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Abastecimento | Foto: Nakun/Shutterstock

Inflação histórica e medo de violência afetam brasileiro que volta ao trabalho presencial

Giulia Granchi / BBC News Brasil em São Paulo*

A volta ao trabalho presencial para brasileiros que faziam home office até o início de 2022 pode ser considerada uma notícia boa - afinal, o que levou funcionários a ficarem em casa durante quase dois anos, a pandemia de coronavírus, demonstra uma melhora gradual. No mês de abril, o Brasil registrou o menor número de mortes por covid-19 desde março de 2020, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

No entanto, para o grupo que pôde realizar as atividades profissionais remotamente - cerca de 1 a cada 5 brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da FGV -, a hora é de enfrentar altas de preço históricas e, para alguns, sentir-se mais vulnerável à criminalidade, especialmente nas grandes metrópoles.

Para a advogada Debora Moreira, de 27 anos, moradora da capital paulista, o retorno ao escritório onde trabalha quatro vezes por semana significa que ela terá uma parte menor de sua renda disponível no fim do mês.

"Agora gasto três vezes mais do que antes com gasolina, pelo trajeto e preço mais alto, e como trabalho em uma região cara, no bairro da Vila Olímpia, meu vale-alimentação não é suficiente para comer todos os dias fora. Enquanto estava em casa, cozinhava e ainda sobrava para o dia seguinte, então era bem mais econômico", diz.

"Por ficar parada no trânsito de grandes avenidas e em faróis, tenho medo de ser assaltada e perder não só meus bens, mas o notebook da empresa com todo o meu trabalho nele. De sofrer violência, então, mais ainda. Evito assistir televisão para que os crimes não me causem ansiedade".

Medo da violência

O psicólogo André Vilela Komatsu, pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), aponta que tem acompanhado muitos relatos de trabalhadores que, assim como Debora, se sentem mais ansiosos por precisar transitar em distâncias maiores nas cidades.

Na avaliação dele, é esperado, assim como toda mudança de rotina, que as pessoas sintam algum nível de estresse. "Passando mais tempo em casa, reparamos na cadeira que está ruim, no espaço não tão agradável... E, com o tempo, a gente vai acostumando. E agora é a mesma coisa. Voltamos a reparar em problemas sociais que sempre estiveram aí, mas muita gente não viu as transformações do espaço público por ficarem restritos a seus bairros durante a pandemia."

Entre as mudanças, ele cita a intensificação de problemas sociais, com maior degradação dos espaços públicos, mais pessoas morando nas ruas e o aumento de crimes. "Houve uma redução de assaltos durante a pandemia, justamente por ter menos gente na rua, e agora já estamos chegando em níveis semelhantes aos de antes."

Para o pesquisador, a sensação de medo é natural e, embora não seja o ideal, é esperado que as pessoas consigam se acostumar ao menos parcialmente.

"(Para) a maior parte dos trabalhadores, não é nem uma questão a ser discutida. Infelizmente, o medo de ser demitido ou de não ter onde trabalhar às vezes é maior do que o medo de sofrer violência, e certamente isso causa muita ansiedade."

Alta histórica da inflação

A prévia da inflação oficial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15), chegou em abril a 1,73%, a maior taxa desde 1995, resultado que é consequência de uma série de fatores ocorridos nos últimos dois anos no Brasil e mais recentemente, internacionalmente.

Em março, o IPCA teve o maior avanço para o mês em 28 anos, com alta de 1,62%.

"Há dois fatores que agiram juntos para jogar inflação para cima durante a pandemia: estímulo muito forte por meio da transferência direta de renda do governo para as famílias e taxas de juro em uma mínima histórica - a Selic chegou a 2% ao ano e hoje já está em 11,75%. Isso ajudou a manter o poder de compra das famílias estável por algum tempo, mas com maior demanda e circulação de dinheiro, elevou a inflação", explica a economista Tatiana Vieira, da XP Investimentos.

Os motivos que levaram inflação de março a ser a maior em quase 3 décadas e como isso afeta o consumidor

Outros acontecimentos recentes no cenário internacional também contribuíram para a alta da inflação no Brasil. "A guerra da Rússia contra a Ucrânia fechou portos, criou embargos importantes para Rússia e paralisou produção em ambos os países, exportadores de milho, trigo, sementes - o que influencia, inclusive, no preço da carne, já que esses alimentos servem como ração", afirma Vieira, lembrando que a Rússia também é o maior exportador de gás para Europa e que a situação de instabilidade afeta o preço dos combustíveis.

O número de brasileiros endividados bateu novo recorde em abril, chegando a 77,7%

Na China, o lockdown restritivo a qualquer caso de covid-19 faz com que fábricas e portos fechem por alguns dias, deixando a comunidade global sem acesso a insumos muito importantes para produção. "Com isso, bens manufaturados devem subir, especialmente os industrializados."

Não é só preço: por que carne bovina está perdendo espaço no prato do brasileiro

Em 2022, funcionário paga muito mais caro para ir trabalhar

De todas as altas, a de combustível foi a maior - no último ano, o preço da gasolina aumentou 47%, o diesel, 50% e o etanol, 60%. Os automóveis também ficaram muito mais caros, com aumento de 20% para carros novos e 15% para modelos usados, de acordo com o IPCA.

"Transporte por aplicativo tinha sido uma alternativa muito usada. Até por conta da pandemia, muitos reavaliaram o uso de alguns bens, 'abriram mão' de ter o carro. Mas os preços já subiram um pouco, principalmente pelo combustível", comenta a economista.

Para quem usa o transporte público, também houve aumento. O aumento da passagem de ônibus municipais foi de 1,2%, e para os intermunicipais e interestaduais, entre 1,5 e 2,5%.

Transporte público | Foto: Clipfy/Shutterstock

"Durante a pandemia, os prefeitos decidiram não dar reajuste. O caixa dos municípios e estados estava muito bem, arrecadação por ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) surpreendeu positivamente, evitando que repassassem a alta do diesel via aumento de tarifas. Mas não sabemos até quando vão conseguir segurar", aponta Vieira.

Os serviços, em geral, desde a contratação de funcionários para limpeza, mensalidade de escolas e creches, e outros que se tornaram ainda mais necessários para muitas famílias ao deixarem o home office, sofrem reajustes ligados à inflação do ano anterior.

Para comer, mesmo dentro de casa, o preço dos alimentos também aumentou, e a conta fica ainda mais cara em restaurantes. "O primeiro motivo é doméstico, crise hídrica, fatores climáticos que impactaram a produção. Fretes e transporte das mercadorias ficaram muito mais caros. E a expectativa é que a gente continue vendo", conclui.

Preferências dos funcionários e tendências das empresas brasileiras

A volta parcial ao escritório com equipes reunidas até duas vezes por semana é a opção preferida pela maioria dos profissionais de grandes empresas brasileiras, de acordo com o estudo "Modelos de trabalho pós-pandemia", realizado pela empresa de consultoria e auditoria PwC Brasil em parceria com o PageGroup.

Entre os mil profissionais ouvidos, 67% preferem regime integral de home office ou modelo híbrido com uma, ou duas idas ao escritório na semana.

"Com a pandemia, fomos convidados a refletir sobre qual modelo de trabalho queremos. Algumas barreiras já foram quebradas e as pessoas começam a pensar 'Bom, talvez eu não precise me deslocar - por horas, às vezes - para trabalhar. Além disso, pessoas localizadas remotamente em diferentes partes do Brasil trazem a equipe, pela minha experiência profissional, ideias diferentes e originais", Stephanie Crispino, CEO da Tribo, consultoria do grupo Anga que tem como foco a humanização de culturas empresariais.

A mistura de home office e trabalho presencial é realidade na rotina das pequenas e médias empresas brasileiras. Segundo a pesquisa "Impacto da covid-19 na cultura e operação das PMEs brasileiras", 47% das PMEs estão trabalhando de forma híbrida. O trabalho 100% presencial vem em segundo lugar, com 38% das companhias, seguido do trabalho totalmente remoto, com 15%.

Ter conhecido a possibilidade de trabalhar em sistema híbrido ou remoto, aponta Stephanie, não significa que as empresas necessariamente continuarão adotando o modelo - mas, em sua opinião, para os tipos de trabalho que permitem, é um passo nessa direção.

"Essa flexibilidade fez as lideranças e trabalhadores entenderem que a produtividade fora do escritório é possível, e nesse ponto, não há como voltar. Essa alternativa pode, inclusive, fazer a diferença quando o profissional for escolher a empresa na qual quer trabalhar", conclui Crispino.

*Texto publicado originalmente nBBC News Brasil


Josilmar Cordenonssi: O (ex-) país do futuro não consegue superar a ‘década perdida’?

De acordo com projeções da FGV, esta década que termina agora em 31 de dezembro de 2020 apresentará um crescimento negativo do PIB per capita do Brasil em toda a série histórica que se tem deste indicador, superando a chamada “década perdida” dos anos 80. Usando os dados do Banco Mundial, naquela década, o PIB per capita do Brasil caiu 4,38% e nessa década, até 2019, já caiu 1,46%, como esse ano é esperado uma outra queda é possível ter um resultado ainda pior que o dos anos 80.

A década de 80 foi perdida por praticamente toda a América Latina, devido à crise da dívida externa e o forte ajuste de balança de pagamentos que foi exigido dessas economias, com maxi desvalorizações, queda de consumo e PIB. Nos anos 70, a grande maioria dos países latino-americanos eram governados por ditadores militares, cuja legitimidade estava baseada no crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, após os choques do petróleo em 73 e 79, esses países, em vez de deixar que as economias absorvessem esses choques recessivos, preferiram controlar o preço desta commodity artificialmente para que as economias não perdessem (tanto) o ritmo de crescimento, através de endividamento externo, com as bênçãos do governo americano. Os desequilíbrios da balança de pagamentos só cresciam.

Entretanto, com o segundo choque de petróleo a nova administração do Fed (Banco Central americano) deu um choque de juros em 1981, fazendo a taxa básica (federal funds rate, a Selic deles) sair de 11% para 20%, para combater a inflação de lá. Com isso, os países latino-americanos ficaram incapazes de pagar o serviço da dívida (pagar os juros) e ficaram insolventes, tendo que negociar os pacotes de ajuda com o FMI. Essa foi a principal razão para a década perdida dos anos 80.PUBLICIDADE

Com exceção de 2020, quando a pandemia provocou uma recessão em praticamente todos os países do mundo, o nosso desempenho pífio nesta década é fruto de erros de política econômica feitos por nós mesmos. Após crescer 7,5% em 2010, o Brasil tinha superado a crise financeira internacional de 2008, entretanto, o governo Dilma continuou a expandir as medidas de “contracíclicas”. O BNDES continuou recebendo aportes crescentes do Tesouro Nacional para financiar grandes empresas (“campeões nacionais”) a comprarem empresas estrangeiras, por meio de emissão de dívida pública. Foram feitas desonerações de encargos sociais na folha de pagamento de alguns setores, que até agora não foram revertidas, dada a força política desses setores junto ao Congresso Nacional. Além disso, houve ingerências indevidas no preço da gasolina, taxa Selic artificialmente baixa e consequente descontrole inflacionário. Tudo isso gerou forte incerteza na sustentabilidade da dívida, profunda recessão e que culminou no impeachment da presidente. O PIB per capita do Brasil em 2016 foi 8,57% menor do que o de 2013, quase o dobro da queda esperada para esse ano de pandemia.

Quando analisamos o crescimento do Brasil nos últimos 60 anos em relação à principal economia do mundo, os EUA, em 1960, o PIB per capita (em poder de paridade de compra) do Brasil era 22,86% dos americanos. Atingimos o ápice em 1980, 34,30% e voltamos praticamente ao mesmo patamar de 1960 em 2019, com 23,43%. Apesar de todos os avanços que tivemos nesse período, nós não conseguimos fazer o chamado catch up, isto é, não estamos conseguindo nos aproximar do nível de desenvolvimento dos EUA. Por outro lado, os países asiáticos estão sistematicamente conseguindo se aproximar dos países mais avançados. Por exemplo, a Coreia do Sul em 1960 tinha um PIB per capita de apenas 7,06% do PIB per capita americano, ou seja, menos de um terço do brasileiro. Em 2019, a Coreia esteve a quase 70% (exatamente 68,39%). Mas a Coreia não é um caso único, apesar de ser um caso espetacular. A Malásia saiu de 15,61% em 1960 para chegar a ter 45,36% do PIB per capita americano, em 2019. Enquanto os países asiáticos estão chegando ao futuro antes de nós, o Brasil ainda não superou a década perdida.

Para o Brasil encontrar o seu caminho para o desenvolvimento é preciso primeiro que o setor público deixe de ser um entrave ao desenvolvimento e passe a ser um parceiro do setor privado. Fazer reformas que ajustem as contas públicas para garantir uma taxa de juros baixa, deixando de competir (de forma desleal) com o setor privado pela poupança interna e externa já é um começo. E investir naquilo que é cada vez mais estratégico: capital humano, gente capaz de aprender, produzir e criar coisas diferentes. A sociedade, e não só o governo, precisa entender que investir em capital humano significa também garantir as mesmas oportunidades a todas as crianças, não importando se nasceram em um palacete ou na favela. Dar as mesmas oportunidades de competição para empresas de capital nacional ou estrangeiro, instaladas aqui ou alhures. Além disso, nós temos que ter políticas que protejam aqueles que se arriscam ao criar negócios. A destruição criativa faz parte de uma economia avançada e dinâmica, o risco é inerente ao capitalismo, portanto, quebrar e falhar, não deve ser punido como se o empreendedor fosse um bandido. O instituto da responsabilidade limitada tem que ser sagrado. Casos de suspeita de fraude devem ser investigados e punidos caso comprovados, mas têm que ser a exceção, não a regra.

Se a sociedade adotar esses valores, os futuros governos irão desenvolver políticas públicas alinhadas a esses valores e estaremos mais perto de encontrar um fast track rumo ao desenvolvimento econômico e social. Esses valores podem ser chamados de Liberalismo.

*Josilmar Cordenonssi Cia é graduado em Economia, mestre e doutor em Administração de Empresas. É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie


Matias Spektor: Bolsonaro pressiona Venezuela, mas plano tem falhas

Governo brasileiro precisa recorrer a medidas que reduzam a dependência de Juan Guaidó

O governo Bolsonaro começou a entregar sua promessa de redobrar a pressão contra a ditadura venezuelana.

O Brasil reconheceu Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional em Caracas, como o legítimo chefe de governo venezuelano. No Twitter, o chanceler Ernesto Araújo aproveitou para chamar Nicolás Maduro de “ex-presidente”.

Poucas horas depois, os americanos fizeram o mesmo. Aproveitando o movimento, o vice-presidente Mike Pence prometeu apoiar o povo venezuelano, caso ele “levante a sua voz num pedido de liberdade”.

Os protestos de rua ocorridos nesta quarta-feira (23) contra Nicolás Maduro só dão fôlego adicional ao Palácio do Planalto. Nos próximos dias, numerosos países seguirão a coalizão sul-americana a reboque.

A implicação imediata disso tudo é elevar o passe de Bolsonaro junto ao governo dos Estados Unidos. O presidente brasileiro se apresentará como esteio da estabilidade regional.

Se a tese segundo a qual Guaidó é o melhor caminho para uma transição democrática ganhar força, também sairá fortalecido o ministro das Relações Exteriores, um de seus mais ativos artífices.

O problema é que essa estratégia tem um problema.

​Guaidó está longe de ser uma liderança consolidada. Ele não conta com base ampla nem controla as ruas. Seu programa de governo é vago, utópico e não oferece plataforma crível para a construção da coalizão que será necessária num esforço de restauração da democracia.

Por isso, o Brasil precisa complementar esse trabalho com outras medidas que reduzam a dependência de Guaidó.

A primeira é a necessidade urgente de diálogo entre o Brasil e as Forças Armadas venezuelanas. Hoje, esse canal não existe, mas não há saída para a crise do país vizinho que exclua os militares.

A construção desse canal também importa porque, ao menos no primeiro momento, Maduro vai redobrar a repressão contra a população.

A segunda medida diz respeito à construção de pontes com aqueles líderes políticos venezuelanos que têm máquina e influência real.

Muitas vezes, trata-se de gente jovem que, outrora chavista, se posiciona agora contra Maduro. Os governadores das províncias de Miranda e Carabobo são exemplos disso.

Se houver um levante popular generalizado e duradouro, então essa gente terá papel decisivo na construção de soluções para a crise no futuro.

Por fim, está a questão da China e da Rússia, as duas potências que ainda apoiam o regime venezuelano. A capacidade brasileira de pressionar esses países é quase nula. Mas o argumento de que eles ganharão mais sendo parte da solução do que do problema precisa ser feito um dia. Esta é uma boa hora para começar.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Míriam Leitão: Ainda em crise

Treze milhões de brasileiros estão procurando emprego e não encontram. Por incrível que pareça, essa é a notícia boa, porque de março deste ano a setembro caiu em 1,2 milhão o número de desempregados, segundo o IBGE. Mesmo na queda de 13% para 12,4% da taxa de desemprego, em três meses, há pontos negativos, como o aumento da informalidade.

“O mercado de trabalho está em recuperação. Mas qualitativamente ela é muito ruim, com muito trabalho por contra própria e informal. São empregos de menor qualidade”, diz o economista Bruno Ottoni, da FGV.

Na visão do economista, especialista em mercado de trabalho, o ritmo de recuperação do emprego está muito abaixo do necessário para o país sair da crise em que está, até porque os empregos criados são no mercado informal. Os números do IBGE mostraram queda de 810 mil vagas com carteira assinada em relação há um ano e aumento de 1,1 milhão de trabalho por contra própria, no mesmo período. Nem sempre o trabalho por contra própria é precário, porque pode ser o resultado do desejo de empreender. Mas, numa conjuntura como esta, a criação de negócios próprios é, em geral, decorrente das muitas demissões.

A FGV tem projeções de melhora do mercado de trabalho, mas elas foram ficando piores nas últimas revisões. Haverá queda do desemprego, mas será lenta. A Fundação prevê 12,2% no fim deste ano e 11,7% em dezembro do ano que vem. O país chegará ao fim do governo Temer com 12,3 milhões de desempregados, pouco abaixo do nível atual.

Mas, antes de melhorar, piora de novo. É que nós estamos agora em plena temporada de recuperação de vagas no mercado de trabalho. Sazonalmente, o desemprego cai no segundo semestre e volta a subir no começo do ano, quando são dispensados os temporários do comércio e novos profissionais recém-formados chegam ao mercado de trabalho. No começo do ano que vem, segundo Ottoni, o desemprego pode voltar a atingir a marca dos 14 milhões.

Este é um tempo misto de boas e más notícias. Neste momento, há vários indicadores de melhora da economia. A FGV já comunicou oficialmente que o Brasil saiu da recessão. A melhora da atividade econômica normalmente demora a chegar ao nível de emprego. Na conjuntura atual, em que o país vive um grau elevado de incerteza política, a recuperação dos postos de trabalho será mais devagar.

O Banco Central divulgou ontem a ata do Copom deixando a indicação de que os juros vão continuar caindo na última reunião do ano. Ainda que em um ritmo menor. Se caírem 0,5 ponto já será a menor taxa de juros da era do real. Mesmo assim, os juros são altos, principalmente na ponta do tomador do crédito.

Um dado positivo dos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios foi o crescimento de 3,9% da massa de rendimento real. Esse indicador é a soma de todos os salários da economia. Em um ano, houve aumento de R$ 7 bilhões, o que ajudará o consumo e também a redução das dívidas das famílias. Se a queda dos juros chegasse à ponta do consumidor, ajudaria bastante essa retomada.

A deterioração do mercado de trabalho foi avassaladora. O país tinha pouco mais de seis milhões desempregados ao fim de 2014. Logo depois começou uma escalada que foi até 14 milhões. De lá para cá, tem caído muito lentamente. Mas os números confundem. O desemprego caiu nos últimos meses. Estava em 13% em junho. Mas quando a comparação é feita contra o ano passado, nesta mesma época, há um aumento do percentual de pessoas desocupadas. Em setembro de 2017 a taxa de desemprego estava em 12,4%, no mesmo período de 2016 era de 11,4%. Pode parecer estranho, mas nesta comparação anual houve aumento do desemprego e elevação de pessoas trabalhando, ao mesmo tempo. É que a população economicamente ativa subiu, com a entrada de novos jovens no mercado.

Toda a comemoração deve ser relativa quando o assunto é mercado de trabalho. Ele permanece em instabilidade. De agora até o final do ano vai melhorar um pouco pelos temporários e pela sazonalidade. Mas o mercado de trabalho continua sendo o maior drama da economia brasileira, apesar de os dados mostrarem o aumento da população empregada.

 


Luiz Carlos Azedo: A sobrevivência da espécie

A corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país

O gene egoísta, de Richard Dawkins (o autor de Deus, um delírio), é considerado o livro científico mais influente de todos os tempos, batendo, inclusive, sua fonte de inspiração, o seminal Origem das espécies, de Charles Darwin, segundo pesquisa da Royal Society, que comemorou 30 anos de sua premiação de livros em junho passado. Dawkins é considerado “reducionista” pelos cientistas criacionistas, mas sua tese faz sucesso entre os neodarwinistas: para ele, somos uma “máquina de sobrevivência” de um gene cujo objetivo é a autorreplicação, isto é, a perpetuação da espécie.

Analisando a reprodução sexuada dos animais, Dawkins busca uma explicação para a convivência entre o egoísmo dos genes e o altruísmo das espécies, que seriam uma espécie de “cluster” biológico que garantiria a sobrevivência e replicação de ambos. Para isso, tem papel decisivo a “meme”, conceito que ele utiliza para explicar como o gene transmite de uma geração para outra a memória ou o conhecimento nato de cada espécie, a começar pelo chamado instinto de sobrevivência.

Por exemplo, o cuco é uma das espécies mais egoístas que existem: procria, mas não educa os filhos; põe os ovos no ninho de outras aves, aproveitando sua ausência. Quando o danado do cuco nasce, joga os demais ovos fora do ninho, matando os filhotes legítimos para ser criado no lugar deles. Só mesmo a “meme” explicaria o fenômeno. O conceito é adotado por antropólogos no estudo das religiões e sociólogos no estudo de sistemas políticos, utilizando modelos matemáticos, para explicar certos comportamentos e a disseminação de ideias.

Ninguém sabe direito o que vai acontecer nas eleições de 2018, tamanho o desprestígio ou desconhecimento em relação aos partidos. Segundo as pesquisas, o eleitor “fulanizará” as eleições em todos os níveis e haverá um Deus nos acuda nos partidos. A tese de Dawkins se aplica, por analogia, aos nossos políticos e seus partidos. Na disputa eleitoral do próximo ano, os grandes partidos servirão de “arranjo institucional” para salvar seus líderes do desgaste da Operação Lava-Jato; os pequenos partidos, que estão condenados ao desaparecimento gradativo, servirão de salva-vidas para que seus lideres sobrevivam no Congresso. Os políticos se comportam naturalmente como genes egoístas. Raros são os líderes altruístas.

Descrença 

Por que o Deus nos acuda? “A taxa de rejeição é grande, e a taxa de rotatividade deve ser imensa nessa eleição. Tudo aponta para uma eleição que vai ser um momento pivotal da política brasileira, como poucos nós tivemos”, comenta o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Aurélio Ruediger, que coordenou a pesquisa “O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro”.O descolamento da sociedade em relação ao Congresso Nacional e ao Executivo ficou patente no levantamento.

Entre as 1.568 pessoas entrevistadas, 83% afirmaram não confiar no presidente da República (o levantamento não cita Michel Temer); 79% disseram desconfiar dos políticos eleitos; e 78% reforçaram que não confiam nos partidos. Além disso, 47% afirmaram que o país estaria melhor sem as legendas. Segundo Marco Aurélio, a redemocratização do país (1989), a eleição do Fernando Henrique Cardoso (1994) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2002) foram momentos semelhantes. “Então, 2018 está se armando como um grande palco no qual uma série de ajustes e contas para fechar vai ser resolvida. Ou seja, qual rumo o país vai ter? Qual configuração política vai liderar esse rumo? E qual a expectativa eu vou ter para o Brasil no futuro?”, indaga.

Na pesquisa, 55% dos ouvidos rejeitaram a possibilidade de escolher o mesmo candidato à Presidência em quem votaram nos pleitos anteriores. Os percentuais se mantêm no mesmo patamar para governador (53%), senador (52,4%) e deputado federal (51%). Será um tsunami eleitoral. Porém, a pesquisa confirma a tese de que a população tem antipatia pelo governo, mas não se dispõe a ir para a rua defender seu impeachment, porque acredita que pode resolver o problema pelo voto: 65% concordaram com a frase “mais importante do que protestar nas ruas é votar nas eleições”.

O levantamento indica que a corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país. A população também tem uma percepção negativa sobre a economia, ainda que os índices demonstrem a queda da inflação, da taxa de juros e do desemprego.

Para 63,9% dos ouvidos, o pior momento da crise econômica ainda está por vir, embora nada indique que o país caminhe nesta direção. O percentual aumenta nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ou seja, há um descolamento total entre os indicadores da economia e a percepção da população. O estudo foi realizado pelo Ibope, contratado pela FGV, entre 19 e 24 de agosto. O nível de confiança do levantamento é de 95%, com margem de erro de dois pontos percentuais.


Pobreza extrema no País só deixou de existir na propaganda do PT, mostra estudo da FGV

O fim da fome e da miséria extrema no Brasil só acabou na propaganda do PT, mostra levantamento do Centro de Estudos de Política Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) divulgado na edição semanal da revista Veja.

Coordenados por Marcelo Neri, os novos estudos “indicam que os miseráveis – aqueles que não deveriam mais existir em 2016 – estão, na verdade, prestes a aumentar”, ao contrário da pregação mediática do governo petista de que o País  erradicaria a extrema pobreza neste ano.

Os dados que mostram o “fenômeno”, segundo o levantamento, são a “queda inédita e simultânea de dois índices importantes no último trimestre de 2015: o da renda da população e o da ‘taxa de equidade’, que mede quanto o país está mais igual – e, portanto, menos desigual.”

Outro estudo da FGV, de acordo com Veja, aponta ainda que até “o fim de 2016, a renda per capita dos brasileiros deve recuar quase 10% em relação a 2014”.