Felipe Salto
Felipe Salto: Sem auxílio e sem ajuste
O caminho é resolver a emergência e avançar a sério no debate fiscal. Não no tapetão
O debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição n.º 186, a PEC Emergencial, ressurgiu em meio à urgência de um novo programa de auxílio social. A vinculação do programa a reformas fiscais constitucionais não é uma boa estratégia, mas é possível endereçar as duas questões tempestivamente. Responsabilidade fiscal e sensibilidade social andam de mãos dadas.
É preocupante que pareça ser necessário bater na responsabilidade fiscal para obter legitimidade na defesa de um gasto social urgente. Ou você banca o durão e defende a ideia de que só será possível pagar R$ 250 a famílias que estão à míngua se houver compensações ou abraça a lassidão fiscal. É preferível o caminho da ponderação.
As simulações consideradas pela Instituição Fiscal Independente (IFI) mostram que o auxílio emergencial poderia custar R$ 34,2 bilhões se destinado a 45 milhões de pessoas, com quatro cotas mensais de R$ 250. Essa conta já é líquida dos pagamentos aos beneficiários do Programa Bolsa Família, que receberiam apenas a diferença entre o valor do novo auxílio e a transferência atual.
Esse gasto não é pequeno, mas a PEC Emergencial não é condição para pagar essa despesa. Ao lado da aceleração do programa de vacinação, o auxílio se impõe. Agora, não se afirme ser impossível compensar o gasto sem antes olhar o Orçamento de 2021. Em meu último artigo neste espaço, mostrei uma lista de cortes e medidas possíveis.
Os reajustes salariais dos militares correspondem a R$ 7,1 bilhões; os concursos públicos programados, a R$ 2,4 bilhões; e os subsídios sujeitos ao teto de gastos, a R$ 14 bilhões – que poderiam ser reduzidos em R$ 4 bilhões. Além disso, a revisão das renúncias tributárias poderia colaborar com R$ 20 bilhões, totalizando R$ 33,5 bilhões. Se a primeira medida se mostrar impossível, em razão da lei que garante os reajustes, a economia ainda seria de R$ 26,4 bilhões.
Portanto, as medidas de ajuste fiscal previstas na PEC não seriam condições necessárias para pagar o auxílio. Bastaria cortar o Orçamento. Mas isso não significa que ela não contenha tópicos importantes. São assuntos complexos, que demandam debate técnico e político adequado, com tempo suficiente para não se promover uma virada de mesa na Constituição. Separe-se o joio do trigo.
A PEC Emergencial fixa a sustentabilidade da dívida como uma dimensão inescapável na fixação de limites e metas fiscais, obriga a administração pública a avaliar políticas públicas, propõe a extinção de fundos públicos, manda reduzir gastos tributários, estabelece as regras para a despesa com o novo auxílio social, cria novos instrumentos de ajuste para os Estados e municípios e estabelece uma nova forma de acionar os gatilhos – medidas automáticas de ajuste – no âmbito da regra do teto de gastos.
Mas ela também acaba com os pisos constitucionais da saúde e da educação. Melhor seria consolidar os dois valores, dando maior liberdade aos gestores, sobretudo municipais e estaduais, na alocação dos recursos públicos para essas duas áreas essenciais.
A inclusão do auxílio no texto da PEC, por sua vez, tem que ver com o receio do Ministério da Economia de editar um crédito extraordinário para pagar a nova transferência social sem conseguir justificar a imprevisibilidade, exigência da Constituição. Vale dizer, os dispositivos que tratam do auxílio são independentes do resto da proposta, um convite ao Congresso para fatiá-la. É curioso notar que a intenção do ministro Paulo Guedes é o simétrico oposto: incentivar a aprovação das medidas de ajuste como condição para o auxílio.
Quanto ao teto de gastos, sabe-se que a Emenda Constitucional n.º 95 impossibilita o acionamento dos gatilhos (medidas de ajuste), ao menos sob a interpretação jurídica majoritária. A propósito, essa foi a motivação original da PEC, em 2019: tornar viável o acionamento das medidas automáticas de ajuste no caso de rompimento do teto.
Então, à guisa de solucionar esse problema, a PEC determina que, quando as despesas obrigatórias sujeitas ao teto atingirem 95% das despesas primárias totais (também limitadas ao teto), a lista de gatilhos será ativada. Incluem-se, aí, a proibição dos reajustes salariais e das chamadas progressões automáticas no serviço público. O efeito fiscal poderia chegar a 1% do produto interno bruto (PIB) até o quinto ano.
Vincular o debate sobre regras fiscais à concessão do auxílio, mesmo abandonados os outros tópicos da PEC, prejudica as duas coisas: nem o dinheiro é liberado nem a proposta de ajuste fiscal alcança o consenso político suficiente. Segue indefinida a estratégia para recobrar a sustentabilidade das contas públicas.
O caminho é resolver a emergência do auxílio e avançar a sério no debate fiscal. Não no tapetão. As prioridades orçamentárias têm de ser expostas, o lado da receita tem de entrar no jogo e os privilégios dos estamentos estatais têm de ser combatidos. Que tal começar pelo Orçamento de 2021?
Ou isso ou seguiremos postergando o auxílio e o ajuste fiscal.
*Diretor Executivo da IFI, é professor do IDP
Correio Braziliense: 'Auxílio é importante, mas com responsabilidade', defende diretor da IFI
Felipe Salto admite a importância da criação de um benefício emergencial para os mais vulneráveis, de preferência, fora do Bolsa Família e de forma temporária. Ele também considera a vacinação essencial para a retomada econômica
Vicente Nunes e Rosana Hessel, Correio Braziliense
O economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, demonstra preocupação com o excesso das propostas na lista de 35 prioridades apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso. Para ele, a inclusão de pautas de costumes atrapalha o andamento dos trabalhos do Legislativo, pois as reais prioridades do país são a saúde e a economia. Nesse sentido, ele considera a vacinação em massa e o auxílio emergencial, que não provoque desequilíbrio fiscal elevado, os assuntos mais urgentes. “É preciso que o governo acelere essa questão da vacinação contra a covid-19 para que a economia possa ter uma recuperação, ainda que pequena, mas garantida, neste ano, porque ainda não está”, afirma.
Em relação ao auxílio, Salto acredita que o melhor formato seria fora do Bolsa Família, usando um modelo temporário e mais focado. Especialista em contas públicas, ele reconhece que o fato de o governo ter avançado pouco nas reformas limita uma ação mais contundente para socorrer os mais vulneráveis. No entender dele, os problemas estruturais do país continuam os mesmos e precisam ser encarados, pois a dívida pública está muito elevada e continuará crescendo por um longo período.
Pelas projeções da IFI, o país permanecerá com as contas no vermelho por pelo menos até 2030, num cenário conservador. Com isso, é mínimo o espaço para a criação de um novo auxílio emergencial sem comprometer o Orçamento e o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento das despesas pela inflação do ano anterior. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Salto ao Correio.
As reformas vão andar agora? Em uma lista de 35 itens, nada é prioritário.
Pois é. Reformas, nesse sentido genérico, não resolvem muito o problema. Precisamos saber mais claramente quais são as prioridades de verdade. A PEC Emergencial, por exemplo, dependendo do desenho, pode ajudar numa questão importante, que é o teto de gastos. A emenda 95, aprovada em 2016, prevê os chamados gatilhos, que seriam as medidas automáticas de ajuste. Mas a interpretação majoritária é de que seria necessária uma mudança de um trecho dessa emenda para poder acionar os gatilhos. O diabo mora nos detalhes. Não sabemos, ainda, qual será a proposta. E as outras reformas são relevantes, como a tributária e a administrativa, que estão na mesa. Contudo, é preciso saber exatamente quais são as propostas que o governo tem. No modelo brasileiro de presidencialismo de coalizão, a Presidência tem um papel fundamental e o Ministério da Economia, também. Eles são os definidores da agenda.
Nos últimos dois anos, não vimos um papel ativo do Planalto e do Ministério da Economia. A reforma da Previdência, por exemplo, só foi aprovada graças ao esforço do Congresso. Desta vez, o empenho vai ser maior? Por quê?
A reforma da Previdência tem um mérito importante do governo Michel Temer, que definiu essa pauta como prioritária e trabalhou muito por ela. Pelas razões políticas que sabemos, atrasou. Mas ele amadureceu a discussão. Fazia tricô com quatro agulhas. O governo atual conseguiu terminar, então, mérito dele. Agora, nas outras agendas, está tudo muito confuso. O Ministério da Economia, por exemplo, vive falando do imposto de transações financeiras. E, ao mesmo tempo, mandou uma proposta de reforma tributária para o Congresso prevendo a unificação do PIS e da Cofins. Em paralelo, o Congresso tem duas PECs sobre reforma tributária, a 45 (na Câmara) e a 110 (no Senado), que tratam de outro tema mais abrangente, que é o IVA nacional ou o IVA dual — um, para o governo federal e, outro, para estados e municípios. Esses temas precisam ser mais bem detalhados, porque não está claro.
E ainda há a covid...
No meio disso tudo, há as medidas que são ainda mais prioritárias. É preciso que o governo acelere a vacinação para que a economia possa ter uma recuperação, ainda que pequena, mas garantida, neste ano – porque ainda não está. Há uma incerteza muito grande, e isso tem a ver com a dificuldade de se ter um plano mais coeso e bem executado para a vacinação. Com isso, a pauta econômica e fiscal também se funde com a da saúde. E o Orçamento que abrange tudo isso está em aberto. Achei positivo o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, anunciar que a CMO (Comissão Mista de Orçamento) deve ser instalada nesta terça-feira. A Comissão vai ser o local para a discussão de muitas coisas, inclusive, o auxílio emergencial, e outras questões envolvendo gastos com saúde, como comportar tudo no Orçamento, que está sem margem alguma.
Será possível recriar o auxílio emergencial?
O auxílio emergencial é muito importante, porque, no ano passado, a população ocupada no mercado de trabalho diminuiu bastante, e, neste ano, vai se recuperar menos do que caiu. Então, haverá um contingente de pessoas que estão à margem de qualquer tipo de recebimento de renda formal ou mesmo no mercado informal. E a pandemia continua evoluindo. Algum auxílio, aparentemente, pelo que avaliamos, é possível que seja necessário. A questão é como fazer isso com responsabilidade fiscal.
Mas tem espaço no Orçamento?
Se olharmos a LDO para 2021, a despesa discricionária está em R$ 83,9 bilhões, sem contar os
R$ 16,3 bilhões de emendas parlamentares, que são impositivas. Esse é o menor nível de despesa discricionária da série. O risco de romper o teto é elevado porque a despesa discricionária, que é a variável de ajuste, está bastante exaurida. Para resolver essa questão, existem dois caminhos. O governo deveria eleger uma série de despesas que poderiam ser cortadas ou contingenciadas, inclusive, gastos obrigatórios. Claro que tudo isso tem um custo político. Se o governo for mexer em subsídio creditício, que é uma despesa que está sujeita ao teto, ele vai enfrentar aqueles que defendem cada um dos programas que estão lá nessa rubrica. Tem também mais de 50 mil cargos a título de reposição de aposentadorias de servidores previstos no PLOA. Só isso já tem um efeito de R$ 2,4 bilhões. O que seria importante é verificar despesas que podem ser cortadas para mostrar que está havendo um esforço fiscal. O outro caminho é via crédito extraordinário, que está previsto na Constituição para situações de imprevisibilidade e de urgência e, claro, que tem que ter critérios. Seria importante o governo sinalizar medidas compensatórias e não partir direto para uma coisa extrateto. Essas são as duas possibilidades.
É melhor retomar o auxílio ou ampliar o Bolsa Família?
O Bolsa Família é um programa de sucesso e bem avaliado, inclusive, pela academia. Ele beneficia muita gente com um valor orçamentário anual, em torno de R$ 35 bilhões, que é relativamente baixo para o benefício que ele produz (na economia). São discussões diferentes. A reformulação dos programas sociais seria importante, com melhor focalização, porque temos Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família, abono salarial, tudo para públicos diferenciados. Agora, a discussão do auxílio é mais imediata. É uma transferência que precisar ser feita, temporariamente, para resolver algo que não estava previsto, que foi a crise da covid-19 que se abateu sobre nós. O benefício pode ser resolvido pelo Bolsa Família. Mas o ideal é ter uma ação concreta direcionada para essa finalidade e, em paralelo, discutir a eficiência dos programas sociais, como melhor focalizar.
O Brasil precisa de um programa de renda mínima?
Nós já temos o Bolsa Família, que é um programa importante nesse sentido. Ele poderia ser ampliado. Agora, qualquer discussão a respeito de um novo programa precisaria ser pensada também do ponto de vista do equilíbrio fiscal. A dívida pública bruta, no ano passado, encerrou em 89,3% do PIB. Foi mais baixo em relação ao que se projetava, mas houve um efeito do PIB, que ficou mais alto por causa da inflação. Quando comparada à evolução da dívida, foram 15 pontos percentuais do PIB de aumento em relação aos 74,3% de dezembro de 2019. É uma dívida gigantesca, que vai continuar crescendo ainda por algum tempo. Por isso, o governo precisa anunciar um plano de médio prazo para mostrar quando essa relação dívida-PIB voltará a ficar sustentável. Essa falta de um horizonte para as contas públicas me preocupa até mais do que as questões de curtíssimo prazo. O momento é de exceção, que exige medidas excepcionais.
As propostas apontadas pelo governo são paliativas?
A PEC Emergencial é uma tentativa de dar uma sobrevida ao teto de gastos, permitindo acionar os gatilhos da regra. É claro que o teto, nas condições atuais do cenário base, não vai aguentar até o 10º ano, quando está previsto na emenda a alteração do indexador. Não podemos perder de vista que os problemas estruturais continuam, infelizmente, sendo os mesmos de 10 anos atrás: uma despesa obrigatória grande e crescente e um espaço para investimento cada vez menor. O Estado vem perdendo capacidade para investir e está aumentando, cada vez mais, a pressão das despesas. Claro que parte dessas despesas também tem a ver com a melhora de vida das pessoas, porque tem saúde e gastos sociais, mas será preciso uma reestruturação muito mais complexa do que apenas a discussão da PEC Emergencial.
Mas a PEC Emergencial ainda está em pé? Ela foi enviada ao Congresso no fim de 2019.
Quando o governo enviou ao Congresso essa PEC Emergencial em 2019, ele prometia que ela seria aprovada até dezembro daquele ano. Então, está muito atrasada essa previsão que o governo tinha.
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco disseram que a reforma tributária pode ser aprovada em até oito meses. Acredita nisso?
A questão tributária é a mais complexa de todas, porque envolve várias trincheiras de batalha. Tem a trincheira dos estados e municípios contra a União, porque, nessa situação em que todo mundo está, o desejo dos entes federativos é ter mais receita e não menos. E tem, também, a questão da autonomia, porque, com a criação do IVA, estados e municípios perderiam o ICMS e o ISS. Não é uma questão trivial, ainda que as compensações fossem feitas e fosse criado o mecanismo automático para a distribuição das receitas que seriam arrecadadas centralmente. Mas essa é a primeira trincheira. A segunda é a setorial. O setor de serviços ainda não engoliu essa questão de ter aumento de tributação. Não se fala muito que esse segmento é subtributado. Só que é difícil sair de um equilíbrio ruim para um equilíbrio melhor, em que a indústria seria menos tributada com o IVA e o setor de serviços, que não tem uma cadeia de produção tão longa, tem dificuldade de acumular crédito. E, como vai tudo para o destino, obviamente, vai ter um aumento de tributação. E tem a terceira frente de batalha que é o fato de a União e o Ministério da Economia quererem aumentar a receita. O próprio ministro Paulo Guedes vive falando no imposto de transações financeiras, ou seja, está implícito aí um ajuste pelo lado da receita também. Isso é muito complicado. Acho positivo que as novas lideranças do Congresso indiquem que isso é uma prioridade, mas não vai ser fácil. Há pouco tempo para conseguir avançar nesse tema tão complicado.
Passados dois anos, é possível considerar que o governo Bolsonaro é reformista ou é mais discurso?
Eu acho que não é um governo reformista. O Ministério da Economia, sob a liderança do Paulo Guedes, tem essa intenção. Começou com aquela história das privatizações, de reduzir o tamanho do Estado, de fazer um enxugamento de gastos... Ele até prometeu zerar o deficit primário em um ano, mas percebeu que era impossível. Na verdade, o discurso da área econômica vai numa direção mais liberalizante, mas, na prática, o governo vai em outra direção. Até agora, com mais da metade do mandato, além da reforma da Previdência, não teve mais nada de relevância aprovado. O que podemos constatar é que as agendas que foram consideradas prioritárias, em algum momento, ainda não avançaram.
O presidente Bolsonaro já deixou claro como quer que a pauta de costumes ande, como excludente de ilicitude, ampliação ao acesso ao porte de armas... Isso é prioridade quando o país está atrasado na vacinação e ainda não tem Orçamento aprovado? Há riscos dessa agenda de costumes se sobrepor a das reformas?
A agenda de costumes que está refletida na lista de prioridades do governo é uma coisa que já se sabia que era intenção do presidente. E, claro, ela ocupa espaço e tempo no Congresso. Mas o que mais me preocupa na lista de 35 prioridades é que são muitos itens e não se sabe, ao certo, qual é a pauta prioritária e o que virá primeiro. Agora, as agendas de saúde e de economia deveriam ser prioritárias.
O cenário básico da IFI prevê deficit primário até 2030. É possível que fique pior?
O nosso cenário atual prevê que o deficit público diminuirá aos poucos até 2030, quando ainda estará negativo, em torno de 0,8% do PIB. Nos próximos anos, o quadro vai melhorando, porque a receita aumentará com algum crescimento do PIB, de 2% a 2,5% na média da década. E, do lado da despesa, nossa previsão não considera nenhuma, digamos assim, estripulia. O nosso cenário é bastante conservador. E, ainda assim, não é suficiente para vermos o superavit primário voltar em um período mais curto. Isso só acontecerá depois de 2030.
Felipe Salto: Um governo alquebrado
Sem rumo, mostra-se incapaz e justifica a sua apatia com frases feitas (erradas)
“O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada”, disse o presidente da República. Esse alarmismo prejudica o País, não apenas porque embute um erro conceitual, mas porque reforça o falso dilema entre responsabilidade fiscal e execução de políticas públicas. Soa como uma desculpa para justificar a inoperância do governo federal.
De fato, a dívida pública é elevada e crescente. Não será trivial fazê-la estacionar em relação ao produto interno bruto (PIB). Mas isso não significa que o País esteja “quebrado”. Os agentes econômicos continuam a comprar os títulos públicos, sob as leis da oferta e da procura, a juros e prazos condizentes com o quadro de risco e incerteza posto pelas condições externas e domésticas.
Não há, como no passado, dependência de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou de outros tipos de socorro para financiar a dívida do governo. As reservas internacionais são elevadas e a dívida pública externa é mínima. É claro que a restrição fiscal existe e, no limite, o descontrole das contas públicas poderia alimentar a inflação, criando um problema grave para o financiamento do Estado.
Este último aspecto é o que deveria merecer maior atenção das autoridades competentes. Não é o caso de ligar a sirene e lavar as mãos. É o momento de reconhecer a fragilidade das contas públicas e forjar um plano de ação. Esse é, precisamente, o meio para fortalecer o Estado na sua tarefa fundamental de prover bens e serviços públicos essenciais, tempestiva e eficientemente. Sem contas públicas organizadas o Estado não para em pé.
Para 2021, até agora, não há sequer Orçamento aprovado, o teto de gastos (regra fiscal constitucional) corre risco alto de ser violado e o auxílio emergencial foi interrompido. É a tal lógica do “País quebrado”, do “não consigo fazer nada”, à guisa de justificativa para a dificuldade de tomar decisões difíceis. “Todos nós iremos morrer um dia”, chegou a dizer o chefe da Nação.
Alquebrado, o governo parece não ter aprendido que o combate à covid-19 deve ser liderado pelo Estado. Não entende que isso nada tem que ver com irresponsabilidade fiscal. Ao contrário, é preciso atuar firmemente para debelar a doença e, só assim, retomar o crescimento econômico. De outro lado, ter um plano de recuperação das contas públicas para o médio prazo. Mas não se faz uma coisa nem outra.
Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit primário (receitas menos despesas sem contar juros da dívida) deve ter encerrado 2020 em mais de 10% do PIB. A dívida, por sua vez, teria avançado de 12 a 15 pontos porcentuais do PIB entre 2019 e 2020. Vale dizer que o aumento foi amenizado pela aceleração da inflação no segundo semestre (o PIB nominal ficou mais alto e segurou a razão dívida/PIB). Os dados fechados de 2020 serão conhecidos no fim de janeiro.
Em 2021 o déficit deverá diminuir para 3,5% do PIB. Para transformá-lo em superávit, contudo, seria preciso anunciar um conjunto de ações em duas frentes: corte de gastos e aumento de receitas. Trata-se de algo para quatro a cinco anos, mas que tem de começar já.
O governo perde um tempo precioso ao ignorar que há muito por fazer. Listo aqui uma série de ações:
1) reduzir as renúncias tributárias;
2) interromper progressões automáticas no serviço público;
3) rever contratações programadas (lembrando que há mais de 50 mil preenchimentos de cargos públicos, na proposta orçamentária de 2021, a título de recomposição de aposentadorias);
4) cortar toda e qualquer remuneração superior ao teto salarial constitucional;
5) reformar o sistema tributário para torná-lo mais progressivo, com potencial ganho arrecadatório;
6) revisar os programas sociais e aumentar sua eficiência, em linha com a Lei de Responsabilidade Social proposta pelo senador Tasso Jereissati;
7) revisar todos os subsídios financeiros a partir de avaliação técnica;
8) adotar a revisão periódica de gastos públicos e estabelecer um plano fiscal de médio prazo, cortando programas que não dão resultado e abrindo espaço orçamentário para outras iniciativas, sobretudo na área de investimentos em infraestrutura.
O fato é que a falta de rumo paralisou o governo. Nem a chamada PEC emergencial, proposta por ele mesmo, avançou. Se bem desenhada, permitiria acionar gatilhos – medidas automáticas de corte de despesas – e fabricar tempo para a necessária discussão sobre a harmonização das regras fiscais vigentes. Ajudaria, sim, na formulação de uma estratégia de recuperação das contas públicas.
Em tempos de crise e em tempos normais, o atual governo mostrou-se incapaz. Justifica a apatia com frases feitas (erradas). Está atrasado nas decisões urgentes contra a covid-19, a exemplo das trapalhadas no plano de vacinação. Não age para redesenhar o futuro da economia brasileira.
É alentador saber que essa situação não durará para sempre. Poderá legar consequências irremediáveis, mas, como disse Winston Churchill, “o sucesso não é definitivo e o fracasso não é fatal. O que conta é a coragem de continuar”.
DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI)
O Estado de S. Paulo: 'Perdemos a capacidade de planejamento. É urgente ter um plano fiscal', diz Felipe Salto
Economista defende uma fase de transição e ‘teto de gastos 2.0’ para financiar as despesas com uma eventual prorrogação do auxílio emergencial e o pagamento das vacinas
Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o economista Felipe Salto sugere a criação de um teto de gastos 2.0 combinado com medidas de aumento de receitas. Décimo e último entrevistado da série do Estadão Saídas para a Crise Fiscal, Salto diz que o governo precisa botar na mesa medidas para a volta ao azul, com superávits primários nas suas contas.
O economista defende uma ponte de transição na regra para financiar os gastos adicionais que devem surgir com uma eventual necessidade de prorrogação do auxílio emergencial em 2021 e o pagamento das vacinas para acabar com a pandemia da covid-19. “O teto não é um Fla-Flu. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas para que ela não seja abandonada terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar”, diz.
Para ele, é possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave, diz, é transparência. “Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande”, avalia.
● O sr. já disse que o teto de gastos não é a Santa Sé. O que significa isso?
Estamos vivendo no Brasil um momento de muita polarização. Quando ela está fundamentada em questões técnicas e avaliações, até pode ajudar a explicitar o que as pessoas pensam e seus diferentes pontos de vista. Mas essa polarização danosa que estamos vendo acaba apenas turvando o debate e prejudicando a discussão das questões fundamentais, como é o caso das regras fiscais e do teto de gastos (regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), particularmente.
● Como assim?
Tem o grupo dos que são a favor do teto e não abrem mão e tem aqueles que dizem que se deve abandonar o teto, pois seria muito ruim. Na verdade, o que precisamos é encontrar o caminho do meio. Quando eu disse que o teto não é a Santa Sé, quis dizer que aprimorar as regras fiscais é positivo. Se for possível regulamentar os gatilhos (medidas de contenção de gastos, focadas principalmente nas despesas com servidores públicos) ou pensar numa combinação de resultado primário (receitas menos despesas sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida) que envolva o lado das receitas, isso seria salutar. Não adianta dizer que é a favor do teto, como o governo tem feito, se os números não fecham. Quem faz um mínimo de contas e planilhas vê que no próximo projeto de Orçamento tem uma despesa discricionária (aquelas que não são obrigatórias e incluem, por exemplo, investimentos) de R$ 108,4 bilhões. Destes, R$ 16,3 bilhões são emendas parlamentares (indicações feitas por deputados e senadores de onde os recursos federais são aplicados). Se tirar essa parte, sobra algo como R$ 92,1 bilhões, que é um nível extremamente baixo. O governo precisa mostrar que esse nível é suficiente para não parar a máquina pública e paralisar as políticas que estão lá. E, mais do que isso: como vai incorporar os gastos quase certos, como algum auxílio para as pessoas mais pobres e compra de vacinas.
● Esses gastos adicionais já são certos?
Vão ter de acontecer. E qual o espaço orçamentário? Não existe.
● Vai faltar dinheiro no orçamento para pagar vacina?
Não há necessidade, se houver planejamento. Tem alguns caminhos. Se ele não colocar no Orçamento agora, pode fazer crédito extraordinário no ano que vem. Vai ficar um orçamento paralelo.
● Mas a necessidade de vacinas era previsível desde sempre. Se encaixa em crédito extraordinário para despesas imprevisíveis e urgentes?
Como não é uma despesa imprevisível, o ideal seria contemplar no Orçamento. Para resolver, o governo deveria abrir espaço orçamentário este ano, seja pelo lado da receita, seja pelo da despesa.
● Como sair do impasse que é vivido há meses?
No grosso das despesas obrigatórias tem pouco espaço para cortar. Teria os subsídios creditícios, que têm previsão de R$ 14 bilhões em 2021. Mas aí também tem programas tradicionalmente importantes, no agronegócio, por exemplo. Não tem saída fácil. A primeira coisa que o governo precisa fazer é calcular quais são as despesas extras. Nós, da IFI, fizemos uma simulação e calculamos que, se o auxílio de R$ 300 for estendido por quatro meses para um contingente de 25 milhões, o gasto seria de R$ 15,3 bilhões. Seria um pecado mortal compensar com aumento de arrecadação? Não seria. Precisa é comunicar direito.
● O Congresso precisaria aprovar uma PEC?
Eu fico um pouco pessimista porque é um assunto um pouco complexo para ser resolvido em poucos dias. A saída é claramente o governo dar uma interpretação para o acionamento dos gatilhos ou avançar na PEC emergencial (proposta em que estão previstas as medidas de contenção de gastos). Isso construiria uma ponte para ganhar tempo para discutir a questão do indexador do teto. O governo deveria dar uma solução, ainda que fosse temporária, para que, ao longo do próximo ano, pudesse discutir a mudança do indexador do teto (hoje, o teto é corrigido pela inflação inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência). Isso seria um caminho. Pelo visto, o governo não vai fazer isso.
● Nesse caso, o que pode acontecer?
O projeto de Orçamento está completamente descolado da realidade. Vai chegar janeiro e será preciso necessariamente fazer o auxílio. Vai ser uma espécie de gestão de risco. Quando chegar 31 de dezembro e não tiver mais auxílio para janeiro, decide-se fazer mais um mês. Qual a saída? Crédito extraordinário e, aí, precisa combinar com os russos. Precisa ver como o TCU vai encarar essa realização de crédito extraordinário, sendo que há alguns meses já se sabe que possivelmente esse gasto seria necessário e o governo vai argumentar que não, que estava esperando ter mais certeza sobre essa necessidade.
● A discussão de regras orçamentárias não está se sobrepondo à realidade do País?
Perdemos a capacidade de planejamento. É urgente ter um plano fiscal.
● O que é um plano fiscal na sua avaliação?
Não importa se é receita ou despesa. É preciso recuperar os resultados primários. É uma questão de expectativas. Precisa mostrar um plano de aumento de receita e corte de gastos. Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande. Esse plano deveria comportar uma conta de cálculo da sustentabilidade da dívida, que é o que mais importa, anunciando as medidas do lado das receitas e despesas, que num conjunto possa produzir um superávit (quando as receitas superam as receitas). É fácil? Não é, mas, sem abandonar esse teto, modernizando, caminhar para um teto 2.0 e combinar isso com medida do lado das receitas.
● O que é um teto 2.0?
Olhar para as regras fiscais, como o FMI manda fazer, e observar que uma regra que não tem válvula de escape e regras que não permitem certa flexibilidade em períodos de exceção não são as melhores. Precisamos sofisticar. O teto não é um Fla-Flu. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas, para que não seja abandonada, terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar. Essa modernização poderia envolver a questão do indexador. Existem outras propostas como a do Fabio Giambiagi e do Guilherme Tinoco (economistas) de discutir a questão dos investimentos (para criar uma espécie de "subteto" para os investimentos). Não cabe à IFI dar recomendação. Mas, quando calculamos os números, fica muito claro que está impossível cumprir o teto por muito mais tempo. Talvez o governo consiga cortar a despesa discricionária por mais tempo. Eu lembro que em 2019 o contingenciamento gerou reação importante de algumas áreas, como bolsas do CNPq, e começa a pegar no calcanhar de setores que são importantes. Não dá para imaginar que, nesse contexto pandêmico, o Brasil não possa desviar um milímetro do que foi pensado em 2016.
● O que deveria ser feito?
Criar uma transição. Estou chamando de ponte. Comprar tempo, alterar as regras, temporariamente, para que a gente possa discutir um aprimoramento do teto.
● Uma pinguela?
Eu li recentemente um artigo do Gustavo Loyola (ex-presidente do BC) que disse que já está meio precificado que o teto não será cumprido no ano que vem. Resta saber o que vai ser o contorno que vão fazer na regra.
● É preciso esse contorno?
Entra a questão da economia política. Não podemos dar um cavalo de pau. De repente, o teto, que era uma âncora, agora vai ser jogado fora. Não. Tem de ter cuidado. O momento é delicado. É possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave é transparência.
“O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio.”Felipe Salto
● O FMI fala da retirada gradual dos estímulos.
Sim. Não é razoável fazer R$ 600 bilhões (a estimativa de gastos para o combate à pandemia neste ano) e no ano seguinte, zero. Até porque vai ter muita gente à margem do mercado de trabalho. Alguma ajuda terá de ser feita.
● Como fica o dinheiro para o pagamento das vacinas?
O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio. Como financiar essa ajuda? Falta essa diretriz. Estamos a ver navios. Não tem uma proposta. Estamos em dezembro. Não adianta mandar propostas complexas e falar que a bola está com o Congresso. Tem de sentar, negociar. Política é isso.
● A disputa da eleição para a presidência das duas Casas parou as votações das propostas.
● Por que a votação das diretrizes do Orçamento não avança?
Não acho que seja por causa da disputa da mesa (eleições para a presidência). É porque o TCU fez um questionamento claríssimo a respeito da meta flutuante (o governo não fixou uma meta para o rombo nas contas públicas em 2021, mas uma "meta flexível", que seria um resultado das despesas, limitadas pelo teto, e das receitas, que podem variar conforme a intensidade da recuperação da economia). Não existe meta flutuante.
● A meta fiscal pode ser flexível como foi proposto pelo governo?
A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) é claríssima. Meta tem de ser calculada e fixada como um compromisso a ser perseguido, a partir do esforço combinado do lado da receita e da despesa. Não pode “flutuar”, como foi proposto em abril. Era fava contada que o TCU questionaria. E está correto. Ou tem meta ou não tem.
● Já está em curso uma transição de política econômica?
Não vejo isso. O governo, na verdade, está perdido. O Paulo Guedes é um economista que tem formação, que deve ser respeitado. Mas o que vemos, por exemplo, quando é questionado de reforma, ele volta a falar de CPMF (o ministro defende um novo tributo sobre todas as transações que é comprado ao antigo imposto sobre o cheque), desoneração (redução dos encargos que as empresas pagam sobre o salários dos funcionários), coisas fora da pauta. Esse é o plano? Como vai ser feito? O Congresso já aceitou? Do lado dos gastos, ele falou em unificar os programas sociais, e até agora nada.
● Como a IFI enxerga o resultado do PIB do terceiro trimestre?
O PIB indica uma recuperação, mas ela é inferior à apontada pelo índice de atividade do Banco Central. Houve certa frustração, se observarmos a média das expectativas de mercado. Destaca-se que, na margem, a indústria avança acima de 14% e serviços crescem acima de 6%. Mas, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, a recessão é ainda expressiva. Na verdade, o PIB só voltará ao nível pré-crise em 2022. Além dos riscos da segunda onda da covid e da incerteza sobre esse tema, há confusão e pouca transparência nas ações de compra de vacinas e combate em geral. O Brasil perdeu tração no motor do crescimento. Para recuperar, só com aumento da produtividade, o que está ligado ao bom investimento em educação e em infraestrutura. Está ligado, ainda, à maior inserção das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor.
*FELIPE SALTO
DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI NO BRASIL
Economista pela FGV/EESP e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP, Felipe Salto foi consultor econômico da Tendências e assessor legislativo no Senado. Em 2016, organizou o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” com Mansueto Almeida - publicação que ganhou o prêmio Jabuti no ano seguinte. Ainda em 2016, foi indicado para exercer mandato fixo de seis anos como o 1º diretor-executivo da então recém-criada Instituição Fiscal Independente (IFI). Em 2020, publicou o livro “Contas públicas no Brasil” (Saraiva, 2020), com Josué Pellegrini. É colaborador da seção Espaço Aberto, do Estadão.
Felipe Salto: Farol alto na gestão das contas públicas
Revisitar o espírito da LRF pode ajudar o País a reencontrar o caminho do crescimento
A crise da covid-19 impôs ao Estado brasileiro a necessidade de aumentar gastos. Foi o que aconteceu no mundo todo para garantir recursos suficientes para a saúde e a preservação da renda das famílias mais pobres e do setor produtivo. As regras fiscais vigentes foram observadas, mas o desequilíbrio das contas públicas continua a ser um problema central.
Antes de a crise se abater sobre o Brasil, já era conhecido o diagnóstico: dívida pública crescente e superior à média dos países emergentes. A qualidade do gasto, a efetividade das políticas públicas e a preservação do equilíbrio fiscal são objetivos ainda não alcançados. Sem responsabilidade fiscal o futuro é incerto. Neste ano a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 20 anos. Trata-se do avanço institucional mais importante e sofisticado em matéria de contas públicas desde a Constituição de 1988.
A LRF estabeleceu limites para a despesa de pessoal, previu metas para os resultados fiscais (receitas menos despesas) e para a dívida consolidada. Pavimentou, ainda, os caminhos para a transparência e o controle do orçamento público. Mas a responsabilidade fiscal não deveria ser matéria restrita a especialistas. Ao contrário, saber como o dinheiro público é gasto é a base para uma sociedade democrática, justa e próspera.
Segundo o parágrafo 1.º do artigo 1.º da lei, “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar”.
A redação desse início da LRF é emblemática. Responsabilidade fiscal requer planejamento e transparência, busca do equilíbrio das contas, observância de regras bem desenhadas e controle das diversas frentes de expansão fiscal.
Desde 1999, o Brasil fixou e seguiu metas para o resultado primário: receitas menos despesas primárias (as que não incluem os juros). Esse controle foi bem-sucedido e a dívida líquida em relação ao produto interno bruto (PIB) diminuiu expressivamente por uma década inteira. Com a contabilidade criativa, entre 2008 e 2014, desmontou-se a lógica das metas de resultado primário, que passaram a ser descontadas de gastos efetivamente realizados, a exemplo do PAC. Para 2021, a meta de déficit primário fixada em lei passou a ser “flutuante”, isto é, poderá ser maior ou menor a depender da arrecadação. Não é meta, portanto.
As questões da ordem do dia do ajuste fiscal estão disciplinadas na LRF. Está tudo lá: a boa gestão e o controle do gastos com pessoal, a revisão das renúncias de receitas que não produzem o resultado prometido e a importância do equilíbrio atuarial na Previdência, entre outros. Mas os avanços, numa democracia, são incrementais. É preciso vigilância constante para evitar retrocessos.
Sozinha, a lei não impediu, por exemplo, a contabilização irregular de gastos com pessoal, expediente que ocultou parte do aumento dessas despesas no âmbito estadual. Falta harmonização de normas para recolocar as finanças dos Estados e dos municípios nos trilhos. Registre-se, por outro lado, o aumento da transparência, fruto do trabalho de excelência da equipe de ciência de dados do Tesouro Nacional.
A estagnação da economia brasileira reduz a capacidade arrecadatória dos governos, o que aumenta as restrições e aflige os gestores, sobretudo nos Estados e municípios. É preciso ter claro: a solução não poderá repetir erros do passado, como renegociações de dívida sem compromisso de controlar a despesa.
A discussão do lado das receitas é também relevante. A escolha social, que se dá pelo Congresso Nacional, poderá caminhar para uma combinação de ações que envolvam até mesmo o aumento de tributos. Mas é importante sopesar que a carga tributária já é alta para o nosso nível de renda per capita. A simplificação do sistema tributário poderia impulsionar o crescimento econômico. Antes de tudo, rever e programar melhor as despesas.
A literatura de orçamento recomenda o planejamento fiscal de médio prazo. Trata-se de projetar o crescimento econômico e as receitas e, a partir disso, determinar o espaço fiscal para os próximos anos. Para decidir o que cortar, o instrumento é a revisão periódica da despesa, fundamentada em avaliação técnica. Assim seria possível dar suporte a áreas desguarnecidas e a novas prioridades de políticas sociais, subtraindo recursos das ineficientes. Tudo isso sob o objetivo geral de barrar a alta da dívida e estabilizá-la em nível menor.
Revisitar o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal pode ajudar o País a reencontrar o seu caminho e alicerçar o crescimento econômico. Para escapar da armadilha da renda média deve-se evitar o populismo fiscal e zelar pelas contas do País, garantindo o controle da despesa pública.
Farol alto na gestão das contas públicas!
*
DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI), ÓRGÃO VINCULADO AO SENADO
Felipe Salto: A ameaça do populismo fiscal
Discutindo o Renda Brasil superficialmente, pode-se pôr em risco a credibilidade do País
No prefácio do livro que acabo de publicar com Josué Pellegrini, Contas Públicas no Brasil (424 páginas, Editora Saraiva), o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia que os aprimoramentos na institucionalidade fiscal do País “não foram de todo introjetados nas nossas elites, menos ainda na sociedade”. A verdade é que leis e regras ficam incompletas sem o espírito da responsabilidade fiscal. Dívida e déficit não se controlam por obra da lei apenas, mas pelo efetivo saneamento das contas públicas. Por isso a ameaça do populismo fiscal precisa ser barrada, sob pena de pormos a perder a capacidade de resposta do Estado no pós-crise.
A crise nas finanças públicas não chegou ao Brasil com o novo coronavírus, mas ele a exacerbou. O risco, passada a tempestade da covid-19, é mergulharmos fundo no aumento indiscriminado do gasto público. Trata-se das propostas que desconsideram a restrição orçamentária do País. A abordagem do governo no chamado Renda Brasil pode ser um primeiro sintoma.
Em tese, ninguém é contrário à criação de um bom programa de transferência de renda para os mais pobres, sobretudo depois da crise, dada a situação prospectiva de fragilidade social e econômica. Há, contudo, que levar em conta o custo, a forma de financiamento, o objetivo e o desenho da política. A ação do Estado deve estar baseada em evidência empírica. Há muita gente qualificada na academia, na burocracia estatal, no setor privado e no terceiro setor para ser consultada.
Dar continuidade ao programa de auxílio a vulneráveis seria positivo desde que respeitado o compromisso com a responsabilidade fiscal. A motivação do Renda Brasil, como vem sendo chamado, é guarnecer uma parte dos que ficarão órfãos do benefício emergencial pago durante a pandemia e terão dificuldades de encontrar emprego. Mas por ora é apenas uma boa ideia. Enquanto o leitor lê este artigo, provavelmente o Executivo está enviando ao Congresso a proposta para o orçamento público de 2021. Hoje é o prazo final. Até o momento em que terminava de escrever, três dias atrás, não havia nenhuma indicação sobre o desenho do Renda Brasil.
De quanto será esse novo benefício? Quem terá direito a receber? Será um programa permanente?
Do ponto de vista do custo, a incerteza é gigantesca. Nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o auxílio a vulneráveis custa R$ 51,5 bilhões ao mês, ou R$ 618 bilhões em termos anualizados. Para ter claro, esse montante equivale a quase todo o gasto do INSS, em 2019, de R$ 626,5 bilhões. Se o Renda Brasil corresponder a 10% disso (R$ 62 bilhões, ou quase o dobro do Bolsa Família), já será um gasto elevado e difícil de ser enquadrado no orçamento e na regra do teto de gastos em 2021.
Considere-se a seguinte hipótese de financiamento: corte de subsídios creditícios (R$ 5 bilhões), corte de gastos tributários (R$ 25 bilhões), redução temporária de jornada no serviço público (R$ 23 bilhões) e redução do abono salarial (R$ 9 bilhões). Haveria tempo hábil para articular essas medidas? A redução de jornada, por exemplo, dependeria de proposta de emenda à Constituição (PEC). As mudanças no abono salarial poderiam ser feitas por lei, mas sua extinção, apenas por PEC. Além disso, o presidente da República já disse ser contrário a mexer no abono, apesar de não ter apresentado alternativa.
E quanto ao teto de gastos? Das fontes acima listadas, a mudança nos gastos tributários não ajudaria no teto, pois essas renúncias de receitas não estão sujeitas à regra. O quadro seria de estouro do limite, lembrando que as projeções da IFI já indicam risco alto de rompimento em 2021, mesmo sem o Renda Brasil. Assim, seriam acionadas as medidas de ajuste previstas na Emenda Constitucional n.º 95, de 2016 (regra do teto).
Tais gatilhos proíbem reajustes salariais, contratações e ações, pelos três Poderes, que impliquem aumento de despesa acima da inflação. Bem aplicados, não configurariam abandono do teto, mas o seu pleno funcionamento. Espanta que o governo não tenha dado encaminhamento célere a essa questão, para que a proposta orçamentária de 2021 já nascesse em contexto de maior previsibilidade. O noticiário econômico mostra que o Ministério da Economia está correndo atrás de uma PEC para dar conta do recado. Parece descartar – não se sabe a razão – a possibilidade de construir uma saída pela própria Emenda 95.
Acionar os gatilhos daria fôlego de um a dois anos para se discutir uma reforma fiscal mais ampla, ajudando a afastar a ameaça de burla das regras fiscais por meio de contabilidade criativa. O populismo fiscal é ardiloso, porque se baseia em promessas atraentes, mas ignora os números, as estimativas e, principalmente, a indicação das fontes de financiamento.
Ao se discutir a criação do Renda Brasil de maneira superficial e sem números, pode-se pôr em risco a credibilidade das contas públicas e do País. Se prevalecer a tese de que não é preciso aumentar receitas e/ou cortar gastos para custear aumentos de novas despesas, terá vencido o populismo fiscal. É tempo de barrar essa ameaça.
*DIRETOR EXECUTIVO DA IFI
Felipe Salto: Dívida pública a 100% do PIB. E agora?
É hora de ter um plano para depois da tempestade e desenhar um novo futuro
A dívida pública deve atingir 96,1% do produto interno bruto (PIB) em 2020, crescendo a 100%, até 2022, de acordo com o cenário atual da Instituição Fiscal Independente (IFI). A capacidade do País de contrair déficits públicos (gastos não cobertos por receitas tributárias) e de financiá-los não é ilimitada. É hora de ter um plano para depois da tempestade.
Quando o assunto é dívida, não existe um número mágico a partir do qual se deva acender o sinal vermelho. O essencial, nessa matéria, é garantir a chamada sustentabilidade da dívida/PIB. A ideia é que a dívida pública caminhe pari passu ao avanço da capacidade de geração de renda e riqueza do País. No cenário da IFI, a ausência de ações estruturais que amainem o gasto público e/ou turbinem as receitas tributárias leva a uma trajetória de alta da dívida/PIB até 2030.
A dívida existe para cobrir necessidades de financiamento de políticas públicas que não sejam pagas por tributos. O governo toma emprestado do mercado, por determinado prazo, entregando títulos que pagam juros. Se há confiança de que os títulos serão honrados, o mercado aceita o negócio a juros módicos. Assim se forma uma dívida sustentável.
Em momentos de maior apreensão e risco, os compradores de títulos acabam preferindo papéis do governo que tenham prazos menores e retorno “garantido”, a exemplo dos títulos do Tesouro atrelados à Selic (juro básico da economia). Por isso, em crises como a atual, há certa tendência de encurtamento dos prazos da dívida. Vale dizer: prazos mais curtos embutem menor incerteza.
A equação que modela matematicamente a sustentabilidade fiscal relaciona a variação da dívida ao déficit público e a duas taxas fundamentais: os juros e o crescimento do PIB. Quanto maior o juro, maior o crescimento da dívida/PIB. Quanto maior o crescimento do PIB, menor o avanço da dívida/PIB. Ainda, eventuais déficits alimentam a dívida, ao passo que superávits a abatem.
Atualmente, os juros estão em níveis historicamente baixos. Esse custo médio da dívida é obtido pela razão entre o pagamento de juros e o estoque da dívida. Chama-se taxa implícita. No caso da dívida bruta, a taxa implícita de juros estava em 4,3% ao ano, em maio, em termos anualizados, ante 12,3% ao término de 2016. A queda dos juros é um dado que diferencia a crise atual das anteriores. Contudo não é uma condição imutável. Na expressão da moda, não é o “novo normal”.
Nessa avaliação, é crucial sopesar o risco externo. O professor Affonso Celso Pastore fez o alerta em artigo recente no Estado. Uma situação de fragilidade no balanço de pagamentos, isto é, nos saldos das transações entre residentes e não residentes, incluindo entradas e saídas de capitais financeiros, poderia implicar pressões excessivas sobre a taxa de câmbio – e sobre a inflação. Nessa hipótese, o Banco Central teria de subir os juros para atrair capitais e conter a inflação. O presságio não é bom, sobretudo se imaginarmos esse quadro temperado com uma dívida pública agigantada.
Se, de um lado, os juros baixos não são para sempre, o crescimento do PIB, de outro, não será extraordinário a partir de 2021. A IFI projeta tombo de 6,5% no PIB em 2020. A recuperação para 2021 é calculada em 2,5%. Isso significa que, após uma queda profunda, a economia não retornará, de imediato, ao nível projetado no pré-crise. Haverá, provavelmente, uma perda permanente de PIB, com reflexo sobre as receitas públicas e a dinâmica da dívida.
O aumento do déficit, em meio à crise, era esperado e está ocorrendo no mundo todo. O desafio é ter um programa de contenção de gastos e/ou aumento de receitas que permita reduzir os déficits públicos e conter o avanço da dívida/PIB nos próximos anos. Atingir 100% não é o que mais preocupa, mas, sim, a tendência de alta contínua.
A literatura especializada de orçamento público tem indicado a adoção de mecanismos como o medium-term expenditure framework ou plano fiscal de médio prazo para a realização de uma consolidação fiscal mais robusta. Não se trata de cortar despesas, apenas, mas de fazê-lo com base em avaliações técnicas periódicas do gasto público.
Por exemplo, por que carregar desonerações tributárias, anos a fio, sem saber se estão surtindo o efeito preconizado sobre a renda e o emprego? Será que permitir abatimentos de gastos com saúde, no Imposto de Renda, é uma boa política? Por que manter a chamada progressão automática nas carreiras do serviço público? Se os subsídios creditícios fossem avaliados, encontraríamos programas ineficientes, isto é, identificaríamos desperdício?
É fundamental responder a essas questões. E dar consequência prática às respostas, formulando um plano fiscal de médio prazo e uma estratégia para a dívida. Cortes em programas ineficientes renderiam pelo menos R$ 30 bilhões ao ano ao erário.
É hora de acender o farol alto no planejamento das contas do governo e de desenhar um novo futuro para o País, que contemple o uso responsável do dinheiro público e a solvência do Estado brasileiro. Dívida em 100% preocupa, mas a falta de rumo é o mal maior.
DIRETOR EXECUTIVO DA IFI
Felipe Salto: Batidas na porta da frente
A hora é da qualificada elite burocrática do País. Mas isso requer liderança política
A covid-19 levou Aldir Blanc, mas sua obra é um fio permanente de beleza a nos guiar nestes tempos obscuros, a exemplo da canção Resposta ao Tempo. A resposta à crise não pode mais ser atropelada por agendas inadequadas. A falta de diagnóstico e de prognóstico turva a visão do governo. Ainda há tempo para salvar muitas vidas. A resposta tem de se pautar em dois eixos: o combate ao vírus, no curto prazo, e o planejamento para o pós-crise.
O isolamento social é inescapável, como explicou o sanitarista Gonzalo Vecina em artigo no Estadão de 20/5. A recessão econômica poderá ser pior do que a apontada no atual cenário pessimista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, de 5,2%. Diante disso, a tarefa primordial é reduzir mortes e planejar um horizonte de recuperação da produção e do consumo. A volta à normalidade ocorrerá, tempestivamente, de maneira coordenada.
No eixo do combate ao vírus destacam-se quatro frentes de batalha: 1) guarnecer o SUS e os governos regionais; 2) disseminar os testes de diagnóstico e acelerar a compra de respiradores e a instalação de novas UTIs, em parceria com o setor privado; 3) mitigar os efeitos da crise sobre a renda dos mais pobres; e 4) intensificar as medidas de isolamento e as campanhas de higiene pessoal e de uso de máscaras. Comento cada uma a seguir.
1) Foram aprovados R$ 50,2 bilhões de auxílio aos governos estaduais e municipais, além de compensações de até R$ 16 bilhões nos fundos de participação desses entes federativos. Outros R$ 49,8 bilhões foram destinados à saúde, incluindo gastos diretos da União e transferências para Estados e municípios. Mas desse total, de R$ 116 bilhões, foram pagos apenas R$ 11,2 bilhões. É preciso transpor obstáculos burocráticos e acelerar os pagamentos, sobretudo no gasto com saúde.
2) “O tempo aprisiona”, diz a música de Aldir Blanc. A inépcia, também. É urgente promover um esforço nacional envolvendo o setor privado. Sua estrutura, seus profissionais e seu conhecimento têm de ser convertidos para as trincheiras da guerra ao vírus. Faltam testes, medicamentos, respiradores, UTIs e profissionais. Por hipótese, o aluguel ou construção de 30 mil leitos de UTI, ao custo médio diário de R$ 2 mil/paciente, por um período de três meses, representaria R$ 5,4 bilhões. É uma cifra muito pequena relativamente ao poder de fogo da União. Poderia ser comportada nos R$ 49,8 bilhões mencionados.
3) O programa emergencial de R$ 600 está sendo executado, apesar das filas e das dificuldades para acesso ao dinheiro. Dos R$ 123,9 bilhões fixados pelo governo no orçamento, R$ 76,4 bilhões já foram pagos. A IFI estima que o programa atingirá quase 80 milhões de brasileiros, ao custo de R$ 154,4 bilhões em três meses. A discussão sobre a prorrogação do auxílio é relevante, mas precisa ser feita no contexto de eventual reestruturação e unificação dos benefícios sociais já existentes.
4) As campanhas para higienização pessoal, controle de circulação de pessoas e uso de máscaras têm de ser intensificadas. Como apontado por Vecina, se o contágio não se distribuir no tempo, a demanda adicional de UTIs levará o sistema de saúde ao colapso.
No segundo eixo, o do planejamento para o pós-crise, é preciso ter claro o ponto de partida: a dívida pública aumentará mais de dez pontos porcentuais do PIB em 2020, algo como R$ 732 bilhões. Em 2021 será preciso retomar déficits públicos menores. Tarefa complexa a executar se o PIB aumentar muito pouco. A saída da crise envolve o compromisso com o controle dos gastos governamentais e com o aumento das receitas e dos investimentos públicos.
Os juros baixos ajudarão a elevar o investimento privado, mas cabe lembrar que a ociosidade da indústria já supera os 40%. Os recursos dos programas de crédito têm de chegar mais rapidamente às empresas. Também o programa de manutenção de emprego com redução de jornada merece atenção, uma vez que foram pagos até agora apenas R$ 4,5 bilhões dos R$ 51,6 bilhões previstos. Do contrário, fragilizaremos a retomada.
Um verdadeiro bunker é necessário para dirigir tudo isso. Os dois eixos são complexos e cheios de matizes que dependem de gente competente, gestores, especialistas e estudiosos. Em nada ajuda a súcia de camisas pardas a aplaudir o caos. A hora é da qualificada elite burocrática do País. Mas isso requer liderança política.
As tarefas são óbvias: coletar informações diárias de todos os Estados e municípios, com foco nos mais afetados pelo coronavírus, e agir, a partir do bom diagnóstico. E, claro, corrigir a rota quando necessário. Não é uma operação trivial.
Como na canção de Aldir Blanc, “(o tempo) sussurra que apaga os caminhos”, atropela vidas, é implacável com a irresponsabilidade. “Batidas na porta da frente. É o tempo…”. A melhor resposta? Governar.
Nota: Meu avô, Milton Scudeler, era assinante do Estadão e lia para mim os editoriais e artigos de opinião das páginas A2 e A3, onde agora tenho a honra de escrever periodicamente. Agradeço ao jornal pelo espaço aberto.
- Diretor executivo da IFI
Felipe Salto e José Roberto Afonso: Um orçamento para a guerra
Proposta que cria regime excepcional fiscal e financeiro é arma poderosa
A gravidade da crise disparada pelo espalhamento da Covid-19 requer ações contundentes do Estado. Em tempos de guerra, gastos públicos vultosos serão necessários e precisarão ser planejados e executados com uma eficiência incomum. É recomendável ter um orçamento apartado para dar total transparência a fontes e usos de recursos e para blindar as contas públicas do risco de desarranjo e insustentabilidade.
A flexibilidade já está contemplada na Lei de Responsabilidade Fiscal e no teto de gastos (exceção para créditos extraordinários). Após a aprovação da calamidade pública pelo Congresso, endossada pelo STF, causou perplexidade a demora do governo federal em agir. Medidas provisórias criaram dotações extras para gastos com saúde com a intenção de tentar preservar empregos e distribuir renda mensal temporária, além de reforçar fundos de participação. A emergência certamente as justifica, mas está claro que falta um conjunto consistente de ações, de atos, de gastos e de dívidas.
Uma melhor ordenação desse esforço de guerra é regulada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A PEC propõe um regime especial fiscal e financeiro para combater desde o coronavírus até os seus efeitos colaterais sobre a sociedade e a economia. Possibilitará a alocação e a aplicação céleres de recursos públicos na saúde (inclusive compra e requisição de bens e serviços), na proteção social e na reação à recessão econômica.
Um comitê gestor comandará todas as ações da crise, composto por representantes das três esferas de governo. O Congresso deverá emitir parecer sobre todas as medidas provisórias de aumento de despesas em até 15 dias. A regra de ouro será suspensa durante a calamidade, já que é inevitável contrair dívida pública para financiar custeio da saúde e transferências assistenciais.
Proposições legislativas ficarão imunes às amarras, desde que não criem compromisso permanente do gasto público. Não se poderá, por exemplo, contratar novos servidores permanentes ou reajustar salários.
Além das matérias fiscais, a PEC proposta contempla alterações na atuação do Banco Central e em suas relações com o Tesouro Nacional para promover uma intervenção emergencial. Permitirá a concessão direta de crédito para empresas, em linha com o que outros países têm feito.
A construção do orçamento de guerra pode ser reforçada e complementada por outras propostas de lei complementar, ordinária e decreto legislativo. Elas podem dar mais fluidez ao processo de contratação e fiscalização das despesas, na crise, e, ao mesmo tempo, assegurar conforto aos gestores compatível com atos tomados em caráter emergencial, sem prejudicar a transparência.
Em particular, há um projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que cria um fundo para estruturar o arcabouço orçamentário, podendo incluir até recursos privados para financiar a construção de hospitais e leitos de UTIs, contratar médicos, comprar remédios e testes, dentre outras ações.
É importante atentar que o SUS é organizado de forma descentralizada. Especialmente na assistência médica, cerca de 95% do gasto é executado diretamente pela rede hospitalar estadual e municipal. A guerra é sempre nacional, e um orçamento unificado permitirá integrar e conciliar o financiamento centralizado com ações descentralizadas.
Traçar uma fronteira entre as contas públicas de guerra contra o coronavírus e o orçamento regular dará a agilidade necessária para enfrentar a emergência e assegurará o controle e a transparência. Serão várias frentes de batalha: saúde, proteção social, produção e crédito.
A proposta iniciada pela Câmara dos Deputados para criar um regime excepcional fiscal e financeiro é uma arma poderosa para o Brasil vencer essa guerra pela vida.
*Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal e autor do livro ‘Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade’ (ed. Record)
*José Roberto Afonso, doutor em economia pela Unicamp, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e conselheiro da IFI
Josué Pellegrini e Felipe Salto: Gestão fiscal na guerra contra o coronavírus
Além de provocar queda da receita, a crise exigirá forte aumento dos gastos públicos
O Brasil vive uma guerra contra o coronavírus. O custo fiscal chegará a centenas de bilhões de reais. Cada real utilizado valerá a pena se servir para salvar vidas, preservar empresas e atividades e garantir a subsistência dos milhões de trabalhadores que perderão renda em razão da paralisação da economia.
Dado que os recursos necessários serão bastante vultosos e o País já se encontra em situação fiscal frágil, as decisões a serem tomadas nesse âmbito terão de seguir duas diretrizes principais: 1) alocar os recursos disponíveis de modo a maximizar os resultados no enfrentamento da crise e 2) distribuir o custo da guerra entre diferentes fontes de financiamento.
Em relação ao primeiro item, a principal preocupação é garantir agilidade e efetiva utilização dos recursos. Um conselho no âmbito da União, com participação dos Poderes e boa articulação com os governadores e prefeitos, seria um arranjo conveniente. Todas as grandes decisões relativas à crise passariam por esse núcleo decisório.
Esse conselho contaria, ainda, com um regime extraordinário de funcionamento e uma espécie de orçamento que acompanharia as fontes de financiamento das medidas e o caminho da utilização dos recursos, incluídos os créditos, até a destinação final, necessariamente relacionada ao combate à crise. Com esse arranjo seria possível coordenar as ações, conferir agilidade, acompanhar e fiscalizar o gasto.
Vale registrar que a crise atingiu o Brasil numa situação fiscal particularmente ruim. A meta de déficit primário do governo central para 2020, somada à necessidade de contingenciamento, resulta numa necessidade inicial de financiamento na esfera federal de R$ 150 bilhões a R$ 160 bilhões. Soma-se a esse montante o gasto extra do combate à crise de cerca de R$ 350 bilhões, considerando complementação de renda, correções no Bolsa Família e despesas na área da saúde. Sem contar os créditos a serem concedidos por meio dos bancos públicos.
É preciso levar em conta também os efeitos da forte queda da atividade econômica e de medidas tributárias de ajuda ao setor privado. Várias projeções indicam queda do produto interno bruto (PIB) de 4% ou mais. A isso se soma o forte impacto da crise sobre o preço do barril de petróleo e o tamanho dos royalties e participações especiais. Não é pessimismo exagerado acreditar que a receita possa cair mais de R$ 120 bilhões.
Conjugando os números acima se conclui que a necessidade de financiamento do setor público em 2020 deverá ultrapassar os R$ 600 bilhões. A maior parte dessa necessidade será atendida pelo aumento da dívida pública.
Tal fato remete à segunda diretriz apontada, que é o balanceamento adequado das fontes de financiamento para evitar novos problemas, tão logo o País retorne à normalidade. Dois canais de financiamento complementares, além do endividamento federal, são a redução de ativos e o remanejamento dos gastos públicos.
O resgate antecipado dos créditos do Tesouro no BNDES estará limitado em 2020, se o banco tiver papel importante no enfrentamento da crise, pela concessão de crédito a empresas e entes federados. Já a venda de reservas internacionais será relevante, uma vez que o Banco Central tem usado esse instrumento para controlar a instabilidade da taxa de câmbio.
A venda de reservas permite que o Banco Central reduza dívida (operações compromissadas), o que diminui a dívida bruta e abre espaço para financiar os gastos necessários para mitigar os efeitos da crise.
O espaço para a venda de reservas é dado pelo nível mínimo prudencial, ainda mais na presente crise. Recorrendo à métrica do Fundo Monetário Internacional (FMI), chega-se a um limite de R$ 291,9 bilhões, inclusa uma margem de segurança de 25%. Comparativamente ao nível atual de reservas, de R$ 358,5 bilhões (em 13 de março), a venda até o limite propiciaria US$ 66,6 bilhões em recursos, o equivalente a R$ 333 bilhões, a uma taxa de câmbio de R$ 5.
Outra fonte de financiamento a ser explorada é o remanejamento de despesas, reduzindo as que não dizem respeito à crise, em favor das que atacam diretamente o problema. Contudo não basta ater-se ao remanejamento das despesas discricionárias, pois estas são muito reduzidas, ainda mais com as emendas parlamentares. O ideal seria aprovar com urgência uma autorização temporária para envolver também os gastos obrigatórios.
Uma alternativa próxima a essa seria o uso dos empréstimos compulsórios, previsto na Constituição, de grupos de alta renda. Essa medida e o remanejamento não são contracionistas, pois os recursos liberados serão destinados à mitigação da crise.
Em resumo, a crise surge numa situação inicial de desequilíbrio das contas públicas e, além de provocar queda da receita, exigirá forte aumento dos gastos. Esse quadro requer uma gestão fiscal atenta ao emprego adequado dos recursos no enfrentamento da crise e à distribuição equilibrada das fontes de financiamento, de modo a não provocar problemas de difícil solução logo após o retorno à normalidade.
RESPECTIVAMENTE, DIRETOR DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI) E CONSULTOR LEGISLATIVO DO SENADO FEDERAL; E DIRETOR EXECUTIVO DA IFI DO SENADO FEDERAL
Entrevista com Felipe Salto
Entrevistamos Felipe Salto que é economista pela FGV/EESP e tem mestrado em Administração pública e governo também pela FGV. Atualmente é professor dos cursos de pós-graduação executiva na mesma instituição e já trabalhou sete anos na Tendências Consultoria, na área de macroeconomia, onde se tornou especialista na cobertura das contas públicas brasileiras.
Desde 2015, trabalha no Senado Federal, como assessor econômico dos senadores José Serra e José Aníbal. Escreve artigos para o Estadão, Folha e Valor, além de manter o Blog do Salto.
Felipe Salto publicou, em 2016, em parceria com Mansueto Almeida Jr., atual secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, o livro ‘Finanças Públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade’, pela Editora Record. O livro, organizado pelos dois economistas, é um compêndio de diagnósticos e propostas para recuperar o equilíbrio fiscal e a credibilidade das contas públicas brasileiras.
Confira a entrevista que fizemos sobre políticas econômicas, contas públicas e ajuste fiscal.
- Salto, como chegamos a esse descalabro fiscal? Foi só a atuação com políticas anticíclicas que se exauriram ou há mais fatores? Talvez um pouco de political budget cycle em 2014?
Há uma crise de crescimento econômico sem precedentes. O pior biênio da série histórica do IBGE, que começa em 1901, será 2015-2016, com taxas negativas de 3,8% e 3,3%. O tombo do PIB desbancou a arrecadação do governo e, com isso, exacerbou nossos problemas fiscais. Digo exacerbou porque eles não apareceram neste ano ou no ano anterior. O ovo da serpente foi posto no governo Lula. Veja: a taxa de crescimento real anual do gasto era 3,5%, no segundo governo FHC. Ela avançou para 7,4%, no primeiro governo Lula e para 9,5% no segundo. Isto é, aproveitamos muito mal o período da bonança externa. Usamos esse excedente externo gerado pela alta das commodities para turbinar o consumo, muito mais do que o investimento. A esse processo somaram-se as práticas da contabilidade criativa, que começaram já em 2009, com os chamados abatimentos dos gastos do PAC da meta de superávit primário. À época, escrevi com Maílson da Nóbrega o primeiro artigo que alertava para isso é para os riscos desse novo caminho de expansão fiscal desmedida e não contabilizada. Saiu no Estadão: “Contabilidade criativa turva meta fiscal“. De lá pra cá, foi a derrocada. Apostaram no gigantismo dos bancos públicos, no manejo unilateral das variáveis macroeconômicas, como o juro, e no intervencionismo sem fim. Deu no que deu.
- E quais são as opções disponíveis para sair do atoleiro fiscal atual e voltar a termos contas públicas em ordem?
A PEC do Teto é uma boa medida , mas tem de ser complementada. Fiz simulações que apontam para um desbalanceamento dessa proposta. No curto prazo, pouco efeito e, no longo, um superávit exagerado. É preciso ajustá-la urgentemente, colocando limites auxiliares explícitos para o gasto com pessoal, impedindo assim que o ajuste recaia sobre investimentos e gastos sociais. Além disso, o prazo é muito longo. Dentre 88 países analisados em recente estudo do FMI, nenhum deles adotou regra similar para um período tão longo. É bom que o governo tenha algum grau de discricionariedade e que a recuperação da atividade possa se refletir em mais e melhores políticas públicas. Outras medidas que o governo deveria tomar: limitar a dívida da União, como manda a constituição e na linha de projeto de resolução cujo texto substitutivo foi apresentado ano passado pelo senador José Serra; securitizar a dívida ativa (vender créditos tributários), o que renderia pelo menos R$ 55 bilhões à União; interromper todos os reajustes salariais e contratações no serviço público; reduzir à metade os subsídios e subvenções; elevar a CIDE e reduzir juros. Sobre esta última medida, cada ponto de Selic a menos são R$ 25 bilhões de economia fiscal, sem mencionar os efeitos sobre as empresas, que estão atoladas. A depressão, o hiato do produto extraordinariamente aberto e a convergência das expectativas de inflação para patamares baixos justificam a queda imediata do juro.
- Dessas opções disponíveis, quais as mais eficazes do ponto de vista econômico? Elas conflitam com suas viabilidades políticas?
O mais eficaz é promover ajustes rápidos e intensos e, depois, apostar no gradualismo. O prédio está pegando fogo e, neste caso, tem de chamar os bombeiros. Não adianta ficar sinalizando, sinalizando e não agir! A revisão de todos os contratos de compras do setor público com o privado é também um caminho que já deveria ter sido adotado. Ele poderia render de R$ 12 a R$ 14 bilhões ao erário por ano. Nesta semana, participei de debate na FGV-SP e o professor Yoshiaki Nakano nos contou sobre como conduziu o ajuste fiscal no governo Covas, quando foi secretário da Fazenda. Há muita, mas muita ineficiência no governo. Combater isso é gerar economia ganhando de quebra a confiança da população para as outras medidas e reformas é fundamental. A viabilidade política se dá pelo exercício da liderança, inspirando confiança nas pessoas. Para isso, é preciso ter um bom plano, uma mescla de ações. E é preciso ter convicção sobre isso.
- Como mencionado, carro-chefe do governo Temer é a PEC 241. Quais são suas qualidades e seus riscos? Ela será suficiente para conter o problema fiscal? E ainda mais importante: vai ser aprovada?
Como já comentei, a PEC é a principal medida do governo e está desbalanceada. Ela tem pelo menos quatro problemas, como escrevi em artigo para o Instituto Teotônio Vilela: o prazo é longo demais; o teto geral (inflação passada) conflita com as 14 vinculações e/ou indexações presentes no gasto primário federal; o esforço a curto prazo é nulo e a longo prazo é altíssimo (o primário poderá superar 6% do PIB); e as exceções fixadas no texto, como os créditos extraordinários, prejudicam a força da PEC. Acho que o governo tem um longo caminho pela frente. É muito positivo que tenha eleito o problema fiscal como o prioritário, mas não há bala de prata. Só a PEC não nos retirará do atoleiro. Disso não tenho dúvida. Nesse sentido, as declarações recentes do governador Alckmin estão corretas.
- Mesmo que a PEC seja aprovada, outra questão que fica é: vai ser respeitada? Tínhamos a LRF que foi desrespeitada. Por que devemos acreditar que desta vez é diferente?
Aí é que está. Se a Lei de Responsabilidade Fiscal estivesse sendo seguida à risca, não precisaria de PEC do Teto. Aliás, não teríamos chegado na situação calamitosa de dívida de quatro trilhões com déficit nominal de 600 bilhões de reais e custo médio de 8,7% em termos reais. É coisa de louco. Se a regra de ouro estivesse valendo, jamais estaríamos galopando na dívida pública para financiar salários, aposentadorias e gasto corrente em geral, com investimentos estagnados em 0,6% do PIB. Vale lembrar que a regra de ouro diz que só se pode fazer dívida nova se for para investimentos. Ainda assim, sejamos otimistas: o novo governo, pelo menos, tem um bom diagnóstico do quadro fiscal. Precisa, no entanto, de uma estratégia mais ampla, complexa e detalhada. Mais difícil: precisa comunicar tudo isso muito bem e convencer deputados e senadores.
- Se a PEC não é uma bala de prata, como falamos, quais outras medidas fiscais são urgentes para que o Brasil não quebre mais para frente? Previdência? Saúde universalizada? Educação superior gratuita? Como vender cortes em “direitos sociais” e aliar a necessidade econômica de se fazer ajustes com o lado político?
Não há que se cortar os direitos e conquistas sociais. A política fiscal só tem sentido dentro de um contexto em que sirva para dar as melhores respostas sobre a alocação dos recursos públicos dadas as demandas sociais. Não se pode atropelar a sociedade. A política é a construção – e a reconstrução – constante do Estado. O Estado, por sua vez, é a lei, a ordem jurídica, a Constituição e a garantia do seu cumprimento, pela burocracia técnica e pelos políticos. O crescimento econômico é, nesse sentido, um objetivo central para qualquer governo. Como disse o mestre de todos nós, economistas, o professor Edmar Bacha: “sejamos francos, não há ajuste sem recuperação da atividade”. E desde já, que fique claro: não há contradição alguma. Em economia, é assim mesmo, tudo é circular, o ajuste afeta a confiança, que afeta os juros, que afeta o investimento e o crescimento econômico. Mas este, por sua vez, é imprescindível para recuperar receitas e produzir novamente um quadro mínimo de financiamento sustentável das políticas públicas. Por isso é tão importante buscar fatores exógenos a todos esses processos: concessões e privatizações e expansão de acordos comerciais são dois vetores essenciais. O juro também pode ajudar, neste momento, repito, pois a economia está deprimida, a inflação cedendo e o buraco só aumentando. Vamos continuar a receitar antibiótico para curar pneumonia, quando o diagnóstico é de pedra nos rins?
- Por fim, você e o Mansueto Almeida acabaram de lançar o livro “Finanças Públicas. Da Contabilidade Criativa ao Resgate da Credibilidade”. Seja um vendedor do livro e nos diga: por que devemos comprar (e mais importante, ler) o livro? Que lições ficam para o futuro? E vamos recuperar a credibilidade fiscal?
O livro é uma iniciativa de quando eu ainda estava na consultoria Tendências. Maílson me incentivou e escreveu um dos melhores capítulos do nosso compendio, que é sobre o histórico de construção e destruição das instituições fiscais no Brasil. Mansueto se animou e entrou na parceria comigo quando ainda estava no IPEA. Conseguimos reunir gente muito boa. Ali você vai encontrar diagnóstico, mas também muitas propostas. Marcos Mendes escreve sobre gastos com pessoal. Pedro Maciel, sobre a crise dos estados. Outro capítulo interessantíssimo é o do ex-presidente do Bacen, Gustavo Loyola, que avança sobre o tema intrincado do relacionamento entre a autoridade monetária é o Tesouro Nacional. Modestamente, o trabalho é mais um tijolinho para ajudar a construir o futuro do nosso país. Em última análise, para ajudar a construir o Brasil com que todos sonhamos: mais fraterno, mais desenvolvido e mais justo socialmente.
Fonte: terracoeconomico.com.br