupção e disse que o senhor concordava. O senhor concorda?
Não estou de acordo. Acho que é ruim afastar o Aécio. Ele governou Minas Gerais e foi nosso candidato a presidente da República. Isso tem um valor. Não acho um bom caminho afastar alguém burocraticamente, ainda que seja possível do ponto de vista estatutário, mas não acho razoável. Acho que é melhor mantê-lo. Ele tem influência em Minas Gerais. É um estado complicado e difícil. Ele tem um enraizamento ali. E, ao optar pela expulsão dele, uma parte de Minas Gerais vai ficar contra. Não acho que seja o melhor caminho. Nem acho que Doria vai insistir nesse ponto. Porque se insistir, perde.
13. Isso não atrapalha a imagem do PSDB e coloca o partido num patamar muito parecido com o PT?
A imagem do PSDB está atrapalhada não só pelo Aécio. Não é único. Não adianta você imolar uma pessoa para salvar o partido. Eu não estou defendendo esse tipo de comportamento. Mas eu não creio que o caminho de expulsão seja correto, sobretudo porque ele foi candidato nosso.
14. O candidato a enfrentar Bolsonaro precisa caminhar pelo centro?
Eu acho que tem de caminhar pelo centro, mas o centro sem lado é inútil. Tem de dialogar com todos os campos.
15. Gostaria de ver Huck no PSDB?
Acho que primeiro tem de ter uma estrutura partidária razoável. O Luciano não tem nenhuma e vai escolher. Essa escolha é importante para a estruturação da campanha, e não para o voto. Tem de escolher um partido que tenha a capacidade, que seja irrigado por vários setores da sociedade para que você possa chegar a eles. Acho que o Doria já tem um partido. É suficiente? Não. Há o governador do Rio Grande do Sul, o Eduardo Leite. Ele pode querer ser. Não sei. Acho que seria melhor uma composição entre eles. É mais fácil, para ter vitória, haver uma composição entre eles. Se for um contra o outro não, vão rachar a base, o que é ruim, é negativo. E vão facilitar a vida do outro lado, que é o Bolsonaro.
16. O senhor quer dizer que seria importante uma composição entre Huck, Doria e Leite?
É isso o que eu quero dizer. Mas é difícil, porque há dois lugares só (na chapa, candidato e vice).
17. Mas para Huck seria bom entrar no PSDB?
Ele vai ter de calcular isso. Se vale a pena para ele. Para o PSDB é um candidato a mais. Mas o Huck vai ter de pensar em outra coisa. Qual é o partido que convém a ele? Será que é o PSDB ? Do meu ponto de vista, é. Mas o que vai prevalecer não é o meu, mas o ponto de vista dele. Nunca conversei com ele sobre isso.
Fernando Henrique Cardoso: As difíceis escolhas
Além da pandemia, temos de vivenciar o jogo degradante de sempre de quem manda
Dias difíceis estes pelos quais passamos. Além da pandemia, o jogo do poder. Eu não me posso queixar: fique em casa, dizem os que mais sabem sobre os contágios. Isso é possível... para quem tem casa, como eu. E os que não a têm, ou a têm precária, e são muitos, na casa dos milhões? E os que estão no poder e, diferentemente de minha situação atual, precisam meter-se no dia a dia da política?
O bichinho persistente, o novo coronavírus, mata indiscriminadamente, é verdade, jovens ou velhos, ricos e poderosos tanto quanto pobres e sem alavancas de poder nas mãos. Mesmo assim, na minha faixa de idade, quando os 90 anos se aproximam celeremente, é triste viver dentro de casa, por mais confortável que seja, e ver a cidade murchando. E é tristeza para todos.
Mas não desanimemos. Se algo o tempo ensina, é como diz o velho ditado: não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe.
Às vezes, raramente, sinto certo desânimo. Olho em volta e vejo: meu Deus, outra vez! É o Congresso em seu ritmo habitual: dá cá, toma lá. Certa vez perguntei a Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos: mas é sempre assim? Tratava-se da prática de pegar no telefone e falar com cada um dos deputados que o apoiavam, para pedir: é preciso votar a favor, ou contra, tal ou qual projeto.
Era o habitual. Mas vale a pena. Sem democracia é pior: a barganha, quando existe, não é vista nem comentada. Mas existe. Melhor que se a faça às claras.
Digo isso não para referendar o que está acontecendo (nem sei de fato), e sim para dizer que é melhor suportar tanto horror perante os céus do que amargar a falta de liberdade. Mas é preciso lutar. Por mais que se “entenda o jogo”, é necessário repudiá-lo do fundo da alma. Se for indispensável jogar, que se limite a barganha ao máximo. Fácil dizer, difícil fazer.
Ainda assim, com o peso dos anos e a experiência de haver passado pelos altos e baixos do poder, não deixa de ser triste ver isso a que estamos assistindo: o poder, nu e cru, com suas mazelas expostas. Ainda que se dê o desconto e se imagine que “a mídia” exagera (pobre dela, paga o preço), a cada episódio de mudança de comando no Congresso vê-se pouco uma luta de ideais, e se vê, a perder de vista, um jogo de interesses. Eu sei que a tessitura da política não é feita só com valores e que os interesses contam; mas a cada vez que tudo isso aparece dá vontade de fechar-se na vida pessoal e ponto.
Só que ninguém é de ferro e no dia seguinte, novamente, volta o “interesse público”. Sejamos francos: mesmo entre os que barganham, nem por isso o interesse público desaparece ou deixa de contar. A realidade cobra o seu preço, os fatos falam mais alto, as urgências se impõem. O que parece ser diferente em nossas plagas, comparando com outras (que talvez tenhamos a sorte de conhecer menos), é que nas democracias, imagina-se, existem mais valores do que interesses. Será? Espero, mas não sou ingênuo (gostaria de o ser). Acho melhor olhar para o que, apesar dos procedimentos criticados, se pode fazer em liberdade, em contraposição ao que é feito em regimes autoritários, por mais “fazedores” que sejam.
Espero, apesar de tudo, que os novos dirigentes do poder parlamentar não se esqueçam de que, além de colaborar com o que lhes pareça positivo no governo federal, continuem fazendo o que dizem ser necessário: as reformas (dependendo sempre de quais e para quê) e, sobretudo, projetos para a volta dos empregos, com uma nova onda de crescimento da economia. E, por favor, sem esquecer que a tão falada redistribuição de renda não ocorre sem que haja (perdoem-me a má palavra) vontade política.
E isso – a tal vontade política – é necessário em qualquer forma de poder. A diferença entre elas é que, quando são democráticas, o cidadão comum fica sabendo o que acontece, pois a mídia anuncia e denuncia. Eventualmente, ele pode reagir nas eleições futuras. Enquanto, sem liberdade, os donos do poder mandam mais “à vontade”, ou seja, fazem das suas e ninguém toma conhecimento.
Não convém, portanto, apenas se recolher. Ao contrário, já que pelo menos temos liberdade, não compactuemos com erros e exerçamos, dentro da lei, o poder de escolha. Se errarmos, pagaremos o preço. Pior, quem escolhe é a maioria, que nem sempre acerta. Se é que acertar quer dizer estar de acordo com o ponto de vista de quem hoje reclama. Mais do que nunca, precisamos de lideranças. Na política não adianta o sentimento sem ter quem o expresse. Líder é quem simboliza um sentimento.
Não escrevo para me consolar, nem para consolar os leitores. Creio que é assim mesmo: a democracia é sempre imperfeita, embora melhor que as outras maneiras de governar. Verdade simples e fácil de ser enunciada. Mas difícil, reconheço, de ser vivida. Pior ainda, como agora, quando, além da pandemia, temos de vivenciar o jogo degradante de sempre, sejam quais forem, tenham sido ou vierem a ser “los que mandan”.
Livremo-nos ao menos do vírus (se possível), já que do poder ninguém escapa, seja exercendo-o, seja sofrendo-o.
*Sociólogo, foi presidente da República
Valor: Temer e FHC não veem risco institucional
Ex-presidentes dizem que Forças Armadas não desejam neste momento apoiar um eventual governo autoritário e militares descartaram uma nova ditadura militar no país
Por Cristiane Agostine, Valor Econômico
SÃO PAULO - Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer criticaram ontem as ameaças à democracia feitas durante o governo Jair Bolsonaro, em atos pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois ex-presidentes, no entanto, afirmaram que não veem nas Forças Armadas o ímpeto para apoiar um eventual governo autoritário e descartaram uma nova ditadura militar no país.
Ao participar de uma conferência virtual do Credit Suisse, Temer lembrou que “houve tentativas de ameaça à democracia” recentemente. “Não tem dúvida disso. Não poderia ignorar aqueles movimentos que se deram em certo momento do governo atual e que pleiteavam o fechamento do Congresso, fechamento do Supremo Tribunal Federal, até com razoável agressividade. Mas não sinto que haja clima para uma derrota da democracia no nosso país”, afirmou. A declaração foi uma resposta à pergunta feita pelo mediador da conferência, Ilan Goldfajn, presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil, se há ameaças à democracia no país e como tem sido a atuação das instituições.
Temer afirmou que é “inviável” um golpe de Estado se não houver apoio das Forças Armadas e disse que “jamais” sentiu nos militares “qualquer tentativa de romper com as estruturas democráticas”. “Convivi muito com membros das Forças Armadas e jamais senti neles qualquer tentativa de agredir a Constituição, ou seja, de romper com as estruturas democráticas”, disse. “Não vejo como pensar em golpe.”
O ex-presidente ressaltou o papel das instituições como o Legislativo e o Judiciário e afirmou que uma ameaça “não quer dizer” que vai resultar na derrubada da democracia. “As instituições estão funcionando”. Para Temer, a troca no comando dos Estados Unidos, com a eleição do presidente Joe Biden e a saída de Donald Trump, ajuda a manter o sistema democrático no Brasil.
Fernando Henrique avaliou que o país vive um “mal-estar”, com o agravamento dos problemas econômicos, sobretudo com o empobrecimento da população e o aumento do desemprego, e afirmou que o governo precisa agir para controlar a insatisfação popular. “Se houver desordem, ninguém segura”, declarou. No entanto, o tucano disse que os militares não desejam o poder neste momento. “Eles aprenderam”, disse. “Os militares se voltaram para o lado democrático, não acho que estão pensando em golpe.”
Ao discutirem os cenários para 2022, Fernando Henrique disse que Bolsonaro tem grande chance de se reeleger se o principal adversário na disputa for o PT. FHC avaliou que Bolsonaro continua forte, apesar de sua popularidade ter caído, e defendeu um nome que represente as forças políticas de centro para concorrer contra o presidente. O tucano afirmou ainda que se arrepende de ter viabilizado a reeleição no país.
Na avaliação de FHC, o candidato que concorrer contra Bolsonaro precisa aglutinar diferentes forças políticas. “Se ficar PT e Bolsonaro, a chance de Bolsonaro ganhar é grande. Atribui-se muita coisa errada ao PT”, afirmou. “Se quisermos ter possibilidade de vitória, tem que unir todas as forças. Todas as forças que se dispuserem a trabalhar. Isso vai depender de quem é o candidato.”
O tucano citou como eventuais candidatos os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), ambos do PSDB, e o apresentador Luciano Huck, sem filiação partidária. “Eles têm que assumir posições que agreguem. Se estiverem desagregados, o outro lado ganha. Precisa ter capacidade de falar em nome da maioria”, disse FHC.
Temer evitou falar em nomes para 2022 e disse que é “importante encontrar alguém que saiba sensibilizar a vontade popular”. “Essa história de centro, direita, esquerda, isso não existe mais. O povo quer resultado. Se o resultado for positivo, o povo aplaude. Tanto faz de centro, direita e esquerda”, afirmou.
Durante a conferência, FHC fez “mea culpa” por ter articulado e aprovado a reeleição quando era presidente, para ter mais quatro anos de mandato. O ex-presidente disse que o ideal seria um mandato de cinco anos. “Acho ruim para o Brasil o instituto da reeleição. É uma autocrítica”, afirmou. Em seguida, voltou a falar que a possibilidade de Bolsonaro ser reeleito é “sempre grande”. “É um erro pensar que porque ele caiu na pesquisa, ele perdeu poder de aglutinar.”
Fernando Henrique Cardoso: Annus horribilis
Num ano terrível, a democracia triunfou nos EUA, um alento para seguirmos lutando para melhorar a vida da maioria
Mal escrevi o título deste artigo (usando o pouco latim de que ainda me recordo), e já me arrependi. Será mesmo, ou o ano que nos espera à frente será ainda pior? Difícil imaginar, mas não impossível. É certo que a pandemia, o novo coronavírus, mata sem piedade e... Não só os mais velhos, molesta também os mais jovens; o que piora a situação. Também é certo que nos tocou um governo com pouca imaginação e que olha o país por um espectro curto. Mas, se olharmos para o mundo, pelo menos não houve guerra global, e a recessão, embora forte, não é comparável com outras crises que paralisaram os negócios internacionais. Enfim, sem “panglossismo”, bem-feitas as contas, o ano foi mal, mas poderia (como quase sempre) ser pior...
Não digo isso para me consolar, ou, quem sabe, apascentar o eventual leitor. Digo porque é preciso olhar para frente com alguma esperança. Sei também que é mais fácil imaginar que “não fosse este governo”, a pandemia talvez não tivesse matado ou maltratado tanta gente. Será verdade? Provavelmente. Mas, o vírus é soez e está dizimando as pessoas, independentemente da qualidade dos governos. Parece uma saída simples “culpar” só o governo (no caso o federal) pelos males que nos afligem. Claro, não é sensato —para dizer o mínimo — trocar tantos ministros da Saúde e nomear, por fim, quem, por profissão, não conhece a matéria. Tão grave quanto isto é considerar os adversários como “inimigos”, jogando o país em divisões imaginárias. E sempre é possível ampliar a lista do que falta aos governantes para que tudo dê certo...
Não é hora, contudo, para o ajuste de contas. A experiência mostra que é melhor esperar que o tempo escoe do que precipitar o fim de governos. Mais um pouco — se o povo não insistir nas antigas preferências e se tivermos a sorte de existir alguém que abra um caminho mais promissor — haverá novas eleições. Mudaremos algo?
Para responder com franqueza, e deixando de lado o que não entendo (fico na torcida pelo fim da pandemia), temo que continuemos a “não ver”. Talvez o maior problema do país seja a desigualdade. E ela “se naturalizou”. Podemos até vê-la e fazer comentários gerais a seu respeito. Mas, no dia a dia, como o problema vem de longe, acabamos por, implicitamente, aceitá-la. E esta talvez seja a maior dificuldade para obter o que, em geral, mais desejamos: que o país continue crescendo economicamente. Na cultura tradicional é como se crescimento equivalesse a melhor distribuição de renda. Existe, é claro, uma relação entre a prosperidade econômica e o bem-estar geral. Mas é enganoso crer que basta a economia crescer para as “questões sociais” se resolverem.
Nos dias que correm, não só a oferta de empregos está reduzida como as transformações tecnológicas do mundo requerem maior capacitação profissional. Torna-se mais visível que educação e saúde são requisitos para a modernização da sociedade e da economia. Como, entretanto, somos mais de duzentos milhões de pessoas, os setores dominantes parecem não se dar conta de que no longo prazo não haverá prosperidade com tanta miséria. Quem sabe a crise atual, dupla, a de saúde e a do desemprego, despertem não só “o governo”, mas cada um de nós. Quem sabe nos permita “ver” melhor e perceber que a transformação necessária é mais profunda e mexe com as pessoas, com cada pessoa, e não só com as instituições.
Que pelo menos quanto à pandemia sejamos capazes de assumir nossas responsabilidades individuais. Não basta dizer: “Fiquem em casa”. Para isto é preciso “ter casa”. Ter emprego, sentir solidariedade. Se não estiver ao nosso alcance fazer as mudanças de maior profundidade, assumamos nossa parte: se puder, isolemo-nos; quando a vacina chegar — quanto antes, melhor — vacinemo-nos. Pelo menos isso.
Neste ano terrível, a democracia triunfou sobre o preconceito e a intolerância nos Estados Unidos. A nação estava profundamente dividida em termos de filiação partidária e visão de sociedade. A maioria dos eleitores brancos, protestantes, pessoas sem diploma universitário e moradores nas cidades do interior votou em Trump. A maioria das mulheres, jovens, negros, pessoas com diploma universitário e moradores das grandes cidades votou em Biden. A recusa de Trump em reconhecer a gravidade da pandemia lhe custou caro. Como também suas atitudes misóginas e racistas. Suprema ironia, o voto negro foi decisivo tanto na escolha de Biden como candidato do partido democrata quanto em sua vitória nos estados de Pensilvânia, Michigan e Geórgia que lhe deram a maioria no colégio eleitoral. O espírito de liberdade, fundamento da democracia americana, prevaleceu sobre a polarização. As manifestações de protesto do movimento Black Lives Matter, em vez de assustar o eleitorado conservador, consagraram o respeito à diversidade como um valor constitutivo da América.
Isso nos dá alento para continuarmos vivos e lutando para melhorar a vida da maioria: menos desigualdade, maior prosperidade. Mais respeito às leis e às pessoas. É o que desejo neste novo ano de 2021.
O Estado de S. Paulo: 'Eles têm verdades absolutas, acho perigoso’, diz FHC
Um dos problemas do País, diz ex-presidente, é que o governo ‘não sabe ouvir’; para ele, a volta ao normal ‘não será tão rápida’
Sonia Racy, O Estado de S. Paulo
Nas suas sete décadas de vida pública, somadas a uma intensa vida acadêmica, Fernando Henrique Cardoso* viu um pouco de tudo na história do País. Ao passar adiante o poder em 2003 – depois de oito anos como presidente –, a inflação havia sido domada, as contas estavam em ordem e a economia pronta para crescer. Neste final de 2020, perto de completar 90 anos, ele vê a soma de desafios que enfrentam os brasileiros – na saúde, na educação, na economia – e se mostra cauteloso quando perguntado se o Brasil podia estar melhor. “É difícil prever. Mas poderia haver uma compreensão maior do sofrimento dos outros. À medida que você não se solidariza, paga o preço.” E põe o dedo na ferida: “A sensação que (os governantes) transmitem é que eles não são capazes de ouvir. O presidente principalmente, né? Tem verdades absolutas, vai para a ideologia. Acho isso perigoso”.
O ex-presidente, no entanto, não leva a sério as suspeitas de que o presidente Jair Bolsonaro esteja sonhando com um governo autoritário. “Temos os tribunais, o Congresso, a mídia, o clima é de liberdade. O que eu acho é que ele não tem muita noção, não sabe lidar com aquilo lá. Mas não há projeto autoritário.”
A entrevista para o programa Cenários aconteceu na mesma semana em que morreu Joseph Safra, presidente do grupo e velho conhecido de FHC (na quinta-feira, dia 10, aos 82 anos). “Além de meu amigo, perde o sistema financeiro um líder e a sociedade alguém que fez muito. Generoso no apoio a iniciativas, será sempre lembrado. Em nome da fundação que dirijo expresso à família nossos sentimentos”, escreveu o ex-presidente no seu Twitter. Veja a entrevista abaixo.
Como o sr. vê o mundo pós-pandemia, se é que a pandemia vai passar?
Primeiro, preciso acreditar que ela vai terminar, porque ela vai terminar. Meus pais falavam da gripe espanhola, na qual morreu muita gente. E o bichinho prefere matar gente velha. Eu fico em casa com medo, mas acho que dá para sobreviver. Agora, a economia será bastante afetada, o tal novo normal vai ser a recuperação do que perdemos, não só no Brasil. E acho que não vai ser tão rápido assim.
Tem muita gente criticando a conduta do presidente Bolsonaro. Acha que eles poderiam ter feito coisa diferente do que fizeram?
Veja, essa pandemia não depende de governos, eu passei por crises que não dependiam de mim, embora o povo acabe achando que o governo é o culpado. Agora, não tem cabimento trocar tanto de ministro da Saúde no meio de uma pandemia. E não tem cabimento esse descrédito, Não é uma gripezinha, é uma coisa grave.
Se ele tivesse agido de outro modo, seríamos menos afetados?
É difícil prever. Mas poderia haver uma compreensão maior do sofrimento dos outros. As pessoas precisam que os poderosos sejam solidários com suas tragédias. À medida que você não se solidariza, paga o preço. Se continuar como está, já está marcado praticamente que o presidente e sua família não ligam muito para a epidemia. E tá todo mundo vendo, todo mundo com medo.
As pesquisas têm mostrado que, somando ótimo, bom e regular, Bolsonaro tem 70%. É uma coisa que impressiona. Como me disse um cientista político, “com regular você passa de ano...”
Pode passar, mas depende do outro. E é muito cedo para isso. O presidente tem sempre o poder, ele não perde a maioria de repente, isso é um processo e esse processo depende sempre de quem com quem, A contra B ou C. Quando tivermos isso concretamente, saberemos quais os efeitos dessa... não digo inação, mas confusão, como transpareceu ao País. A desatenção foi grande.
Temos um presidente que, pelo que se vê, não se inteira das situações, não olha para o outro?
Olha, nunca vi o presidente Bolsonaro na minha vida. Não dava atenção a ele no Congresso porque ele gritava muito, era muito corporativista, queria aumento de salário para os militares, essa coisa toda. Então, não sei como ele é como pessoa. Mas nos atos, ele é um ator e sua ação foi captada pelos que formulam a opinião pública como se fosse desatenção. Terá sido? Não sei dizer. Não quero cometer injustiça. Quando eu era presidente vi muitos julgamentos precipitados. Não quero fazer o mesmo com o presidente Bolsonaro.
Quando o sr. assumiu como ministro da Fazenda, eu fui a primeira a entrevistá-lo para o ‘Estadão’. E lhe perguntei como se sentia assumindo um cargo daquele tamanho com a economia super ruim... Como vê hoje aquele momento?
A confusão era grande. Eu estava no Itamaraty, um lugar confortável... Mas eu tinha uma formação de História Econômica, trabalhei na Cepal, não era completamente jejuno na matéria. Se pudesse escolher, eu não escolheria ser ministro da Fazenda. Porque teria de matar o dragão da inflação e se você não sabe como fazer isso, tem de aprender. Precisa ter capacidade de decisão e uma certa humildade para ouvir o outro. O presidente Bolsonaro passa a impressão de que não presta atenção. Não sabe, mas não liga. Hoje, por exemplo, eu não falo nada sobre pandemia, a não ser o medo que eu tenho.
Quando decidiu fazer o Plano Real, o que o levou a bancar essa decisão?
Primeiro, as pessoas que trabalhavam comigo eram muito competentes. Discutiam muito, e eu ouvia as discussões. E eu tinha influência com o presidente Itamar (Franco), ele me deu esse poder e eu o usei falando com o povo. Minha função no Plano Real foi muito mais a de um comunicador. E a população confiava. Você não sai de uma entalada como a que temos hoje, como tínhamos naquela época, sem que transmita confiança. Se você erra o caminho, apanha. Se acerta, fica glorioso. Eu fui eleito presidente por causa disso.
O sr. escolheu ser sociólogo, sinal de que presta atenção no outro, né?
Eu fui sociólogo sobre o negro no Brasil, andei muito em favelas. Aprendi muito com o professor Roger Bastide, que era francês. Ele vivia num favelão que tinha aqui em frente ao meu trabalho, chamava-se Buraco Quente. Nós íamos lá, ele mascando charuto, parecia que não entendia nada, mas entendia tudo. Quando eu era presidente, para não ficar perdido, o que eu fazia? Falava com o cara que limpava a piscina, com o garçom do palácio (do Alvorada), com uma empregada chamada Dalina. E um dos motoristas também. Porque se você não sente a população... A gente que vai falar com o presidente vai por um interesse, e não fala necessariamente a verdade. Ou fala de modo que o outro lado não fique melindrado...
O sr. conseguia detectar quando alguém mentia?
Eu percebia. Veja, eu tive um amigo na Escola Politécnica, oCamargão, ele dizia uma coisa que me marcou: “Olha, o problema não são os burros, o problema são os malandros. Porque eles não são malandros o tempo todo”. Isso ficou na minha cabeça. Às vezes, o malandro diz uma coisa verdadeira e é importante você dar atenção. Não sei como são os poderosos de hoje, mas a sensação que transmitem é que eles não são capazes de ouvir. O presidente principalmente, né? Tem verdades absolutas, vai para ideologia. Acho isso perigoso.
Acredita que a gente sofre o perigo de partir para um outro tipo de regime?
Perigo de reversão sempre existe, mas não creio que estejamos na iminência de uma coisa desse tipo. Temos os tribunais, o Congresso, a mídia, o clima é de liberdade. O que eu acho é que ele não tem muita noção, não sabe lidar com aquilo lá. Mas não há projeto autoritário.
Muita gente diz que o povo brasileiro é amável, criativo, e também que é preguiçoso, que não tem senso de coletividade. O que o sociólogo FHC diz disso?
Não compartilho dessas ideias. Aqui o povo é trabalhador, sofre muito, trabalha muito. Não pense que é só em São Paulo, no Brasil todo é assim. Morei na França, nos Estados Unidos, vejo que o Brasil é muito mais americano que europeu. Não temos o sentimento de hierarquia que têm os franceses, por exemplo.
Acha que a desigualdade social aqui é maior que em outros países? Ela foi produzida por um sistema que não conseguiu diminuí-la?
Comparativamente, aqui tivemos a escravidão, né? A minha babá era filha do escravo do meu bisavô. E isso, enfim, é tido como natural. Você vê a desigualdade, a pobreza, você naturaliza. Esse é o problema mais grave que temos, é você não perceber. O brasileiro não percebe a existência de tanta diferenciação, tanta desigualdade.
Na pandemia ele percebeu, não?
Se a pandemia deixar uma lição positiva, é essa. Ela pega todo mundo.
Por toda sua vivência pessoal, acha que capitalismo com democracia é uma receita que deu certo?
Veja, onde foi que deu mais certo do que capitalismo com democracia? É difícil. Então tem de dizer que sim, que deu certo. Até por causa dessa nossa desigualdade, que vai ser prejudicial não só para um ou outro, mas para todas as pessoas. Nos Estados Unidos, ao contrário, existe um sentimento de igualdade. Eles conseguiram avançar mais, generalizaram o capitalismo mais do que nós. Aqui existe ainda a mentalidade de que cada um faz por si e Deus por todos. Aqui o sujeito sempre pensa em um pedido, um favor, uma proteção, coisa que não contribui para um sentimento igualitário. E o capitalismo precisa de igualdade, tem de ter programas que visem aos mais pobres. O capitalismo sozinho não resolve isso.
Estamos indo para um final de ano atípico, que mensagem o sr. deixaria nessa virada?
O que acho importante é preservar a liberdade e a democracia. E emprego também, pois ninguém vive só do ideal. Tem de fazer andar a economia, produzindo integração social. Fácil de falar, sabemos, e difícil de fazer.
E desejar que todos consigam ser mais humanos e menos tecnológicos, né? Olhar para o outro...
Eu sou pouco tecnológico, então quanto menos, para mim, melhor – mas acho que o mundo vai ser mais tecnológico e tem de ser humano a despeito disso. É outro tipo de humanidade, mas precisamos manter essa humanidade.
*Sociólogo e professor pela USP, exilado (1964 a 1968), Senador, ministro do Exterior e da Fazenda, presidente da República (1994-2002). Autor de 29 livros, é presidente honorário do PSDB e imortal pela Academia Brasileira de Letras.
Fernando Henrique Cardoso: Agonia e esperanças
Por uma fatalidade os dias vindouros serão de máximo perigo. Confiemos, agindo
Quase ao chegar ao fim do ano em curso, as agonias aumentaram. Na economia o País se arrasta numa recessão há já algum tempo, que foi agravada pela pandemia causada pelo novo coronavírus. Tudo, naturalmente, aumentado pela desconfiança no governo federal: faltam a ele as qualidades necessárias não só para agir com rapidez, mas mesmo para agir. Não vou relembrar, por ocioso, mas a “gripezinha” virou morte para milhares de pessoas. O descaso chegou a tanto que na área da Saúde os ministros se sucedem e os erros não cessam: falta muita coisa, mas chama a atenção a imprevisibilidade, o desconhecimento é substituído por palpites em grande quantidade.
No auge da pandemia, quando liderança, informação verídica e respeito à ciência salvam vidas, o governo federal persiste no negacionismo, na politização e no desprezo ao conhecimento. Isso, que já seria grave em tempos normais, chega às raias do absurdo diante da ameaça que pesa sobre o nosso país.
Agora mesmo, como se não houvesse urgência, há gente na sociedade pondo em dúvida a eficácia das vacinas em geral. Isso num país como o nosso, de amplíssima tradição na matéria. Os dias tristes das revoltas “contra as vacinas”, no caso a da varíola e a da febre amarela, que marcaram um tento de Oswaldo Cruz, podem até virar o feitiço contra o feiticeiro. A revolta agora é contra a demora das vacinas, quando, na verdade, nunca se viu esforço tão rápido para encontrar alguma que contenha a ação negativa do referido vírus.
Mas existe também a descrença nelas. É certo que, por enquanto, da parte de um grupo que se deixa levar pelo que deduz serem as promessas de vacinas com falta de cautela das autoridades.
Ainda bem que a mídia, em geral, procura mostrar o contrário e ressaltar que, enquanto a vacina não chegar, cada um de nós é responsável por atuar: que fiquemos em casa é o refrão.
Refrão correto. Mas o que fazer quando não se tem casa confortável, ou quando as pessoas vivem amontoadas tanto em sua casa como com os vizinhos, como se vê em muitas favelas, casas de cômodos e nos cortiços, que abrigam boa parte da população brasileira? É para essas pessoas, a maioria da população, que o governo precisa olhar em primeiro lugar. E são essas as vítimas preferenciais do novo coronavírus (sobretudo os mais velhos, para os quais o “bichinho” parece ser impiedoso).
Sabemos que no início os mais atingidos eram os que viajavam, que não fazem parte da maioria pobre. Pouco a pouco, porém, a epidemia foi se alastrando e alcança, é verdade que sem exclusividade, os que menos têm posses e são abrigados pelo Serviço Único de Saúde (bendito SUS!).
Daí a enorme responsabilidade dos governos. No plano estadual, alguns se têm saído bem. Não se poderia dizer o mesmo, com simplicidade, sobre o governo federal, pelo menos quando são ouvidas as palavras proferidas por seu maior representante, o presidente. Compreendo que ele não queira ver tudo pelo vitral do pessimismo, mas que veja com algum realismo as coisas sob seu comando, pois elas têm efeito sobre muita gente. É o que se espera de qualquer governo razoável.
Há esperanças, a despeito de tudo. Elas se concentram no fato de que a população é, no geral, receptiva às palavras sensatas (as eleições municipais recém-havidas mostram isso). Por isso mesmo, quanto mais houver reforço na palavra dos que entendem – os médicos e cientistas –, melhor. O que choca é ouvir notas dissonantes vindas de quem deveria ser politicamente responsável.
Entendo as aflições e urgências, afinal completarei 90 anos em alguns meses. Há pressa. Mas que fazer? Não há medicamento específico para o vírus e a vacina (qualquer delas) ainda não está disponível, embora esteja cada vez mais próxima. Por isso mesmo é preciso, pelo menos, que as autoridades não aumentem a algazarra dos que pouco sabem e que, ao falar, meçam o peso de suas palavras. Não é compreensível que países com menos recursos estejam mais perto de ter acesso a uma vacina do que nós.
Sei que para muitos (até mesmo empresas, não só pessoas) é impossível parar. Mas mesmo neste caso que sejam seguidas as prevenções que vêm dos que mais sabem da saúde pública. E que os governos, se não puderem ou quiserem ajudar, não atrapalhem.
Ultrapassaremos estes dias agônicos, sou confiante. Sei que quanto mais depressa chegarem as vacinas, melhor. E enquanto isso que cada um cumpra o seu dever, como disse famoso almirante em momento no qual a guerra era dificultosa para os brasileiros. O momento é duro; confiemos, agindo. E se nada de construtivo pudermos fazer ou dizer, que não atrapalhemos os que sabem e os que estão dando o melhor de si para manterem vivos a si próprios e quem eles tratam.
Estamos a 20 dias do Natal, momento de alegria, fraternidade e renovação. Por uma fatalidade, os dias vindouros serão de máximo perigo. O que se passa nos Estados Unidos já nos deveria bastar como alerta. Uma pandemia fora de controle, com uma previsão assustadora de pico para janeiro de 2021.
*Sociólogo, foi presidente da República