Fernando Gabeira
Fernando Gabeira: Deportação em tempo de bananas
Se a sucessão de erros de Bolsonaro der certo, creio que estaremos diante de um milagre
Num espaço de dias, Bolsonaro deu uma banana para a imprensa e agrediu com piada de sexo a jornalista Patrícia Campos Mello. Quanto às bananas, Bolsonaro costumava discursar sobre elas, em defesa dos plantadores do Vale do Ribeira.
Andei por lá, entrevistando as pessoas, e percebi um grande potencial, até de industrialização. Mas não constatei nenhuma política de estímulo para o setor. Bolsonaro deixou as bananas concretas e passou a usar as simbólicas. É constrangedor conviver com um presidente que dá bananas e pode até pôr a língua de fora.
Da mesma forma, é constrangedor ver um presidente que se diz evangélico usar os termos que Bolsonaro usou contra Patrícia. Muito provavelmente um evangélico anônimo jamais faria piadas desse teor. Bolsonaro despojou-se da dignidade do cargo e da dignidade implícita numa visão religiosa.
Como ele é o presidente, ainda é necessário falar dele, não no nível que propõe, mas chamando a atenção para problemas sérios, de que se omite. Um deles é a perspectiva de deportação de 28 mil brasileiros que trabalham ilegalmente nos EUA. Um fenômeno inédito em nossa História. A posição de Bolsonaro limitou-se a reconhecer que a lei norte-americana está sendo cumprida.
Sua visão política se alinha com governos com clara política antiemigração, como da Hungria. Não se esperava dele nenhuma tentativa de negociar essa deportação em massa.
Qualquer outro governo dificilmente o conseguiria, sobretudo neste período de eleições nos EUA. No entanto, é possível negociar a forma dessa deportação. Notícias vindas de abrigos no México indicaram que os brasileiros estão sendo maltratados e até as crianças são castigadas com suspensão de comida. É possível constituir um grupo para acompanhar esse processo e negociar com os americanos os termos mais adequados para a nossa dignidade.
Ah, eles são ilegais. É verdade. No entanto, muitos deles trabalham em atividades legais e necessárias na economia americana. Grande parte economiza dinheiro para enviar para o Brasil. Outros poupam para investir quando aqui chegarem.
Tive a oportunidade de visitar Governador Valadares e ouvir muitos deles. A saúde econômica da cidade dependia muito do dinheiro que vinha do exterior. Academias, lanchonetes, lojas foram abertas com a poupança de longos anos de trabalho.
Não me parece razoável a omissão do governo só porque eles são ilegais. Muito menos o silêncio da oposição, que não consegue acompanhar os fatos.
Fomos capazes de montar uma estrutura para os venezuelanos, uma Operação Acolhida, algo que sempre elogiei nas minhas reportagens. Não era necessário o mesmo tipo de acolhida. Porém, uma vez que são trabalhadores, muitos deles talentosos, era possível um esforço para realocá-los no mercado.
Nada foi feito, sob o argumento de que se trata de ilegais. Mas são brasileiros, esperavam uma chance de legalização. Nem todos começaram sua trajetória nos EUA de forma legal.
Toda essa indiferença pode custar caro. É possível que o processo de deportação se intensifique. Às vezes, uma foto de uma criança sofrendo pode mudar. Aliás, o New York Times publicou uma longa reportagem sobre o poder dessas imagens. Uma delas era de uma criança nicaraguense chorando diante da polícia.
Acho perfeitamente viável que dois países aliados negociem os termos de deportação de 28 mil pessoas. Exercer a influência nacional para que tenham tratamento digno é tarefa inescapável.
Bolsonaro pode dar uma banana para essa tese, envolto nas lutas ideológicas, num clima eleitoral. Ele supõe que essas agressões o mantenham ligado ao seu eleitorado.
Existe uma parte do eleitorado que, tanto aqui como nos EUA, valoriza o que considera a sinceridade de seus líderes, um contraponto à linguagem política clássica. Mas há limites, mesmo para esse eleitorado. Cada vez que Bolsonaro dá uma banana para a imprensa, ele pode até pensar que a enfraquece. Mas, na verdade, está se desqualificando e rumando para o isolamento.
Afastou os governadores do Conselho da Amazônia e entrou em choque com o governo da Bahia, disputando a versão da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. É uma tática que vai reduzi-lo à dimensão de uma extrema direita no Brasil, sem chances majoritárias. Assim mesmo, a própria extrema direita pode produzir gente mais qualificada.
Quando um presidente trabalha tanto para o próprio isolamento, a melhor tática para combatê-lo é isolá-lo ainda mais, aproveitando o próprio impulso. Com os últimos acontecimentos, torna-se mais fácil mostrar a muitos eleitores de Bolsonaro que ele não está preparado para dirigir o Brasil.
Embora procure tratá-los com frieza, os fatos são impressionantes. Jamais imaginei que um presidente desse bananas, ofendesse jornalistas com piadas grosseiras, iniciasse uma batalha em torno da morte de um miliciano, da qual, teoricamente, deveria distanciar-se.
Se essa sucessão de erros der certo, creio que se estaria diante de um milagre. Os termos de razoabilidade política foram estremecidos com as eleições. Mas não foram destruídos, creio eu.
* Fernando Gabeira é jornalista
Fernando Gabeira: Política em tempos de vírus
Para que resposta a uma epidemia funcione na plenitude, é preciso que democracia ande a pleno vapor
Antes que venha o carnaval, aproveito para especular sobre a política e o coronavírus. Ficou um pouco no ar um debate sobre que tipo de governo consegue lidar melhor com a epidemia.
Os chineses fizeram um hospital em dez dias, e alguns analistas acharam que isso era uma vantagem de um governo autoritário: não precisava de trâmites burocráticos da democracia.
Acontece que a própria democracia tem meios de suprimir sua lentidão quando se trata de uma emergência nacional. Os japoneses, por exemplo, demonstraram rapidez na recuperação do país dos estragos provocados pelo tsunami.
Um outro argumento, em muitos textos ocidentais, afirmava que só um país como a China tinha o poder de isolar 12 milhões de pessoas.
Possivelmente, muitos países falhariam em isolar tantas pessoas. No entanto, a própria China falhou de uma certa forma em Wuhan. Cinco milhões de pessoas deixaram a cidade, segundo o prefeito demissionário, antes que ela fosse isolada.
Um dos fatores que dificultaram Wuhan reconhecer a expansão do vírus era precisamente o medo da burocracia local de comunicar à burocracia nacional um fato tão grave. A tendência é esconder. O medico Li Wenliang, que chamou a atenção para a propagação do coronavírus, foi visitado pela polícia política e forçado a admitir que propagava fake news.
Depois de sua morte, tornou-se um herói popular. Mas o que aconteceu com ele mostra a fragilidade maior dos regimes autoritários ao lidar com esta questão: a falta de transparência.
Há um elo entre transparência e cooperação. O modelo democrático que valoriza a transparência tem melhores condições de atrair a energia popular e avançar com o seu consentimento.
Uma resposta a uma epidemia nunca será perfeita. Entre o viés autoritário e o democrático, continuo achando que o segundo tem mais eficácia.
Mas, para que a resposta funcione na plenitude, é preciso também que a democracia ande a pleno vapor. As autoridades brasileiras, por exemplo, não escondem as grandes tragédias urbanas provocados pela chuva .
No entanto, não assumem suas consequências. Não reconhecem a fragilidade da infraestrutura, não admitem seu longo descaso, muito menos começam a adotar as medidas quase que consensuais entre os que estudam o impacto desses eventos extremos.
Espera-se muito das eleições municipais. Para se desfazer da complicação do tema, diz-se: é um ano de eleição, é preciso escolher bem.
Mas os candidatos pouco podem fazer sem uma compreensão de que o tema transcende ao âmbito municipal. Seria preciso que todas as dimensões do poder se dessem conta. E, é claro, que a própria sociedade se envolvesse na sua autodefesa.
Outro dia vi a história repetida por Bolsonaro sobre a troca de povos, japoneses para cá, brasileiros para lá. O sonho de trocar de povo tem sido recorrente. Na visão onírica, o povo deveria trabalhar e ser disciplinado como os japoneses. E não gastar dinheiro na Disney.
Os dados inquietantes sobre a crise ambiental passam um pouco em branco, como a temperatura de 20 graus na Antártica.
Os acontecimentos na China nos estimulam a buscar saídas para essas armadilhas circulares: o governo sonha com outro povo, o povo sonha com outro governo.
Assim como nas cidades, a resposta transcende à escolha eleitoral. Pede mudanças mais amplas. Na verdade, uma adaptação à nova realidade.
Não pretendo esgotar o tema, muito menos diminuir a importância das eleições. Mas só uma grande transformação cultural dará conta dessas mudanças que alteraram as bases da vida no planeta.
Mesmo sem mitificar a ciência, já no princípio do século, achava que o caminho de uma política adequada dependeria de uma sólida aliança com os cientistas.
Hoje, ao ver um governo que se distancia deliberadamente da ciência, não creio que o obscurantismo triunfou. Ele apenas torna mais difícil uma tarefa que, mesmo ao lado do melhor conhecimento científico, é uma das mais complexas que a imaginação política já enfrentou.
Fernando Gabeira: Vocabulário da crise
Chegamos a uma situação difícil de superar. Não só os milhões de litros de esgoto, mas as estações de tratamento paralisadas
Ao chegar ao Rio, fui a um restaurante e na hora do café senti um gosto estranho. Era geosmina, palavra grega. Lembrei-me de que o arroz também já não era mais o mesmo. A geosmina não se limitava a transformar a água de banho. Agora seria um novo componente do próprio corpo.
Andando pelas ruas de Ipanema, vejo que a chuva alagou as ruas; o esgoto, em alguns pontos, está de novo a céu aberto.
Ocorre-me uma outra palavra nova. Foi criada pelo escritor americano Glenn Albrecht: solastalgia. É uma combinação em inglês que une duas palavras, solace, consolo, com nostalgia do conforto, sentimento de desolação diante da perda de uma paisagem familiar por incêndio, inundação ou outro desastre. No caso do Rio, a corrupção endêmica.
No meio da semana, escrevi um artigo sobre coronavírus, afirmando que vivemos um novo tempo. Os negacionistas vão dizer sempre que nada mudou, houve pestes no passado, falta de água no Rio; o mundo para eles é apenas uma repetição mecânica.
Refleti um pouco sobre o grande livro de Albert Camus, “A peste”. Ele volta à agenda de discussões porque é uma alegoria da ocupação nazista de Paris, uma referência à guerra. No livro, Camus, através de um personagem, afirma que o bacilo da peste nunca morre, ele adormece nas gavetas, nas nossas roupas, esperando o momento para ressurgir.
Quem se concentra apenas na interpretação política poderá entender que o bacilo do nazifascismo pode sempre despertar. Basta ver o discurso de Roberto Alvim ressuscitando as ideias de Goebbels.
No entanto, há uma transformação que poderia também alcançar a releitura de “A peste”. De Camus para nossos dias, os perigos biológicos aumentaram muito. Bill Gates tem se dedicado a demonstrar que as pandemias podem matar muito mais que as guerras.
Quando me atenho a uma leitura biológica do texto de Camus, constato de fato que os bacilos a que se refere, de uma certa forma, nunca morrem. A febre amarela, por exemplo, deu as caras de novo no Brasil; da mesma forma, o sarampo. Estavam apenas adormecidos.
O texto de Camus é muito mais do que uma alegoria política ou mesmo uma reflexão sobre riscos biológicos. Ele trata de relações humanas nessas crises que nos levam ao limite.
Certamente, numa Wuhan semideserta muitos dramas e conflitos éticos estão em curso. Aqui mesmo no Rio, a leitura mais produtiva da crise da água não passa pela geosmina nem pelos milhões de litros de esgoto que chegam às estações do Guandu.
Como em “A peste” de Camus, os primeiros sinais aparecem com os ratos mortos. No Rio, foram os indícios de corrupção e incompetência que surgiram lá atrás, pouco notados antes do fim do governo Cabral.
No caso da água, chegamos a uma situação difícil de superar. Não somente os milhões de litros de esgoto, mas as estações de tratamento paralisadas na Baixada Fluminense, tudo isso demanda recursos.
Há uma longa discussão sobre privatizar ou não. Defensores da presença do estado argumentam que a Cedae dá lucros. Mas lucros para nós talvez não sejam a questão essencial.
O problema central é a eficácia; há cidades que privatizaram o serviço e se deram bem. Outras se dão bem com o modelo estatal. Os ratos começam a aparecer mortos quando questões que demandam competência e seriedade são entregues ao apetite político partidário.
Essa é a historia antiga que precisa ser mudada. Resolvê-la pela privatização ou pela seriedade administrativa é uma tarefa que deveria apaixonar os dois lados da discussão.
No entanto, as saídas demandam muito dinheiro, parte dele consumido nas farras de Cabral, nas fortunas enviadas para o exterior, nas migalhas distribuídas entre os cúmplices.
Bacilos, micróbios, vírus e bactérias — tudo isso assombra num mundo moderno e interligado. Mas é no personagem de um bispo que se fecha com provisões para enfrentar a crise e abandona seu povo que Camus mostra a importância da miséria humana nas tragédias coletivas.
Ele escreveu no Pós-Guerra. De lá para cá, cresceram os perigos biológicos, e nada indica que a humanidade tenha ampliado seu impulso solidário.
A geosmina e a solastalgia são a herança dos sobreviventes.
Fernando Gabeira: Chuvas de verão
Só agora grande parte das pessoas compreende que é preciso se adaptar à natureza, crescer sem violentá-la
Desde menino vejo as chuvas de verão. Para dizer a verdade, nasci numa delas e, segundo meu pai, era preciso se deslocar de canoa nas ruas do bairro. Talvez seja por isso minha ligação com essas chuvas. Cobri inúmeras, algumas delas dolorosas, como a da Serra Fluminense, em janeiro de 2011. Até hoje as fotos me emocionam, algumas delas nem tive coragem de publicar.
Às vezes o acaso me aproxima das grandes tormentas. Estava em Florianópolis quando passou o furacão Catarina. Houve uma rápida discussão sobre o nome, ciclone ou furacão? A verdade é que a partir de certa velocidade dos ventos, o nome não importa; é preciso agir.
Ali aprendi que não estávamos assim tão indefesos diante do furacão. Bastava olhar para o Caribe, onde a experiência acumulada daria uma ajuda. Foi possível produzir uma cartilha baseada na experiência caribenha, orientar a população.
Esta semana vi uma cena fantástica filmada em Belo Horizonte. Pessoas jantando num restaurante e vendo carros arrastados pela correnteza.
Grandes chuvas e eventos extremos podem ter acontecido antes. O problema é que são mais frequentes.
Ao longo desse tempo, não posso dizer que o Brasil está totalmente desprevenido. Novos instrumentos como a internet aumentam nosso poder. Numa grande chuva em 2009, experimentei trabalhar toda a noite no Twitter tentando articular as informações. Dentro dos limites, deu certo, foi possível transmitir informação aos bombeiros sobre pedidos de ajuda, divulgar informações úteis.
Não podemos deter as grandes chuvas. Mas o preparo das comunidades é essencial. Há situações que precisam ser planejadas com antecedência.
Lembro-me de uma inundação em Santo Antônio de Pádua. O hospital ficou impraticável. Inclusive a máquina de hemodiálise. E agora? Quem precisa, quem não precisa de hemodiálise? Como tirá-los daqui? A retirada para o Espírito Santo foi por helicóptero.
Daí a necessidade nesses novos tempos das comunidades se conhecerem, terem lugar fixo para os barcos, a lista das pessoas com dificuldade de locomoção, os pontos de fuga e abrigo.
A preparação é apenas um dado. Você pode convencer mesmo a pessoa que não acredita no aquecimento global, numa terra redonda, em Darwin ou até na vacina. O mais difícil é a discussão sobre o tipo de desenvolvimento que pode atenuar mais ainda os efeitos das mudanças climáticas.
Belo Horizonte foi uma cidade planejada para domar a natureza, canalizando os rios e estendendo sobre eles seu tapete de asfalto.
As chuvas mostraram que esse não é o caminho. A ideia de domar a natureza, submetê-la aos nossos planos intelectuais, acaba nos levando a um destino trágico. Só agora grande parte das pessoas compreende que é preciso se adaptar à natureza, crescer sem violentá-la.
Mas agora o tempo é muito curto. A ideia de adaptação ganha contornos urgentes. É uma pena que essa preparação para os novos tempos não ocupe a agenda dos políticos.
Certamente falarão disso nas eleições, mas como explicar sua ausência junto às comunidades orientando para a autodefesa?
Não será certamente por eles. É a própria sociedade que aos poucos vai assumindo seu papel. Tenho modesta esperança também num jornalismo preventivo.
Estou esperando passar um pouco a emergência e visitar algumas cidades atingidas, como Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, com uma pergunta: qual o nível de preparação da cidade quando caíram as chuvas? Dessas respostas podem surgir algumas indicações válidas para um universo mais amplo.
Nasci e possivelmente morrerei em tempos de grandes chuvas. Gostaria muito de introduzir na agenda essa preparação do Brasil para os eventos extremos. É o modo de seguir a lição paterna na tempestade: usar a canoa para conviver com as inundações.
A relativa indiferença diante da chuva está no fato de que sempre cai, como as estações do ano se repetem. Mas as chuvas mudam não só de intensidade. Elas caem num mundo cada vez mais alterado pela ação humana, cheio de armadilhas como os rios canalizados em BH.
Fernando Gabeira: A China está próxima
Política ambiental destrutiva quase sempre vem com desinteresse pela segurança biológica
Ainda adolescente comprei meu primeiro manual de jornalismo. Seu autor, Fraser Bond, trazia algumas boas lições práticas. Mas de uma de suas lições, jamais me convenceu. Bond dizia que a morte de um cão na sua rua é mais notícia do que um terremoto na China.
Nada estremece mais seu argumento do que a aparição do coronavírus em Wuhan, a sétima cidade da China, e casos já registrados em vários países do mundo. Ele usou o exemplo do terremoto porque certamente ainda não havia tanta integração no mundo quanto agora, o que transforma a segurança biológica numa agenda internacional inescapável.
O Brasil, como todos os outros países, está em alerta. Isso é essencial num momento em que não é novo. O surgimento de vírus devastadores tem sido uma constante, possivelmente pela degradação do meio ambiente.
É correto olhar para a China neste momento. No entanto, para não desapontar Fraser Bond, não podemos esquecer o que acontece perto do nós.
Foi com esse espírito que levantei semana passada algumas dúvidas sobre o que acontece em Rondônia, mais precisamente no Presídio Monte Cristo. Segundo as notícias, ali quase 100% dos prisioneiros sofriam de sarna. Mas recentemente a situação se agravou, e os prisioneiros têm uma doença que dá a eles a sensação de estarem sendo comidos por dentro.
Era necessário que o governo criasse um núcleo médico capaz de diagnosticar essa doença e tratá-la imediatamente.
Argumentar que são bandidos, escolheram esse caminho, é muito pobre não só do ponto de vista humano, como irresponsável diante da segurança biológica do país.
Os presídios, mesmo os de segurança, não são ilhas totalmente isoladas. Neles, trabalham funcionários em turnos diferentes. Isto significa que se relacionam com as suas famílias. Além disso, há visitas, advogados, inúmeras pessoas que ficam expostas a um perigo.
Como estou em outra parte do Brasil no momento, tenho mais perguntas do que respostas sobre essa doença no presídio de Roraima. Não vi notícias sobre o exame desses presos, o possível diagnóstico da doença. É um agravamento da sarna? Outra doença completamente diferente? O que dá a eles a sensação de serem comidos? Seria uma bactéria? Tem nome? É preciso examinar as pessoas que trabalham no presídio?
Nossas demandas sobre uma política de segurança biológica ainda são centradas na transparência. Chernobyl foi um caso típico de negação das regras do jogo. A China também às vezes é acusada de não revelar as verdadeiras dimensões de algumas doenças.
No entanto, o momento já é também de esperar que, além da transparência, os governantes sejam julgados por sua capacidade de antecipação.
Não se pode comparar a doença no presídio com um coronavírus na China. Mas o alarme na segurança biológica não deve se prender a algum vírus devastador e misterioso.
Lembro-me de que na aparição dos primeiros casos de Aids no Brasil, falava-se que era localizado e atacava apenas a minoria. Felizmente, superamos essas limitações e chegamos a uma política nacional respeitada até fora do país.
Mas o front é muito diversificado. Durante alguns anos, enfrentamos a dengue. Depois apareceram a chicungunha e a zika, esta bastante pesquisada depois de uma passagem assustadora no Nordeste.
Menos falada, a chicungunha também é uma doença séria. Entrevistei alguns atingidos por ela, em Sergipe. Fiquei impressionado com as queixas sobre dores, algumas estendendo-se por um ano.
Apesar de suspeitas, não se pode afirmar ainda que o coronavírus surgiu na crista de algum desequilíbrio ambiental. Mas é evidente que uma política ambiental destrutiva quase sempre vem ao lado de um desinteresse pela segurança biológica.
No Brasil, Paulo Guedes acha que a degradação ambiental é produzida pela pobreza. Mas, na verdade, é a pobre compreensão do problema pelo governo que pode agravar a crise ambiental. Da mesma forma, quando se fala em princípio de precaução, aqui a ideia é de um velho que sai de guarda-chuva num dia ensolarado.
Mas não é isso, o mundo mudou, ficou muito mais perigoso, interligado. O velho professor de jornalismo não sabia disso na sua época. Ignorar essa realidade hoje só torna o mundo mais perigoso ainda.
Fernando Gabeira: Ascensão e queda de Alvim
Predominância da visão de esquerda na cultura brasileira jamais será superada na truculência
O episódio Roberto Alvim me colheu num lugar distante dos grandes centros, em áreas sem conexão. Alegrou-me a ampla rejeição interna e externa ao seu discurso. Mas, infelizmente, Alvim não me surpreendeu.
Ele já havia apontado em artigos sua política, raiz dessa aberração, sustentando que o governo via a cultura como uma plataforma para a defesa de suas ideias. Basicamente, ele nega a autonomia da arte e a vê ora como sua aliada, ora aliada do PT. Portanto, é reduzida a propaganda partidária. E qualquer força política que tente transformar a arte em departamento de propaganda acaba fazendo dela uma divisão de seu exército. Como tinha escrito isso antes, não me surpreendeu que Alvim, com tantos outros nazistas para escolher, se tenha fixado em Goebbels. Era o ministro da Propaganda.
Ao repetir um discurso nazista, Roberto Alvim subitamente buscou um elo para as peças da engrenagem que estavam soltas. Guerra cultural, bombardeio de arte conservadora. É um todo coerente, A arte tem de ser nacional, diz ele. Num mundo cada vez mais interligado, o que significa isso?
No passado já discutimos bobagens sobre a bossa nova. Diziam que não era genuinamente brasileira, tinha influência do jazz. E o rock brasileiro conheceu a oposição contra a guitarra elétrica. Um dos filmes brasileiros mais analisados no exterior é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, sobre o País mudando de cara, diferente da idealização das elites. Temo que um filme como esse fosse combatido pelos que defendem a ideia de que a arte seja nacional, por fugir a seus padrões. Na visão autoritária, o que não é nacional é cosmopolita, alvo de duas forças, o nazismo e o stalinismo.
Essa história de que a arte deve ser heroica é um passo para condenar os dramas do indivíduo, suas hesitações e seus fracassos, e catalogá-los como arte decadente, seja na literatura ou na pintura abstrata. Alvim não disse apenas algo escandaloso. Foi coerente e seguiu os passos lógicos da orientação geral: guerrear na cultura, formular um programa que produza heróis e patriotas. É como se sentiam muitos alemães sob o governo de Hitler.
Como há ainda tantas peças soltas que se podem ligar e produzir uma faísca como o discurso de Alvim, é fundamental contar com a resposta nacional e do exterior. Para mim, é a garantia de que em termos estratégicos esses tresloucados não vão prevalecer. Isso não significa que não possam causar grande mal, antes de sua derrota. Daí a necessidade de pensar cada vez mais numa frente democrática, superar pequenas diferenças, ressentimentos, admitir que estamos em perigo e não bastam reações pontuais.
Um dos pontos que precisam de impulso comum é o reconhecimento da autonomia da arte, que não pode ser reduzida a propaganda partidária. Aparentemente é uma tese simples. Mas na prática ainda há expectativa sobre uma arte engajada, participante e transformadora. Belas palavras, mas o que significam realmente?
Dois autores que nos anos 1960 eram considerados alienados são os que sobreviveram com mais força: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. No caso de Clarice, foi patética a resistência ao intimismo, à descrição subjetiva do mundo – tudo isso a jogava fora da história. E o curioso é que Clarice, numa grande manifestação contra a ditadura, estava lá de mãos dadas com outros artistas, no Rio.
Não que as pessoas não devam ter uma ideia de como deva ser a arte, nem que os artistas tenham de se encerrar numa torre de marfim. O diabo é querer transformar sua visão de arte numa política de governo, numa expectativa de definir seus rumos, marcar seus limites ou até transfigurá-la numa linha auxiliar de partido.
Os artistas sofreram muito sob o comunismo. Visitei o museu de Anna Akhmatova, em São Petersburgo, depois de ler uma história da cultura russa. O que ela sofreu sob o stalinismo, filho preso, bloqueio de trabalho, parece além da capacidade humana. O nazismo mandava para campos de concentração, executava, bania obras.
O princípio que os une é o mesmo: ter uma causa superior a tudo, à qual todos, principalmente os artistas, devem ser unir, sob pena de se tornarem inimigos do país que os fanáticos julgam encarnar. Isso explica como eles associam o rock and roll ao satanismo, ao aborto, dizem que Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles e insultam, como Alvim, uma artista como Fernanda Montenegro. Eles estão em guerra contra o diferente, o que no fundo é contra a liberdade do artista e do indivíduo.
Creio haver uma predominância da visão de esquerda na cultura brasileira. Mas ela jamais será superada na truculência. Esta é a forma de confirmar a supremacia da esquerda: admissão de que só pode ser superada por caminhos autoritários. A única forma com possibilidade de equilibrar o jogo é o embate de ideias na cultura e a aparição de talentos nas artes.
É irreal esperar uma arte conservadora a partir do governo, ou uma arte revolucionária a partir de partidos de esquerda. Há um campo de direita mais sofisticado. Seu avanço no universo cultural pode até ser invalidado por essa visão bélica do governo. É como se Bolsonaro repetisse velha frase, de origem alemã: quando ouço falar em cultura, saco minha pistola.
Para desfazer, com o mínimo de traumas, essa teia perigosa será preciso muita habilidade coletiva. Uma frente, em certos momentos históricos, pode cumprir esse papel.
Fernando Gabeira: As dores do Rio
Não foram os pecados que levaram a cidade à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas
Quase não paro no Rio. É o tempo de matar saudade da família, refazer as malas, obter da emissora o sinal verde para um novo projeto e cair na estrada.
Isso aumenta minha preocupação com a cidade. No fim de semana, assisti ao filme “Coringa”. Parecia ter chegado a Gotham City. O filme começa com a notícia da greve dos lixeiros, a sujeira se acumulando e Gotham sendo tomada por uma grande quantidade de ratos.
No Rio, a notícia era o medo com a contaminação da água, as autoridades pedindo desculpas, especialistas dizendo que não há previsão de normalidade e a água mineral sumindo do mercado.
Em Gotham City, a polícia baixava o pau na multidão fantasiada de palhaço que se indignou com as autoridades e protestava contra os ricos. No Rio, cassetetes, gás lacrimogênio contra uma multidão fantasiada que, ao que parece, queria apenas extravasar sua alegria.
Não é a primeira vez que o Rio se parece com as metrópoles distópicas do cinema. Tive sensação semelhante ao ver “Blade Runner”, que era uma investigação sobre o futuro.
A diferença é que no filme sobre cidades do futuro, a natureza já não tem nenhum papel. Gotham City trata do lixo produzido pelo consumo, as luzes são artificiais, assim como os reflexos que pontuam a narração dramática.
É impossível dissociar a natureza do Rio, mesmo na sua decadência. Talvez seja por isso que, no meio da década de 50 do século passado, Rubem Braga escreveu sua célebre crônica “Ai de ti, Copacabana”.
Nela, muito antes de se falar da elevação do nível dos oceanos, Copacabana é tomada pelo mar. Robalos e garoupas sobem nos elevadores, siris comem cabeças de homens no prato, peixes escuros nadam na maré fétida.
Naquele texto memorável, Copacabana era punida pelos seus pecados. Hoje, os pecados talvez tenham se transformado. Os rapazes maliciosos do passado andavam de lambreta, hoje um veículo de avôs e tios mais velhos. As moças passavam óleo no corpo, hoje Deus sabe o que tragam os corpos juvenis.
A distopia do saudoso Rubem Braga, no entanto, não está tão distante da realidade. O aquecimento global eleva o nível dos mares, dizem os cientistas, diante do ceticismo de alguns. E os pecados estão sob controle do novo prefeito, que é um pastor evangélico.
A cidade se decompõe sob orientação divina. Muitos se salvarão após a morte, uma tendência do Rio que se estendeu ao Brasil com a eleição de um presidente terrivelmente evangélico.
É nosso o reino dos céus, mas aqui embaixo as grandes distopias terão de ser pensadas com as forças naturais, a elevação dos mares, os incêndios nas florestas, os rios envenenados pelas barragens de minério, as pessoas fazendo a guerra pela água que restou.
A luz artificial de Gotham City oferece grandes recursos para narrar o drama da decadência. No Rio, será preciso pesquisar muito a luz natural para encontrar o tom exato e descrever o apocalipse.
Não é como alguns filmes de época que tratam da decadência com elegância. Será preciso seguir a trilha do velho Braga: peixes, pássaros, árvores e flores boiando na desordem geral.
Claro que esses filmes não descrevem o fim de tudo. Apenas alertam para ele, estimulam as pessoas a evitar, ou no mínimo retardar, o processo de dissolução.
Metrópole cultural, o Rio não é apenas natureza. Existem nele forças que podem erguê-lo de novo.
Que me desculpem os moralistas de ontem e de hoje, mas não foram os pecados que levaram o Rio à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas. A cidade prosperou como um oásis liberal para os de dentro ou fora do país.
O óleo na pele das meninas da praia serve apenas para acentuar o bronzeado. O óleo embaixo da terra ou no fundo mar pode nos viciar e inibir alternativas estratégicas.
Quando chove em Ipanema, atualmente, as ruas ficam tomadas por esgoto e lixo. Não creio que seja um castigo divino porque homens ou mulheres andam de mãos dadas na Farme de Amoedo. O grande pecado abaixo do Equador é a incompetência.
Às vezes, dá vontade de rir como o Coringa ou chorar como uma criança diante da própria fragilidade. Mas isso tudo é cinema. Na vida real, temos saídas.
Fernando Gabeira: Um louco mundo em chamas
O desenvolvimento de uma sólida e bem equipada Defesa Civil pode ser um objetivo alcançável, se houver uma concentração de forças nessa tarefa
Outro dia, num artigo, reproduzi uma frase do sociólogo Ulrich Beck em que ele afirma que as coisas estão mudando tão rápida e amplamente que as pessoas têm a impressão de que o mundo ficou maluco.
Pois acrescento outra impressão inquietante: a de que o mundo está pegando fogo. Com causas e consequências diferentes, três grandes incêndios assustaram o planeta: Amazônia, Califórnia e Austrália.
O grande incêndio da Austrália foi mal compreendido pelo governo brasileiro, que provocou as ONGS e artistas: por que não se manifestam?
Ilusão. No momento em que escrevo, de Pink a Elton John, os artistas já doaram US$15 milhões aos bombeiros de South Wales e Victoria, as regiões mais atingidas pelo fogo.
“Imprecionante”, como diria o ministro Weintraub. Acontece que a reação do governo australiano foi parecida com a do brasileiro, ao afirmar que eram incêndios frequentes e regulares nas regiões atingidas.
O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, interrompeu suas férias no Havaí, mas ainda assim foi severamente criticado nas regiões devastadas.
Seu governo não se prepara para as consequências do aquecimento global. A própria oposição está de mãos atadas porque as forças políticas dependem das forças que produzem carvão e gás. Para completar a visão do sistema, a mídia, dominada por Rupert Murdoch, tende também à negação das importantes mudanças climáticas.
Alguns cientistas impressionados com o processo acham que entramos na era do fogo, a qual chamam de Piroceno.
Acontece que não estamos apenas sob impacto de grandes incêndios, mas de eventos extremos, tempestades, furacões, secas prolongadas.
Isso acontece num mundo que reage à tese do aquecimento global, e às conquistas da ciência de um modo geral. É uma tendência ampla que não se limita a negar o aquecimento, mas se estende ao movimento antivacinação e, na sua face mais radical, chega ao terraplanismo.
Não há o que fazer, exceto seguir argumentando pacientemente. Mas talvez fosse necessária uma inflexão tática.
Ao invés de convencer sobre o aquecimento global, centrar a discussão nos eventos extremos que se sucedem.
Mesmo quem não acredita em aquecimento global pode ser convencido de que os desastres naturais são cada vez mais frequentes e é preciso uma séria preparação em escala nacional.
Isso não tem nada a ver com esquerda ou direita, muito menos é uma doutrinação do marxismo internacional.
Talvez seja possível obter dessa corrente de céticos, e até adversários da ciência, algum tipo de compromisso sobre o fortalecimento de uma Defesa Civil nacional.
Embora os dirigentes atuais sejam muito decididos a combater a ideia de aquecimento ou mudanças climáticas, um certo pragmatismo tem chance no Brasil, independentemente da posição deles.
Tive a impressão de que, depois das grandes inundações em Blumenau, a Defesa Civil de Santa Catarina se organizou melhor e se tornou uma das mais eficazes do país.
Os bombeiros de Minas Gerais, depois de tantos desastres com barragens, transformaram-se, por sua vez, numa referência internacional nesse tipo de intervenção.
Num mundo que parece maluco e prestes a se consumir em chamas, é muito difícil convencer com grandes ideias, embora os governos não param de se reunir para debater o tema.
O desenvolvimento de uma sólida e bem equipada Defesa Civil pode ser um objetivo alcançável, se houver uma concentração de forças nessa tarefa, aparentemente, modesta.
O interessante é que isto diz respeito apenas parcialmente ao governo e ao Parlamento. É essencial preparar a sociedade em todos os níveis. Não alcançaremos o rigor e a disciplina dos japoneses.
Mas também não somos os vira-latas que os pessimistas acreditam que somos. Há experiências pontuais de comunidades de risco que já sabem quem precisa de ajuda na hora crítica, onde estão guardados os barcos, para onde fugir quando necessário.
Enfim, a sensação que tenho é que, se baixarmos a bola, temos mais chance de chegar ao gol, apesar das exasperantes dificuldades da partida.
Mas, se tivéssemos tido a intuição de criar realmente um grande front pelo saneamento básico, o atraso não seria tão pesado como é hoje.
Não trabalho com a tese de uma coisa ou outra. Apenas acho que é preciso definir o possível e o necessário em cada momento e não se perder apenas nas belas ideias gerais.
Fernando Gabeira: O arquiteto do imprevisível
Suleimani era um dos artífices da repressão aos manifestantes contra o regime do Irã
Tantos votos no fim de 2019 de que o ano novo fosse leve, e ele praticamente começou com as bombas sobre o carro do general Suleimani, no Iraque. De novo a tensão, o medo da guerra e tonitruantes ameaças.
Com a humildade de quem não conhece os meandros da política no Oriente Médio, meu primeiro impulso foi entender a estratégia de Trump. Recorri aos especialistas, mas não foram poucos os que admitiram incompreensão diante dos passos do presidente dos EUA. O que ele quer adiante, como vai desdobrar esta crise por ele agravada?
O próprio Trump afirmou que não estava começando uma guerra, e sim tentando acabar com um conflito. Dois tipos de debate surgiram: os que valorizam ou condenam a ação do Trump e os que, simplesmente, se limitam a perguntar se foi sábia a sua decisão.
Há uma longa história de atritos entre EUA e Irã, mortes, sequestros, derrubada de aviões. Por que agora Trump deu um passo que nem Bush nem Obama ousaram arriscar?
Havia uma tensão crescente, morte de um americano, bombardeio das guerrilhas xiitas no Iraque, invasão da embaixada americana. Era uma sucessão de escaramuças, mas não completamente estranha às relações dos dois países.
Assim como é difícil entender por que Trump decidiu isso agora, também é difícil prever todas as consequências.
Não creio que o Irã, apesar da pressão popular, vá retaliar cegamente ou mesmo abrir várias frentes de luta contra os EUA. Seus líderes são experientes, embora alguma resposta tenham de dar imediatamente.
Suleimani era um dos artífices da repressão interna aos manifestantes contra o regime iraniano. Sua morte uniu o país e, certamente, esvaziou, no momento, os anseios democráticos de uma parte da população. Sua influência se estendia às milícias do Iêmen e do Iraque, aos governos na Faixa de Gaza, na Síria e no Líbano, onde o Hezbollah também é forte.
No entanto, até agora houve apenas duas reações políticas consideráveis. No Iraque, houve a decisão da retirada das tropas americanas, decisão cujo modo de realizar ainda é incógnito. Por seu lado, Teerã anunciou que deixaria o acordo nuclear costurado por Obama com a participação da Europa. Trump já se desligou dele em 2018, abrindo o caminho para seu fracasso.
Não só pela clássica hostilidade entre EUA e Irã, a política norte-americana na região não é fácil de ser formulada. Obama tentou um caminho conciliatório, baseado em negociação. Mas dois importantes aliados, Israel e Arábia Saudita, não aprovavam esse enfoque. O próprio Obama ordenou a execução de muitos oponentes usando drones. No seu governo, Osama bin Laden foi despachado deste mundo. Mas os executados por Obama eram considerados terroristas e, sobretudo, não tinham cargos em governo, como Suleimani, nem eram tratados como heróis nacionais.
É essa linha que Trump ultrapassou, linha que, submetida ao Congresso, talvez tivesse enormes dificuldades de aprovação.
Ainda não conhecemos as consequências. Mas Trump arriscou um passo perigoso quando ameaçou destruir os bens culturais do Irã. Apesar da simpatia que desperta entre seus adeptos e admiradores, incluído o governo brasileiro, Trump isolaria dramaticamente os EUA se rebaixasse o país ao nível dos taleban ou do Isis, que destruíam, sorrindo, obras caríssimas à humanidade.
Em primeiro lugar, romperia com a própria posição americana, que respaldou em 2017 a condenação ao bombardeio do legado cultural dos países em guerra. Mesmo dentro dos EUA, não sei se seria respaldado nessa decisão. Vi uma entrevista de fonte do Pentágono dizendo que não tinham planos de atacar alvos culturais. Não deixa de ser um apelo do tipo: não nos meta nessa empreitada.
Se um simples articulista tem de estudar e tomar certas precauções diante de um quadro complexo e dinâmico, imaginem um país. Se me lembro bem dos tempos da política, a fórmula clássica é estimular a distensão e reforçar os votos pela paz e pela solução pacífica dos problemas. Mesmo sem entender bem o quadro, é uma declaração que não tem como comprometer o País.
É compreensível que Bolsonaro e seu ministro tenham tomado uma posição de apoio a Trump, se levamos em conta suas ideias. Entra aí uma questão que cansei de criticar no PT: a política externa não é uma decorrência direta das ideias de um presidente ou de um partido. Ela se move de forma mais cautelosa, porque representa uma política nacional, certo tipo de consenso que tem um passado e, certamente, um futuro.
Na cabeça de Bolsonaro, as coisas funcionam assim: o PT apoiava Cuba e Venezuela, ganhamos as eleições, temos o direito de apoiar os EUA de forma irrestrita. Essa é a dificuldade, supor que uma vez ganha as eleições o vencedor impõe ilimitadamente sua vontade.
A suposição de que a política externa seja apenas uma decorrência da visão partidária se estende a outras áreas, com o mesmo potencial corrosivo. A produção artística, por exemplo. A ideia é a mesma: se o PT apoiou um determinado tipo de produção cultural, a hora é de mudar radicalmente e apoiar um campo simetricamente oposto. Em ambos os casos – política externa e produção cultural – uma visão desse tipo é perigosa.
No campo internacional, desfigura uma construção simbólica que o País levou décadas para afirmar. No campo cultural, simplesmente anula o estatuto independente da arte e a considera apenas petista ou bolsonarista, na realidade, uma extensão do populismo de esquerda ou de direita.
É esse tipo de equívoco que talvez leve Trump a afirmar tão naturalmente que pode bombardear os bens culturais do Irã. A mesma ilusão dos aiatolás, que tentaram remover as ruínas de Persépolis por acharem ser símbolo de uma cultura decadente.
Não conseguiram, mas a ideia é sempre a mesma: ou a cultura é uma propaganda ou merece ser destruída.
Fernando Gabeira: A segunda década do século
Vivemos um sono tão longo. Só agora foi aprovado um marco para o saneamento. E a esquerda ainda resistiu
No passado houve um humorista chamado Don Rossé Cavaca, que escreveu algo mais ou menos assim: acorda que já é 1962 e você precisa trabalhar.
Num país em que os integralistas que atacavam o Barão de Itararé, seus filhotes queimam o Porta dos Fundos, o passado congelou. Talvez fosse necessário reescrever a frase de Cavaca: acorda que já é o século XXI e você precisa trabalhar. E é a segunda década, que já começa perigosa com os incidentes em Bagdá.
Vivemos um sono tão longo. Só agora foi aprovado um marco para o saneamento básico. E a esquerda ainda resistiu. Os manuais dizem que o saneamento é tarefa do governo, mas ao longo de todo esse tempo, ele se mostrou incapaz. Que se danem os manuais. A esquerda poderia, pelo menos, chegar ao pragmatismo dos chineses no século passado: não importa se o gato é preto ou branco…
Na educação, o ministro é monarquista, insulta as pessoas na rede e ainda aparece de guarda-chuva imitando Gene Kelly em “Cantando na chuva”.
Isso é um detalhe. Muita gente o acha incompetente. Bolsonaro e seus meninos, não. Por que não chegar a um acordo numa área tão decisiva?
É possível dizer: é assim mesmo, uns gostam, outros não, e bola pra frente. Acontece que em outra área decisiva, a infraestrutura, foi encontrado um denominador comum: o ministro é amplamente aceito. Por que não tentar o mesmo na educação, que todos concordam ser o tema essencial para o futuro do país?
A cultura brasileira, então, é um campo desolador porque se transformou numa trincheira de guerra ideológica. Tanto esquerda como direita parecem entender a cultura como uma extensão do discurso político. Esse modo de ver reduz a cultura a uma propaganda.
A política roubou o estatuto autônomo da arte. Isso é terrível porque as pessoas comuns passam a vê-la assim também: como um departamento auxiliar da corrente no poder. Governos não deveriam financiar propaganda mascarada de arte. Isso deforma a própria produção nacional, obrigando-a a se ajustar aos desígnios do poder.
Esta semana, vi uma biografia de Rodin, o grande escultor francês. Nela, ficou claro que uma encomenda do governo impulsionou a sua carreira.
Na Alemanha, durante algum tempo o governo financiou a dança de Pina Bausch. Pode-se contestar: vale a pena investir numa arte tão refinada e distante das grandes massas?
Nesses casos, entra em cena a projeção nacional, o chamado soft power. Na juventude, tive a chance de ver o Modern Jazz Quartet, financiado pelo governo americano para se apresentar em alguns países do mundo. Todos de terno escuro, gravata.
Tanto no caso de Rodin como no de Bausch e do Quartet, não entra em cena essa gritaria entre esquerda e direita: são manifestações da arte nacional com seu estatuto próprio.
Às vezes existe até um entendimento prévio entre governo e artista. Foi o que aconteceu durante a Grande Depressão nos EUA. O governo financiou uma viagem de James Agee, na época um talentoso romancista, e o fotógrafo Walker Evans. Eles saíram pelo interior falando com gente simples e produziram um livro intitulado “Vamos elogiar as pessoas comuns”. Creio que o objetivo ali era levantar moral, preparar o país para superar um áspero momento.
Ao aceitar a ideia de que a arte serve aos governos de direita ou de esquerda, de acordo com a maré, simplesmente estamos condenando a arte brasileira à sua morte simbólica. Enquanto perdurar esse clima, o ideal é produzir ignorando o governo.
No fundo, alguns governos são inimigos da arte. Ou pura e simplesmente se colocam contra ela, ou a entopem de dinheiro para ganhar apoio incondicional, que é uma outra forma de negá-la.
Eles acham que o país será lembrado no futuro e conhecido no exterior pelos seus generais, seus líderes carismáticos. O que fortalece a Europa diante dos olhos do mundo, inclusive aqueles que foram explorados por ela, é sua arte.
Na Copa do Mundo acentuei a importância dos escritores, sobretudo os do século XIX , na imagem que os russos queriam mostrar aos estrangeiros. Até escritores que foram massacrados pelo regime, como Anna Akhmatova, ganharam seu museu.
Esquerda e direita passam se engalfinhando, mas a arte fica. Claro que ela não vive numa torre de marfim, nem ignora os dramas de sua época. Mas não é marionete de partidos.
Fernando Gabeira: As maneiras de cair
Eles estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente
Neste fim de ano, deixei de escrever resenhas para entender o que se passou no Brasil, apenas através de linhas gerais. Examinei o governo Bolsonaro, a novidade de 2019, comparando-o com o de Margaret Thatcher na Inglaterra.
Destaquei três pontos nos projetos de ambos. O primeiro e decisivo é a promessa de soltar as amarras do mercado. O segundo, a decisão de impedir que o adversário jamais volte ao poder, no caso inglês o Labour Party. E, finalmente, o terceiro, uma vontade de recuar a um passado idílico nos costumes.
Thatcher disse numa entrevista de TV que admirava os valores vitorianos e gostaria de vê-los de novo na Inglaterra. Apesar do avanço econômico, as coisas deram um pouco errado para Thatcher. O Labour voltou com Tony Blair, e o avanço do mercado acabou sepultando os traços morais do passado que ela queria reviver.
Como já cumpri esta tarefa de examinar o conjunto, deixei de tocar num tema que é muito presente no Brasil. Na verdade, queria levá-lo para o ano que vem, no capítulo restos a pagar. No entanto, a aparição de centenas de peixes-pênis na praia de Drakes, na Califórnia, acionou de novo sua atualidade.
Os peixes-pênis, na verdade, são vermes que engordam e assumem essa forma. Se aparecessem no Brasil, talvez fossem saudados pelo governo, que é um dos mais fálicos da História de Brasil, no sentido de associar o pênis ao exercício do poder.
Os fatos estão aí desde o princípio. Num momento é o golden shower; num outro, o presidente Bolsonaro faz piada com o tamanho do pênis dos orientais. Recentemente, uma fala gravada de Fabrício Queiroz avisava aos funcionários de Flávio Bolsonaro: o MP preparou uma pica do tamanho de um cometa para enterrar em nós.
O pênis é um instrumento de poder e agressão. Isso tem inúmeras outras implicações. A primeira consequência histórica é o divórcio cada vez mais profundo entre essa corrente bolsonarista e as mulheres.
A fixação se extravasa também para a política de armas, não só nos projetos que detonam o Estatuto do Desarmamento, mas também nos gestos cotidianos. Estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente em lugares onde não têm nenhuma função, como um quarto de hospital
Faz parte da mesma atitude o horror aos homossexuais. Bolsonaro disse para um repórter que ele tinha uma cara terrível de homossexual. Ele costuma usar terrível de uma forma ambígua, como usamos bárbaro, por exemplo.
Independentemente do adjetivo, ele parece ver, e disse no passado, o homossexualismo como uma tragédia familiar. Tudo isso, teoricamente, pode ser trabalhado com o tempo. Não sei se o resultado será bom, nem quanto tempo vai durar.
Bolsonaro caiu no banheiro e perdeu momentaneamente a memória. Sei o que é isso, porque ja caí também num hotel de Porto Velho, em Rondônia. Essa história de mudar de hotel nos engana; às vezes, no lusco-fusco noturno, fazemos o trajeto do hotel anterior. O resultado é doloroso. Assim é também na vida, enfrentar novas situações com o roteiro do passado.
Essas quedas são perigosas. Podem atingir o hemisfério direito do cérebro e causar transtornos. O país esteve em risco, de certa forma.
No livro “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o grande psiquiatra Oliver Sacks, morto recentemente, conta um caso curioso. Seu paciente, atingido no cérebro, não conseguia mais distinguir entre pessoas e objetos, a própria perna com o sapato, por exemplo.
Felizmente, nada aconteceu de grave com Bolsonaro. Mas se a queda levasse a parte de sua memória onde se concentram todos esses dramas, talvez pudesse acordar despreocupado com tamanhos de pênis, orientações sexuais diferentes.
Certas quedas no banheiro não servem para nada. Senti apenas muita dor nas costas, e os enfermeiros do hospital público quase arruinaram meu braço, pois aplicam injeções em muitos ao mesmo tempo.
Não esqueci nada, nem aprendi nada. O que não impede de desejar que os outros sejam mais produtivos em suas quedas. O cérebro humano é tão fantasticamente complicado que não custa nada esperar por um milagre.
Estamos num fim de ano, hora de olhar as coisas de forma positiva. Em 2020, que sejamos como um capoeira, que, como dizia Vinicius de Moraes, não cai, mas se um dia ele cai, cai bem.
Fernando Gabeira: Um ano meio maluco
Resta-me descobrir os pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira
No último artigo do ano, não queria fazer uma resenha. Apenas me ater a uns traços mais gerais para explicar como chegamos até aqui e para onde, possivelmente, estamos nos dirigindo.
Tentei a forma clássica de explicar o que vejo aqui pesquisando os analistas mais amplos que tentam entender o mundo, os fenômenos que repercutem em muitos lugares, inclusive no Brasil.
Ao ler um deles, o sociólogo Ulrich Beck, autor de A Metamorfose do Mundo, deparei-me com o seguinte argumento que considera o ritmo das mudanças atuais muito mais rápido que os efeitos, por exemplo, da Revolução Francesa: A metamorfose do mundo ocorre com uma velocidade realmente inconcebível: em consequência, está ultrapassando e esmagando não apenas pessoas, mas instituições. É por isso que a metamorfose que acontece nesse momento, diante de nossos olhos, está quase fora da conceituação da teoria social. Por isso que muitas pessoas têm a impressão de que o mundo está louco.
Modestamente, o que me resta é descobrir alguns pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira e que tipo de iguana nasce desse cruzamento.
A novidade do ano de 2019 foi a mudança de governo, início de uma nova etapa. Ela apresentou inúmeros pontos de contato com os Estados Unidos, expressando um divórcio quase hostil entre as pessoas comuns e os intelectuais e acadêmicos. Elas parecem cansadas de ter alguém pensando por elas, indicando caminhos, dizendo o que pode ou não ser feito.
A frustração econômica e o desencanto com a política estenderam-se também à elite intelectual, considerada uma parte do sistema.
A internet teve um peso decisivo ao dar voz a milhões de pessoas. O avanço tecnológico não apenas favoreceu a democracia, mas tem também suas consequências negativas. Pessoas que, como lembra Umberto Eco, destilavam seu ódio ou suas bobagens num botequim agora o fazem em cena aberta.
No caso brasileiro, a desconfiança em relação aos intelectuais estendeu-se também aos cientistas, questionados por novos interlocutores, que vão desde quem nega o aquecimento global até quem crê no terraplanismo.
Apesar desses elementos perturbadores, a experiência do primeiro ano de Bolsonaro pode ser comparada ao governo Margaret Thatcher, ambos liberais dispostos a soltar as amarras do mercado. No plano político, o principal objetivo de Thatcher era impedir a volta dos trabalhistas ao poder; o de Bolsonaro, impedir a volta do PT. Thatcher começou por enfraquecer os sindicatos, questionando os acordos salariais coletivos, um dos seus instrumentos, segundo a visão liberal. Bolsonaro já encontrou uma reforma trabalhista quando assumiu. No caso brasileiro, ela continha um elemento também duro para os sindicatos: o fim do imposto sindical, algo que até o PT aceitava nos seus primeiros anos.
A julgar pelos primeiros passos este ano, a política liberal vai se impondo. A de Thatcher foi, de certa forma, vitoriosa, com mudanças irreversíveis na economia inglesa.
Um outro ponto de contato entre Bolsonaro e Thatcher se dá nas suas expectativas sobre os costumes. Em janeiro de 1983, Thatcher declarou numa entrevista de televisão sua crença nos princípios vitorianos e uma esperança de que fossem revividos na Inglaterra.
Ela não imaginava que o movimento de soltar as amarras do mercado iria levá-lo muito distante do passado idílico que pensava reviver. Na verdade, o avanço do capitalismo ajudou a sepultar os traços dos tempos que sonhava reencontrar. Thatcher talvez tivesse os instrumentos intelectuais para perceber esse rumo histórico. Tenho dúvidas sobre Bolsonaro.
E aqui acaba a comparação.
Bolsonaro quer voltar a valores que muitos sonham reviver. Mas ele vive a ilusão de uma forma especial e com estilo grosseiro, atacando a imprensa, trazendo a mãe dos outros para a conversa e ofendendo homossexuais - enfim, o arauto de um novo horizonte moral é, na verdade, um ator obsceno, não apenas nas suas palavras, como nas postagens.
Imaginem o espanto da vitoriana sra. Thatcher diante de um vídeo do golden shower.
Um aspecto singular do governo Bolsonaro é ter usado a bandeira da anticorrupção. Neste ponto, a experiência do ano o aproximou mais de Collor. Ambos desfraldaram a mesma bandeira, ambos se viram às voltas com denúncias que os desmascaravam.
Bolsonaro enfrenta o caso do filho Flávio e do amigo Queiroz. É caso que envolve família, funcionários fantasmas, rachadinhas. Suas grosserias na entrevista na porta do Palácio da Alvorada indicam para o observador que sentiu o golpe.
Diante destes traços gerais, destaco uma variável que potencialmente pode definir o futuro. A tensão entre uma política econômica que, com alguma sensibilidade, pode vingar e o comportamento disruptivo de Bolsonaro.
Surge uma pergunta que pode ser feita de duas formas: até que ponto os erros de Bolsonaro vão emperrar o projeto econômico? Ou: até que ponto o avanço da política econômica consegue amortizar o desgaste de Bolsonaro, tornando tolerável um comportamento agressivo e desrespeitoso, ou mesmo a revelação conclusiva de um esquema de desvio de verbas públicas?
A política liberal conta com o apoio do Congresso. Mas ali as coisas costumam mudar muito ao sabor dos acontecimentos políticos.
Por fim, um foco de tensão entre o econômico e o político está na questão ambiental. Estamos diante de um mundo que dá importância a isso. Até que ponto um liberalismo econômico ainda tenro se sustenta num mundo globalizado hostilizando o consenso científico e político internacional sobre as mudanças climáticas e ironizando a preocupação planetária com a Amazônia?
Não sei se entendi bem o ano que acaba, tudo o que tenho são algumas ideias gerais para não perder completamente o ano que entra.
* Jornalista