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José Aníbal: Para que servem as elites?

No seminário que o Instituto Teotônio Vilela e a Fundação Astrojildo Pereira promoveram no mês passado, o jornalista britânico Adrian Wooldridge encerrou sua palestra sugerindo uma volta ao debate filosófico do qual pensadores ingleses como Thomas Hobbes e John Stuart Mill foram pioneiros: para que serve o Estado, qual o limite de seu poder e como ele pode funcionar melhor em nosso modelo de democracia ocidental?

São perguntas cuja pertinência atravessou quatro séculos e que se mantêm tão relevantes hoje quanto na transição dos regimes absolutistas para as repúblicas ou monarquias parlamentaristas.

São questões que preocupam as nações mais desenvolvidas do mundo no século 21 e que também demandam atenção no Brasil, às voltas com a recuperação de sua economia e com um longo período de instabilidade política e, por vezes, até institucional.

Nesse sentido, cabe acrescentar ao argumento de Wooldridge, colunista da revista The Economist e coautor do instigante livro A Quarta Revolução, qual o papel e o dever das elites política, econômica, intelectual e cultural dos países na disseminação de princípios democráticos, no respeito às instituições republicanas e na defesa do pleno exercício da cidadania.

A história mostrou que o melhor caminho para uma nação próspera, com justiça social, respeito ao direito de ir e vir com segurança e acesso igualitário a serviços de educação e saúde básicos não são as revoluções que, invariavelmente, culminaram em execráveis regimes totalitários.

Tampouco vingou o modelo de laissez-faire em que se pregava a dispensa da ação do Estado, mas foi ao Estado que muitos correram quando foram à falência quando atingidos por crises profundas.

Parece clara, ainda que seja tarefa complexa, a urgência de se rediscutir um melhor equilíbrio do papel do Estado na promoção do bem-estar social e da oferta mais equitativa de oportunidades, assim como no estímulo à eficiência, ao aumento da produtividade e de um mercado competitivo e globalizado.

Num país ainda marcado pelas desigualdades como o Brasil, esse debate torna-se ainda mais fundamental, não só para a construção de perspectivas mais promissoras do ponto de vista econômico e social, mas para a própria sustentação do regime democrático.

Digo isso diante de pesquisas recentes que mostram alta desconfiança dos brasileiros em relação ao funcionamento da democracia e eventual apoio significativo a um governo militar ou não democrático.

Reverter esse quadro é dever dos que ocupam posições de relevo nos três poderes, nas grandes empresas e instituições financeiras, nos veículos de comunicação e nas redes sociais, nos grandes centros de formulação e produção de conhecimento científico, intelectual e cultural.

São esses os formadores da elite no sentido mais seminal da palavra: não como referência a privilegiados, mas como definição de eleitos, de escolhidos em um grupo social por serem os mais valorosos e bem qualificados.

Quando tais ocupantes esquecem esse significado e atuam movidos por interesses próprios, escusos ou alheios ao bem coletivo, fazem mais do que uma mera distorção do conceito original da palavra: condenam o país e a sociedade à desordem e à falta de perspectivas.

A defesa da democracia, do debate público racional, e a superação da demagogia e do populismo não é desafio exclusivo da elite brasileira nem está livre de percalços, como reconheceu ninguém menos do que Barack Obama em sua passagem pelo país. Estão aí Donald Trump e Brexit como exemplos mais eloquentes, e de certa forma a recente crise catalã na Espanha.

Há em comum nesses casos a incapacidade de fazer vencedora a visão economicamente racional, politicamente equilibrada e socialmente sensível às demandas do cidadão comum. Diante de crises e insatisfações, o apelo ao discurso fácil e às promessas que não podem ser cumpridas ou que, se cumpridas, terão graves consequências, é o combustível para a radicalização e para o surgimento de efêmeras bonanças a antecipar longas tempestades.

Assim, é preciso semear confiança nos que querem garantir o sustento de suas famílias e seguem em busca de oportunidades e emprego. Compreender e oferecer soluções reais para o medo da violência que assola a população de grandes, médias e até pequenas cidades.

Defender uma profunda reforma do Estado para que não faltem verbas para saúde, educação, cultura, infraestrutura, nem sejam desperdiçados recursos com privilégios, favores, aposentadorias especiais ou precoces.

Essa é, definitivamente, uma tarefa das elites que deveriam fazer jus à palavra.

 

 


Lourdes Sola: Seminário Desafios Políticos muda patamar do debate político no Brasil

Para cientista política da USP, evento promovido pela FAP e pelo ITV merece destaque pela pluralidade, ousadia e sofisticação das discussões

Um debate plural, ousado e sofisticado, com prioridade aos diagnósticos das questões a serem enfrentadas em lugar de dogmas partidários. Com essa definição, a cientista política Lourdes Sola, professora aposentada da USP, sintetizou sua avaliação do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, organizado por uma parceria inédita entre o Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, e a Fundação Astrojildo Pereira, do PPS, e realizado nos dias 14 e 15 de setembro, em São Paulo.

"É gente que quer mudar, olhar para frente sem medo. E, sobretudo, que não ficou refém da polarização que vivemos nos últimos anos", disse Lourdes Sola, ao saudar seus idealizadores e reconhecer que a iniciativa foi surpreendente e de resultado bastante positivo.

Nesta entrevista ao ITV, Lourdes Sola analisa a discussão realizada pelos participantes do seminário e destaca os três principais eixos que marcaram os debates. Ao todo, o evento reuniu 23 palestrantes, entre políticos, intelectuais e jornalistas, do Brasil e de outros quatro países da Europa e da América do Sul.

O primeiro eixo diz respeito ao Estado e se orienta por duas indagações: Para que serve o Estado no século 21? E que tipo de democracia queremos?

O segundo trata da compreensão de como as mudanças, os processos desestabilizadores que emergiram na sociedade contemporânea, se manifestam nas bases sociais da política.

Por fim, o terceiro aborda o impacto da globalização sobre o Estado, a economia e as bases sociais da política. Nesse sentido, Lourdes Sola destacou a palestra de Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República, que fez um panorama das transformações políticas e sociais da era moderna para a contemporânea.

Ao analisar e sintetizar as discussões do seminário, Lourdes Sola também chama atenção para a reflexão do britânico Adrian Wooldridge, colunista da revista The Economist, sobre os momentos de inflexão do Estado nacional ao longo da era moderna e a urgência de sua transformação no mundo contemporâneo.

A discussão sobre a existência ou não de uma crise da democracia foi também alvo de sua avaliação. Em consonância com o cientista político Marcus Melo (UFPE), Lourdes Sola acredita que vivemos uma crise de representação e de critérios de legitimação política, e não da democracia. "Vejo a emergência de uma cultura cívica no Brasil. O povão tende a ter novos critérios de legitimação, mas quem os representa, os políticos, ainda não perceberam", analisa.

Do segundo dia do seminário, Lourdes Sola destaca a discussão sobre os efeitos sociais e econômicos da globalização, analisados pelos sociólogos Caetano Araújo e Demétrio Magnoli. O primeiro analisou o papel do capital financeiro internacional e as relações com os Estados nacionais, enquanto o segundo discutiu os processos políticos de escolhas nesta conjuntura, que culminaram na eleição de Donald Trump presidente dos EUA, no Brexit, entre outros.

Dessa mesma mesa, a cientista política considerou fundamental para o Brasil a apresentação de Stefan Fölster, alemão radicado na Suécia que dirige o Reform Institute e é coautor do livro A Riqueza Pública das Nações. Ele argumentou a favor de uma gestão profissional do patrimônio público, um conceito que vai além do debate privatização versus estatização e aborda o interesse coletivo e a geração de riqueza com mais complexidade.

Leia a entrevista de Stefan Fölster publicada pelo jornal Valor Econômico

Ainda mereceram destaque as discussões sobre as consequências da revolução tecnológica no mercado do trabalho e como os países devem se preparar nesse sentido, investindo em educação, ciência e tecnologia, como defendido por Carlos Henrique Brito Cruz, diretor-científico da Fapesp e um dos palestrantes do seminário.

Por fim, o seminário tratou das investigações contra a corrupção, como a Mãos Limpas italiana e a brasileira Lava Jato, abordadas por palestrantes como o jornalista e escritor Gianni Barbacetto e o diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena.

Leia a entrevista de Gianni Barbacetto concedida ao jornal O Estado de S. Paulo

Para concluir, Lourdes Sola ressalta a importância do seminário Desafios Políticos pela qualidade dos convidados e coragem de seus idealizadores. "Foi um momento muito feliz e de mudança de patamar. E que ilustra bem que nós estamos preparados e alertas para refletir, e com muita vontade de mudar", comemora.


Stefan Fölster: 'Privatizar requer cuidado com competição'

Num momento em que o governo brasileiro prepara um ambicioso programa de privatizações, o economista sueco Stefan Fölster destaca a importância de se buscar o aumento da competição quando se vendem empresas estatais 

Por Sergio Lamucci, do valor Econômico

Diretor-executivo do centro de estudos Reform Institute, de Estocolmo, Fölster sugere ao Brasil a criação de um fundo de riqueza nacional (FRN), para gerir de forma profissional o que chama de ativos públicos comerciais - além de estatais, o conceito engloba bens sob o controle do Estado que podem gerar retorno, como imóveis.

Para ele, o fundo poderia conduzir o processo de privatização por aqui, como ocorre em alguns dos países que adotam esse modelo para gerir ativos públicos, como já fez a Áustria. No caso do Brasil, Fölster vê espaço tanto para algumas vendas de estatais no curto prazo, que não passariam antes pelo FRN, como para privatizações realizadas pelo fundo.

"Quando se privatiza, é preciso pensar com cuidado para que haja mais competição", diz Fölster, que deixa claro não ser um inimigo da desestatização. "Ao contrário", afirma ele, que, no entanto, acrescenta: "Privatizar sem aumentar a competição frequentemente não funciona muito bem".

Fölster é um dos autores do livro "A Riqueza Pública das Nações", escrito com Dag Detter, publicado no Brasil em 2016. Na obra, eles dizem que os governos têm um grande volume de riqueza negligenciada, os chamados ativos comerciais públicos, que podem gerar retorno - museus e parques nacionais ficam fora da classificação.

"Nossa avaliação é que, em todos os países onde há uma luta para reduzir a corrupção e o clientelismo, um fundo de riqueza nacional é a melhor instituição para ajudar", diz Fölster. Segundo ele, o conselho deve ser formado em sua maioria por profissionais, podendo incluir "figuras internacionalmente conhecidas", que possam funcionar como alerta. A ideia é isolar o FRN da política do dia a dia, para tentar evitar escândalos como os ocorridos na Petrobras e outras estatais brasileiras e também medidas clientelistas. Nesse segundo caso, ele inclui iniciativas como o controle dos preços do combustível ordenado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que proibiu por um longo período a Petrobras de reajustar a gasolina.

Fölster veio ao Brasil para participar de um seminário promovido pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV), do PSDB, e pela Fundação Astrogildo Pereira (FAP), do PPS, na semana passada. A seguir, os principais trechos da entrevista.

*Valor:* /Como os governos em geral tratam os ativos públicos?
*Stefan Fölster: * Nenhum governo do mundo tem um quadro muito claro do que de fato possui. Isso torna a situação bem menos transparente. Para o cidadão, é muito mais difícil avaliar se o governo está fazendo um bom trabalho administrando esses ativos. Mas também é um problema porque muitas oportunidades de criar valor são perdidas. E talvez a questão mais importante é que a falta de transparência significa que há muitas oportunidades para corrupção que são impossíveis para um cidadão para
ver. E há o que eu chamo de clientelismo.

*Valor:* /Quando políticos indicam pessoas para empresas estatais?/
*Fölster: * Sim, mas às vezes é algo menos pessoal. O governo de Dilma Rousseff instruiu a Petrobras a manter baixos os preços da gasolina. Eu vejo isso como uma espécie de clientelismo.

*Valor:* /Como esses ativos públicos "escondidos" podem ajudar países emergentes e desenvolvidos a lidar com os problemas fiscais e estimular o crescimento? /
*Fölster: * Nós estimamos que a riqueza pública tenha aproximadamente o mesmo tamanho do PIB global, algo entre US$ 70 bilhões a US$ 80 trilhões. Nós focamos apenas em ativos públicos comerciais, aqueles que podem gerar retornos, não falando em parques nacionais ou museus. Se o retorno sobre ativos públicos fosse mais próximo do que os melhores obtêm, os países poderiam provavelmente dobrar os seus investimentos em infraestrutura. Há também efeitos financeiros indiretos. Se um país tem uma melhor contabilidade de seus ativos públicos, é mais fácil os emprestadores avaliarem a qualidade do crédito. Com isso, ele provavelmente será capaz de tomar dinheiro emprestado a juros mais baixos. Há cerca de 20 países que introduziram o que nós chamamos de fundos de riqueza nacional, em que profissionais podem administrar estatais um pouco distantes da política do dia a dia.

*Valor:* /Quais países têm esses fundos?/
*Fölster: * Cingapura e Malásia, por exemplo. A Áustria tem um fundo há décadas, que tem funcionado bem. A Finlândia introduziu o seu mais recentemente, em 2008. E há também exemplos menores, como de cidades que têm algo como fundos de riqueza urbana, como a minha cidade, Estocolmo, que caminhou nessa direção.

*Valor:* /Por que o fundo de riqueza nacional é a melhor forma de administrar ativos públicos?
*Fölster: * Primeiro, deixe-me dizer que esses fundos não são perfeitos. Nos países que os adotaram, há um cabo de guerra constante a respeito de qual o grau de independência política. Mas em sua maior parte eles parecem funcionar melhor que a alternativa de administração de empresas estatais por ministros, por exemplo. A nossa avaliação é que, em todos os países onde há uma luta para reduzir a corrupção e o clientelismo, um fundo de riqueza nacional é uma instituição melhor para ajudar. O modo de fazer isso é formar uma controladora [holding], assegurar que o conselho tenha profissionais suficientes, com alguns políticos talvez, mas também algumas figuras internacionalmente conhecidas, que possam funcionar como alerta. Já no caso das pessoas que forem empregadas pelo fundo, elas não devem ser especialistas em finanças como em fundos soberanos, mas ter um perfil mais como os de especialistas em indústria, como de fundos de "venture capital", que sejam bons em ver oportunidades de criação de valor.

*Valor:* /É correto dizer que o FRN é uma terceira via entre manter uma empresa estatal ou privatizá-la?
*Fölster: * Acho que algumas pessoas classificariam desse modo. Eu diria que, para qualquer coisa que o país decida que deve continuar como propriedade do Estado, um fundo de riqueza nacional é a melhor maneira de fazer a gestão. Além disso, se um país também decide que quer
privatizar mais, também é bom deixar o fundo de riqueza nacional fazer isso. No processo de privatização, há muitas oportunidades de corrupção.
Frequentemente um fundo de riqueza nacional pode fazer isso de modo mais profissional. E é politicamente muito mais fácil. Nos últimos 30 anos, o fundo austríaco vendeu algumas empresas estatais quando o momento era apropriado, ganhando dinheiro que foi repassado ao governo.

*Valor:* /O sr. tem uma estimativa do tamanho dos ativos públicos no Brasil?
*Fölster: * A riqueza pública ainda é muito grande no Brasil. Mas eu não tenho um número exato. Muita coisa pertence aos governos locais.

*Valor:* /Uma melhor administração dos ativos públicos pode ajudar o Brasil a enfrentar no curto prazo o problema fiscal e as necessidades de infraestrutura ou é algo que teria um impacto mais forte no médio e longo prazo? 
*Fölster: * Há um efeito de curto prazo. Se o Brasil se mover para um fundo de riqueza nacional, isso melhoraria a confiança no governo e poderia melhorar a qualidade do crédito e a confiança dos investidores. Ao mesmo tempo, o canal de melhorar a governança, de ter empresas mais eficientes, levaria anos. Para a maior parte dos países, nós defendemos que haja um fundo de riqueza nacional, mas o Brasil é tão grande e tão variado que acho que há argumentos para dividir algumas coisas. É possível pensar em fundos de riqueza regional.

*Valor:* /Porque muitas estatais e ativos pertencem a Estados e municípios?
*Fölster: * Sim. E também porque uma empresa como a Petrobras é tão grande que pode ser um problema em si mesma. Deve-se começar com um fundo de riqueza nacional, dando instruções a ele para examinar o tamanho das empresas. Algumas dessas companhias talvez devam ser separadas, por serem muito grandes.

*Valor:* /O sr. obviamente sabe dos grandes escândalos de corrupção envolvendo empresas estatais como a Petrobras. Esse tipo de problema seria evitado com um FRN?
*Fölster: * O fundo é a melhor receita disponível, mas não é uma bala de prata. Mesmo o FRN se tornar corrupto. É apenas um instrumento na caixa de ferramentas. Igualmente importante é a transparência, por exemplo.

*Valor:* /O governo brasileiro anunciou um programa ambicioso de privatizações, em parte porque o país está numa situação fiscal delicada. Como o sr. analisa a privatização em si e também nesse quadro?
*Fölster: * Acho que um fundo de riqueza nacional deve ser criado, uma empresa com Eletrobras, por exemplo, deve passar ao fundo e o fundo deve comandar a privatização. E há tanta riqueza pública comercial no Brasil que dá para fazer os dois. É possível vender empresas no curto prazo e ainda ter o suficiente para o fundo no longo prazo. E há uma regra importante a ser definida. A receita obtida não pode ser usada para o consumo público. O dinheiro só deve ser usado para reduzir a dívida líquida ou para bancar novos investimentos públicos.

*Valor:* /O sr. lembrou que Dilma impediu a Petrobras de aumentar os preços da gasolina. Como avalia esse tipo de iniciativa?
*Fölster: * Muita gente acha que empresas estatais são estatais não apenas para gerar lucros, mas também para perseguir objetivos sociais e públicos. Com isso, avaliam que é bom que sejam estatais. Mas, o que nós vemos é que governos frequentemente mandam as companhias tomar medidas que são boas para os seus eleitores ou para quem os apoie. Com isso, as coisas não ficam muito transparentes e ninguém sabe qual é o custo dessas medidas. O que nós defendemos é que os fundos de riqueza nacional tenham uma diretiva muito simples - maximizar os retornos. Se o governo quer perseguir um objetivo social ou público, deve pagar a estatal por esse serviço.

*Valor:* /O sr. não é então um inimigo de privatizações.
*Fölster: * Ao contrário. Mas, tendo dito isso, há vários exemplos de que privatizações foram mal feitas, sem aumentar a competição. Quando se privatiza, é preciso pensar com cuidado para que haja mais competição. Privatizar sem aumentar a competição frequentemente não funciona muito bem.

*Valor:* /Qual deve ser a ênfase do Brasil em relação a suas estatais?
*Fölster: * Eu gostaria de ver um foco adicional na qualidade da governança. Assim que possível, introduzir um fundo de riqueza nacional, colocar os ativos lá e deixar o fundo ajudar na privatização. No caso daquelas em que o mercado não estiver pronto e os preços estiverem baixos, pode se colocar no fund, para que ele as venda quando chegar o momento adequado.


Debate FAP/Livraria Cultura: 'É necessário superar o totalitarismo da esquerda', diz Ruy Fausto

Para o filósofo Ruy Fausto, autor da obra "Caminhos da Esquerda – Elementos para reconstrução", é preciso que se revise e supere certos fundamentos da esquerda

Germano Martiniano

O totalitarismo sectário da esquerda deve ser suplantado pela democracia. O tema foi um dos principais discutidos durante o debate sobre o livro "Caminhos da Esquerda – Elementos para reconstrução", organizada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria com a Livraria Cultura, nesta terça-feira (19), em Brasília. O evento contou com a presença do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), do sociólogo Caetano Araújo e do autor da obra, o filósofo Ruy Fausto.

De acordo com Ruy Fausto, o livro se insere no contexto de crise da esquerda e na “grande” ofensiva do capitalismo no Brasil e no mundo e, portanto, é necessária uma revisão e superação de certos fundamentos da esquerda. Para tal análise o autor se vale do que ele denomina de patologias da esquerda. “O maior responsável pela crise da esquerda ainda é o totalitarismo, que levou a milhares de mortos, e que ainda é possível se ver em governos como de Maduro na Venezuela”, avalia Fausto.

O autor também considerou, como outras patologias, o populismo de esquerda, caracterizado pelo patrimonialismo; alianças de classes, autoritarismo e carisma, entre outros. Por fim, o adesismo - uma alusão ao reformismo, que é um termo ultrapassado, na visão do autor - é a terceira patologia da esquerda. Segundo Fausto, governos como de FHC, por exemplo, que faziam parte da esquerda, acabaram por aderir à medidas capitalistas em detrimento de conceitos básicos da esquerda. “Não se trata de um purismo ideológico, mas todas politicas de direita na história também afirmavam que iria haver melhoria das condições de vida dos cidadãos”, completou o filósofo.

Caetano Araújo divergiu de Ruy Fausto quanto às questões patológicas do populismo e adesismo. Para o sociólogo, no mundo globalizado com todas as mudanças que ocorreram pós segunda guerra, tornou-se difícil não pensar em um estado que fosse reformista. “Algumas reformas, ditas liberais, são necessárias mediante o novo mundo”, disse. Com relação ao totalitarismo, citado por Ruy Fausto, Caetano convergiu que é uma “impossibilidade lógica” na esquerda que precisa ser superada através da democracia, mesmo com todos os defeitos que esta possui.

Ao encerrar o evento, Cristovam Buarque chamou a atenção para o fato de que, em sua avaliação, o que falta hoje na política brasileira são bons filósofos. “Muitas pessoas pensam que carecemos de bons políticos, mas na verdade necessitamos de bons filósofos. Temos de trazer a filosofia para dentro da política”, acredita. O senador, que afirmou que vivemos em um “terremoto social”, convergiu com Caetano quanto a dificuldade de se negar certas medidas reformistas adotadas por vários governos pelo mundo. “A economia atual deve ser eficiente, com regulações e a justiça social se faz com o excedente da desta economia”, finalizou Buarque.

 


FAP e Livraria Cultura promovem lançamento e debate da obra Caminhos da Esquerda nesta terça (19)

Discussão do tema ocorre em um momento no qual a esquerda brasileira - e mundial - passa por grande crise de identidade

Germano Martiniano

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Livraria Cultura promovem, nesta terça-feira (19/9), em Brasília, o lançamento do livro “Caminhos da Esquerda – Elementos para uma reconstrução”, do filósofo Ruy Fausto. O evento contará com uma mesa de debate com o autor da obra, o historiador Alberto Aggio, o sociólogo Caetano Araújo e o presidente do Conselho Curador da FAP, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF).

“Vamos discutir os argumentos do Ruy Fausto sobre a situação da esquerda hoje. A ideia é esclarecer e demarcar convergências e divergências entre a visão dominante no PPS e esses argumentos”, disse Caetano Araújo, dirigente da FAP e um dos responsáveis pela realização do evento. Caetano também destacou a iniciativa da Fundação na organização do evento junto à Livraria Cultura: “O tema da identidade da esquerda, para nós da FAP, é de extrema importância, por isso quisemos organizar um debate com um autor que é reconhecido pela opinião pública e acadêmica neste assunto."

Em um momento no qual a esquerda brasileira - e mundial - passa por uma crise de identidade, a obra de Ruy Fausto, assim como a discussão em torno do tema, são essenciais para se trilhar novos caminhos. Como o próprio Ruy Fausto definiu, em recente debate promovido pela Livraria Cultura e Companhia das Letras, “o livro é uma espécie de tentativa de redefinir a esquerda”. Para isso, o autor considera três pontos essenciais: democracia, crítica ao capitalismo e crítica ao populismo.

“Um dos pontos principais desta obra é tentar juntar coisas que se supõem separadas, democracia e a crítica do capitalismo”, disse Ruy Fausto. Outros pontos que também são abordados por ele, essenciais para a reconstrução da esquerda, são as criticas ao populismo e, consequentemente, a corrupção. “Precisamos ser exigentes quanto à lisura administrativa, critica ao populismo e ao sistema que estamos inseridos”, disse o filósofo.

Sobre o debate, o historiador Alberto Aggio avalia que “é interessante que estratos distintos de intelectuais da esquerda debatam essa crise pela qual a esquerda passa”. E completa: “O livro do Ruy Fausto é importante no momento em que estamos já que a crise da esquerda depois do fracasso do lulopetismo é profunda, é uma obra de alguém que conhece e estuda as questões da esquerda.”

O debate, que será aberto ao público, será transmitido ao vivo pelo Facebook da FAP: https://www.facebook.com/facefap.

Após a mesa redonda haverá sessão de autógrafos.

Serviço 
“Caminhos da Esquerda – Elementos para uma reconstrução”
Local: Livraria Cultura – CasaPark Shopping Center – SGCV- Sul, Lote 22 – Piso 2 – Loja 4 – Zona Industrial
Data: 19 de setembro, terça-feira, às 19h30

Convite

Confira o debate na íntegra:

https://www.facebook.com/facefap/videos/1320477578062700/


Democracia precisa se aprimorar para lidar com fluxo permanente de informações, diz Caetano Araújo

O segundo dia de debates do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação foi aberto com o tema “Globalização e a Mudança da Estrutura das Sociedades”. Em sua palestra, o sociólogo Caetano Araújo abordou o tema sob três perspectivas – Estados nacionais, novo mapa da política e partidos como ferramentas da democracia – que agora ganham uma nova dimensão: a disponibilidade de informação permanente.

“Se hoje temos a informação em tempo real, antes tínhamos a rede de informações dos capitais, dona de grande mobilidade. E à medida que os capitais avançam para a extrema mobilidade, os Estados vão diminuindo de poder, pois os capitais têm o poder de veto por omissão, eles deixam de investir”, explicou. A primeira vítima dessa mobilidade, disse, foi o estado de bem-estar social, que já enfrentava a escassez de financiamento.

“Isso continua. Se a Ásia foi uma fronteira industrial, é provável que agora seja a vez da África. E o que os países ocidentais democráticos farão? É possível a eles impor condições de trabalho como na Ásia? Não. Países democráticos agiram de outra forma: investiram em ciência e tecnologia, o que também mudou a estrutura do Estado”, disse, citando o livro A Quarta Revolução, debatida no seminário em palestra do jornalista Adrian Wooldridge.

Segundo Araújo, essa mudança tem uma data simbólica: a última década do século 20 – época em que na França, por exemplo, François Mitterrand, embora eleito por um plataforma social-democrata, tomou direções opostas para enfrentar uma crise econômica.

“Isso nos leva ao segundo impacto: o processo de globalização também mudou o mapa das posições e das oposições politicas no mundo”, afirmou. Se antes as posições eram alinhadas, indo da esquerda à direita, com dois extremos não democráticos e um centro democrático amplo, nos últimos anos essa percepção da politica não se mostra suficiente, pois perpassa a questão do nacionalismo X liberalismo.

Por fim, o sociólogo destacou que, ligados à disponibilidade de informação na internet, nascem os movimentos sociais do século 21. “Antes pessoas iam para rua dizer o que queriam e, geralmente, queriam que alguém fizesse por elas. Hoje, essas manifestações são constantes, podem durar meses e são organizadas de forma horizontal”, explicou. Sempre, reforçou, com palavras de ordem democráticas. “Onde não há democracia, pedem democracia. E onde há, pedem nova democracia, com responsabilização de representantes. A prestação de contas é constante.”

Veja trecho de entrevista para a FAP:


Alckmin, Cristovam e Aníbal abrem o seminário internacional

A mesa de abertura do seminário internacional Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, uma parceria entre a Fundação Astrojildo Pereira e o Instituto Teotônio Vilela e a , contou com as presenças do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira, José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, Cauê Macris, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e Geraldo Alckmin, governador do Estado de São Paulo.

Responsável pela abertura do evento, o secretário executivo do seminário, embaixador André Amado, afirmou que, durante uma crise, a primeira vítima é a esperança de tempos melhores. Segundo ele, o intuito do seminário é justamente encontrar caminhos para superar os problemas dos tempos atuais.

Para Cristovam Buarque, os políticos não se adaptaram às novas transformações desse mundo cada vez mais globalizado. “O futuro não é só aumentar o PIB. As transformações que estão ocorrendo exigem transformações da política também. É preciso encontrar novos caminhos”, disse.

José Aníbal afirmou que cada vez mais os políticos precisam conversar com a sociedade de forma inteligível, de fácil compreensão, e assim avançar no diagnóstico dos problemas do país. O presidente do ITV chamou atenção para a questão previdenciária do Brasil e analisou que atualmente o país é uma espécie de modelo do que não se deve fazer, mas que é possível torná-lo um modelo a ser seguido. “Está ao nosso alcance.”

Segundo Cauê Macris, o momento atual é o mais propício para discutir os problemas do Brasil e encontrar caminhos para superar as dificuldades, com foco sempre naqueles que mais precisam.

Fechando a primeira mesa de debates, Geraldo Alckmin falou que é preciso valorizar a boa política e discutir um projeto para o Brasil. Na sua visão, os desafios vão desde a representatividade política nos tempos modernos, passando pela questão econômica, tecnologia, inovação, e foco no emprego e na renda.

O governador paulista avaliou que o Brasil precisa investir mais em infraestrutura, estar inserido no cenário internacional e “saber jogar o jogo do século 21”. “Os países que mais cresceram nos últimos anos são aqueles que souberam entrar nesse mundo globalizado. O Brasil precisa de menos gladiadores e mais construtores para poder avançar”, diagnosticou Alckmin.

Confira trecho de entrevista de Cristovam Buarque para FAP:


Crise política é resultado de ‘cegueira cívica’, diz Marco Aurélio Nogueira

O cientista político, Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp, avaliou que a crise política é real e assustadora por dois motivos: as sociedades mergulham em uma “espécie de cegueira cívica”, tentando atender apenas aos interesses pessoais, e há um bloqueio do processo de deliberação democrática, impedindo a tomada racional de decisões. “Os efeitos da crise são dramáticos e dizem não dizem respeito apenas ao mal funcionamento do sistema, mas afeta a vida das pessoas em larga extensão”, disse no seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação.

Terceiro palestrantes da mesa “Crise de representação política e o futuro da democracia”, Marco Aurélio Nogueira destacou, por outro lado, que não se trata de um problema unicamente brasileiro e, muito menos, recente. Desde os anos 1960, os regimes políticos do ocidente estão dialogando com a crise que, segundo ele, se globalizou com a globalização do capitalismo.

“Uma das características do capitalismo globalizado é que ele globalizou a economia, a sociedade, a cultura, mas não conseguiu globalizar a politica. Essa dissonância está na base de boa parte dos problemas atuais”, avaliou. “Transferindo para o plano nacional, as coisas se deram da mesma forma. Do mesmo modo que a vida nacional se modernizou de forma globalizada, a vida politica não conseguiu acompanhar”, disse.

Segundo ele, a crise não é apenas das instituições, ou das regras com as quais se pratica a política. A crise é também da política. “Tem a ver com hábitos, procedimentos, valores éticos, representantes e representados”, explicou. Além das reformas institucionais feitas com algum consenso, sugeriu, são necessárias também iniciativas pedagógicas que coloquem essa discussão para a população.

Confira trecho de entrevista com Marco Aurélio:


É preciso superar ‘apatia intelectual’ e reinventar o Estado, diz Adrian Wooldridge

Autor do livro A Quarta Revolução, Adrian Wooldridge, colunista da revista The Economist, afirmou no seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação que há atualmente uma “apatia intelectual”: as pessoas não pensam a fundo a natureza da política e do Estado. Por isso, a crise em ambos. “A natureza do Estado pode mudar. Já mudou muito e passou por transformações drásticas. Mas agora não estamos mais tentando reinventá-lo”, disse.

Em sua palestra, Wooldridge fez um histórico das revoluções pelas quais o Estado passou ao longo do tempo, mote de seu mais recente livro. A primeira, no século 17, foi interpretada por Thomas Hobbes, que pregava que as pessoas deveriam abrir mão da liberdade individual em relação ao Estado para terem segurança. “A Europa passou a ser o centro do mundo, porque tinha um modelo estatal de sucesso”, explicou.

A segunda revolução veio no século 19, quando se passou a acreditar que o Estado, para gerar liberdade e eficiência, precisava ser menor. Já no século 20, preponderou a ideia de que o Estado deveria gerar bem-estar social. Foi a terceira revolução. “E isso deu muito certo, mas depois de um certo tempo, o Estado ficou grande demais, pois além de oferecer condições essenciais, como saúde e educação, passou a oferecer outros e diversos tipos de serviços. Vieram as cobranças, as greves e as manifestações, na década de 70”, disse. “Aí veio a revolução neoliberal, com Regan e Tatcher”, completou.

“Agora temos a revolução da tecnologia e do conhecimento. A revolução industrial do cérebro. E esse é só o começo”, afirmou. Para ele, as novas tecnologias precisam estar ligadas à grande questão: para que serve o Estado? “Se o Estado ficar cada vez maior, será um grande problema para a democracia”, completou.

Além disso, acrescentou, é importante defender a liberdade. “Hoje o Estado tributa e fica com metade do que você produz, mas precisamos voltar à revolução britânica, de eliminar a corrupção e ficar com o necessário. Aquele mundo, da segunda revolução, prosperou porque se reinventou e reinventou o Estado democrático. E é isso o que funciona.”


José Anibal: A resposta da boa política aos desafios e transformações do mundo

Nos últimos anos, o Brasil enfrentou algumas das mais difíceis crises de sua história.

Atravessamos quase três anos de uma recessão que, finalmente, parece ter ficado para trás, ainda que persistam questões estruturais para um estado com efetivo equilíbrio fiscal, sem artifícios como os vistos no passado recente.

O sistema político carece de uma reorganização com o objetivo de reaproximá-lo das pessoas, do cidadão comum, e fazer com que o governo seja menos custoso à sociedade e, principalmente, mais eficiente.

São desafios inegavelmente complexos, mas igualmente estimulantes para aqueles engajados na construção de um país mais próspero e uma sociedade mais justa e menos desigual.

Ao mesmo tempo que os problemas do dia a dia exigem ações imediatas e eficazes, é também fundamental ter capacidade de discussão, reflexão e elaboração de novas e criativas formas de enfrentar e solucionar as questões estruturais do mundo contemporâneo.

Nesse sentido, não poderia haver momento mais singular e necessário para a promoção de um grande seminário internacional como o que o Instituto Teotônio Vilela, do qual sou presidente nacional, e a Fundação Astrojildo Pereira realizam nesta semana, em São Paulo.

Ao longo de dois dias e sete sessões de trabalho, mais de duas dezenas de intelectuais, analistas, jornalistas e políticos do Brasil e de outros quatro países vão debater temas como a reinvenção do estado democrático, o impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho, as transformações provocadas pela globalização, os avanços e as consequências das grandes operações de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Faço aqui um convite a todos para que acompanhem as discussões do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação.

É inegável que as questões a serem debatidas, num primeiro momento, despertam preocupação ou mesmo desesperança, mas é precisamente por isso que tais questões devem ser encaradas com racionalidade, coragem e ousadia.

Só assim construiremos novas e criativas formas de exercer e revigorar a boa política, elaborar soluções pertinentes e plausíveis de serem implementadas e, enfim, pavimentar caminhos para um Brasil mais próspero e mais preparado para os grandes desafios deste mundo em intensa transformação.

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


Nova programação do Seminário Internacional 'Desafios políticos de um mundo em intensa transformação'

Evento vai discutir temas imprescindíveis para a população brasileira, como a globalização, a democracia e o combate contra a corrupção à luz da experiência internacional. Cerimônia de abertura contará com a participação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Confira a nova programação.

Germano Martiniano
Paulo Jacinto

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria inédita com o Instituto Teotônio Vilela (ITV) realizará, nos dias 14 e 15 de setembro, em São Paulo, o Seminário Internacional "'Desafios políticos de um mundo em intensa transformação", que pretende discutir temas de grande importância para o Brasil e o mundo. Como está a democracia brasileira? Qual a representatividade do cidadão? Quais as mudanças que a globalização tem causado na estrutura das sociedades? Como o mercado de trabalho mudou por conta da revolução tecnológica dos últimos anos? Como o nosso país tem sido afetado por um dos grandes males deste século: a corrupção?

O Seminário terá entre seus debatedores nomes reconhecidos nacionalmente e internacionalmente, como do ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS nacional e de Cristovam Buarque, senador (PPS-DF) e presidente do Conselho Curador da FAP e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O evento contará com os palestrantes Adrian Wooldridge (Coautor de A Quarta Revolução), Stefan Folster (Coautor de Riqueza Pública das Nações), Gianni Barbacetto (Coautor de Operação Mãos Limpas) e outros importantes convidados reconhecidos internacionalmente.

De acordo com André Amado, secretário executivo do seminário, o evento surgiu da necessidade de se discutir temas imprescindíveis à população, não só brasileira, mas também mundial. “O seminário buscou reunir nomes respeitáveis em diversas áreas, pois as questões atuais são de grande complexidade e exigem pessoas de alto nível para debatê-las”, avalia.

“O mundo está em repletas transformações. As garantias que tínhamos tempos atrás não existem mais. Temos liberdade de impressa, mas temos crise de democracia; temos a globalização com promessa de prosperidade, porém uma desigualdade social acentuada; temos o avanço tecnológico, contudo milhões de desempregados”, completa o secretário executivo do seminário.

Para Luiz Carlos Azedo, diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira, o evento se reveste de grande importância pelos temas atuais que pretende discutir, como a questão da globalização, da democracia brasileira e do combate à corrupção, com exemplos do que foi feito em outros países. “É uma oportunidade única de debater algumas das questões mais importantes da atual conjuntura política brasileira, à luz da experiência internacional”, avalia Azedo.

Temas
O seminário será divido em quatro temas. O primeiro deles, Crise de representação política e o futuro da democracia. Nesta mesa será abordada a questão da democracia brasileira: como em um país que se tem 513 deputados, 81 senadores e mais de 30 partidos pode se garantir o fortalecimento da democracia e a representatividade do cidadão?

A globalização e a mudança da estrutura das sociedades será o segundo tema em debate. Para esta discussão um dos convidados foi Caetano Araújo, sociólogo e consultor legislativo do Senado Federal. Para ele, a globalização é um processo contraditório. “Ao passo que vemos, por exemplo, o desemprego crescer na Europa e nos EUA, a crise do Estado de bem estar e o aumento de posições politicas nacionalistas e xenófobas, também vemos milhões de pessoas retiradas da pobreza na Ásia e, ao que tudo indica, na África”, informa Caetano.

O terceiro tema que será abordado será A revolução tecnológica e o mercado do trabalho. Nesta mesa será discutido, segundo André Amado, como o avanço tecnológico tem modificado as relações de trabalho e também sociais. “O avanço tecnológico tem deslocado milhões ao desemprego, ao mesmo tempo que proporcionou melhorias na qualidade de vida das pessoas e também na capacidade técnica de diversos trabalhos”, avalia o secretário-geral do seminário.

Por fim, o quarto e último tema, é algo bastante recorrente na vida politica brasileira: a corrupção. A temática Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites irá abordar casos de corrupção e de combate à mesma, que ocorreu na Itália e, atualmente, ocorre no Brasil. Para Alberto Aggio, historiador e dirigente da FAP, embora as duas operações em questão sejam distintas, “será importante realizar um debate esclarecedor sobre a positividade e os limites dessas operações, e ver suas relações com a democracia e a necessidade de alicerçar a coesão social em torno de ideias fundamentais, como a do bem-comum.”

Programação

Sessão de abertura (14/09/2017, às 14h30)

- Senador José Anibal (PSDB-SP), Presidente do Instituto Teotônio Vilela e representando o Senador Tasso Jeressaiti, Presidente interino do Partido da Social Democracia Brasileira.

- Geraldo Alkmin (PSDB-SP), Governador do Estado de São Paulo

- Cristovam Buarque, Senador (PPS-DF) e Presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira.

A reinvenção do estado democrático (15h)

- Moderador: Milton Seligman (Professor do INSPER e Global Fellow do Woodrow Wilson Center)

- Palestrantes:

. Adrian Wooldridge (co-autor de A Quarta Revolução)

. Fernando Henrique Cardoso (presidente da república de 1995 a 2002)

. Roberto Freire (Deputado Federal por São Paulo e presidente do Partido Popular Socialista - PPS)

Crise de representação política e o futuro da democracia (Dia 14/09, às 16h30)
- Moderadora: Helena Chagas (jornalista)
- Palestrantes:
. Alessandro Ferrara (filósofo, Roma2, Tor Vergata)
. José Álvaro Moisés (Professor Titular do Departamento de Ciência Política da USP)
. Marco Aurélio Nogueira (cientista político, UNESP)
. Marcus Melo (cientista político, UFPE)

A globalização e a mudança da estrutura das sociedades (Dia 15/09, às 9h)
- Moderadora: Hercídia Coelho (Professora Livre Docente História/UNESP e advogada)
- Palestrantes:
. Caetano Araújo (sociólogo, Senado Federal)
. Demétrio Magnoli (sociólogo, membro do GACINT-USP)
. Sergio Fausto (sociólogo, Fundação Fernando Henrique Cardoso),
. Stefan Folster (co-autor de Riqueza Pública das Nações).

A revolução tecnológica e o mundo do trabalho (Dia 15/09, às 11h15)
- Moderadora: Ana Paula Couto (jornalista)
- Palestrantes:
. Carlos H. Britto Cruz (físico, UNICAMP e FAPESP)
. Dora Kaufman (socióloga e pesquisadora, ATOPOS USP e TIDD PUC/SP)
. Mario Albuquerque (sociólogo e consultor, Chile)
. Mauro Magatti (sociólogo, UC de Milão, Itália)

Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites (Dia 15/09, às 15h)
- Moderadora: Denise Frossard (juíza aposentada)
- Palestrantes:
. Gianni Barbacetto (co-autor de Operação Mãos Limpas)
. Marcelo Moscogliati (Subprocurador-Geral da República
. Oscar Vilhena (Diretor da Faculdade de Direito, FGV),
. Rodrigo Chemim (Procurador do Ministério Público, Paraná).

Sessão de encerramento (Dia 15/09, às 17h)
- Moderador: Luiz Carlos Azedo (jornalista, comentarista político)
- Palestrantes:
. Cristovam Buarque (Senador PPS-DF e Presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira)
. José Anibal (Senador e Presidente do Instituto Teotônio Vilela).
. Lourdes Sola (cientista político, USP

 


Revista PD#48: Reforma Política e Governo Representativo

A reforma política é um tema que recusa ser esquecido, apesar da má vontade da classe política e de muitos intelectuais. De chofre, reaparece como uma artimanha das cúpulas partidárias emaranhadas nas teias da Lava-Jato. Seja como for, precisa ser enfrentada com seriedade e não sutilmente escanteada por meio do abuso ao senso-comum antipartidário dominante no país – atavismo da inadaptação nacional à democracia, como bem observara Sérgio Buarque de Holanda na primeira metade do século passado.

Por Hamilton Garcia de Lima
Revista Política Democrática #48

Um dos focos principais desse senso-comum se dirige contra a adoção da lista fechada no sistema proporcional, sob o argumento de que ela enfraqueceria o vínculo entre eleitores e candidatos, levando "à ditadura das cúpulas partidárias" em detrimento do direito de escolha do eleitor.

A crítica é fraca e falsa sob variados aspectos; vejamos alguns. Uma das razões para que a reforma política não saia da agenda do país é precisamente o fato de que o modelo vigente (lista aberta) levou, ao longo das últimas três décadas, o vínculo entre representantes e eleitores aos piores patamares da história republicana – não obstante o juízo de muitas autoridades acadêmicas que, nos anos 1990-2000, prognosticavam o amadurecimento do modelo.

Os motivos para essa deterioração crescente são muitos, mas deve-se destacar, em particular, a opacidade do método de distribuição das cadeiras legislativas pelo coeficiente partidário-coligacional, que faz a "mágica", aos olhos da sociedade, de eleger candidatos com os votos dos não eleitos, de tal modo que nem os políticos, em sua esmagadora maioria, sabem exatamente de onde vem os votos que efetivamente os elegem, nem os eleitores a quem seus votos efetivamente consagram, pois a grande maioria votou em candidatos que não se elegeram.

Não bastasse isso – em si, suficiente para explicar o estranhamento do eleitor em face de "seu" representante e o descompromisso desse em relação àquele –, a ideologia liberal reforça a alienação recíproca ao propalar uma abstrata primazia do eleitor que, supostamente, como vimos, escolhe o candidato usando para tal do discernimento natural. A fábula de uma razão descolada de contextos (interesses), estruturas (instituições) e tradições (cultura), só serve aqui para encobrir a farsa do sistema atual de escolha do eleitor.

Na verdade, ao contrário do que propõe essa ideologia, nosso eleitor encontra-se perdido num cipoal de siglas e nomes que pouco explicam/significam e que o impede de ter a visibilidade mínima para qualquer escolha razoável em termos, mesmo que apenas, de seu interesse individual. Sendo obrigado a votar em condições tão nebulosas, o cidadão acaba sendo naturalmente atraído pelos elementos mais visíveis no jogo: os candidatos-singulares, que se destacam pela capacidade ou acúmulo comunicativo, em meio ao mar de nulidades políticas individuais, ou pela oferta de alguma materialidade imediata, individualmente significativa, como vantagens pecuniárias ou acesso ao poder, tudo isso sem maiores considerações acerca dos efeitos colaterais de tais opções sobre a administração e o interesse público.

Na cabeça de significativos segmentos do nosso eleitorado – e até mesmo para alguns de nossos intelectuais ingurgitados de Lattes –, a oferta de serviços públicos por canais privados de clientela eleitoral, que oferecem privilégios em troca de voto, em nada se relaciona com a má qualidade do serviço público, em geral, sendo apenas uma forma supostamente inofensiva de remediá-la.

Descaminho
Mas, esse descaminho do Estado pelo sistema democrático de votação – sintetizada por uma liderança comunitária do Farol, em Campos dos Goytacazes/RJ, em 2007, nos seguintes termos: "o voto no Brasil corrompe" –, não produz efeitos apenas sobre as políticas públicas por ele impactadas, mas igualmente sobre o âmago do processo democrático, atingindo mortalmente a soberania do eleitor, sem que a abordagem liberal disso tenha a menor ideia.

Para muitos em nosso país – e isso não se limita aos pobres –,a soberania do voto se transformou numa relação fetichizada que, à semelhança do fetiche da mercadoria discutido por Marx em O Capital, transforma, em nosso caso por meio da gratidão ou ambição, o eleitor de portador da soberania do voto em tutelado por um patrono que lhe concede, sob a forma de favor, aquilo que formalmente está estabelecido como direito, distorção esta que, ao contrário daquela ensejada pelo poder econômico privado e seus enlaces de privilégios e superfaturamentos com a administração pública, não pode ser combatida por nenhuma Operação Lava-Jato.

Toda esta realidade, que fere de morte o direito de escolha do eleitor nas eleições proporcionais e subverte a essência do sistema democrático, transcorre sob a chancela da fetichista lista aberta, que, apesar de todas as evidências em contrário, continua sendo defendida pelos liberais programáticos como "garantia da liberdade de escolha do eleitor".

Não é por outro motivo que os antídotos às doenças da alienação eleitoral e da perversão democrática , insistem em voltar ao centro do tabuleiro político quando o tema da reforma política emerge, mesmo em meio à grossa neblina lançada ao vento pelos apóstolos da liberdade abstratamente concebida; me refiro ao sistema de lista fechada e ao voto distrital, que podem ser aplicados isoladamente ou combinadamente, com ou sem financiamento público de campanha.

Ambos têm uma qualidade cuja falta corrói nosso sistema político: a de responsabilizar os partidos pelos mandatos conquistados em seu nome, ao mesmo tempo que reforça os vínculos dos candidatos com seus partidos, já que ambas as fórmulas ensejam disputas internas reais pelas vagas de candidato ou sua ordenação na lista, com impactos importantes sobre a vida das agremiações políticas. De outro lado, elas também tornam transparentes ao eleitor/representante o destino/fonte de seu poder, criando condições efetivas para a sinergia político-programática entre o eleitor e o eleito. Em síntese, eleitores, eleitos e elites partidárias se tornam corresponsáveis pelo resultado dos mandatos conquistados e ninguém pode fugir às suas responsabilidades em caso de fracasso das apostas – o que, no caso do eleitor, implica seu deslocamento na direção de outra opção partidária.

Oligarquias
O efeito colateral criticado nesses remédios é o fortalecimento das oligarquias partidárias, embora ele já se manifeste patologicamente na ausência de sua administração, no sistema hoje vigente. Ao contrário de oligarquias, o que os medicamentos em tela poderão propiciar é o aparecimento de novas elites com base no pressuposto da transparência que deverá surgir no processo de construção de candidaturas, que hoje se instituem (fetichistamente) órfãs de pai e mãe, fruto de interesses escusos articulados em convenções anômalas, marcadas por um anonimato que apenas se rompe, pontualmente, com as escolhas de candidaturas no âmbito majoritário, sobretudo para o Executivo. Nas novas condições criadas pela reforma aqui discutida, os partidos oligarquizados terão que se abrir em alguma medida à sociedade, sob pena de ficarem exclusivamente dependentes dos velhos métodos de compra de votos e cooptação, mais fáceis de serem penalizados em face da brutal simplificação eleitoral propiciada pela lista fechada e o voto distrital.

Por fim, a manutenção da proporcionalidade, na modalidade lista fechada, trará uma vantagem importante em relação ao sistema distrital: o sistema de responsabilização/simplificação das eleições poderá ocorrer sem a perda da pluralidade política-ideológica duramente conquistada nas lutas pela redemocratização dos anos 1970-80. Ademais, a lista fechada tem um aspecto pedagógico não desprezível ao promover o fortalecimento da disputa programática entre os partidos em detrimento das personalidades.

Infelizmente, estamos forçados em nossa reforma política a realizar uma pauta novecentista: criar laços mais efetivos e duradouros dos partidos com a sociedade, por meio da formação de elites políticas genuinamente ligadas aos interesses sociais, que pudessem lastrear, como indicava Weber no início do século passado, os governos e as disputas que constituem a alma da democracia parlamentar.

O desafio não é pequeno. Em nosso caso, trata-se não apenas de um programa de reforma institucional (legal), mas de recuperarmos aquilo que se perdeu no naufrágio da democracia de 1946: uma cultura de poder que restaure a sociedade como a base do governo representativo.

* Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF

** Texto originalmente publicado na Revista Política Democrática #48