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Vinicius Torres Freire: Quem rouba o dinheiro dos impostos?

Na verdade, governo devolve diretamente 78% da receita que chega a seu cofre

O governo é um monstro que cobra impostos até esfolar os cidadãos, sem oferecer “serviços públicos de qualidade”. É a queixa cada vez mais gritante pelo menos desde 2013, quando o “gigante acordou”.

O sonho da razão produz monstros, já se disse e desenhou uma vez. O gigante desperto na monstruosa algazarra política brasileira faz contas sonháticas, se não delirantes, com receitas e despesas do governo.

Acha que o Leviatã tributário foge com o dinheiro, que não faltaria caso não houvesse corrupção ou marajás.

Mas o governo devolve a maior parte dos impostos diretamente para os bolsos do gigante, que acordou, mas ainda não se olhou no espelho. É o que mais uma vez mostram dados do Ministério da Fazenda, que publicou na semana passada a carga tributária e um detalhamento das “Transferências para Assistência Social, Previdência e Subsídios” (Taps) de União, estados e municípios em 2017.

Alguns cálculos com esses dados ajudam a explicar que a disputa pelos dinheiros públicos em 2019 será feia como a necessidade —é o conflito social que aparece sob o nome de “ajuste fiscal” e “reformas”. Sim, pode ser também que não se faça ajuste nenhum; então, quebraremos à moda do Rio ou teremos grande inflação.

Por falta de espaço, fiquemos nos dados federais.

A carga tributária federal era de 22,1% do PIB (22,1% da produção ou da renda nacional em um ano). Mas parte disso nem fica no governo federal. Por lei, vai diretamente para governos de estados e municípios. Sobra o equivalente a 18,6% do PIB (mais de R$ 1,2 trilhão, em 2017).

Desse dinheiro, o equivalente a 78% volta quase sem escalas para o bolso de algum cidadão. São aquelas despesas com Taps: Previdência geral (aposentadorias, pensões, auxílio-doença etc.), previdência dos servidores, saques de FGTS e PIS/Pasep, seguro-desemprego, abono salarial, benefícios para idosos e deficientes muito pobres, Bolsa Família e subsídios.

Sim, o equivalente a 78% do total da receita de impostos do governo viaja até Brasília e volta por meio desses pagamentos. E o resto? Por exemplo, quase 9% vão para despesas com saúde e educação. Cerca de 3,8%, para investimentos em obras. Para salários de servidores, 12,7%. Etc.

Embora parte menor dessas despesas “Taps” não entre na conta do Tesouro, a soma relevante dos gastos ainda resulta em enorme déficit: o governo gastava 14% além do que arrecadava em 2017 (o cálculo não inclui a despesa com juros).

O déficit ficou especialmente feio depois de 2013, quando a carga tributária caiu um pouco e o gasto da Previdência explodiu (quase todo o estrago recente das contas públicas está aí).

Isto posto, o que o “gigante” pretende fazer? Na verdade, o gigante é um corpo feito de classes sociais ou grupos de interesse, o nome que se dê, que recebe de volta, de modo desigual, 78% da receita do governo. Terá de receber relativamente menos, por muitos anos.

Quem vai perder? Essas transferências sociais já beneficiam menos os mais pobres (famílias em que a renda por cabeça não passa de R$ 400 por mês, 26% da população).

Não existe um “Outro” secreto e fantástico que leva a dinheirama para a Ilha do Tesouro. Boa parte do debate das “reformas” é a discussão de quem paga a conta.

Essa história de “quebrar o sistema”, “o mecanismo” e resolver o rolo sem dor, “acabando com a corrupção”, é ingênua ignorância ou picaretagem de governante demagogo.


Míriam Leitão: Fazenda manda alertas e conselhos

Documento da Fazenda traz lista de bombas fiscais que podem ser aprovadas pelo Congresso e dificultar a recuperação no próximo governo

O futuro governo deveria olhar com cuidado o relatório do Ministério da Fazenda divulgado ontem. Cada administração tem suas ideias, mas existem pontos que são comuns. Buscar maior equilíbrio fiscal e maior foco nos gastos públicos, por exemplo. O grupo que arruma agora as gavetas acertou muito e deixou projetos engatilhados. O documento também traz a lista de algumas bombas fiscais que precisam ser desarmadas porque do contrário vão reduzir a chance de sucesso da próxima equipe.

O governo Temer preparou bons relatórios para quem chega, mas nem sempre o novo ministro está interessado em ouvir. Na economia, contudo, há uma coerência maior de pensamento. Esta equipe assumiu com a inflação perto de 10% e a entrega na meta. Tirou o país da recessão, ainda que não tenha conseguido fazer o país retomar o crescimento. O déficit fiscal deste ano será bem menor do que o projetado, ainda que o país permaneça no vermelho. Ela trabalhou, como já disse aqui, em condições políticas difíceis.

Um alerta importante é o que vincula equilíbrio fiscal com estabilidade institucional. A trajetória da dívida pública precisa ser contida porque ela levaria ao risco de default e nenhum governo sobrevive a isso, como atesta a história da Presidência de Collor. Em um dos gráficos, o relatório mostra a expectativa das instituições financeiras sobre a dívida bruta. No começo de 2016, a projeção era que este ano estaria em 84,5%, houve uma queda das previsões, que hoje estão em 77%. O déficit primário caiu de 3,1% para 1,3%.

“Uma crítica costumeira aos programas de ajuste fiscal são de que eles afetariam os mais pobres e elevariam a desigualdade social”, lembra o documento. Na verdade, as reformas podem atenuar o problema, como mostrou a estatística do gasto público por quintil de renda. Dos gastos de pessoal, 79,3% são recebidos pelos 20% mais ricos e 3% ficam com os dois últimos quintis, ou seja, os 40% mais pobres. O Bolsa Família é o programa de maior foco. Os 40% mais pobres ficam com 74,5% da renda distribuída. Na Previdência, como disse ontem aqui, 40% ficam com os 20% de maior renda no país, e 3% com os 20% mais pobres. Na lista do que foi feito há a reforma do Fies. As despesas do programa estavam numa rota explosiva e ele seria inviabilizado se não fosse feita a mudança total de parâmetros e garantia.

A equipe comandada por Paulo Guedes é que decidirá o que fazer a partir do próximo ano, mas há lá uma lista de projetos que coincide com o que foi dito na campanha, como a redução dos subsídios e incentivos fiscais. Só para citar um exemplo: o atual governo acabou com o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e a conta ficou alta. Até agora, foram gastos R$ 251 bilhões. E continuará pesando nos próximos anos.

O último capítulo do estudo alerta sobre os riscos de projetos que estão em tramitação no Congresso e que representam, na visão da Fazenda, “retrocesso na busca de uma sociedade mais próspera e equitativa”. Vários deles já foram temas aqui na coluna e são, quase sempre, resultados de lobbies e de pressão de grupos de interesse. Os custos são divididos por toda a sociedade, enquanto os benefícios são direcionados a poucos escolhidos.

A Previdência corre sempre o risco de passar por uma contrarreforma. Há diversos projetos que pretendem aumentar benefícios ou conceder renúncia de contribuição a categorias escolhidas. As ações judiciais também são fontes constantes de gastos. Militares questionam a cobrança de contribuição sobre pensões de inativos, aposentados do INSS que ganham mais que um salário mínimo querem ter a mesma regra de reajuste de quem recebe o mínimo, guardas civis municipais desejam ter direito a aposentadorias especiais. Só para citar algumas.

Os estados e municípios estão sempre pressionando suas bancadas para pendurar contas na União ou receber mais recursos. A maior ameaça de gastos vem de alterações na Lei Kandir, com aumento de despesas de R$ 39 bilhões por ano para o governo federal, com o valor corrigido pela inflação ano a ano. No Congresso, também há projetos que dificultam a condução das políticas fiscal e tributária, propostas de concessões de subsídios regionais, aumento da vinculação de gastos, renúncias fiscais e crescimento de despesas com pessoal. A lista é grande, é melhor o governo eleito ficar atento.