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Evento no RJ debate os 130 anos da Abolição

“Vem pra Roda” tem como objetivo evidenciar as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil frente a um processo histórico de injustiças sociais

Por Germano Martiniano

O ano de 2018 celebra os 130 anos da Abolição da escravidão no Brasil. Não bastasse a própria data, simbolicamente importante para levantar discussões em torno da inserção social negra, historicamente injusta, há alguns meses, ocorreu o assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo PSOL, que intensificou a discussão em torno da população negra. Frente a esse contexto, é que o professor babalawô Ivanir dos Santos, doutorando em História Comparada pela UFRJ, liderou a realização do “Vem pra Roda”: 130 anos da Abolição: Memórias e Legados das resistências das comunidades negras. O evento ocorrerá na cidade do Rio de Janeiro, na terça-feira (22/05), às 18h, no Clube Municipal localizado na Rua Haddock 359, Tijuca.

“Do ponto de vista social, o assassinato da vereadora representa um dos inúmeros casos de tentativas de "extermínio" da população negra, que se dá por meio das tentativas de homicídios ou por ação política da eugenia social”, disse Ivanir Santos. Bacharel em Pedagogia e Supervisão Escolar pela Faculdade Integrada Anglo-Americana, Ivanir também afirma que desde o final da década de 80 o movimento negro brasileiro tem lutado pelo fim da invisibilidade da resistência negra contra o racismo. “Por essa razão, pesamos em construir um evento que pudesse não apenas fomentar debates e diálogos sobre a falsa ideia da abolição, mas também que evidencie as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil” completou Ivanir.

O babalowô Ivanir, guia espiritual candomblé, que também será candidato a vereador pelo PPS do Rio de Janeiro este ano, concedeu entrevista a FAP, na qual, além de abordar aspectos do evento, também respondeu sobre temas como a questão das minorias sociais, esquerda, espiritualidade nas universidade e outros. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista.

FAP - Como surgiu a ideia de realizar este evento?
Ivanir dos Santos - Desde o final da década de 1980, o movimento negro brasileiro vem pautando uma discussão muito forte voltada para os processos de invisibilidades das resistências e as lutas das comunidades negras contra o racismo e a falsa ideia de abolição, como algo "dado" em generosidade pela "monarquia brasileira" para os milhares de homens e mulheres negros e negras, que aportaram no Brasil na condição de escravos. Por essa razão, pesamos em construir um evento que pudesse não apenas fomentar debates e diálogos sobre a "falsa abolição", mas que também evidencie as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil.

Esta Roda acontece em um momento delicado para comunidade negra. Qual a opinião do senhor sobre a morte da vereadora Marielle, que lutava pelos direitos da população negra, do ponto de vista social e político?
O assassinato da Marielle Franco não pode ser visto como apenas como um ponto factual específico e isolado de um contexto histórico, construído desde a gênese social brasileira, sobre o racismo, machismos e tentativas de cerceamentos das liberdades das pessoas negras. Do ponto de vista social, o assassinato da vereadora representa um dos inúmeros casos de tentativas de "extermínio" da população negra, que se dá por meio das tentativas de homicídios ou por ação política da eugenia social.

O discurso petista instalou na política brasileira o discurso do “nós contra eles”. Muitas vezes, esse discurso acaba se aplicando para as minorias, como se o PT fosse o único partido preocupado com as questões dos negros, LGBTs, etc. O senhor concorda com essa visão?
As "questões" das chamadas minorias representativas, nos cenários políticos, são suprapartidárias, essas "causas" devem contar com o apoio de toda a sociedade brasileira e, principalmente, de todos os partidos políticos.

O senhor concorda com a visão de que a esquerda, com todas as mudanças que houve no mundo do trabalho, substituiu a questão do ser oprimido, antes o proletariado, para agora defender as minorias sociais?
Compreendo que o determinismo econômico não deu resoluções às questões sociais, culturais, raciais, espirituais e de gênero da população em geral, que estão no bojo da desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Precisamos levar em consideração que grande parte da população brasileira não está "enquadrada" sobre os aspectos da "classe proletária", ou seja, não estão vinculados diretamente ao mercado de trabalho formal, com a carteira de trabalho assinada.

A esquerda tem se preocupado demasiadamente com essas questões da minoria, deixando de lado questões macrossociais?
Estou convicto ao analisarmos as questões macrossociais precisamos levar em consideração os aspectos e as questões sociais e políticas que envolvem as minorias "representativas" ou "gente comum" como pontuam os historiadores Thompson e Hobsbawm. Por isso, eu compreendo e tendo analisar que a esquerda precisa se reinventar com o povo e, aos poucos possibilitar uma abertura que possa possibilitar discussões correlacionadas com as “as questões" que compõem a sociedade brasileira. E essa "reinvenção" precisa estar embasada sobre as ideia das "experiências" políticas, sociais, culturais, espirituais e de orientação sexual dos sujeitos.

A universidade ainda é um espaço, excessivamente, material, deixando de lado questões religiosas e espirituais?
As universidades, públicas, são espaços materiais, pois ela foi pensada a partir de uma ideia "racionalista" e cartesiana que coloca como secundárias, ou objetificadas, as questões religiosas e/ou espirituais. Mas podemos dizer, que mesmo a academia sendo construída sob sobre uma ideia cartesianista, estamos, mesmo que timidamente, conseguindo promover debates e analises sobre questões religiosas, intolerância religiosa, pluralidade, liberdade.

Saiba mais:


#ProgramaDiferente: Confira os vídeos da série “Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação”

 

A série “Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação”, do #ProgramaDiferente, tratou de vários temas trabalhados no Seminário Internacional Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria com o Instituto Teotônio Vilela (ITV).

 

Nos vídeos, foram tratados o  tema “Reinventando o Estado Democrático”:  Como políticos, partidos e até mesmo os intelectuais podem se adaptar a uma prática que contemple os anseios de uma nova sociedade? Como não ficar falando apenas para si mesmos, desconectados do mundo real, que se reinventa minuto a minuto.

O #ProgramaDiferente também tratou das semelhanças e das diferenças entre o trabalho executado pela Operação Lava Jato, no Brasil, e a sua principal fonte de inspiração, a Operação Mãos Limpas, na Itália. Quais são os efeitos práticos e as limitações do combate eficaz à corrupção na política?

“A Revolução Tecnológica e o Mercado de Trabalho”: Qual o futuro das profissões? Esse também foi um dos temas exibidos na série “Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação”, do #ProgramaDiferente. Assista aos vídeos!

 

 

https://youtu.be/zoOkC6E5ExM

 

 

https://youtu.be/XYTrMM4oKoo

 

 

https://youtu.be/0EXrOw47_ss


Confira o relatório final da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”

A convocação do XIX Congresso do Partido Popular Socialista (PPS) para 24 de março de 2018 levou a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) a mobilizar-se com o objetivo de reunir as informações e reflexões mais úteis para subsidiar os futuros debates.

A iniciativa recebeu o título de Conferência Nacional - “A Nova Agenda do Brasil”, desdobrada em três seminários, cada um contando com a participação de cerca de 20 pessoas, dos quadros do partido, da FAP e dos meios mais representativos da sociedade, como a academia, os meios jornalísticos e organizações civis.

A discussão da Conferência Nacional se pautou nos relatórios provenientes do ciclo de seminários realizados pela FAP nos últimos meses. O primeiro seminário realizou-se no Rio de Janeiro, no dia 24 de fevereiro, e discutiu o tema “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira”. A professora Maria Alice Resende de Carvalho apresentou o documento que serviu de base aos debates. O professor Caetano Araújo atuou como relator, e o professor Sergio Buarque, como primeiro debatedor.

Reunido em São Paulo, em 3 de março, o segundo seminário cuidou de explorar “O Brasil em um mundo em transformação”. O documento de apoio foi submetido por Nelson Tavares e comentado, e Luiz Paulo Vellozo foi escolhido como relator e o professor Creomar de Souza, como primeiro debatedor.

O terceiro seminário, “Desenvolvimento Sustentável e Inclusão Social, fechou o ciclo em Brasília, no dia 10 de março. O texto de apoio foi proposto pela professora Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriques, sendo o professor Alberto Aggio o relator e o professor Felipe Salto o primeiro debatedor.

Os relatórios elaborados deram testemunho da vitalidade e amplitude das inquietações, comentários e propostas dos participantes.

Confira, a seguir, a transcrição da Conferência Nacional - “A Nova Agenda do Brasil e dos seminários que antecederam a realização da Conferência:

 

» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”

A Conferência Nacional criou grupos de discussões para resumir em uma pauta objetiva a documentação recebida do ciclo de seminários realizados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Cada grupo foi composto à base de um terço dos participantes inscritos na Conferência, respeitada a distribuição equânime das delegações estaduais. Desse esforço, resultaram as propostas consolidadas.

 

 

» Relatório do Seminário  “O Brasil em um mundo em transformação” - São Paulo (03/03/2018)

 

 

 

 

 

» Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” - Rio de Janeiro (24/02/2018)

 

 

 

 

 

» Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” - Brasília (10/03/2018)

 

 

 


FAP Entrevista: Luiz Sergio Henriques

Um dos grandes males da política nacional brasileira é a atual polarização da sociedade, avalia Luiz Sérgio Henriques

Por Germano Martiniano

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta. Com uma ampla participação em jornais e revistas associados ao velho PCB, como Voz da Unidade e Presença, na Fundação Astrojildo Pereira dirige a coleção Brasil & Itália, que trouxe para o público brasileiro livros inéditos de Giuseppe Vacca, Silvio Pons e outros. Coeditou, com Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, as Obras de Antonio Gramsci, lançadas pela Editora Civilização Brasileira. Há vários anos é colaborador regular de O Estado de S. Paulo. Edita o site Gramsci e o Brasil e a página Esquerda Demócratica (que podem ser acessados por meio dos links www.gramsci.org e https://www.facebook.com/esqdemocratica, respectivamente). Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Para Henriques, um dos grandes males da politica nacional brasileira atualmente é a polarização da sociedade. “Aos poucos perde-se a noção, absolutamente essencial, de que pode haver um bem comum, nutrido, evidentemente, por ideais de liberdade e níveis menos escandalosos (bem menos!) de desigualdade social e regional. A recuperação da ideia de bem comum deveria ser a tarefa essencial de todos os democratas, sem maiores distinções”, avalia.

A democracia está sob ataque, no cenário internacional, acredita Luiz Sérgio Henriques. “A Europa do compromisso social-democrata sofre um assédio dos dirigentes ditos 'populistas', Evidente, ainda, a crispação dos Estados Unidos sob Trump, que parecem recuar desordenadamente para o interior das suas fronteiras e abdicar das instituições multilaterais que ajudaram a formar, em primeiro lugar a ONU”, avalia o especialista em Gramsci.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Luiz Sergio Henriques:

FAP - O jornalista William Waack, nesta semana, escreveu um artigo que analisa a pobreza do atual debate político brasileiro que, praticamente, se restringe ao tema da corrupção, mas que se preocupa muito pouco com outras questões essenciais a sociedade. O senhor concorda com essa visão e quais seriam as questões essenciais a serem debatidas?
Luiz Sergio Henriques - Pode-se evidentemente ter uma visão pobre sobre o problema da corrupção, supondo que ela seja o tal câncer que corrói a nação, superado o qual nos tornaríamos uma Escandinávia dos áureos tempos. Tradicionalmente, a esquerda chamou esta visão de "udenismo", um moralismo convencional e muitas vezes hipócrita. Mas a pegada udenista não é a única possível. Há problemas de moralidade pública quando um partido de governo ocupa a máquina pública com a ideia de se autorreproduzir indefinidamente, pelo menos em princípio. Ou quando, inversamente, um partido de oposição se comporta de modo irresponsável, educando ou deseducando os seus seguidores com exigências radicais, que não poderá satisfazer uma vez no governo. A correta relação com as instituições, o tema do bom governo, o ativismo governamental em favor dos mais desfavorecidos, com boas e eficientes políticas públicas – nada disso é udenismo. Recordo que outrora o petismo se considerava o monopolizador da ética na política. À luz do que aconteceria depois, podemos dizer que se tratava de uma versão particularíssima do udenismo, que não resistiria ao contato com a vida real.

O ex-presidente Lula teve mais um recurso de defesa negado pelo TRF-4, em Porto Alegre, nesta última semana. O Partido dos Trabalhadores e seus simpatizantes continuam com o discurso de que Lula é um preso político. Como o senhor avalia esse discurso?
Saímos de uma ditadura de fato em 1985. Embora haja novas e novíssimas gerações que não viveram aquele pesadelo, todos sabemos muito bem o que é um preso político, o que é a tortura, o exílio, o morto sem sepultura. Acostumamo-nos, por exemplo, a ler os relatórios de ONGs que respeitávamos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que faziam a denúncia global dos crimes e arbitrariedades políticas aqui cometidos. Nada disso está presente hoje. Os relatórios internacionais falam (e devem mesmo falar) das nossas infelizes chagas "costumeiras", como os 60 mil assassinatos anuais, a violência policial, a violência contra os bons policiais, os cárceres desumanos, mas não denunciam nenhum regime ditatorial, nem poderiam. O ex-presidente Lula, tal como Eduardo Cunha ou Sérgio Cabral, é apenas um político preso, por mais que conte com uma massa considerável de adeptos e seguidores mais ou menos convictos que jurem de pés juntos que ele é um perseguido. Existe em nosso país a separação plena de poderes, o Judiciário não é um ramo subordinado a partidos ou governos. Sem fazer qualquer juízo de mérito, constato que o Executivo tem à frente um político extremamente impopular, que não teria a mínima força para dar um golpe ou um autogolpe e instaurar um regime de exceção. As Forças Armadas comportam-se nos termos constitucionais. Elas se atualizaram e até participaram de missões em defesa dos direitos humanos, como no Haiti, sob a bandeira da ONU. Não há mais a guerra fria, apesar da polarização desastrada que atravessa a nossa sociedade. O calendário eleitoral não pode ser rasgado e há plena liberdade de organização partidária, como é natural que haja quando comemoramos os 30 anos da nossa mais avançada Constituição.

Em seu último artigo, o senhor citou que nenhuma sociedade poderia superar suas contradições mais agudas dividida em “metades inconciliáveis”. O Brasil atual, inflamado pelo discurso petista e também de Bolsonaro, vive grande polarização política. Como acabar com essa divisão?
A divisão de uma sociedade ao longo de linhas mais facciosas do que partidárias é uma maldição. Aos poucos perde-se a noção, absolutamente essencial, de que pode haver um bem comum, nutrido, evidentemente, por ideais de liberdade e níveis menos escandalosos (bem menos!) de desigualdade social e regional. A recuperação da ideia de bem comum deveria ser a tarefa essencial de todos os democratas, sem maiores distinções. Como estamos situados numa determinada faixa do espectro político, que é a esquerda, pessoalmente gostaria que esta mesma esquerda, ou sua parte majoritária, assumisse um papel de protagonista na construção e consolidação do terreno comum. Isto simplesmente não foi possível com o lulismo e o petismo, que se articulou em torno de esquemas simplórios, como aquela terrível imagem de “casa grande” e “senzala”. Seriam escravocratas, homofóbicos, xenófobos ou misóginos – em suma, moradores da casa grande – todos os não-petistas e mesmo os antipetistas, o que está muito distante de corresponder à realidade. Ou, para falar a verdade, significa uma monumental distorção dos fatos. Basta olhar ao nosso redor e ver que, fora dos limites estreitos da militância e do fanatismo, há pessoas sensatas, razoáveis, que se preocupam com o futuro delas e do país. E estas pessoas são a maioria. A grande política, hoje, significaria dar voz a elas, na multiplicidade de suas exigências e demandas, relegando às margens os incendiários de todo tipo. Esta maioria abomina a extrema-direita truculenta que alguns hoje querem “normalizar”.

Outro ponto de destaque em seu artigo foi que “nenhuma esquerda podia mais pôr em questão, para se credenciar a um papel dirigente, a dialética democrática”. O senhor acha que o PT, mesmo com a prisão de Lula, ainda representa uma ameaça à esquerda democrática brasileira, e em um sentido mais amplo, à democracia brasileira?
Dirigir um país é ter políticas e programas para todos. É buscar exaustivamente o consenso ativo dos governados, recomeçando a cada dia esta tarefa interminável. É falar a verdade, dar explicações constantes e, de repente, aprender. É preciso ter um alto sentido de Estado e das suas instituições. Agir no parlamento e em todos os demais fóruns como um fator de modernização, participação e transparência. Como, a meu ver, não temos nenhuma outra bússola a não ser a Constituição de 1988, fico incomodado quando em reiterados documentos oficiais o principal partido de esquerda volta a defender assembleias constituintes inteiramente extemporâneas. Há poucos dias um de seus notórios representantes apregoou "o fechamento do STF", o que me parece de um sectarismo sem par, que não ficaria deslocado na boca de algum porta-voz daquela extrema-direita que mencionei. Por ocasião dos acontecimentos de 2005, o "mensalão", houve vozes dentro do PT que falaram em refundação do partido. Vozes fracas, é verdade, mas houve. Nestes últimos meses tenho tentado observar movimentos, mesmo mínimos, na direção de uma autocrítica e de uma vontade de dar início a uma reflexão menos precipitada sobre a política e sobre o nosso país. Em algum momento, o PT terá de enfrentar esta realidade e ver a sua própria cara no espelho, sem condescendência de nenhum tipo. Hoje o partido parece perdido entre a agressividade e o instinto de defesa a qualquer custo. Isto não anuncia nada de bom nem para o partido nem para o nosso país.

Quais partidos políticos representam, atualmente, no Brasil, uma esquerda democrática e qual deve ser o papel dos mesmos?
Não gostaria de citar este ou aquele partido até pelo quadro extremamente caótico do sistema. Praticamente todos os partidos, uns mais, outros menos, estão sendo atingidos pelas múltiplas investigações em curso, o que não deixa de ter o seu lado extremamente perigoso. Afinal, não custa lembrar que não há democracia sem partidos. Agiram e continuam a agir fatores muito potentes de desagregação. Limito-me a citar a espantosa janela de infidelidades, que, efetivada a poucos meses das eleições gerais de 2018, quis “corrigir" o resultado das urnas de 2014, fazendo com que detentores de mandato mudem de sigla até mais de uma vez ao sabor dos leilões do fundo partidário e eleitoral. Há muitas razões, assim, para o cidadão não sentir um vínculo maior com o deputado que deveria ser "seu", mas não é. Há bons deputados espalhados nas várias agremiações de centro-esquerda e centro-direita, e será interessante ver em ação os novos mecanismos "centrípetos" recentemente aprovados, como a cláusula de desempenho e, mais à frente, a proibição de coligações nas eleições proporcionais. Haverá incentivo para que iguais e afins se juntem em grupos mais consistentes, interrompendo a lógica de criação indefinida de simulacros de partidos. Não se consegue implantar um sistema pronto e acabado, como num experimento controlado em laboratório, mas é evidente que ainda estamos longe de resolver o tema crucial do financiamento das atividades partidárias. Ele deve ser público, privado ou uma mistura de ambos? Na época digital, limites de custos de campanha e controle dos recursos empregados se tornam uma imposição. Não é possível que a política seja uma alavanca para a riqueza privada daqueles que vivem da política, não para a política. Já num plano mais substantivo, é de se esperar que as novas agremiações que resistirem ao teste da barreira mínima de votos e da proibição de coligações se tornem menos ideológicas e mais programáticas. Nunca houve nem haverá uma só solução para cada um dos nossos imensos desafios, e é fundamental que os partidos, em número bem mais contido do que os de hoje, saibam elaborar as diferentes soluções possíveis a partir da diversidade de interesses que existem na sociedade. Convém lembrar, contudo, que sairá vencedora aquela condensação de interesses que se elevar até o plano geral, rompendo o egoísmo e o corporativismo. Um desafio para uma futura esquerda renovada.

O conflito na Síria, além de colocar em choque grandes nações, também evidencia ainda mais o advento de governos autoritários, além de discursos hostis. A democracia no ocidente está em risco? O senhor considera a possibilidade de outra grande guerra?
A democracia política é um conjunto de valores e instituições herdados do liberalismo clássico e progressivamente ampliados pela ação de classes e setores subalternos, ao longo de séculos de lutas muitas vezes duríssimas e até cruentas. O sufrágio universal, por exemplo, não foi o resultado de belo sonho de uma noite de verão. Muito menos o sindicalismo autônomo e a própria forma-partido. Por isso, é fácil perceber que a democracia é um patrimônio coletivo que permite o desenvolvimento da política como persuasão, como consenso, como luta social muitas vezes áspera, mas dentro de parâmetros definidos, sem descambar para a guerra de todos contra todos. Este conjunto de regras está hoje sob ataque. A Europa do compromisso social-democrata sofre um assédio dos dirigentes ditos "populistas", com sua capacidade preocupante de dar uma resposta – por mais ilusória e regressiva que possa ser – ao desenraizamento trazido pelo fenômeno perturbador da globalização. Evidente, ainda, a crispação dos Estados Unidos sob Trump, que parecem recuar desordenadamente para o interior das suas fronteiras e abdicar das instituições multilaterais que ajudaram a formar, em primeiro lugar a ONU. Na América Latina, não foram poucas as ameaças trazidas pelo bolivarianismo, cujo projeto de "socialismo do século XXI", essencialmente autoritário, contribuiu para desonrar uma vez mais os conceitos de esquerda e de socialismo. Ao mesmo tempo, vivemos possibilidades imensas, com o avanço da ciência, a transição energética e a revolução nas tecnologias de comunicação e informação. Todo e qualquer progresso traz em si novos dilemas éticos, que nem sempre conseguimos formular e decifrar no calor da hora. A sensação é que os fatos continuam a correr na frente da nossa capacidade de dirigi-los e ordená-los minimamente. No fundo, tudo isso é um conjunto de grandes desafios que podem revitalizar e dar substância à política democrática.

Em Cuba, Raul Castro cedeu a presidência a Miguel Diaz Canel, 57 anos, nascido após a revolução de 1959. Qual o significado e o peso dessas mudanças?
Sob muitos aspectos, Cuba é um legado de um mundo que já passou. Sua revolução, que deixou traços duradouros na imaginação da esquerda, hoje é um mito com reduzida capacidade expansiva além dos círculos irremediavelmente presos ao passado, o que, aliás, é um direito de quem quer se deixar prender desta maneira. No entanto, não creio que se deva pensar o socialismo como contraposição de países ou de "sistemas". Ou como algo que se encarna num país ou noutro e que resiste ao capitalismo dos demais. Este é um caminho que deu em nada no passado e previsivelmente não nos levará longe no futuro. Já houve gente que viu o socialismo realizado na Albânia, contra todo o resto do planeta. Por sinal, mais importante do que Cuba é, seguramente, a China (e a Índia), cujo ritmo de expansão não se deteve nestes últimos anos de crise. E a China é, rigorosamente, um animal que não sabemos classificar, uma espécie de unicórnio do século XXI: sob a roupagem do comunismo tradicional do século XX (haja vista a recente entronização de Xi Jinping à frente do partido-Estado), desenvolve-se um mercado poderoso e omnívoro, ainda não contrabalançado por sindicatos ou outras formas associativas livremente organizadas. Mais uma das múltiplas esfinges que nos espreitam todo o tempo.


FAP realiza o curso “A Nova Legislação Eleitoral Brasileira”

Aulas serão ministradas na Biblioteca Salomão Malina, no Espaço Arildo Dória, no Conic, em Brasilia, de amanhã até o dia 19/04, e vão ser transmitidas ao vivo por meio do perfil da FAP no Facebook: https://www.facebook.com/facefap

Por Germano Martiniano

Neste ano em que ocorrem as eleições para deputados, senadores, governadores e presidente, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realiza, de amanhã (terça-feira - 17/04) até o dia 19/04, o curso "A Nova Legislação Eleitoral Brasileira". O objetivo da Fundação é promover estudos e debates  relativos às complexas questões da atualidade do país. As aulas serão ministradas na Biblioteca Salomão Malina, no Espaço Arildo Dória, no Conic, em Brasilia e vão ser transmitidas ao vivo por meio do perfil da FAP no Facebook: https://www.facebook.com/facefap/.  O curso será ministrado por Renato Galuppo, advogado especialista em Direito Eleitoral; Caetano Araújo, sociólogo, servidor público e Arlindo Fernandes, advogado.

O Brasil vive um ano agitado politicamente, não bastassem as eleições que decidirão quem irá comandar o país nos próximos anos, nos bastidores da política a prisão do ex-presidente Lula, depois de investigação conduzida pela operação Lava-Jato, polarizou ainda mais a discussão sobre os rumos da política e justiça brasileira. O líder petista também se tornou inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

Para Renato Galuppo, a operação Lava-Jato não terá tanta repercussão nas eleições. “Para o cidadão ficar inelegível, nos termos da Lei da Ficha Limpa, é necessária a condenação por órgão colegiado, ou seja, por decisões de segunda instância", informa. "Nas eleições de 2018, além do Lula não existem muitos pré-candidatos que já terão sido condenados em segunda instância até a data do registro de candidatos (15 de agosto)”, completa Gallupo.

Entretanto se a Lei da Ficha Limpa não for problema para os candidatos ao governo do país, ainda assim os mesmos precisarão estar atentos à nova legislação eleitoral. Entre algumas regras que foram modificadas estão  o autofinanciamento eleitoral; doações e propagandas menores; debates televisivos; financiamento coletivo; prestação de contas, entre outras.

De acordo com Caetano Araújo, a mudança de maior impacto na nova legislação eleitoral é a proibição do financiamento empresarial. “Vamos ver como essa questão será equacionada nas eleições deste ano com a maior parte do financiamento público concentrado nos maiores partidos”, avalia.

Arlindo Fernandes aponta o financiamento das campanhas como um ponto importante a ser debatido durante as aulas do curso. “O que me pareceu controverso foi o critério para a repartição entre os partidos desses recursos. Os grandes (PT, PMDB e PSDB), que negociaram e aprovaram a lei de reforma eleitoral, concentraram os recursos neles próprios”, acentuou Fernandes.

Confira abaixo a programação do curso A Nova Legislação Eleitoral Brasileira:


Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” - Rio de Janeiro (24/02/2018) 

Seminário   “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” - Rio de Janeiro (24/02/2018)

Relatório: professor Caetano Araújo

1 – A apresentação inaugural e o marco da discussão 

A primeira palestra delimitou, com muita felicidade, os marcos da discussão que se seguiu. Ao abordar o tema, falamos necessariamente de Ocidente e, na tradição ocidental, de democracia. Daí o recorte espaço-temporal utilizado para situar o caso brasileiro: as sociedades ocidentais do pós-guerra, aquelas que presenciaram o fim da proeminência social e cultural de suas antigas aristocracias.

Na vigência da guerra fria, desenvolveu-se nesses países um determinado padrão de relações entre Estado e sociedade. Coube aos liberais, à margem da disputa central no campo da cultura entre comunistas e social-democratas, vocalizar o fundamento dessas sociedades, sua diferença principal e vantagem mais importante em relação aos países do Leste: suas estruturas institucionais, centradas na regulação e no direito.

A partir dessas estruturas vigorou um acordo tácito a presidir essas relações: a sociedade delegava ao Estado o direito de intervenção, limitado pela lei e pelo hábito, pela tradição, portanto, e o Estado garantia a autonomia da sociedade, limitada pelo respeito às instituições vigentes.

Esse arranjo mostra fadiga a partir dos anos 1970. De um lado, a guerra fria perde nitidez ideológica e os partidos de esquerda e direita convergem na afirmação e ampliação do estado de bem-estar social. Com a ascensão da pauta dos direitos humanos e do bem-estar social, acentua-se o processo de publicização do direito, com sua inevitável contrapartida em termos de judicialização da política. Partidos perdem relevância em benefício de agências judiciais.

No Brasil esse processo teve como marco a Carta de 1988. Seu texto contém, na verdade, um novo desenho de estado, no qual a vontade majoritária, aferida por meio dos mecanismos também previstos na Constituição e nas leis, pode ser agora contestada, perante o Poder Judiciário, mediante o apelo a direitos fundamentais. A Justiça passa a gerar fatos no campo da política.

Diversas características distinguem essa nova situação, no Brasil e no mundo: uma cultura política mais inclusiva; o foco na ação, não na estrutura; o recuo relativo das demandas econômicas, com o avanço concomitante das demandas por reconhecimento; aumento da reflexividade dos atores; subjetivação das reivindicações, ao ponto do esquecimento da “materialidade do mundo”; sua fragmentação em diferentes políticas setoriais, com a despolitização consequente.

Nesse quadro a agenda de um novo pacto entre estado e sociedade no Brasil contemplaria a recuperação dos condicionantes estruturais nos processos e lutas sociais, uma nova ancoragem na materialidade do mundo, com foco na cidade como espaço de conflito e cooperação entre os atores, a substituição da perspectiva setorial pela transversal na discussão das políticas públicas e, mais importante, a restauração da centralidade da questão democrática.

Seguiram-se dois comentários, que se revelaram complementares à palestra inaugural. O primeiro explorou a relação entre sociedade e estado no Brasil a partir de uma avaliação do desempenho presente do estado, à luz dos objetivos definidos em nossa Constituição, por meio da comparação internacional. Ou seja, se prosperidade, equidade, soberania são, entre outros, objetivos indiscutíveis, qual o desempenho do estado brasileiro na sua consecução? Qual a sua eficiência, em termos de volume de recursos investidos e seu retorno? Se este estado não é adequado, qual seria o desenho do estado necessário para atender às demandas da sociedade?

Fácil é concluir, das evidências apresentadas, que o estado brasileiro gasta muito e mal. A despesa se concentra nos servidores, ativos e aposentados. O estado estaria tomado por dois vícios paralisantes: o distributivismo e o corporativismo. A tarefa seria reformar o estado, fazer a transição de um estado produtor de bens e serviços para um estado provedor dos serviços essenciais ao cidadão. Em concreto, privatizar boa parte das empresas estatais e investir no bom funcionamento das agências reguladoras.

O segundo comentário abordou a questão das relações entre sociedade e estado a partir do ponto de vista do cidadão. As manifestações de 2013 foram consideradas um divisor de águas nessa perspectiva. No momento anterior às primeiras manifestações da crise econômica em termos de inflação e desemprego, milhões de pessoas ganham as ruas com uma pauta centrada na qualidade dos serviços públicos (serviços padrão FIFA) e na desconfiança em relação à operação das eleições e dos partidos no país. Os protestos tinham como alvo, portanto, a opacidade da política e a iniquidade na prestação dos serviços públicos.

A partir dessa constatação, três hipóteses foram levantadas. Em primeiro lugar, a maior disponibilidade de informação na sociedade brasileira, em razão da expansão do acesso à internet e à conquista do acesso universal ao ensino fundamental, efetuada 15 anos antes das jornadas de junho. Em segundo lugar, a atualidade dessa agenda, vez que nenhum avanço significativo nos seus termos foi observado desde então. Em terceiro lugar, o espaço aberto para o debate público de temas como ajuste fiscal, pacto federativo, reforma tributária e reforma política.

2 – O curso do debate

Grande número de questões aflorou no debate. Apresentamos a seguir algumas das mais discutidas.

2.1. – A centralidade da questão democrática
A centralidade da questão democrática, levantada na apresentação inicial, não foi objeto de contestação, no decorrer do debate.  Porém, na medida em que a democracia foi tomada como critério principal, na maior parte das intervenções, para fundamentar os argumentos ou para recusá-los, o debate reafirmou a centralidade da questão.

2.2. – Estado produtor ou estado provedor
A partir do segundo comentário, várias intervenções defenderam concluir a passagem, já iniciada, de um estado produtor de bens e serviços para um estado provedor. Conforme o argumento, estatais criadas há cinco décadas, como a Eletrobrás, já esgotaram seu papel de indutor do desenvolvimento. Devem ser privatizadas e os recursos a eles destinados revertidos para serviços essências, fundamentalmente educação, ciência e tecnologia, fatores chave para o ingresso numa economia do conhecimento.

2.3. – A questão do distributivismo
Também a partir do segundo comentário, foi questionada a diretriz de abandono do distributivismo numa sociedade pobre e desigual como o Brasil. Manter as pessoas na escola implica assegurar as condições mínimas de sua sobrevivência. Conforme esse argumento alternativo, precisaremos de distributivismo, em doses altas, ainda por alguns anos.

2.4. – Corporativismo, ou interesses gerais versus interesses particularistas
As intervenções convergiram com a premissa apresentada no segundo comentário. O estado brasileiro está capturado por poderosas corporações de servidores, que tem como objetivo primeiro o atendimento de seus próprios interesses. O tema se vincula à necessidade de uma política de reforma do estado que confronte esses interesses. Um dos participantes apresentou uma posição alternativa: o convencimento das corporações para uma estratégia reformista, anticorporativa, ao invés do confronto direto com elas.

2.5. – Política velha e política nova
Na perspectiva dos eleitores mais jovens, política velha está ligada a pautas universais, monopólio dos partidos políticos, canais de informação e comunicação tradicionais. Política nova, por sua vez, bate com pautas locais e identitárias, protagonismo dos movimentos, comunicação em rede. Uma vez que partidos e representação política permanecem condição da democracia, a questão é: como construir as pontes entre esses mundos da política?

2.6. – Centralização versus descentralização
A maior parte das intervenções defendeu a descentralização como condição de governo mais eficiente e democrático. Mais eficiente, porque regras gerais não podem contemplar igualmente a enorme diversidade de especificidades regionais e locais que o conjunto dos municípios brasileiros abriga. Mais democrático, porque a delegação de responsabilidades expõe os eleitos à avaliação popular e termina por produzir uma representação de melhor qualidade. O argumento contrário, de longa tradição no pensamento brasileiro, manifestou-se de forma minoritária, defendendo a decisão centralizada como racional, no bojo de projetos estratégicos para o país, contra o caráter particularista, imediatista e, portanto, irracional, das decisões locais.

2.7. – Reforma política
Foi abordada a insuficiência da regra atual, tanto no que se refere às eleições, quanto ao financiamento das campanhas, e a consequente urgência em dar continuidade ao processo de reforma. O argumento teve como alvo as consequências indesejadas da regra no bom funcionamento da democracia, no que respeita ao estímulo à irresponsabilidade política dos eleitos e ao poder concedido aos grandes financiadores das campanhas. Foi apontada a crescente globalização do financiamento ilegal de campanhas, assim como a vulnerabilidade das campanhas nacionais à manipulação de informação com articulações internacionais.

2.8. – Incrementalismo versus refundacionismo
A questão surge a partir de dois pressupostos: a centralidade da questão democrática e, consequentemente, a promoção de mudanças exclusivamente nos marcos da democracia. Ou seja, toda mudança só se torna possível quando o debate acumulado resultar na concordância ampla a seu respeito no meio da sociedade. Consequentemente, pequenas mudanças pontuais e acumulativas tem mais possibilidade de congregar a concordância necessária do que propostas de mudança abrupta. O tema deriva da opção pelo reformismo e tem como consequência imediata a defesa intransigente da Constituição, como regra que define os processos legítimos de discussão e deliberação. O tema foi levantado em relação com a proposta de reforma política: cabem no momento propostas de mudança mais drástica de sistema de governo e até de regra eleitoral ou a prioridade deve recair sobre aperfeiçoamentos pontuais da regra vigente? Ou, num degrau acima de discussão, se as propostas devem necessariamente passar pelos representantes democraticamente eleitos, uma das condições de seu sucesso não estaria na preservação do diálogo com esses representantes? Nessa linha, o próprio conteúdo dessas propostas não deveria atentar para o fortalecimento desse diálogo e descartar pontos capazes de comprometê-lo?

2.9. – A esquerda democrática e os liberais
A procura de uma nova relação entre estado e sociedade brasileira, nos moldes propostos, leva à questão da relação entre a esquerda democrática e os liberais. Essa questão não foi debatida na perspectiva da identificação de atores partidários, mas da interseção das agendas, de modo a esclarecer os pontos hoje comuns e aqueles que permanecem divergentes. Foram levantados os seguintes pontos comuns: compromisso com a democracia, defesa dos direitos individuais, defesa da diversidade, defesa de um desenho de estado que incida menos sobre a produção de bens e mais sobre a formação do cidadão.  Como áreas de discordância possível, a consideração da equidade social como questão política, ou seja, como possível objeto de políticas públicas. De toda forma, foi reconhecido, primeiro, que a esquerda democrática incorporou no seu ideário o programa político dos liberais e, segundo, que é necessário superar divergências e a postura hegemonista de setores liberais para a construção de um programa comum.

Participaram do seminário: André Amado, Alberto Aggio, Any Machado Ortiz, Bruno Pinheiro Wanderley Reis, Caetano Araújo, Cléia Schiavo Weyrauch, Hamilton Garcia, José Augusto Neves, Juarez Amorim, Luís Sergio Henrique, Luiz Carlos Azedo, Maria Alice Resende De Carvalho, Miguel Arcangelo Ribeiro, Paulo Fábio Dantas, Paulo Gontijo, Sergio José Cavalcanti Buarque, Paulo Meireles, David Zaia, Eliseu Neto.

Leia mais:

» Relatório do Seminário “O Brasil em um mundo em transformação” – São Paulo (03/03/2018)

» Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” – Brasília (10/03/2018)

» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”


Relatório do Seminário  “O Brasil em um mundo em transformação” - São Paulo (03/03/2018)

Seminário  “O Brasil em um mundo em transformação” - São Paulo (03/03/2018)

Relatório: Nelson Tavares 

 

Desenvolvimento Tecnológico.

Até pouco tempo, quando se mencionava desenvolvimento tecnológico, a referência era aos seguintes países: E.U.A., Canadá, União Europeia e Japão.

Ainda hoje, os E.U.A. lideram os gastos em desenvolvimento tecnológico. O fato de ainda manter a liderança não significa necessariamente que irá perpetuá-la. A tecnologia não se desenvolve de maneira linear, apresenta “saltos qualitativos”, que dependem apenas em parte dos conhecimentos já adquiridos.

Igualmente, neste segmento, a China tem realizado grandes esforços. Construído infra-estrutura próprias para inovação, inclusive cidades especificamente construídas para isso, e buscando a melhoria de competitividade de suas instituições.

Em seu discurso no XIX Congresso do Partido Comunista Chinês, seu líder, Xi Jinping projetou transformar a China, até 2050, em uma sociedade plenamente desenvolvida industrial e tecnologicamente.

Em seu Plano Quinquenal 2011 a 2016, investiu U$ 1,7 tri. Em 2014, os investimentos em P&D ultrapassaram a marca de 2% do PIB e continuam crescendo, transformando a China no maior mercado mundial de robôs e sistemas de automação.

Próxima ruptura deverá ser o uso de inteligência artificial. Como ressaltou em seu recente artigo a Profa. Dora Kaufman, “a inteligência artificial tem características distintas das tecnologias anteriores, não se tratando de um processo gradativo”. Segundo ela, “a difusão da Inteligência Artificial irá acontecer em uma velocidade inédita, em consequência dos recentes avanços”, e embora tendo por base a tecnologia anterior, proporciona determinada ruptura que não garante aos atuais detentores de tecnologia alguma posição em um “pódio” futuro. A Inteligência Artificial avança de forma tão intensa que se tornou impossível de fazer previsões. Seu impacto mais contundente se dará “no mundo do trabalho”, lançando “homens na obsolescência”.

Não pode deixar de ressaltar também a questão da governança digital global. Os E.U.A. introduziram recentemente medidas que possibilitam a diferenciação entre os usuários da internet.

Com a cada vez mais intensa integração entre Internet, a nuvem e os mercados digitais, torna-se necessário desenvolver gestões para uma maior participação brasileira nesta governança global. Pesquisar e entender melhor as tendências nesse campo é um imperativo para se obter maior participação na governança.

Mudança Tecnológica para Economia Poupadora de Carbono

Começa a existir consenso quanto à necessidade do desenvolvimento econômico acontecer em bases diferentes daquelas do último século, principalmente quanto à emissão de carbono. O Acordo recentemente assinado em Paris traduziu esse avanço.

A diminuição da oferta de fatores de produção (a Terra é finita) via à vis crescentes níveis de produção e de demanda, torna inexorável promovermos, no âmbito das atividades econômicas, a racionalização e a reciclagem de diversos fatores de produção, inclusive o uso água. O uso alternativo de produtos que não ofenda o meio ambiente continuará sendo fator de diferenciação, como o indica o fortalecimento de mercados para esse tipo de produtos

Torna-se importante mencionar que esses processos de mudança na base tecnológica farão parte de um mesmo processo de mudança da base tecnológica.

Impactos do desenvolvimento futuro na Infraestrutura 

O novo pólo de desenvolvimento que se expande na Ásia é constituído por países que ainda necessitam de enormes volumes de investimento em infraestrutura. Se adicionarmos a Rússia a esta região, veremos que a necessidade de financiamento será determinante para a realização desses investimentos. Ao contrário do ciclo anterior, que se verificou em países que tinham boa parte de sua demanda atendida, neste novo ciclo tais obras exigirão enormes quantias.

Já estão sendo alteradas as rotas de transporte da produção de matérias-primas e da produção de bens acabados. Os fluxos de investimentos globais também serão redirecionados, e as economias locais sofrerão pressões de concorrência no mercado de seus produtos acabados, tanto na diminuição dos exportados, quanto na participação no mercado mundial, e ganharão ainda mais importância como fornecedores de matérias-primas.

 

Impacto sobre a economia brasileira  

a) Histórico:

Assim como a Constituinte de 1988 foi um marco nas mudanças políticas do país, o primeiro governo eleito diretamente pela população reafirmou a discussão da necessidade da abertura da economia brasileira ao comércio mundial.

Algumas iniciativas do governo anterior – CACEX – já apontavam para essa direção. A consolidação desta posição veio com o debate trazido à tona por um documento da Área de Planejamento do BNDES que cobrava uma “Integração Competitiva” da economia brasileira.

Esse discurso foi apropriado pelo Ministério da Economia do primeiro presidente eleito pelo voto direto. Daí a adoção de um plano de abertura paulatina das importações, com o decréscimo das alíquotas de importações, fim da exigência de elevados índices de nacionalização e o fim de quaisquer proibições de importar. Paralelamente a esse plano, que fazia diminuir as alíquotas em quatro anos, tentava-se assegurar um dólar supervalorizado para que o impacto das importações fosse diminuído. Nesse período o BNDES lançava o maior programa de privatizações, dando prosseguimento a uma diminuição do papel do Estado na economia.

Tínhamos saído de uma hiperinflação ao final dos anos oitenta, mas diversos erros de política econômica fizeram com que ela novamente se apresentasse. Em fevereiro de 1994, o Governo Itamar, tendo o Senador Fernando Henrique Cardoso como Ministro da Fazenda, lança o mais audacioso plano de combate a inflação e, ao mesmo tempo o mais eficaz. Com uma inflação acima de 40% a.m. o governo organiza uma troca de moedas e promove o alinhamento de preços, estabelecendo como moeda, a partir de junho, o real.

Toda energia era canalizada para a estabilização da economia, com a diminuição da inflação para níveis mais compatíveis com os dos países desenvolvidos. Neste sentido, até mesmo uma super valorização do real foi admitida em função da estabilização.

O que auxiliou na contenção da inflação foi o mesmo mecanismo que provocou uma desindustrialização. O parque industrial brasileiro, pouco competitivo, foi seriamente atingido pelo processo de abertura da economia, aliado à valorização do real. Em diversos segmentos, empresas foram fechadas. Cito como exemplo o parque de autopeças.

Ressalte-se a preocupação constante em buscar desempenho fiscal mais equilibrado para o país, entendendo-se que só dessa maneira obteríamos a estabilidade da moeda. Foi um período também de crise em diversos países de maneira que, dada a mobilidade do capital, especulações eram praticadas contra moedas de diferentes países, em especial os países em desenvolvimento.

Chegamos à posse de um novo governo em 2003, em que o eleito prometia a continuidade da política econômica anterior. E assim foi feito nos primeiros anos desse governo. Principalmente em relação as contas governamentais. Isso aliado a um programa de combate a miséria no país.

A diferenciar o novo governo do anterior, em seus primeiros anos, estava a visão da integração à economia mundial. Diferentemente do anterior, o governo que tomou posse em 2003, priorizava a fabricação interna do que ainda era possível. Procurava fornecer créditos subsidiados e exigir nas compras governamentais um elevado índice de nacionalização.

A crise financeira iniciada em 2008, gerada nos E.U.A e repercutindo no mundo, induziu o governo brasileiro a mudar a política de estabilidade fiscal para incentivar a produção. O governo foi bem sucedido nessa política, mas continuou com os incentivos procurando eleger a sua candidata em 2010 e perpetuou essa política para os anos vindouros, afastando-se da estabilidade fiscal.

Houve crescimento rápido da relação dívida/PIB, e o auge dessa política foi o ano de 2014, quando, na tentativa de renovar seu mandato, ainda mais incentivos foram dados na tentativa de manter um nível de atividades positivo. Nesse ano, já apareciam os primeiros sinais da crise.

Embora a candidata tenha sido vitoriosa nas eleições, a situação econômica se complicava. A manutenção do nível de atividades não encontrou o correspondente aumento da demanda. Os primeiros sinais de desemprego e de diminuição de renda pelo aumento da inflação apareceram com intensidade.

De 2014 em diante, a crise econômica soma-se a uma crise política que vai levar a destituição da presidente com a assunção do vice, que assume com um redirecionamento da política econômica, com novas medidas procurando reestabelecer um equilíbrio fiscal.

b) Perspectiva:

A economia brasileira necessita de um ajuste fiscal que traga a dívida/PIB para patamares mais razoáveis. Ao final da década anterior, esta proporção era de cerca de 54%. Hoje é de 76% com perspectiva de crescimento. Problema maior é que necessitamos de um esforço de toda a sociedade para podermos reverter a situação. Sem a aprovação de uma Reforma da Previdência pelo Congresso está reforma se torna quase impossível.

Outra questão importante é nosso parque industrial. Nos últimos anos, acelerou-se processo de desindustrialização do país. Perdemos competitividade no nosso parque manufatureiro. Nossas exportações, em sua maioria, são de fornecimento de matéria-prima. Não podemos pensar que a solução para este problema seja a volta ao passado, fechando a economia. Devemos repudiar a visão que prevaleceu à época da ditadura militar de que tudo poderíamos fabricar internamente e nos auto abastecer.

Não há país no mundo que tudo fabrique. O perfil da indústria no mundo coloca em diferentes países a fabricação de partes, peças e componentes. Parte do crescimento do comércio mundial pode ser explicada por essa divisão do trabalho. As empresas buscam situar parte de suas plantas de produção onde podem ser mais competitivas. Claro exemplo disso são a indústria automobilística, algumas marcas de sucesso e a própria indústria de informática. No país, temos empresas que complementam, em diferentes graus, a produção interna com a importação de produtos e de tecnologia. A indústria aeronáutica é uma delas.

Os diversos acordos internacionais de abertura de mercado apontam para a necessidade de que a fabricação de determinado produto, em parte ou no todo, deve ser realizada buscando competitividade para a exportação. A parte fabricada nacionalmente deve ser complementada com outras partes fabricadas por outros países, sempre buscando a competitividade em preço e qualidade.

Essa abertura internacional demanda nova adequação da arrecadação de impostos a padrões mais compatíveis com o praticado no mundo. É difícil a busca das empresas por competitividade com a estrutura tributária vigente no país.

Não podemos deixar de considerar as mudanças na dinâmica da economia mundial. O Brasil sempre direcionou suas “obras de infraestrutura” visando aos portos existentes no Atlântico. Por questões de competitividade e do desempenho da economia asiática, torna-se necessário buscar saída de seus produtos para portos no Pacífico. Mais do que isso, habituados a realizar negócios com o Ocidente, temos que estar preparados, nos diversos aspectos, para intensificar o comércio “com o outro lado do mundo”, em especial com a China.

Por último, mas não menos importante, a questão da educação e da formação de mão de obra deveria sofrer completa reformulação. A permanência dos alunos na escola por um prazo mínimo de dez anos, a formação e manutenção das escolas técnicas e a própria educação básica não têm condições de serem sustentadas pelos municípios e estados. É preciso aumentar a participação do governo federal.

As universidades necessitam complementar suas dotações federais com a arrecadação própria. É importante dotar as universidades de mais verbas para pesquisa e desenvolvimento sem afetar diretamente o caixa do Tesouro Nacional. Os recursos para bancar essas políticas públicas poderiam provir, em parte, da cobrança daqueles que sempre pagaram pelos estudos no nível básico, mas que hoje querem viver sob a falsa proteção da universidade gratuita.

 

Deslocamento da importância econômica no mundo para o Oriente:

PIB por Países (US$ bi)2.0002016%
China1.198,512.193917,35
Japão4.731,25.55617,43
Coreia do Sul533, 01.520, 0185,02
Hong Kong   169,1357,0111,59
Soma 6.632,219.627,93195,93
E.U.A.  9.951,1519.020,591,13

A tabela retrata o que hoje pode ser chamado de polo mais dinâmico da economia mundial. Os países da Ásia apresentam taxas de crescimento bem maiores do que a economia americana neste século XXI, com exceção do Japão. A economia chinesa decuplicou, e apostas mais recentes são as de que, na próxima década, deverá se tornar a maior economia do mundo.

Participaram do Seminário: Ana Stela Alves De Lima, André Amado, André Gomide Porto, Alberto Aggio, Arnaldo Jardim, Benoni Belli, Caetano Araújo, Ciro Gondim Leischsering, Creomar De Souza, Dina Lida Kinoshita, Hercídia Coelho, Jorge Caldeira, Luiz Carlos Azedo, Luiz Paulo Vellozo Lucas, Marco Aurélio Nogueira, Nelson Tavares, Roberto Percinoto, Rogério Baptistini Mendes, Ronaldo Costa Filho, Sergio Besserman, Sérgio Camps De Morais, Tibério Canuto, Andreia Gouveia Felix De Souza, Marco Antonio Félix, Roberto Fukumaru, Roberto Freire, Amilcar Baiardi, Alexandre Pessoa Da Silva, Fábio Leite Franklin De Matos, Antonio De Pádua Chagas, Claudio Gastal.

 

Leia mais:

» Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” – Rio de Janeiro (24/02/2018)

» Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” – Brasília (10/03/2018)

» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”


Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”

Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil” - São Paulo (23/03/2018)

O teor dos três relatórios acima transcritos foi encaminhado à Conferência Nacional da FAP, para serem examinados e submetidos ao XIX Congresso do PPS. Dadas a complexidade e a amplitude dos comentários, reflexões e propostas, a sessão plenária da Conferência decidiu criar grupos de discussão, com o cometido de resumir em uma pauta objetiva a documentação recebida. Cada grupo foi composto à base de um terço dos participantes inscritos na Conferência, respeitada a distribuição equânime das delegações estaduais. Desse esforço, resultaram as propostas consolidadas que se detalham a seguir.

 


 

Um Novo Pacto entre o Estado e a Sociedade

Sob a presidência do sr. Elimar Nascimento, a relatoria do prof. Caetano Araújo e comentários iniciais do sr. Fábio Dantas Neto, o grupo de discussão, encarregado de examinar o documento resultante do seminário, realizado no Rio de Janeiro, em 24/02/2018, consolidou as seguintes propostas:

  1. Mudança de sistema político presidencialista para o semipresidencialismo, semelhante ao vigente em alguns países da Europa;
  2. Mudança no sistema eleitoral para o voto distrital misto. O sistema atual estimula a irresponsabilidade dos representantes perante os partidos políticos e perante seus eleitores;
  3. Financiamentos de campanhas políticas abertos, a serem feitos com contribuição de pessoas físicas com limites em relação ao montante da renda de cada pessoa. O financiamento exclusivamente público mostra sinais de vulnerabilidade. Não se objetiva a volta do financiamento por parte das empresas;
  4. Novo pacto federativo, que fortaleça os municípios e apoie a participação da população por via constitucional dos conselhos. (Proposta especifica: que todo município com mais de cem mil habitantes tenha dez conselhos deliberativos, sete dos quais obrigatórios);
  5. Reforma do Estado, combate do corporativismo: colocar o estado na busca dos interesses gerais em detrimento dos particulares, reduzindo as desigualdades. Eficácia maior através das agencias reguladoras e a profissionalização dos servidores públicos, particularmente no nível municipal; e
  6. Proposta pontual voltada para população idosa por meio de centros de cuidados especiais para que essa população pudesse ter atenção uma atenção especifica.

 

Participaram do debate: Alberto Pinto Coelho Júnior, Allan Rosas Salles, Ana stela Alves de Lima, Angela Luci de Souza, Anibal Henrique de Oliveira Macedo, Armando Marques Sampaio, Arnaldo Bianchini Coneglian, Ataide Pereira Salgado, Athayde Nery de Freitas Junior, Aurélio Costa de Oliveira, Benjamim de Almeida Mendes, Bruna Batista Lima, Bruno Farias de Paiva, Carlos Roberto Achilles, Cesar Augusto C. Silvestri Filho, Claudio, Quércia Soares, Daniel Pereira Guimarães, Débora Cassia de Oliveira Lima, Djeverson, Denilson Alessandro De Souza, Dorival Mendes Rodrigues, Edna Flor, Eleanor Gomes da Silva Palhano, Elvio Alberto dos Santos, Elza Pereira Correia, Fábio César Sato, Francisco Cândido Feitosa, Francisco Gois Da Costa Neto, Genildo Pereira de Carvalho , George Gurgel de Oliveira, Geraldo Mossen de Carvaho, Geruza Angélica Leire Belarmino, Gilvan Cavalcante de Melo, Gyselle Cristina Estrela Cordeiro, Heloísa Barreto Alves, Henrique Eufrásio de Santana Junior, Humberto Guimarães Souto, Indaiá Griebeler Pacheco, Inês Kiyomi Kogussi Morikawa, Jácelio de Castro Medeiros, Jangular José Mariano Filho, Jorge Martins Espeschit, José Antônio Cipolla da Silva, José lopes de Carvalho Junior , José Valverde Machado Filho, Josefa Matos de Freitas, Juarez Amorim, Lenise Menezes Loureiro, Lirdes Maria de Oliveira, Luis Alves dos Santos, Luiz Carlos Faleiro, Manoel Francisco Ribeiro de Almeida, Marcia Regina Ledesma Vaneli, Maria Emília Peçanha de Oliveira, Mauricio Costa da Silva, Maurício de Moura Marques Júnior, Maurício Rudner Huertas, Moacir Clomar Jagucheski, Moacir Olivatti, Myrthes Bevilacqua Corradi, Nestor da Costa Borba, Patrícia Aline Grava Ordones, Paulo Henrique Campos Matos, Pedro Henrique Santos Coutinho , Raimundo Inácio Ribeiro Neto, Raimundo Nonato Coasta Bandeira, Raimundo Nonato Tavares dos Santos, Reginaldo Lourenço Breda, Ricardo Alexandre da Costa Amorim, Ricardo Jorge Cruz, Ricardo Pereira Sales, Samuel da Silva Pinto, Vandrios Richarles salgueiro, Walbemar Rocha Reis, Walmir da Silva Matos


 

O Brasil no Mundo em Transformação

Sob a presidência da profa. Hercidia Facuri Coelho, a relatoria do sr. Luiz Paulo Velozzo Lucas e comentários iniciais do prof. Creomar de Souza, o grupo de discussão a cargo do seminário realizado em São Paulo, em 03/03/2018, assim resumiu as propostas:

  1. Defender uma estratégia de desenvolvimento educacional com foco em educação básica de excelência;
  2. Desenvolver uma política pública de ciência e tecnologia;
  3. Defender uma estratégia aberta de desenvolvimento para o país, rompendo com o nacional desenvolvimentismo e a substituição de importações (economia empreendedora, inovação e integração nas cadeias produtivas locais e globais);
  4. Defender reformas estruturantes na economia nacional (Tributária, Bancária, da infraestrutura e redução do custo Brasil);
  5. Defender uma estratégia nacional de ações para a juventude (que incorpore a ideia de um sistema nacional de atenção e acolhimento);
  6. Adesão à OCDE e a outras iniciativas vinculadas ao ativismo social em termos internacionais;
  7. Propor maior diálogo do Partido em suas relações internacionais com entes da Sociedade Civil Internacional.

 

Participaram do debate: Adriano Lima de Moraes, Aldemir Simões Rafael Junior, Alex Spinelli Manente, Alexandre Azevedo Cruz, Alexandre Henrique de Guimarães , Anderson Ferreira Martins , Antonio Jorge de Souza Marques, Arnaldo Jordy Figueiredo , Bruno Estáquio Pinheiro da Silva, Carlos Alberto Da Silva, Carlos Eduardo Batista Fernandes, Cathy Mary do Nascimento Quintas , Cesar Luiz Baumgratz, Claudio Gomes Fonseca, Comte Bittencourt , Daril de oliveira abejdid, David Saraiva Costa, David Zaia, Douglas Augusto Pinheiro de Oliveira, Edenilson Aparecido Miliossi , Elcy, Monteiro Barroso Junior , Eliane Leandra Gomes, Eunice Croqui Achiles, Eva Teixeira Brito, Fábio Junior Lino Nunes , Fatima Cristina da Ressurreição Romar, Fernanda Biskup da Luz, Francisco De Assis Medeiros, Francisco de Assis Rodrigues Chaves, Francisco Potiguara Tomaz Filho, Frank Rossatte da Cunha Barbosa, Geraldo Eugênio Barbosa Mansur, Geysla do Nascimento Viana, Gledson da Silva Brito, Helton Juvêncio da Silva , Irina Abigail Teixeira Storni, Jeferson Rubens Boava, Jefferson Silveira, José de Artur, Melo de Almeida, José Luiz Nanci, José Nilton Carvalho Da Silva, José Roberto Fukumaru, Josélia da Silva Nascimento, Josias Mario da Vitória, Josimar Dionisio , Julia de Azevedo Brandão, Júlio Adelaido Serpa, Laura Helena Lima Pinheiro, Luiz Carlos Porto, Luiz Paulo Vellozo Lucas, Marcelo Adriano Lopes Silva, Márcio Alencar de Sousa, Marco Aurélio Marrafon, Marcos Abrão Roriz Soares De Carvalho, Maria Josineide, Ramos dos Santos , Mario Lucio Silva Nascimento, Marluce Maria de Paula, Matheus, Henrique de Jesus Gomes, Michele Pinto Avila Militão, Miryam Inês de Lima, Osvaldo Ordones, Paulo Eliário Nunes, Pollyana Fátima Gama Santos, Raimundo Benoni Franco, Randolfo Santana Medeiros, Regis Nogueira Medeiros, Renato Campos Galuppo, Rubens Bueno, Sônia Francine Gaspar Marmo, Sonia Maria Rodrigues, Walter da Silva, Yves Raphael Carbinatti Ribeiro.


 

Desenvolvimento Sustentável e Inclusão Social

Sob a presidência da profa. Luzia Maria Ferreira, a relatoria da profa. Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriques e comentários iniciais do prof. Alberto Aggio, o grupo de discussão do seminário realizado em Brasília, em 10/03/2018, assim dispôs suas propostas:

  1. Econômica – mudança de paradigma – promover uma mudança estrutural no modelo de commodities visando expandir e viabilizar um novo modelo de economia baseada no conhecimento, na inovação, no aumento da produtividade e da renda, bem como assegurar a estabilidade fiscal e financeira do país, inclusive, um novo papel de financiamento para os bancos;
  2. Social – assegurar a coesão social, por meio da inclusão socioprodutiva. Apresentar programas de inclusão por segmentos que ofereça igualdade de oportunidades.
  3. Ambiental – Ciência, tecnologia & inovação representam a chave para resolução de grandes temas socioambientais – água, energia renovável, produção e consumo sustentável, resíduos. O não aproveitamento dos resíduos, por exemplo, representa uma perda de recursos financeiros e materiais importantes.
  4. A educação é o caminho de tudo – em especial para aumentar a produtividade e o bem-estar das pessoas. É preciso dar mais eficiência, eficácia e efetividade aos recursos já reservados e avançar nas agendas. O PPS deve estimular, cada vez mais, que o Brasil se transforme em uma sociedade EDUCANTE.
  5. A corrupção deve ser enfrentada em todas suas formas de acordo com a Lei e os recursos resgatados devem fomentar a educação. Este é um dos fatores que ampliam a coesão social em nosso país.

 

Participaram do debate: Mirtes Maria Firmino de Souza, Antônio Carlos Cavalcante de Barros, Urânio Paiva Ferro, Genielma Brito do Rosario, Roberio Duarte dos Santos, Bruno de Arruda Rodrigues, Rosidalva Pinto de Aquino, Olival Andrade Junior, Alexandre Pereira Silva, Francisco Ueliton Martins, Raquel Nascimento Dias, Tomaz Holanda de Lima, Francisco de Sousa Andrade, Deyvid Alberto Hehr, Ricardo Luiz Chiabai, Virmondes Borges Cruvinel Filho, Uillian Costa Da Trindade, Eliziane Pereira Gama Melo, Joaquim  Umbelino Ribeiro Júnior, Francisco Fausto Matto Grosso, Silvana Dias de Souza Albuquerque, Claudio Rodrigues de Jesus, Luzia Maria Ferreira, Fabiano Galletti Tolentino, Gilka Maria de Morais Oliveira, Pedro Henrique Alves Auarek, Walter Marinho de Oliveira, Stoessel Luiz Vinhas Ribeiro, Alessandra, Coelho de Freitas Nunes, Everaldo França Nunes, Jane Monteiro Neves, Manoel, Geovane Farias Pereira, Carlos Clayton Leite,Ronaldo Sergio Guerra Dominoni , Diogo Nascimento Busse, Fabio de Oliveira D'Alécio, Hélio Renato Wirbiski, Nelson Rodrigues , Simone Yooko Taniguti Amorim, Marcelo mora Gadelha, Aécio Nanci Filho, Carlos, Eduardo Caminha, Jayme Muniz Ferreira Neto, Miguel Arcangelo Ribeiro, Roberto Percinotto, Cyrillo Antônio Fernandes Furtado, Any Machado Ortiz, Ernesto Ortiz, Sergio Camps de Morais, Joseilton Batista Franca, Alisson Luiz Micoski, Elaine Pompermeier Otto, João Carlos Alves Dos Passos, Afonso Lopes Silva, André Luiz de, Camargo Von Zuben, Arnaldo Calil Pereira Jardim, Benedito Alberto Giudice Cruz, Cesar Alexandre Hernandes, Danilo Herbert Alves Martins, Deodato Rodrigues de Souza, Felipe Pinheiro, Ignácio Leite da Costa, José Carlos Hori, Leonardo Willian Casal dos Santos, Luiz Antônio Tobardini, Mariete de Paiva Souza, Mayra Rosanna Gama de Araújo Silva da Costa, Paulo Cesar Hadad, Roberto João Pereira Freire, Ronaldo Crespilho Sagres, Wagner de Souza Rodrigo Costa, Itamar De Santana Nascimento, Samuel Carvalho Dos Santos Junior, Eduardo Bonagura, Luciana Serafim da Silva, Laudenor Francisco Torres, Luciana Serafim S Oliveira, Ricardo Alexandre Amorim, Marco Aurélio Marrafom, Celso Henrique Barbosa Lima, José Augusto de Carvalho, Mendes Filho, Italo Renato Araujo Oliveira, Edmo Garcia de Almeida.


 

Sessão de encerramento da Conferência Nacional da FAP

Após a apresentação e exame das propostas dos três Grupos de Discussão, objeto de aplausos entusiásticos da plateia de cerca de 250 pessoas, a Conferência Nacional da FAP encerrou-se com as palavras do sr. Luiz Carlos Azedo, Diretor Geral da FAP, Senador Cristovam Buarque, presidente do Conselho Curador da FAP, e Deputado Roberto Freire, Presidente do PPS. Seguem-se as intervenções na ordem indicada:

 

Luiz Carlos Azedo, Diretor Geral da FAP

Azedo iniciou agradecendo a participação de todos, em especial os presidentes de mesa, os relatores e os comentaristas, que souberam completar trabalho de extrema complexidade, em um curto espaço de tempo.

Para ele, a FAP representou um marco importante na aproximação entre seu Conselho Curador, cuja maioria é formada por não-membros do PPS, e os quadros dirigentes do partido distribuídos por todo o país, de acordo com os eixos que norteiam as atividades da instituição: (i) produção de conteúdos, (ii) formação política e (iii) interlocução com o mundo acadêmico, das ideias.

Antecipou que trataria de quatro questões importantes, começando com as três mudanças de paradigmas que identifica estejam ocorrendo.

A primeira é de natureza política, qualificou. Somos frutos de uma tradição política de forças, de um movimento, que se opôs simultaneamente ao liberalismo e ao fascismo e, em alguns momentos, até a social-democracia, acrescentou. A partir dos anos 50, esse movimento emulou com o liberalismo e o capitalismo até se esgotar como proposta política. Com o colapso da URSS, deparamo-nos com uma situação em que aquela a distância que existira entre nós e o fascismo à época da Segunda Guerra progressivamente se foi reduzindo ante as revelações da história de tudo que acontecera, de maneira que, hoje, tanto o comunismo como o fascismo se equiparam a regimes ditatoriais e perversos. A partir de então, consolidou-se a hegemonia do pensamento liberal democrático. Esse é o pano de fundo contra o qual temos de discutir o futuro e os programas do partido. Essa é a realidade, inescapável, resumiu.

A segunda mudança de paradigma diz respeito, indicou Azedo, à corrida que o Ocidente e o Oriente vêm disputando, na qual o Ocidente está perdendo a liderança do processo de modernização e desenvolvimento econômico para regimes autoritários do Oriente. Estamos, completou, diante do que poderia ser uma recidiva do comunismo com todos os ingredientes de totalitarismo, autoritarismo e antidemocracia, contra o qual nos posicionamos já na campanha de Roberto Freire para presidente, quando do massacre na praça Celestial. Pergunto, qual é nosso lado?, deixou como provocação.

A terceira mudança de paradigma – real para nós e para os liberais – é estarmos caminhando para uma sociedade que prescinde dos valores da igualdade, fraternidade e solidariedade da Revolução Francesa, pontificou Azedo. Para se modernizar, produzir e crescer, em decorrência dessa mudança, o que está acontecendo na economia? Está-se prescindindo também do trabalho – tanto manual como intelectual – porque o conhecimento está sendo apartado da consciência pela inteligência artificial. Isso coloca um problema ético e político. Que sociedade é essa que vem por aí, pergunta-se, que não precisa do trabalho para produzir na escala necessária com que estávamos acostumados, que era a escala do pleno emprego? Não precisa de exército industrial de reserva nem de reservistas para o Exército porque as indústrias cada vez mais usam menos operários, e os exércitos, menos soldados. A esse respeito, indaga: que posição vamos assumir em relação a esses valores liberais? Vamos abdicar deles? Isso é o que está sendo posto quando falamos da relação com o liberalismo, com a agenda liberal no plano político. Não vamos adotar, frisou, uma agenda liberal por oportunismo ou esperteza. Teríamos de levar em conta as modificações objetivas em curso na sociedade.

Um quarto fenômeno que se soma a essas três mudanças de paradigma é que as pessoas têm cada vez mais liberdade. Passaram por uma revolução dos costumes e se tornaram crescentemente mais individualistas, solitários e desligados do sistema político que garante essa liberdade, que é a democracia representativa. É uma situação em que o cidadão ganha consciência de seus direitos, de suas prerrogativas e cada vez menos se identifica com aquelas instituições que asseguram isso, porque essas instituições também estão em crise e defasadas.

Qual é o resultado disso?, volta a perguntar-se Azedo. Quem vai levar esse processo? É o pensamento democrático, a esquerda, os liberais ou o pensamento autoritário, fascista, retrógado, como vem acontecendo em vários países do mundo? Esse é o dilema, responde, é a discussão subjacente a tudo isso que nós debatemos nesses seminários, com a qual nós temos de nos deparar em um período que pode não ser muito longo, porque as mudanças são muito rápidas, mas com certeza é um processo que se está tornando cada mais dramático, estimou.

Acho, prosseguiu, que essa inquietação, esse mal-estar que estamos vivendo, decorre disso e precisamos ter clareza de como vamos lidar com isso para que possamos fazer política, construir alternativas, pensar novas ideias. Somos um partido e um movimento, mas só sobreviveremos como partido e movimento se conseguirmos juntar uma coisa à outra, se tivermos ideias, boas ideias, para enfrentar o futuro que vem por aí.

 


 

Senador Cristovam Buarque

O senador iniciou com uma citação antiga sua, que lhe passou o sr. Candido Feitosa: “Creio que o PPS é um partido que pode apresentar uma alternativa por sua rica trajetória... por ser uma organização antenada no futuro...”.  Ao agradecer a gentileza do gesto, o senador se permitiu fazer uma correção: “Creio que o PPS é o único partido capaz de fazer isso...”, e explicou: Que outro partido está hoje a três meses das eleições discutindo o que estamos discutindo aqui, em vez de explorar quem vai ser candidato, com quem a gente vai fazer campanha, qual é o discurso para ganhar votos? Que eu saiba, nenhum, respondeu.

Nós estamos aqui debatendo o futuro, sem ficar prisioneiro do presente. Isso é algo que precisamos aproveitar. Um partido não pode ficar preso ao presente, sobretudo em tempos de profundas transformações, como observou Azedo. Conseguimos reunir aqui hoje delegados de todo o Brasil e temos uma direção que nos permite a liberdade de agenda e de trabalho, na pessoa de Roberto Freire.

Gostaria agora de tecer alguns comentários sobre o teor das muito boas propostas apresentadas pelos Grupos de Discussão, que avaliaram os relatórios dos seminários que a FAP organizou no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Com relação ao primeiro documento, ressaltou o senador, a escolha do tema já merece aplausos – o pacto entre a sociedade e a nação. Retoma conceito importante, o de nação, que ainda não entrou na cabeça de muitos militantes. Outros acreditam que a nação é a soma das corporações, e os liberais mais radicais acham que a nação é apenas a soma dos indivíduos. A nação é o que transcende a soma dos indivíduos e que não se subordina à vontade das corporações. Submeter a nação à vontade das corporações torna o regime fascista, pontificou.

Outro ponto interessante suscitado nos relatórios foi a aliança da esquerda democrática com o liberalismo. Eu diria que não é nem uma questão de fazermos uma aliança. A economia tem de ser eficiente. É uma condição que nosso partido tem de adotar. Não há como fazer justiça social se a economia não for eficiente. As economias podem ser eficientes, sem justiça social, mas a economia ineficiente não faz justiça. Um exemplo bom foi o que vi recentemente na televisão sobre os refugiados que estão chegando da Venezuela. O repórter não encontrou um único analfabeto entre eles, mas a economia do país foi destruída, e os pobres tiveram de emigrar. Descuidaram da eficiência econômica e descuidaram da democracia. A alfabetização não resolveu, concluiu o senador.

Temos de assumir, voltou a dizer o senador, essa ideia de eu economia tem de ser eficiente e que, para tal, temos de respeitar muitas regras, como o mercado. Não tem jeito, insistiu. A intervenção estatal nos preços, nas taxas de juros, termina levando à ineficiência e daí à injustiça.

O que temos de saber é como usar a eficiência econômica para fazer justiça. Isso conduz à segunda perna do seria uma proposta nossa no PPS. Trata-se da educação de qualidade e igual para todos. Pobres e ricos na mesma escola. Que o conteúdo seja livre, é, afinal, a liberdade pedagógica. Mas a qualidade, a carreira do professor, a qualidade dos equipamentos, isso tem de ser garantido a todos.

Quando se discute uma possível mudança do nome do partido, digo apenas que qualquer que seja a opção escolhida, se vier de fato a acontecer, não serão as palavras que contarão, mas a ideia de igualdade de oportunidades, um partido nacional que pregue a igualdade de oportunidades e a eficiência econômica.

Outros aspectos discutidos com os quais estou de acordo referem-se à reforma política, à reforma eleitoral e ao financiamento de campanha. A esse respeito, devo dizer que penso que o financiamento de campanha deva ser privado e ilimitado. Financia o candidato quem se simpatiza com ele ou com o partido, defendeu.

Quanto ao pacto federativo também abordado nos relatórios, julgo que temos de sair um pouco da visão do Estado e dos municípios e trabalhar setores. A primeira decisão a ser tomada a esse respeito é a de que criança alguma terá uma escola melhor do que a outra que more no lugar errado. O pacto federativo tem de dizer que não importa o endereço do pai e da mãe, a escola será sempre boa para o filho.

A saúde é outro setor capital. Saúde não pode ser privilégio de quem tem dinheiro e more em cidades ricas. O pacto federativo terá de garantir igualdade de qualidade de educação e de saúde. A partir daí, as desigualdades decorrerão do talento, da persistência, da vocação de cada um, mas não da sorte de o pai ter escolhido um bom endereço e a sorte de uma herança. Temos de trabalhar, complementou o senador, para que o pacto federativo liberte nossas crianças de escolhas com qualidades diferentes e nossas famílias da sorte – ou azar – de acesso diferenciado ao tratamento médico.

Sobre a reforma do Estado, tema também muito bem examinado nos Grupos de Discussão, acredito que temos de sair do corporativismo e enfatizar a redução da pobreza. Mas como fazer isso? Estamos viciados em alimentar a intenção de fazer coisas, e descuidamos da ação. Onde mexer para que as coisas possam mudar? Temos de ser muito realistas e objetivos a esse respeito.

A ciência e a tecnologia foram naturalmente objeto de reflexões valiosas. Minha convicção é a de que quando as crianças neste país tiverem no ensino básico muita matemática, muito português, um idioma estrangeiro, história e geografia, a ciência e a tecnologia chegarão bem.

Gostaria agora de compartilhar uma metáfora com todos vocês. O Estado constrói o trilho, mas a locomotiva é privada. Somos capazes de dizer por onde devam caminhar os setores produtivos, mas o Estado não tem de ser o setor produtivo. Pode até preencher certo papel nas áreas de petróleo e energia, mas não no setor produtivo.

Com relação à juventude, penso em algumas ações de apoio, como as esportivas, por exemplo, mas não resisto e recuperar ideia antiga minha que o PPS talvez pudesse incorporar. Pode soar meio retrógrado, sou favorável ao serviço militar obrigatório. Acho que traria uma consciência nova, uma ocupação do tempo numa idade muito perigosa. Só que o serviço militar não precisa de armas. Seria para oferecer aos jovens um período de formação cívica, de disciplina, de encontrar amigos e, ao mesmo tempo, de conseguir um ofício. Entre 18 e 19 anos, isso ajudaria muito, até mesmo para reduzir a violência.

Aproveito outra proposta apresentada por um Grupo de Discussão – ingresso na OCDE – e apoio. Cheguei a fazer uma anotação, a título de piada, que deveríamos também tentar entrar na OTAN, desde que nos permitissem a mesma coisa no Pacto de Varsóvia. A provocação serve para sublinhar o acerto da decisão de o Brasil abrir-se à comunidade de nações e acentuar sua convivência internacional. Penso mesmo que esse deveria ser um objetivo nosso, dos políticos, do PPS. Durante os últimos 13 anos, o PT seduziu a sociedade civil organizada em vários quadrantes do mundo, com jantares, almoços e financiamento de agendas. E hoje nós somos tratados como golpistas. Entre nós, já tem políticos preocupados com isso, como o deputado Rubens Bueno, por exemplo.

O terceiro Grupo de Discussão falou de inclusão, e eu quero falar de equidade e coesão. Para acabar com preconceitos, aumentar a produtividade e distribuir o que a produtividade cria só pela educação. Desde a época da SUDENE, do saudoso Celso Furtado, insistiu-se em industrializar o Nordeste, quando se deveria ter transformado a escola no Nordeste igual à do Sul. Se tivéssemos tido trinta anos de investimentos em qualidade educacional, estaríamos hoje em uma situação diferente quanto à desigualdade.

Gostei da palavra ousadia, usada por Alberto Aggio em ousadia pela democracia. Mas democracia sem educação igual não vai transformar. Os analfabetos consideram um sacrifício ir à escola. Reparem que todos querem distribuição de renda e não de educação. Distribuir educação exige um esforço, um baita esforço. Você não está dando educação, a pessoa é que está recebendo a educação.

Na bolsa-família, a pessoa está recebendo, não dando nada em troca. Quando Fernando Henrique instituiu a bolsa-escola em favor de 4 milhões de beneficiários, a família tinha de dar alguma coisa de volta, pois só receberia o benefício se o filho fosse à escola. Quando Lula transformou a bolsa-escola em bolsa-família, cometeu vários erros. Tirou o programa do ministério da educação. Antes, quando se recebia a bolsa-escola, pensava-se que era porque o filho tinha de estudar; com a mudança, passou-se a pensar que o benefício era dado porque a pessoa era pobre. Estendeu-se também a bolsa para quem fosse velho ou estivesse doente, mesmo que não tivesse filhos. E descaracterizou o programa que era educacional.

Fala-se em distribuição de renda. Fiz uma conta rápida. Dividi a renda dos bilionários, cerca de 50 bilhões de reais, pela população, o resultado foi cerca um real por dia. Com isso, nada vai acontecer. Só vamos ter êxito na política de distribuição de renda quando acontecerem duas coisas: quando aumentar a renda social e quando a educação for igual para que cada um possa exercer seu potencial e receber sua parte; para os que não tiverem potencia, o Estado terá de cobrir as necessidades básicas.

Quanto ao bom desempenho econômico do Ceará, mencionado por um companheiro, tenho a dizer que o estado melhorou de fato um pouquinho, mas está longe do nível do que a gente precisa. Aceitar esse patamar como parâmetro é cair na mediocridade.

Temos de combinar o liberalismo dos seres humanos com a inteligência artificial. Esse é o futuro. Encontros como este que estamos organizando hoje talvez sejam um dos últimos da história. Em alguns anos, estaremos reunidos por vídeoconferência, as pessoas achando que estão confortavelmente sentadas umas ao lado das outras.

Azedo referiu-se aos conceitos de reinvenção. Acho que, nos dias de hoje, temos de reinventar tudo, desde o conceito de reinvenção até mesmo o de tudo.

Por fim, diria que não sei se vamos ganhar ou não essa luta entre o liberalismo e o autoritarismo. Só posso dizer que, até o último dia, nós, como políticos, militantes, devemos lutar para que o autoritarismo passe. É o que estamos fazendo aqui, lutando para encontrar um rumo que nos permita combinar a liberdade de cada um com essas mudanças radicais em curso no mundo. Independentemente de essa luta fracassar ou não, como dirá a história dentro de algumas décadas, pelo menos teremos tentado com nosso trabalho nessa conferência.

Fico feliz de estar em um partido que esteja tentando.

 


 

Deputado Roberto Freire

Agradeço a presença de todos. Estou encerrando essa Conferência Nacional da FAP e, daqui a pouco, estarei abrindo o XIX Congresso Nacional do PPS.

O que estamos fazendo aqui hoje é algo inovador, mas em cima de uma velha ideia, de uma velha prática. Os congressos do Partido Comunista tinham na origem a articulação de seus militantes, de seus filiados, na preparação de documentos que tratavam da realidade do mundo e a realidade do Brasil. Alguns congressos eram mais democráticos, outros menos, quase sempre autoritários, mas foram em algum momento importantes para consolidar um partido que hoje se está tornando de anciãos, por conta do envelhecimento de nossas políticas, de nossos políticos, e por conta da superação das mudanças que a história nos coloca como desafios. Só que este partido, por intermédio desses congressos, sempre tentou fazer algo novo.

Por isso, saúdo esta conferência. Nós organizamos um congresso diferente quando estávamos precisando fazer a diferença naquilo que era nossa derrota. Foi aí que o partido se preparou para mudar sua simbologia, muitos de seus paradigmas, suas práticas e seu nome. Aquele congresso preparatório criou algo que significava chamar pessoas que não eram do partido para que, se quisessem discutir as teses do partido e participar desses eventos, poderiam se tornar delegados ao congresso nacional. Isso foi uma mudança que, inclusive, permitiu àqueles que não queriam mudar dizer que o congresso estava esquisito.

Alguns membros hoje do partido entraram naquela época quando se processou a mudança do Partido Comunista para o Partido Popular Socialista, cujo documento fundador começava afirmando que estávamos no limiar de uma era da história. É interessante recordar que o então candidato a presidente da república e seu candidato a vice, já falavam em discutir que o Estado não deveria mais cuidar de algumas das atividades econômicas, antes consideradas estratégicas e deixavam de ser, como a produção de aço, e, sim, da ciência e tecnologia. As pessoas diziam que esses comunistas eram diferentes. Que comunismo é esse?, perguntavam-se. O partido estava querendo discutir o mundo diferente daquela conjuntura.

Esta conferência, antecedida por seminários preparatórios que discutiram e adiantaram a análise de temas relevantes para os interesses da sociedade, como o mundo da revolução científica, da inovação, da inteligência artificial, tanto quanto o seminário internacional que a FAP convocou em setembro último, em parceria com o ITV – portanto, o PPS e o PSDB juntos -, haverão de permitir que hoje à noite, amanhã e depois, no XIX Congresso Nacional do PPS, possamos examinar esses pensamentos, tentando ajudar o Brasil a se posicionar em relação ao futuro.

Tudo do que aqui foi dito é relevante para que possamos extrair como formulação política. Por exemplo, a proposta de o Brasil ingressar na OCDE. Esta é uma proposta de um partido político que é conhecido por ter a coragem de romper com preconceitos e paradigmas do passado, o que tem muito a ver com o tom de nossa história, com o internacionalismo, e com a consciência de que o mundo de hoje é o mundo da globalização em todos os setores.

Na nossa maneira de ver, isso não é para nós algo novo. Quando se falava de que não ia existir mais fronteiras nacionais, a reação foi de que se tratava de uma afirmação prematura. Sabem onde primeiro se mencionou essa possibilidade? No Manifesto Comunista. Não foi algo, portanto, escrito agora.

Nós vamos precisar intervir na política tendo a coragem de superar alguns dos pontos que eram caros a todos nós, para saber se vamos ser contemporâneos do futuro ou se vamos ficar prisioneiros do nosso passado, por mais honrado que seja. Esse é o desafio que se levanta ao Brasil de hoje. O Brasil foi interditado por forças que se diziam de vanguarda, e que não foram vanguarda alguma, porque se prenderam ao retrocesso, ao passado.

Estou nesse partido há cerca de 50 anos. Vivi momentos de dificuldades e momentos de muito orgulho. Algumas vezes, tememos que não teríamos futuro, por terem sido momentos de intensa rutura. Não escolhemos assim; o mundo nos obrigou. E até hoje enfrentamos problemas para nos afirmar, especialmente no Brasil, porque, como disse, uma esquerda que parecia estar na vanguarda se revelou no que houve de mais atrasado, impedindo todo e qualquer diálogo de superação de muitos dos problemas que estávamos vivendo. E o que tivemos?: uma esquerda enxovalhada. Nunca na história desse país se formou movimento contra a esquerda tão forte como o que estamos enfrentando em nossos dias, a ponto de trazer para o dicionário o neologismo de “esquerdopata”.

Como superar isso?: tendo a ousadia de fazer o que estamos fazendo agora aqui, sermos efetivamente vanguarda, entendermos que esse mundo está mudando e sabermos acompanhar essas mudanças e sermos vanguarda nelas. E não discutir o mundo do trabalho supondo que uma legislação de 70 anos possa determinar o que deva ser feito agora e no futuro, nem se render à ideia de que tenhamos de nos submeter a corporações, nem deixar de enfrentar a realidade de um mundo que não oferece mais garantias fáceis para o futuro. Precisamos construir um partido que tenha a coragem de afirmar posições políticas não sozinho, mas atraindo aqueles que se identificam com essas mesmas posições.

O Brasil vai necessitar de inciativas desse tipo. Como disse, passei por momentos difíceis, de um partido pequeno incapaz de ter presença na sociedade, de nos esquecerem como partido democrático, como partido de esquerda, como partido progressista, quase como sendo um partido. Quero dizer que hoje temos a oportunidade de sermos protagonistas. Com a crise dos partidos, especialmente no Brasil, um pequeno partido teve a ousadia de atrair movimentos que têm impacto na sociedade. Na verdade, foram alguns desses movimentos que escolheram o PPS como um de seus interlocutores, e isso não é pouco avanço. Em épocas em que ninguém promove interlocução com partidos, aqueles que rompem com esse modelo terão vantagem.

Sou realista. Não digo nenhuma ficção metafísica contrária ao ritmo normal da vida ao aceitar limites a meus dias. Gostaria, porém, de imaginar ser capaz de legar ã juventude de meu partido forte sentido de continuidade, com o exemplo não do que fomos no passado, mas da presença que tivemos na história desse país que quem quiser conhecer vai ter de nos conhecer, como dizia Ferreira Gullar.

Estamos neste congresso guiados pelos pensamentos, conceitos e luzes que nos haverão de orientar na direção certa, a partir dos elementos concretos de reflexão que muitos aprofundaram, de modo a que podemos dizer com altivez que temos vida daqui para frente.


 

André Amado, Secretário Executivo

Atuei como secretário executivo da Conferência Nacional da FAP desde o primeiro momento. Colaborei com a escolha dos delegados, definição dos temas a serem debatidos, distribuição de trabalhos no seio de cada seminário e circulação dos documentos produzidos.

Mais uma vez, admiraram-me a dedicação, a disciplina, o compromisso e o sentido de conjunto que os participantes dos seminários exibiram, tanto os membros da FAP e do PPS, quanto os convidados especiais, de outra procedência.

Minha contribuição, que espero tenha sido positiva, resultou muito menos significativa do que o que eu pude aprender e desfrutar com o manejo dos temas em discussão e, sobretudo, a convivência com pessoas tão estimulantes, pessoal e intelectualmente.

Despeço-me gratificado e enriquecido, e deixo este relatório como registro do trabalho excepcional que completaram todos os envolvidos nos seminários preparatórios e nas sessões da Conferência Nacional da FAP.

 

Brasília, abril de 2018

André Amado

Embaixador

 

Leia mais:

» Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” – Rio de Janeiro (24/02/2018)

» Relatório do Seminário “O Brasil em um mundo em transformação” – São Paulo (03/03/2018)

» Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” – Brasília (10/03/2018)


Relatório do Seminário “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” - Brasília (10/03/2018)

Seminário  “Desenvolvimento sustentável e inclusão social” - Brasília (10/03/20018)

Relatório: professora Maria Amélia Enríquez 

Não se pode debater “desenvolvimento sustentável” e tampouco “inclusão social”, com a profundidade que o tema requer, dissociados da discussão do modelo econômico do país, tendo em conta que é na reprodução da vida material que os impactos socioambientais são gerados, mas é também na esfera econômica que os impostos que financiam as políticas públicas, inclusivas ou não, são arrecadados.

Dessa forma, não é exagero afirmar que o modelo econômico adotado pelo Brasil, que é resultante das escolhas políticas feitas ao longo do tempo, é um dos principais obstáculos para a busca por um futuro com mais prosperidade, mais justiça social e sustentabilidade para todos. Tal modelo está assentado no tripé: 1) sistema financeiro distorcido; 2) sistema produtivo focado em commodities; e 3) sistema de inovação nacional frágil. Esse tripé tem feito do país um dos campeões de concentração de renda, de exclusão social e de desigualdades regionais.

Para o ano de 2017, o lucro do setor financeiro registrará um crescimento de 20%, em relação a 2016, o equivalente a R$ 70 bilhões. Nesse período, o crescimento do PIB será, no máximo, de 1%. O próprio setor financeiro reconhece que "não adianta ser uma empresa rica, num país pobre"[1]. Os altos juros historicamente praticados pelo sistema financeiro nacional desestimulam investimentos produtivos, afetam negativamente as expectativas dos investidores produtivos e, por conseguinte, inibem a criação de novos empregos e de renda; mas um dos principais facilitadores desses altos juros é o próprio governo, por causa do déficit público, cuja escalada é crescente.

Dessa forma, a nova política deve ter em conta que é necessário:

» Assumir o compromisso com uma gestão cuidadosa do dinheiro público. Deve-se recordar que juro é o preço do dinheiro, e cada vez que o governo demanda esse bem no sistema financeiro ele joga este preço lá para cima – não há mágica que possa mudar isso, a não ser a responsabilidade fiscal. Então é urgente uma clara definição de quais as prioridades sociais devem ser atendidas, já que o cobertor é curto e as necessidades são imensas. A história mostra que a sociedade aceita sofrer algum tipo de privação no presente, para assegurar uma vida mais justa e sustentável no futuro, mas é indispensável um diálogo muito claro sobre as perdas e ganhos.

» Resgatar o papel dos bancos de agente de financiamento da produção, a fim de que o dinheiro que entra no circuito não sirva apenas para alimentar o próprio sistema, mas sim retorne a sociedade por meio de crédito e a taxas decentes.

A alta dependência das exportações de commodities, de baixo valor agregado, alto custo socioambiental e baixo retorno tributário, conduziu o país à armadilha dos saldos comerciais superavitários, bem difícil e complexa de se destravar. Embora as exportações representem 13% do PIB nacional (dados de 2016)[2], as divisas que geram são indispensáveis para manutenção da estabilidade cambial e consequente equilíbrio macroeconômico, mas também o atual modelo exportador de commodities, é um forte limitante da capacidade de inovação do país, que é o esteio da verdadeira sustentabilidade do desenvolvimento.


Em 2017, o país exportou 218 bilhões de dólares, dos quais 61% compostos por produtos básicos e semielaborados, com predomínio das commodities agrícolas e minerais (MDIC[3]), foram aproximadamente 100 milhões de toneladas de grãos, 400 milhões de toneladas de minérios[4], além de 400 mil cabeças de boi vivo[5], entre outros, gerando renda e emprego de qualidade em outros países e, o mais grave, sem a contrapartida da geração de impostos, uma vez que estão isentos do ICMS, de PIS/COFINS e, ainda podem ter redução de até 75% de imposto de renda, caso a produção ocorrer nas áreas da SUDAM, SUDENE e SUDECO[6]. Há uma estimativa do Tribunal de Contas da União (TCU) de que apenas as perdas decorrentes da Lei Kandir, que desonerou do recolhimento de ICMS os produtos básicos e semi-elaborados, entre 1996 e 2016[7], estão estimadas em R$ 707 bilhões, reforçando o rombo das contas públicas, principalmente dos estados exportadores. Assim, se por um lado é imperativo gerar divisas ao país, por outro, deve-se questionar qual o retorno socioambiental das atividades que estão gerando tais divisas?

O avanço das monoculturas, pela rápida expansão da fronteira agrícola, tem deixado um rastro de dano ecológico, pelo uso desenfreado de pesticidas, fungicidas e agrotóxicos em geral, afetando qualidade da água e a biodiversidade, além de gerar danos sociais, não apenas na fase da produção, mas em toda cadeia logística para o escoamento da produção. Práticas inadequadas do manejo do solo são responsáveis pelo avanço de grandes áreas desertificadas[8], principalmente na região Nordeste do Brasil, além do comprometimento dos aquíferos pelo excesso de NPK[9]. A extração mineral gera poucas conexões produtivas, mas compete fortemente com outras formas de uso e ocupação do território e potencializa riscos socioambientais – água, solo, ar e deslocamentos compulsórios – como cruelmente revelou o desastre de Mariana[10], em 2015. No caso das exportações de boi vivo, o Pará vivenciou, também 2015, um desastre ambiental de enormes proporções resultante do naufrágio do navio Haidar com cinco mil bois[11] e 700 toneladas de óleo a bordo, cujas carcaças ainda submergem no porto de Barcarena, grupos de ativistas e o Ministério Público (MP) impediram as exportações de 27 mil bois vivos no Sul do país[12], entre outros motivos, pelos impactos do transporte no centro da cidade.


Em síntese, a permanência da resignação histórica do Brasil ao seu papel global de exportador de commodities, de baixo valor agregado, pouca intensidade em P&D, ainda continua a responder por boa parte das mazelas socioambientais em que o pais se encontra. A questão é saber quais as alternativas para sair dessa armadilha? É importante frisar que não há soluções milagrosas e imediatas, mas é preciso começar a promover urgentemente a transição para uma economia assentada no conhecimento, que é a real fonte riqueza de qualquer sociedade, e isso requer:

» Direcionar parte dos ganhos da exportação de commodities para fortalecer a nova economia sustentável baseada em conhecimento que está latente, mas que não consegue tomar fôlego por falta do oxigênio de políticas modernas consistentes e estáveis. Uma economia que possa gerar emprego e renda para muitos, afinal somos 208 milhões de brasileiros, que mobilize o potencial criativo, artístico e inovador de cada região, a partir de seus atributos e potencialidades. É preciso levar em conta que as intensas mudanças tecnológicas estão reconfigurando totalmente o mundo do trabalho[13]. Há que preparar, principalmente, a juventude para essas mudanças, que já estão ocorrendo em ritmo acelerado. Isso significa investir mais em ciência, em tecnologia e, fundamentalmente, em fomento à inovação, que é o conhecimento aplicado ao mundo da produção, e preferencialmente nos territórios em que esta produção ocorre, não raras vezes sem nenhum suporte científico e tecnológico que permita elevar a produção e a produtividade. Convém lembrar que um dos componentes fundamentais do crescimento do PIB é o aumento da capacidade de inovação da indústria. Portanto, é mandatório que os superávits do setor exportador de commodities possam financiam com a estabilidade e a regularidade necessária as políticas[14] em prol da inovação.

» Redirecionar os incentivos do modelo de commodities para outro modelo com maior valor agregado, inclusão social e renda. Isso requer uma mudança na política tributária que reveja criticamente o mantra de que “imposto não se exporta”. Ao exportar commodities se estão exportando água, nutrientes do solo, base de biodiversidade, serviços ecossistêmicos (captura de carbono, por exemplo), patrimônio natural que levou bilhões de anos para ser formado e empregos de qualidade, mas nada disso está precificado; muito pelo contrário esses bens e serviços estão saindo como bônus nas mochilas ecológicas dos bens primários exportados [15], por causa da agonia do curto prazo. Há muitos exemplos de países que taxaram fortemente as exportações de commodities e concederam vários incentivos a atividades de maior valor agregado[16], essa sim merecesse ser isenta já que mobiliza os fatores produtivos internamente. Ao invés de produtos básicos, deve-se ter um olhar atento para os serviços que são a base da economia desta 4ª Revolução Tecnológica que já estamos vivenciando, e que tem o potencial de gerar no curto prazo muito empregos. Isso requer mudança substantiva na lógica atual que premia quem exporta commodities, com isenções tributárias, e pune quem agrega valor, emprego, produz e vende internamente, com a alta carga tributária[17].

» Reduzir os custos e a burocracia para quem produz, gera empregos e recolhe impostos no país. Isso requer uma administração pública saneada da corrupção, mais eficiente, mais produtiva e mais engajada em transformar para melhor o país. Há muitos servidores imbuídos com esse espírito público, mas que precisam de protagonismo e voz. O que deve ser feito por meio de mecanismos de controle social bem mais transparentes, com premiação ao mérito e punição exemplar aos maus feitos.

O estímulo excessivo ao consumo interno, como meio de alavancar a economia, que ficou conhecido como “keynesiansmo vulgar”[18], teve vida curta e não produziu os efeitos duradouros desejados. Em grande parte, por limitação do sistema produtivo, pois sem a retaguarda da ciência, da tecnologia e da inovação, para produzir mais com menos desperdício, menos impactos socioambientais, mais eficiência e mais resultados, não há como ser competitivo. Aliás, esse é outro aspecto pouco explorado do modelo econômico que conduziu o país ao quadro recessivo e de insustentabilidade socioambiental. Aumento de consumo não significa necessariamente aumento de produção e de emprego, pois se a demanda for atendida pela importação de bens e serviços, haverá “vazamentos” de renda, e também de empregos, para outras economias. Além do que o aumento do consumo supérfluo é anti-ecológico, reproduz e agrava as injustiças sociais.

Mais uma vez, o desafio é:

» Mobilizar a capacidade criativa, empreendedora e inovadora da sociedade. Embora tenha gerado benefícios socioeconômicos no curto prazo, o estímulo ao consumo interno não se sustenta sem uma base produtiva sólida e, para isso, é indispensável o correto estímulo com foco para atividades sustentáveis. Isso implica em escolhas, às vezes duras, mas absolutamente indispensáveis.

» Priorizar o investimento em capital humano. Educação de qualidade é a melhor forma de inclusão. O modelo apenas assentado em consumo, desconectado de uma educação transformadora, tem gerado milhares de lixões e prefeituras que estão incorrendo em ilícitos ambientais e passivos ambientais impagáveis.

» Mobilizar forças sociais em prol de uma conduta centrada em valores – para além da base produtiva é preciso alimentar a capacidade transformadora da sociedade em cada cidadão se reconheça como partícipe da construção de um país melhor e mais justo para todos. Nenhuma colaboração, por menor que seja, é dispensável. Uma cultura do ego e do ter sem limites, em detrimento à de solidariedade humana e planetária, nos empurra para o caos e para violência desenfreada que vivenciamos a cada dia.

Desde os anos 1990 Amartya Sen[19] alerta que a educação é tanto fim como meio e contribui expressivamente para geração de emprego e de renda não só para o futuro, mas no presente mesmo- pequenas cidades que abrigam centros tecnológicos ou universidade têm experimentado importantes índices de crescimento. Por fim, é preciso permitir o florescimento de uma economia calcada em valores e inovação, recursos que o Brasil dispõe em abundância, que a visão curto-prazista dá pouca importância, mas que será extinta pela nova realidade que está emergindo.

 

Participaram do seminário: André Amado, Alberto Aggio,Caetano Araújo, Alba Zaluar, Benjamin Sicsu, Dina Lida Kinoshita, Elimar Pinheiro Nascimento, Felipe Salto, Francisco Inácio De Almeida ,George Gurgel De Oliveira, Ivanir Dos Santos, Luiz Carlos Azedo, Maria Amélia R Da Silva Enriquez , Pedro Strozemberg, Sônia Francine Gaspar Marmo, Rubi Martins Dos Santos, Tereza Vitalle , Vitor Missiato, Vladimir Carvalho Da Silva, Elaiane Marinho Faria.

 

Leia mais:

» Relatório do Seminário “Novo pacto entre o Estado e a sociedade brasileira” – Rio de Janeiro (24/02/2018)

» Relatório do Seminário “O Brasil em um mundo em transformação” – São Paulo (03/03/2018)

» Relatório da Conferência Nacional “A Nova Agenda do Brasil”

 


Links:

[1] http://www.valor.com.br/financas/5318767/bancos-terao-que-conviver-com-juros-menores-diz-lazari-jornal

[2] http://unctadstat.unctad.org/CountryProfile/GeneralProfile/en-GB/076/index.html

[3] http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior

[4] http://www.mme.gov.br/web/guest/pagina-inicial/outras-noticas

[5] http://www.canalrural.com.br/noticias/boi-gordo/exportacao-gado-vivo-sobe-2017-71231

[6] Lei 7.827 de 1989, que criou os Fundos Constitucionais.

[7] https://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-460314-lei-kandir-criada-pelo-psdb-sangrou-os-cofres-do-para-em-r$-325-bilhoes.html

[8] http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/combate-a-desertificacao

[9] http://cetesb.sp.gov.br/aguas-subterraneas/informacoes-basicas/poluicao-das-aguas-subterraneas/

[10] http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41873660

[11] https://g1.globo.com/pa/para/noticia/naufragio-de-navio-com-cinco-mil-bois-vivos-em-barcarena-completa-dois-anos.ghtml

[12] https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/porto-mar/noticia/navio-com-27-mil-bois-e-retido-no-porto-de-santos-por-ordem-da-justica.ghtml

[13] Entre janeiro de 2012 a abril de 2017, os bancos fecharam 44.830 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de quase 10% da categoria. (http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2017/08/tecnologia-no-setor-bancario-aumenta-lucro-causa-demissoes-e-nao-reduz-tarifa )

[14] Em 2005, quando o Chile impôs a política de royalties minerais, também criou o “Fundo de Inovação para a Competividade” atrelado ao recolhimento desses royalties; o principal argumento é de que “uma atividade de exploração de recursos não renováveis deve alimentar a acumulação de recursos renováveis sob a forma de conhecimento, ciência e inovação” (https://www.razonpublica.com/index.php/internacional-temas-32/7513-chile-modelo-exitoso-de-ciencia,-tecnolog%C3%ADa-e-innovaci%C3%B3n.html )

[15] http://www.resourcepanel.org/reports/international-trade-resources

[16] A China proibiu exportação de bens primários desde XX, modelo que foi seguido pela Indonésia. http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2016/534997/EXPO_STU(2016)534997_EN.pdf

[17] Para uma comparação da carga tributária no setor da mineração acessar “Perspectiva Mineral n,2”( MME-DF) http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1732823/SGM+apresenta+estudo+de+tributa%C3%A7%C3%A3o+das+cadeias+produtivas+do+ferro+e+do+alum%C3%ADnio+01/68e6dc11-c1a1-406c-b9dd-6e759c6e7902

[18] https://jlcoreiro.wordpress.com/2014/11/08/o-retorno-do-keynesianismo-vulgar/

[19] “Desenvolvimento como Liberdade” https://www.saraiva.com.br/desenvolvimento-como-liberdade-livro-de-bolso-2880948.html