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Revista Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Os sinais e as incertezas

Economia do país reage e apresenta sinais alentadores, com ambiente macroeconômico favorável, com inflação de 3,4% ao ano e a mais baixa taxa Selic da história recente do Brasil (5% ao ano, menos de 2% em termos reais). É só o presidente não atrapalhar e as tensões externas arrefecerem 

Os sinais da economia brasileira são alentadores. Apesar do tímido crescimento esperado para este ano e dos níveis alarmantes de desemprego, a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano, que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável. Se o presidente da República não atrapalhar e as tensões comerciais externas arrefecerem, é provável que a economia brasileira retome ciclo de crescimento nos próximos anos. Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública. Mesmo com a reforma da Previdência, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos, as famílias e as empresas continuam endividadas e a economia internacional caminha a passos de tartaruga.

A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia. De imediato, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e da elevada inadimplência.

Além disso, a redução da Selic deve levar a uma redução da atratividade das aplicações financeiras em títulos da dívida pública, grande parte dos quais são remunerados pela taxa de referência. Como consequência, pode haver migração das aplicações da poupança nacional para produtos mais rentáveis, incluindo ações, e mesmo para o consumo ou o investimento. O desestimulo da “economia rentista” anima os empreendedores à procura de negócios com maior remuneração e risco mais elevado. Como a economia está operando com alto índice de ociosidade, a ampliação da utilização da capacidade instalada, acompanhada da contratação de mão de obra desocupada, complementa o ciclo virtuoso de recuperação do crescimento econômico.

Entretanto, esta conjuntura favorável convive com muitas incertezas, que assustam os agentes econômicos e podem comprometer o crescimento da economia. O primeiro fator de insegurança reside no próprio governo, na incompetência e no desequilíbrio emocional e ideológico do presidente da República, sua incontinência verbal alimentada pela paranoia reacionária, provocando quase cotidianamente o conflito e a instabilidade. A isto se agrega a recente libertação de Luís Inácio Lula da Silva com um discurso de radicalização política que deve acentuar a polarização entre lulistas e bolsonaristas, elevando a temperatura política, o que pode desfocar o debate das reformas estruturais.

É surpreendente, em todo caso, a consistência da política econômica de um governo completamente desorientado, parecendo indicar que o presidente delegou, efetivamente, ao ministro Paulo Guedes e a outros ministros da área econômica a condução das reformas que podem destravar a economia e estimular novos investimentos privados. Além das iniciativas para privatização de várias estatais e concessão de serviços públicos, o governo vem avançando em algumas reformas do Estado para flexibilizar, regular e reduzir as despesas públicas. O Ministério da Economia falha, lamentavelmente, quando se omite das negociações que levam à reforma tributária (com duas propostas tramitando no Congresso), fundamental para melhoria do ambiente de negócios, que estimula os investimentos.

Não bastassem as incertezas internas, a situação internacional emite ondas de instabilidade que podem atrapalhar muito o desempenho da economia brasileira. A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, amenizada transitoriamente, pode gerar retração da economia global e, de imediato, atingir os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A União Europeia, às voltas com um nacionalismo retrógrado e com a confusão do Brexit, mostra sinais de estagnação econômica que contraem também o comércio internacional. Mais perto do Brasil, o renascimento do peronismo kirchnerista na Argentina, nosso terceiro parceiro comercial, ameaça a existência do Mercosul, base para negociação de acordos comerciais com grandes centros econômicos, especialmente o entendimento com a União Europeia, já muito abalado pelas barbaridades do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo com toda a reserva em relação a um presidente autoritário e reacionário em áreas importantes da vida brasileira, há motivos para otimismo quanto a uma possível retomada do crescimento da economia brasileira. Os sinais são positivos, embora as incertezas ainda sejam muito grandes.

 

 


Revista Política Democrática || Lilia Lustosa: Coringa — o grito liberado

Minha curiosidade em ver Coringa foi mais forte que minha bronca. Me rendi e digo: valeu cada segundo. Filme é duro de ver, não pelo excesso de violência física, mas pelo excesso de realidade impresso na tela, avalia Lilia Lustosa

 Logo que soube que ia sair o Coringa, pensei: mais um blockbuster de heróis! No caso, de anti-herói. Superprodução, efeitos especiais, muito barulho, cortes rápidos, muita ação, pouco tempo para se analisar qualquer coisa, puro cinema de entretenimento. E logo imaginei que isso fosse uma reação da DC Films, que anda perdendo terreno para a Marvel Studios nos últimos anos, com seus Avengers e Panteras Negras da vida.

Confesso que não estava muito animada para vê-lo, até que soube da repercussão que o filme estava tendo nos Estados Unidos, onde chegou mesmo a ser entendido como uma mensagem subliminar contra o governo Trump. E, ainda, do texto que Michael Moore publicou defendendo o filme e ressaltando o valor de sua mensagem em tempos atuais, época sombria, em que tantos medos povoam nossos pensamentos.

Me rendi então à famosa peer pressure e fui assistir ao Coringa, mesmo ciente de que estava em pleno período de “invasão blockbuster”. Ou seja, um único filme hollywoodiano ocupando praticamente todas as salas de cinema da cidade, deixando os piores horários para produções locais ou estrangeiras menores. Mas minha curiosidade foi mais forte que minha bronca. Me rendi e digo: valeu cada segundo!

O filme de Todd Phillips é um filmaço, daqueles que você sai e fica por horas discutindo, refletindo. Um filme, sem dúvida, duro de ver, não pelo excesso de violência física, mas pelo excesso de realidade impresso na tela. Excesso de verdade atirada na nossa cara. Excesso quase insuportável quando entendemos que nós, que estamos ali sentados confortavelmente naquela sala de cinema, somos a elite ali representada. Aquela elite que ataca, que chuta, que discrimina e que, acima de tudo, ignora o que está acontecendo. Elite que desvia o olhar ao passar ao lado de um mendigo dormindo na rua, que fecha rapidamente o vidro do carro quando vê chegar aquele velhinho ou deficiente físico para pedir dinheiro outra vez. Mea culpa.

Obviamente, Coringa é uma grande alegoria de nossa sociedade e, por isso mesmo, se permite trabalhar com excessos e metáforas. E isso assusta! Mas são justamente essas extrapolações ou caricaturas de nós mesmos que nos fazem entender aquela tela como um espelho do que estamos nos tornando ou, quem sabe até, do que já somos.

Ao acompanharmos o passo a passo da construção do “monstro” em que vai se convertendo Arthur Fleck (magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix), enxergamos muitos conhecidos nossos, quer seja na pele do próprio Arthur, quer seja na pele dos que estão em seu entorno, ajudando a construir a “criatura”. Enxergamos, no início, um homem com um sonho: vencer na vida como comediante. Uma pessoa que, apesar das adversidades sociais (pobreza) e psicológicas (doença mental em que não controla o riso), tenta alcançar licitamente seu sonho. Vemos, então, ao longo do filme, vários gestos de bondade (como o cuidado com a mãe velha e doente) e até mesmo de ingenuidade, transmitidos por aquele corpo frágil que não se faz compreender nem pela assistente social que deveria ajudá-lo. No entanto, o descaso e a ignorância dos que detêm o poder (políticos, empresários, imprensa, artistas, assistentes sociais, “meninos de Wall Street” etc.) vão minando a conta-gotas a bondade que resta naquele corpo solitário e sofrido.

Não à toa, o Coringa de Phillips é cheio de referências implícitas e explícitas ao grande Charles Chaplin, que sabia tão bem dosar o riso e a dor. Quem melhor, na história do cinema, soube e teve coragem de levar às telas comédias de aparência ingênua e que eram, na verdade, grandes críticas à sociedade moderna?

Não, definitivamente Coringa não é uma apologia à violência, como muitos clamam por aí. Ao contrário. O triunfo do Coringa, aplaudido em seu ato final, não é pelos assassinatos que cometeu, muito menos pelo monstro em que se transformou. Sua grande vitória – e por isso as palmas –, é ter-se feito ouvir e, assim, ter liberado o grito de milhões de “palhaços” que vivem na penumbra, escondidos atrás de máscaras que lhes roubam a identidade. É de ter dado voz aos “invisíveis”. É de ter despertado uma camada da sociedade que vinha aguentando as pequenas violências do dia a dia sem nada fazer.

O filme de Todd Phillips me fez pensar na tela O Grito, de Edvard Munch. É isso: Coringa é a liberação daquele grito sufocado, que tenta escapar de dentro de um ser deformado pela sociedade, de uma figura contorcida de dor e sofrimento. É a materialização daquele grito, do pedido de socorro de nossa gente!

 


Revista Política Democrática || Ivan Alves Filho: Presença negra

Um dos países centrais na comunidade internacional por seu peso demográfico, por sua extensão territorial e também pela inegável importância econômica que adquiriu, o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo. E esse é um dado fundamental para se compreender nossa realidade.

"Sem Angola, não há Brasil", vaticinou, certa vez, o Padre Antonio Vieira. E poderíamos acrescentar: sem o negro, não há Brasil. Afinal, o povo faz história pelo trabalho. E o povo negro vem carregando esse país nas costas há cinco séculos. Das atividades nas plantações de cana de açúcar, algodão e café ao chão das fábricas e construções. Isso, no plano material. Mas, no plano da cultura espiritual, não seria muito diferente. Como falar da nossa literatura sem Machado de Assis? Da nossa música sem Pixinguinha? Da nossa arquitetura sem Aleijadinho? Do esporte brasileiro sem Pelé? Das nossas rebeliões sem Zumbi dos Palmares?

Mesmo assim, há evidente exclusão social do negro entre nós. E isso mergulha suas raízes num passado não tão distante assim. Se, por um lado, o regime escravista integra o negro na economia, por outro o exclui da cidadania. E a própria Abolição, ao libertar o escravo, esqueceu-se de libertar o negro. A nossa única revolução social – até aqui, ao menos, já que reapresentou uma mudança no modo de produção – ficaria incompleta. Vale dizer: para que a Abolição cumprisse plenamente sua função histórica, ela deveria vir acompanhada de uma medida fundamental como a reforma agrária, por exemplo.

Isso significa reconhecer que a questão negra é, acima de tudo, uma questão nacional. Ou seja, uma luta de todos os brasileiros. Conforme escrevemos recentemente no livro Presença negra no Brasil, editado este ano pela Fundação Astrojildo Pereira, "a batalha pelos direitos dos negros no Brasil é parte da luta e não uma luta à parte". Com essa ótica, acreditamos ser fundamental unir o particular ao geral, uma vez que as chamadas lutas setoriais não devem ter um tratamento setorial.

Esse talvez seja o melhor caminho para combater o racismo e a exclusão. Afinal, o que denominamos por brasilidade, essa formidável síntese cultural do nosso país, repousa em boa parte na contribuição dos afrodescendentes.

 

 


Revista Política Democrática || Gilvan Cavalcanti de Melo: Um cenário - a defesa da Constituição

Constituição de 1988 é o porto seguro para pensar-se quaisquer reformas econômicas e políticas em nosso país. Esse entendimento é a base para os caminhos do futuro, avalia Gilvan Cavalcanti de Melo

É o instante de pensar o compromisso com o País. Isto é, tentar desvendar a complexa sociedade brasileira, a partir dos elementos que definem o processo de afirmação de nosso capitalismo e de suas profundas modificações. Entender este itinerário facilitaria muito o caminhar futuro. E só no marco da Carta de 88, a democracia política, será o porto seguro para este pensar reformista.

O rumo mais real é debruçar-se sobre a conjuntura. Como fazê-lo?   Os clássicos da política já legaram algumas sugestões, pelo menos metodológicas, para analisar e fazer previsões. Todos eles, de uma forma ou de outra, deixaram rica experiência para verificar as relações de forças. Em outras palavras, pensar como um conjunto de normas práticas de pesquisas e observações singulares pode despertar o interesse pela realidade palpável e suscitar, ao mesmo tempo, faculdades de perceber, discernir ou pressentir políticas mais meticulosas e robustas.

Quais são estes elementos metodológicos?

Em primeiro lugar, investigar uma relação de forças sociais conectada à estrutura. Isto pode ser avaliado com os métodos das estatísticas. À base do nível de desenvolvimento das forças materiais de produção, organizam-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representando uma função e ocupando uma determinada posição na produção. Esta é uma relação real, concreta, independe do observador, é factual. São elementos que permitem avaliar se, em determinadas situações, existem as condições suficientes para as mudanças. Possibilita monitorar o grau de realismo e de visibilidade das diferentes ideias que o processo gerou.

Em segundo lugar, vem a crítica a esta realidade. O pensar a desigualdade social, seus dramas: milhões de desempregados, subempregados, os pobres e os chamados abaixo da pobreza, os miseráveis. A violência, o tráfico de drogas, as milícias, a exploração de crianças, os moradores de rua etc.

Pensar o cenário concreto tem um pano de fundo: a Carta 1988. Ela foi possível graças à exaustão do regime anterior, à resistência democrática dos movimentos sociais, das forças políticas de orientação liberal e democráticas. A Constituição contemplou princípios e valores não aceitos pelas forças do mercado, adversas, hostis à política e ao social. Estas forças são as dominantes no atual governo, mesmo disfarçadas em torno de questões comportamentais.

Qual é o programa dessas forças? Partidos políticos, sistemas representativos, cidadelas do Estado de bem-estar social, organizações plurinacionais, como a ONU e a imprensa, são alguns dos temas prioritários a combater. A estratégia é a de destruição institucional sem piedade, visando a construir a partir das cinzas governos iliberais, adeptos de um laisser-faire capitalista, a dar náuseas, mesmo em Adam Smith e Milton Friedman, e alicerçados numa militância radical, nas ruas e sobretudo on-line, integrada por pessoas social, cultural e politicamente ressentidas.

Tudo é dualista: homem comum versus elite, patriotismo versus globalização, mercado versus Estado, civilização judaico-cristã versus o resto do mundo. Agem para remover os obstáculos institucionais que estabeleçam limites à sua ação: a própria Constituição de 1988.

Já no discurso de posse, o atual governo anunciou: “Essa é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela.” Uma afirmação enganosa: como se o país tivesse vivido no comunismo ou socialismo

Nestes últimos 31, tem-se tentado desclassificar a Constituição Cidadã. No atual governo, o mantra é: “há muitos direitos e poucos deveres”, ou, mais diretamente: “a Constituição tornou o país ingovernável.”

Mas o que prega a Constituição? Uma série de compromissos: a dignidade da pessoa, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político, os direitos individuais e também sociais, tais como, saúde, educação, trabalho, previdência social, moradia, proteção à maternidade e infância, assistência ao desempregado etc., bem como promessas originárias dos fundadores do liberalismo político, das revoluções inglesa, francesa, americana, e da carta dos direitos da ONU.

Os direitos acordados na Constituição ancoram o próprio desenho de programa e objetivo ideal de uma sociedade mais justa, no marco das instituições de um estado democrático.

Qual é a missão dos democratas?

  1. Defender os compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter forte apoio social, plural e crítico;
  2. Atuar para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática para transformar a atual realidade; e
  3. Agregar estas forças democrática, superar as polarizações.

 

 

 


Revista Política Democrática || Entrevista Especial - Antonio Risério: "A gente vive em uma sociedade bipolar"

Para o poeta e historiador Antonio Risério, o Brasil será modificado realmente quando os brasileiros aprenderem a dizer "nós fizemos isso" e pararem de falar na terceira pessoa: “Eles mataram os índios”, “Eles oprimem as mulheres”, “Eles são os culpados de tudo”, afirma

Por Caetano Araujo, com a colaboração de Ivan Alves Filho

Antropólogo, poeta, ensaísta e historiador brasileiro, Antonio Risério é o entrevistado especial da 13ª edição da Revista Política Democrática Online. Ele acredita que, hoje, muita gente do campo democrático anda preocupada em superar a atual polarização brasileira e encontrar um rumo para o País. "Eu me coloco claramente no campo da esquerda democrática e não tenho nenhum problema com isso. O que acho houve no país foi o seguinte. Ao se tornar independente e conquistar autonomia nacional, o Brasil teve de construir a imagem do que somos", diz Risério.

Antonio Risério nasceu na Bahia, em 1953. Fez política estudantil em 1968 e mergulhou na viagem da contracultura. Implantou a televisão educativa, as fundações Gregório de Mattos e Ondazul e o hospital Sarah Kubitschek, na Bahia. Fez o projeto para a implantação do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.Tem feito roteiros de cinema e televisão. Diversas composições suas foram gravadas por estrelas da música popular brasileira. Integrou os núcleos de estratégia e criação das duas campanhas de Lula à presidência da República.

Escreveu, entre outros, os livros Carnaval Ijexá (Corrupio, 1981), Caymmi: Uma Utopia de Lugar (Perspectiva, 1993), Textos e Tribos (Imago, 1993), Avant-Garde na Bahia (Instituto Pietro Bardi e Lina Bo, 1995), Oriki Orixá (Perspectiva, 1996), Ensaio sobre o Texto Poético em Contexto Digital (Fundação Casa de Jorge Amado, 1998) e Uma História da Cidade da Bahia (Versal, 2004).

O poeta e historiador aponta, ainda, que o Brasil tem, atualmente, a necessidade de repensar a sociedade e reinventar a nação. "Está faltando, portando, uma releitura crítica da sociedade que se torna brasileira. A gente não pode ficar fazendo como esses filmes Carlota Joaquina, como o desfile da Mangueira, que é totalmente dominado por essa nova ideologia dominante da história do país entre ricos e pobres", alerta.

Na entrevista especial concedida a Caetano Araujo, com a colaboração de Ivan Alves Filho, Antonio Risério destaca temas como a esquerda democrática brasileira, a história oficial brasileira e organização intelectual e ideológica da sociedade brasileira, entre outros.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Revista Política Democrática Online (RPD): O senhor acredita que o povo brasileiro ainda não superou sua baixa autoestima, padecendo do chamado complexo de vira-lata? 
Antonio Risério (AR): Pois eu acho o contrário. A gente vive em uma sociedade bipolar; vamos de um extremo a outro, da euforia à depressão (inint) [00:01:25]. Tem hora que nos vemos como os melhores do mundo; tem hora que o povo acha que o Brasil vai fazer merda. É uma certa dose de masoquismo nacional e, ao mesmo tempo, uma tentativa de fugir da responsabilidade. É muito comum as pessoas falarem no Brasil na terceira pessoa: “Eles mataram os índios”, “Eles oprimem as mulheres”, “Eles são os culpados de tudo”, mas nós não. A gente só vai modificar esse país quando aprender a dizer: “Nós fizemos isso”.

RPD: Por que razão a esquerda, se é que o senhor ainda se vale desse termo, perdeu de vista a ideia de que somos uma nação, com suas conquistas e também suas falhas, naturalmente? 
AR: Eu me coloco claramente no campo da esquerda democrática e não tenho nenhum problema com isso. O que acho houve no país foi o seguinte. Ao se tornar independente e conquistar autonomia nacional, o Brasil teve de construir a imagem do que somos. Daí a criação do Instituto Histórico Geográfico (IGH) e o trabalho pioneiro de Varnhagen, historiador francês, que nos descreveu em termos geográficos - cidades, rios, montanhas, Pico da Neblina etc – e, em termos históricos, o que éramos como personalidades e que feitos memoráveis definiam nossa identidade. Durante uns cem anos ou um pouco mais, o Instituto concentrou o estudo da história do Brasil.

Só muito recentemente é que vão surgir outros pólos de aspecto historiográfico, que irão proceder a uma releitura da visão tradicional cultivada do Brasil, que, na verdade, era uma celebração da colonização portuguesa e dos trópicos. Mas, em vez de reexaminar a experiência nacional brasileira, ela vai simplesmente inverter o sinal algébrico da velha história oficial e introduz a visão maniqueísta, de que a classe dominante é o mal e as classes dominadas, o bem. A classe dirigente vira alvo de ataque e, ao mesmo tempo, a classe dominada e as classes populares, objeto de celebração.

O que acontece, então? Passa-se a ter três figuras na nova história oficial do Brasil: o negro libertário, o índio ecofeliz e o português genocida. Cria-se uma mitificação do português genocida, considerando que a invasão portuguesa na Bahia é a quarta invasão que a gente tem documentada, bem como do índio libertário e do índio ecofeliz, já que a sociedade Tupinambá, por exemplo, era uma máquina de guerra implacável, que destruía outras sociedades indígenas, tomava suas, como tomou na Bahia. Não esquecer que os negros, identificados como libertários, nunca lutaram contra o sistema escravista enquanto sistema: lutaram contra a escravização de seus próprios grupos, mas aprendiam a escravizar os negros. Em resumo: ao se tentar reexaminar em profundidade a experiência, substituíram-se mentiras antigas por mentiras novas, na base de que “eles fizeram tudo” e “nós não fizemos nada”, isto é, os culpados são os outros, o culpado é o homem branco opressor.

RPD: Como poderíamos retomar o projeto Brasil como missão, tão caro à nossa intelectualidade desde a Conjuração Mineira? 
AR: Eu não sou tão fã da Conjuração Mineira. Aquilo foi uma rebelião senhorial, basicamente, a elite mineira querendo se livrar da exploração financeira do poder lisboeta. Daí todas as revoltas federalistas. Mas, para mim, revoluções separatistas são, por exemplo, a dos alfaiates na Bahia, que combina a luta contra o sistema escravista e contra a dominação colonial; são os alfaiates mulatos da Bahia que vão colocar isso.

Está faltando, portando, uma releitura crítica da sociedade que se torna brasileira. A gente não pode ficar fazendo como esses filmes Carlota Joaquina, como o desfile da Mangueira, que é totalmente dominado por essa nova ideologia dominante da história do país entre ricos e pobres. A maior contradição é celebrar os pretos e não o treze de maio, por um motivo muito simples: os negros eram escravistas, e o treze de maio é o dia que em que a gente oficializa. Assistindo a Carlota Joaquina e ao desfile da Mangueira, suprime-se a responsabilidade do Brasil. Não pode, é um absurdo dizer que não temos nada a ver com isso: “Eles fizeram isso”, fomos nós que fizemos. Como podemos assumir a grandeza nacional brasileira, dessa maneira? Ao longo de quinhentos anos de história, nós fizemos pelo menos duas grandes coisas: construímos um povo e uma nação. Eu não vou entregar isso.

RPD: O senhor acha que essa visão do eles dificulta uma organização intelectual e ideológica da sociedade brasileira? 
AR: Sim, totalmente. Marco Aurélio Nogueira resumiu muito bem essa questão, ao dizer em artigo recente: “É isso que está bloqueando mentalmente os democratas que ainda não se acham em condições sequer de defender seu legado”. É que tem coisas que a gente conquistou, o movimento abolicionista é uma pista central nisso. Entre os principais líderes do movimento abolicionista, havia três eram negros: André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama. Deram-se as mãos e acabaram com a escravidão. E tem gente que querer fazer charme com o movimento negro, ao dizer: “Aquilo foi um autógrafo da Princesa Isabel”, não foi isso. Aliás, o primeiro ato que visou realmente ao fim da escravidão no Brasil foi protagonizado pelas Forças Armadas, quando, depois de dominar o Paraguai, o Conde d'Eu, marido da Princesa Isabel e comandante das tropas brasileiras, decidiu abolir a escravidão no país vizinho. Por aqui, ainda não se podia agir assim, teria virado uma guerra civil barra pesada no país. Joaquim Nabuco fala isso muito bem, ao comentar que as lideranças nacionais conseguiram contornar o risco de uma guerra racial. A abolição só ocorreu ao cabo de vários acordos entre as elites brasileiras, envolvendo decisões do tipo reforma agrária, de tal forma que, até hoje, o treze de maio não é feriado, é o dia do zootecnista. Jogou-se nossa história na lata de lixo. E isso impede de fato a celebração e a defesa claras do legado da conquista democrática.

RPD: Segundo o senhor, construiu-se visão um pouco depreciativa de nossa história e de nossa identidade. O senhor você vê alguma relação entre esse movimento e o movimento oposto, que também foi muito frequente em nossa história, de exaltação ufanista de nossa história e de nossa identidade, tanto uma quanto outra postura presente desde o século dezenove? Existiria alguma relação necessária entre ambas ou se seria algo como um pêndulo, que vai certas vezes para um lado e, certas vezes, para o outro? 
AR: A gente tem de fato oscilado nessas coisas. Celebra a colonização portuguesa, condena a colonização portuguesa; celebra os índios, condena os índios; é o tempo inteiro nesse negócio inútil, fruto de uma ignorância generalizada sobre a história do país. A gente não conhece a história brasileira. É preciso conhecê-la para examiná-la. A história do futebol brasileiro é uma história vitoriosa do povo brasileiro. Mas, de resto, a gente acha que “Não, nós estamos fazendo a história. É o que a esquerda fica falando. É uma história populista, em que o porteiro do seu prédio é tão importante quanto os moradores. Tudo bem, temos de conhecer a mentalidade do porteiro do seu prédio, mas não foi ele que deu origem à história do país. Temos de ler a história do Brasil antropologicamente caso a caso, porque não é tão simples assim. Você vê, por exemplo, que muitos fazem isso, de uma ponta a outra do país, não existe um só orixá, não existe nenhuma empresa africana. O africano foi espiritualmente assassinado nos Estados Unidos. Mas, no Brasil, no país inteiro, você ouve falar de Iemanjá, nas comemorações do ano novo. O que houve aí? São processos, são realidades, são experiências nacionais distintas que a gente tem de conhecer, a gente tem de ter a coragem de reconhecer tudo que há de abominável, mas também a coragem de lembrar nossas conquistas. A gente vai entrar em parafuso vermelho, porque essa grandeza nacional é conquista nacional celebrada pela direita, que se veste de verde e amarelo. Eu também quero me vestir de verde e amarelo.

PRD: O senhor fala em revisão crítica, mas, ao mesmo tempo, em conhecimento da história, grande déficit da sociedade brasileira. A reinvenção da nação começa pelo conhecimento da história e com o que a gente poderá terminar com a polarização, a bipolaridade da sociedade brasileira? 
AR: Acho que ninguém tem de passar apenas pelo conhecimento, porque não adianta. Pega um livro do Francisco Bosco, um filósofo, que fala das mulheres negras que lutaram contra a dominação masculina no período colonial, mas não tem nenhuma informação segura sobre isso. Eu não conheço nada disso; conheço outra coisa. Temos uma história das mulheres da classe dirigente do Brasil que é completamente diferente das histórias das mulheres da classe dominada, porque as mulheres da classe dominada têm primazia, dominando, inclusive, o pequeno comércio no Brasil, nas vendas, porque eram mulheres da vida e da rua, ao passo que as sinhás e sinhazinhas ficavam enclausuradas em sobrados na casa grande. A gente tem de pegar cada ponto disso e discutir com conhecimento. Conhecimento acima de tudo, não adianta ficar só ideologizando; ideologizando a gente não vai para lugar nenhum. Repare que a história dos Estados Unidos é muito bem conhecida nos Estados Unidos; a história francesa também é muito bem conhecida na França; mas a história brasileira é muito mal conhecida no Brasil. Às vezes, as pessoas se surpreendem quando você fala que tinha escravos nos Palmares e se surpreendem quando você fala que os Tupinambás eram escravistas. A gente tem de conhecer, não pode ficar julgando. Uma frase que eu gosto muito que Freud estudava do Leonardo da Vinci: você não pode amar nem odiar nada se primeiro você não souber o que aquilo é, o que aquilo foi, como aconteceu e o que aquilo significa.

RPD: Qual sua opinião sobre as políticas educacionais e culturais, em cujo contexto já se fala inclusive de modelos militarizados das instituições de ensino?
AR: Eu vou lhe dizer uma coisa bem simples: eu estou a caminho dos meus setenta anos. Desde que eu me entendo por gente, o Brasil já acabou umas seis ou sete vezes, mas não acaba. É que os brasileiros são persistentes. Eu, por exemplo, não vou parar de trabalhar diariamente. Acho, portanto, que o Brasil sempre tem saída. Não vejo nada como catastrófico. Toda vez que eu discuto esses assuntos, a reação é, inicialmente, meio de surpresa e, depois, de concordância. De Marco Aurélio Nogueira a Caetano Veloso, a voz convergente é a de que “Eu tenho que fazer isso”, “Temos que fazer isso”. A gente não pode ficar restrito a esse filme em preto e branco, não. O Brasil é colorido.

 

 


Revista Política Democrática || Anivaldo Miranda: As lições que nos chegam do mar

Das praias do Maranhão às do Espírito Santo, a tragédia causada pelas manchas de petróleo assusta pela quantidade de óleo vazado, os impactos à vida marinha e os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país 

Alguns dizem que é o maior crime ambiental já ocorrido no Brasil. Mas como se trata de evento que ainda está em andamento, e como estamos assistindo nos últimos 4 anos à uma sucessão assombrosa de graves ocorrências similares, envolvendo rompimentos de grandes barragens de rejeitos de minério, comprometimento de rios de grande porte e, ultimamente, incêndios florestais em grande escala, fica difícil, nesse ranking deprimente, qualificar qual dessas tragédias é a pior em termos de efeitos destrutivos e sequelas a encarar.

Não há dúvida, porém, que o impacto causado pelas manchas de petróleo que chegaram ao litoral brasileiro – das praias do Maranhão às do Espírito Santo – é algo assustador por várias razões: a quantidade de óleo vazado, a dispersão e fragmentação das plumas resultantes, os impactos agressivos e de grande monta em relação à vida marinha e à saúde dos seus ecossistemas, os prejuízos que afetarão a saúde humana, os produtos do mar e a economia do país.

Das muitas lições que se pode tirar desse evento, destaca-se a recorrência não só da demora da resposta, mas também da incapacidade de sincronia de esforços diante das ocorrências catastróficas que se estão multiplicando no Brasil, resultantes tanto de fenômenos naturais, como da ação ou inação humanas.

O poder público tardou em perceber a gravidade e a abrangência do evento, e as providências deram-se de forma tardia, apesar dos instrumentos legais e operacionais que já estão disponíveis para enfrentar contextos de tal criticidade. E tal atraso é sempre nocivo, tendo em vista que a larga experiência internacional ensina que tempo e agilidade podem minimizar significativamente os danos relativos a quaisquer acidentes.

Fontes do governo federal insistem em dizer que, desde a primeira notícia do aparecimento do óleo nas praias da Paraíba, em 30 de agosto último, teve início a mobilização oficial para avaliar e enfrentar o problema. Mas essa não é a versão do Ministério Público Federal no Nordeste, que acionou a União e acusou o Ministério do Meio Ambiente por não ter reconhecido formalmente a “significância nacional do desastre ambiental” e, como tal, não ter acionado em sua integridade o Plano Nacional de Contingência (PNC), omissão que gerou luta de liminares bastante ilustrativa das complicações de ordem burocrática que atravancam a operacionalidade da ação estatal, até mesmo em situações de emergência.

Verdade seja dita, mesmo que tivesse sido ativado a tempo, o PNC, nas condições da cultura centralizadora e prepotente do Estado brasileiro que rejeita o compartilhamento de processos decisórios com a sociedade, dificilmente teria possibilitado em toda sua amplitude, as ações voluntárias e tempestivas de muitos escalões intermediários do poder público – da União, Estados ou municípios, bem como de universidades e escolas, populações ribeirinhas ou costeiras, pescadores, marisqueiros, trabalhadores e empresários do turismo – para fazer frente ao desafio do óleo espalhado no mar.

Uma análise mais detida da estrutura funcional e administrativa do PNC identificará não só o fardo burocrático de sua concepção, mas também sua frágil legitimidade, em razão da ausência de representações dos governos estaduais e municipais e dos segmentos da iniciativa privada e da sociedade civil. Não obstante essa verificação, o acionamento pleno do PNC sempre se justificará, por conta do grau de incertezas quanto à origem do vazamento, a estimativa aproximada da quantidade de óleo vazado e os danos causados ao ambiente, sobretudo ecossistemas marinhos e costeiros de grande valor para a biodiversidade.

Em seu momento, investigações da Polícia Federal apontaram o navio tanque de origem grega – o Boubolina – como suspeito do vazamento. No entanto, análises do mar, via satélites de origem diversa, descartaram recentemente essa hipótese, a exemplo da respeitada organização Skytruth, que atua nos Estados Unidos, e do Laboratório de Análises e Pesquisas Espaciais (LAPIS) da Universidade Federal de Alagoas, que atribui maior probabilidade a um navio fantasma que não pôde ser detectado pelo sistema de localização, quando da presumível data em que o óleo vazou. Seja como for, o “dossiê” continua em aberto, e certas declarações oficiosas dão a entender que nem a hipótese de vazamento de um poço sem controle foi descartada.

Deve ser registrada a mobilização – tardia ou não – de um grande número de servidores públicos, incluindo contingentes e equipamentos militares, pesquisadores e voluntários civis, providência que não deve ser desativada, porque ainda há muito trabalho e esforço para detectar, contabilizar, diagnosticar e reparar, até onde for possível, os impactos causados aos ecossistemas marinhos e costeiros pelo vazamento do petróleo. E para que tais tarefas sejam desempenhadas, é preciso estar alerta e impedir que razões de ordem fiscal e orçamentária sejam mais uma vez acionadas para frustrar ou limitar as atividades imprescindíveis à minoração dos danos causados à biodiversidade.

Convém lembrar que o Brasil não vem passando nos últimos testes a que foi submetido pelas catástrofes agora mais frequentes. Nesse sentido e mantendo o foco apenas nessa questão do vazamento do óleo, é importante destacar a enorme faixa costeira atlântica do Brasil e as águas oceânicas que com ela interagem. A multiplicação do tráfego marítimo em toda essa área, a perfuração e a exploração exponencial de poços de petróleo em águas brasileiras e fora delas, como é o caso do Golfo da Guiné, na África, onde vazamentos de petróleo também poderão atingir nosso litoral, configuram cenário que bem dimensiona a grandeza do desafio que o país tem pela frente.

É urgente, portanto, que se reserve atenção especial à preparação do país para continuar desenvolvendo as melhores e mais seguras tecnologias possíveis para extração de petróleo e gás em ambientes aquáticos, transporte de poluentes em águas oceânicas ou interiores e observação, fiscalização e monitoramento do tráfego marítimo, complementando essas políticas com intensa cooperação internacional.

É vital que não se restrinjam às nossas limitações tecnológicas e científicas os fatores que conspiram contra a capacidade satisfatória do Brasil de prevenir e responder a eventos catastróficos. Por trás dos nossos dilemas, avulta-se também a gestão pública de baixa qualidade, um fantasma complexo que nos assombra desde tempos imemoriais, além de uma cultura negligente em face dos riscos inerentes à vida, desde os mais cotidianos, no plano  doméstico, até os riscos de grande escala que deixamos de gerenciar adequadamente em nome, muitas vezes, da internalização de lucros abusivos conseguidos às expensas da externalização criminosa dos custos humanos, sociais e econômicos de atividades sujeitas a perigos inaceitáveis..

A sucessão de eventos catastróficos que o Brasil vivenciou nos últimos tempos decorre, dentre outras causas, da baixa de qualidade da gestão pública, processo que vem se agravando há mais de uma década. Agora, sob a égide de uma ideologia ultraliberal agressiva e conservadora, esse processo tem-se acentuado, o que eleva os riscos das atividades econômicas a novos patamares no rastro do desmonte das políticas públicas de meio ambiente e de recursos hídricos por conta, também, de uma retórica eivada de conteúdo ideológico rasteiro que nada em comum tem com as práticas e metodologias científicas próprias da boa gestão do meio ambiente.

Não estão alheios a tal processo os grandes setores da economia monopolista que, confrontados entre os cânones da modernidade gerencial do desenvolvimento sustentável, de um lado e, do outro lado, as vantagens oportunistas que podem obter no contexto de sociedades fragilizadas que flexibilizam irresponsavelmente os marcos legais do controle ambiental, optam pelo segundo caminho para assegurar taxas de lucros impublicáveis.

O Brasil do pós-Mariana, Barcarena (Pará), Brumadinho, dos mega incêndios florestais e atualmente do óleo no mar precisa refletir de maneira abrangente sobre isso e fazer conexões mentais importantes no contexto de sua inteligência coletiva, para enfrentar os dilemas do século atual com boas possibilidades de acerto que, ao final, conduza seu povo a um nível razoável de bem-estar e mantenha seu território e biodiversidade num plano seguro de preservação e capacidade de reprodução.

No século do aquecimento global, em que se terá, por bem ou por mal, de trabalhar a capacidade nacional de resiliência às novas condições climáticas, as catástrofes recomendam cada vez mais mudanças de comportamento, tais como adotar a cultura do planejamento, da gestão de qualidade tanto privada como pública e, no caso desta última, uma gestão cada vez mais transparente, participativa, compartilhada e descentralizada como pilar essencial para que se possam impulsionar ciclos de crescimento saudáveis que aliem a ciência e a tecnologia a uma cultura cidadã mais consistente e consciente que capacite os brasileiros e as brasileiras ao enfrentamento de seus grandes desafios.

* Jornalista e mestre em meio ambiente e desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL.


Revista Política Democrática || André Amado: Mãos Limpas e Lava Jato

André Amado destaca, em artigo, o cotejo entre as operações Mãos Limpas, na Itália, e Lava Jato, no Brasil, e mostra que o precedente italiano serve de alerta para impedir a “neutralização” da campanha anticorrupção ocorrida em nosso país  

O seminário internacional organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em São Paulo, em junho de 2017[1] reservou sessão especial ao cotejo entre as operações Mãos Limpas, na Itália, e Lava Jato, no Brasil. Elidindo abordagens político-partidárias ou ideológicas, o procurador paranaense Ricardo Chemim [2] assegurou a atualidade das informações e reflexões que desenvolveu, há cerca de dois anos e meio.

Disse, então:

Não procede a impressão de que a operação Mãos Limpas tenha sido um fracasso. No intervalo de três anos, investigou 4.500 pessoas, contra as 300 investigadas pela Lava Jato em igual período de tempo.

A classe política italiana foi quem reagiu, no sentido de promover uma série de alterações legislativas que, pouco a pouco, neutralizaram o sucesso dos efeitos das investigações.

O dinheiro suspeito provinha, em parte, da Internacional de Hidrocarbonetos, a Petrobras italiana e, em parte, de grandes empreiteiras em superfaturamento de obras públicas, recursos que se transformavam em propina.

O discurso dos acusados de envolvimento nas negociatas acusava os investigadores de motivação política. O ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, um dos alvos das investigações, assinou carta na Tunísia, onde se refugiara da Justiça italiana, em que defendia a tese de que se tratava de um “golpe pós-moderno, que, aliás ainda está em curso. Não é somente o trabalho da seita de juízes, de seus apoiadores midiáticos e políticos internos e internacionais; o golpe pós-moderno agrediu, em seu caminho, os valores democráticos, os direitos dos cidadãos, princípios constitucionais que foram ao fundo do poço”.

Com argumentos desse tipo, setores influentes da política italiana desmobilizaram, paulatinamente, a campanha anticorrupção:

– Em 1993, editou-se decreto que descriminalizava o financiamento ilícito dos partidos. O que era crime deixou de sê-lo; reintroduzia-se o sigilo nas investigações;

– Em 1994, editou-se outro decreto que proibia a prisão preventiva para crimes contra a administração pública e o sistema financeiro (na ocasião, 2.764 pessoas, que estavam presas por crimes dessa natureza, foram colocadas em liberdade, das quais 350 delas presas pela Operação Mãos Limpas);

– Em 1995, reformou-se a prisão cautelar e suspendeu-se o processo por delito de falso testemunho, que havia sido uma conquista de Antonio Di Pietro, conquista que lograra permitir prisão em flagrante de falso testemunho e outros crimes de máfia;

– Em 1997, atenuou-se o crime de abuso d’ufficio, prevaricação, que foi muito usado para criminalizar as condutas na Itália. Acrescentou-se mais um elemento para caracterização do delito. E, com isso também reduziu-se a pena; proibiu-se a prisão preventiva, por tabela (com a diminuição da pena, não cabia mais a prisão preventiva). Não foi mais permitida a adoção de provas obtidas mediante intercepção de comunicação telefônica. Diminuiu-se o prazo prescricional, que é o tempo que o Estado tem para punir. Era de 15 anos e caiu para 7,5 anos, com o que muitos crimes prescreveram;

– Em 1998/9, novas leis ampliaram a possibilidade de colaboração, porque os processos estavam encerrando já nessa época. Alguns réus condenados não tinham feito acordo de colaboração, e a lei italiana não permitia que o acordo fosse fechado depois da condenação. Então, para salvar estes que foram condenados, mudaram-se as leis. Eram leis de encomenda para ajustar as situações;

– Em 2001, foi aprovado o reingresso, repatriação de dinheiro italiano escondido no exterior;

– Em 2005, foi criada lei para punir abusos de juízes e promotores, que perseguissem fins diversos daqueles de Justiça. Era a versão italiana de abuso de autoridade;

– Em 2005, foram reduzidos os prazos prescricionais por uma lei que ficou conhecida como Salva corrota, salva corruptos. A prescrição voltou a cair pela metade. Cem mil processos prescreveriam na Itália. E, no ano seguinte, 135 mil;

– Em 2006, o Ministério Público foi proibido de recorrer de decisões de absolvição. A lei era tão escancaradamente inconstitucional, que a Suprema Corte italiana assim a considerou;

– Em 2007, foi a vez da Lei da Mordaça, proibição de noticiar intercepções de comunicação telefônica, reforma judiciária que hierarquizou o Ministério Público italiano, inclusive tirando a autonomia de alguns de seus membros;

– Em 2009, nova Lei de Repatriação de Bens, que suspendeu por seis meses, renováveis por mais seis meses, ao sabor da vontade do réu – e Silvio Berlusconi, era primeiro-ministro à época e potencial réu. O réu tem o poder de suspender o processo.

– Em 2012, alterou-se a Lei Anticorrupção, o que resultou em diminuição do prazo prescricional, beneficiando várias autoridades;

– Em 2014, despenalizou-se o crime de sonegação.

É ou não é impressionante a marcha da Mãos Limpas rumo ao “fracasso”, sumariada por Chemim? Será esse o destino da Lava Jato?

A sorte é que, no Brasil, abrimos mão de muitas coisas, mas jamais de otimismo. Nas Cortes superiores, no Congresso e até no Executivo, haverá de encontrar-se maneira de impedir a “neutralização” da campanha anticorrupção, em tão boa hora já iniciada no Brasil. De qualquer forma, serve de alerta o precedente italiano.

[1] http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2018/01/15/confira-integra-das-palestras-do-seminario-internacional-desafios-politicos-de-um-mundo-em-intensa-transformacao/

[2] Procurador de Justiça no Ministério Público do Paraná; professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), do Centro Universitário Franciscano (FAE), da Fundação Escola da Magistratura do Paraná (Fempar), da Escola da Magistratura do Paraná (Emap) e da Escola da Magistratura Federal no Paraná (Esmafe). Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal do Unicuritiba. Mestre em Direito das Relações Sociais e doutor em Direito de Estado pela UFPR. E coautor de Mãos Limpas e Lava Jato – A corrupção se olha no espelho.

 

 


Revista Política Democrática || Alberto Aggio: A história volta a pulsar no Chile

Chilenos colocaram para fora toda a raiva frente ao mal-estar resultante do “modelo econômico”, que ordena o país desde os tempos da ditadura do Pinochet, durante as manifestações de outubro

Em outubro, o Chile explodiu. Por vários dias, milhares de pessoas saíram às ruas em marchas de protesto que invariavelmente se tornaram violentas. Estavam no foco dos manifestantes o Metrô de Santiago, as empresas de energia, os bancos controladores das famosas AFPs, que “garantem” a aposentadoria da maior parte dos trabalhadores chilenos, dentre outras. O aumento das passagens do Metrô, a partir de determinado horário, foi o estopim da grande explosão. Mas, como no Brasil de 2013, os chilenos também gritaram “não é só pelos 30 centavos”. E, de fato, não era. Nesse “octubre violento y caliente”, os chilenos colocaram para fora toda a raiva frente ao mal-estar resultante do “modelo econômico”, que ordena o país desde os tempos da ditadura do Pinochet.

O governo de Sebastian Piñera reagiu às manifestações impondo “estado de emergência” e “toque de recolher”, além de convocar o Exército para enfrentar os manifestantes. Para Piñera, o Chile estava “em guerra contra inimigos poderosos”. O resultado de vários dias de confrontos entre forças militares e manifestantes foram mais de 20 mortos, milhares de feridos e centenas de detidos. Olhando o conjunto dos acontecimentos, sua magnitude, os atos violentos dos manifestantes, que chegaram a destruir 70% do Metrô de Santiago, e a violenta repressão, pode-se dizer que não havia ocorrido nada similar em tempos de democracia e que as causas dessa explosão são realmente mais profundas.

Como no Brasil de 2013, a repressão fez com que os protestos se amplificassem até chegar à manifestação de 25 de outubro, que reuniu mais de 1,2 milhão de pessoas no centro de Santiago. Foi um sinal eloquente de que a estratégia do governo havia naufragado. Piñera recuou, propôs algumas reformas paliativas, procedeu a mudanças parciais em seu gabinete e, por fim, suspendeu o “estado de emergência”.

Mesmo assim, a tensão não se dissipou por completo. O mal-estar dos chilenos parece que vai demorar a passar, e muitos falam de um “novo despertar” ou mesmo de uma “nova oportunidade”, para alterar a vida da sociedade em seu conjunto. Há efetivamente um sentimento de esperança no ar, esperança de mudança, e uma confiança difusa de que o que se passou nesses dias foi efetivamente histórico.

Analistas e boa parte da opinião pública doméstica e internacional se surpreenderam com os acontecimentos chilenos. Afinal, o Chile está longe de ser um país desorganizado economicamente, vive anos de crescimento significativo e de melhoria de diversos índices que qualificam sua vida social. O Chile está integrado à globalização, o que o torna um dos países mais cosmopolitas do continente. Enfim, números favoráveis não lhe faltam, inclusive no que toca à renda per capita da região, na qual se sobressai com grande distância diante de outros países. Mas então que pasó?

Tanta surpresa talvez venha da crença de que o Chile sempre foi visto nas ciências sociais e no jornalismo, por chilenos e estrangeiros, como um país “modelar”, por seu pioneirismo ou por sua especificidade frente a outros países do continente. Foi assim que, no passado, se falou da “grande democracia” chilena durante a maior parte do século XX, ao passo que os outros países latino-americanos viviam as desventuras do “populismo”.

Mais tarde foi possível ver que a democracia chilena não era tão inclusiva como se imaginava. O Chile aristocratizante sempre foi uma densa sombra sobre a democracia política que lhe dava fama. Foi apenas em 1958, depois de reformas eleitorais importantes, que o grau de participação aumentou. Entretanto, em pouco mais de 15 anos, o golpe militar de 1973 colocaria por terra aquela experiência de ampliação da democracia chilena. Ela ruiria diante de uma polarização irredutível que castigaria o país por outros longos 15 anos.

Contrapondo-se à imagem da “grande democracia”, foi surpreendente notar que a ditadura de Pinochet encontrou apoio significativo durante sua vigência. Surpreendeu porque a “refundação” da sociedade chilena, sustentada por um projeto econômico neoliberal, aparecia em combinação perfeita com a ditadura de Pinochet que, baseado em sua estrita autoridade, funcionou sem ordem constitucional até o plebiscito que daria ao país a Constituição de 1980, ainda vigente. Foi durante esse regime, quase dois anos depois do golpe, que começaram as privatizações da educação, da saúde e da previdência, acompanhadas por uma abertura integral da economia. O único setor que se manteve estatizado foi a exploração do cobre, principal riqueza do país. Nascia aí o “modelo chileno dos Chicago boys”, outra imagem modelar que iria perdurar no tempo, no país e fora dele.

Uma revisão desse período não tardou a ser feita. O período Pinochet não pode, em absoluto, ser visto como um momento tranquilo e feliz do país. Nele emergiram diversas crises sociais graves, em especial quando da implantação do novo modelo. Com ele vieram a quebra de empresas e o desemprego massivo. O que provocou imagens de desolação, com jovens “pateando piedras” pelas cidades mais importantes do país, algo imortalizado na canção da banda de rock Los Prisioneros, no início dos anos 80. Foi também o período do chamado “segundo exilio” chileno, um exilio econômico, já que o primeiro havia sido político, nos meses e anos que se seguiram ao golpe de 1973.

A manutenção da estatização do cobre manchava a natureza do modelo que tinha como centro o afastamento integral do Estado da vida econômica. A persistência da repressão política do regime comprometia, de alguma forma, sua fachada “liberal” perante o mundo. Para o sociólogo chileno Eugenio Tironi, o liberalismo realmente existente no Chile guardava a mesma relação de antagonismo com a liberdade que o socialismo estatizado da ex-URSS.

O fato é que o modelo neoliberal chileno deixava muitas zonas cinzentas e muitos silêncios para trás. A derrota de Pinochet no plebiscito de 1988 recolocaria as coisas em novos patamares. A partir da vitória da Concertación (uma coalizão de centro-esquerda) na primeira eleição presidencial pós-Pinochet, governos democratizadores se sucederiam por mais 20 anos.

Sem confrontar o modelo privatizador que havia sido implantado, a Concertación acabou por consagrar o modelo neoliberal. O êxito dos governos concertacionistas, com a integração do país à globalização, deu o suporte para uma nova etapa de sucesso relativo da economia, melhorias nos aspectos sociais, avanços na educação, na inovação e na competitividade do país. Contudo, o êxito econômico não alterou a sensação de que se vivia num “estado de mal-estar social”, com salários e pensões ao nível latino-americano e custos de bens e serviços ao nível dos europeus ou norte-americanos.

A notável modernização do país, atestada em números, como notável também é a sofisticação e até o luxo das estações do Metrô de Santiago em bairros pobres – quase todas destruídas, total ou parcialmente – compõem o cenário de um país dividido. Sinais materiais de modernização em contraposição às carências domesticas cotidianas, às expectativas de futuro dos jovens em situação de ameaça, com a recorrente elevação dos custos de educação, além do nível das pensões dos mais velhos frente ao que trabalharam e contribuíram durante toda a vida, tudo isso formou um “caldo de cultura” de raiva diante da flagrante desigualdade e de medo da regressão ao status quo anterior, vivenciado nos anos de crise, quando se implantou o modelo.

O Chile que explodiu nada mais expressa do que a reação a décadas de “estado de mal-estar social”. Os termos em que se deu tal explosão, com sua violência costumeira, agora triplicada, confirma o paradoxo de uma democracia ainda sustentada numa ordem político-jurídica (a da Constituição de 1980) que carece de legitimidade.

Os “modelos” que foram cultivados sobre o Chile em sua trajetória histórica estão agora todos em xeque, e, nas ruas, o povo declara que quer vê-los superados. Ao que parece, não haverá volta atrás, a história voltou a pulsar no Chile e está aberta!

 


Estudantes lotam auditório da FAP em lançamento do livro Caminhos Invertidos

Autor Victor Missiato participou de debate sobre obra que é resultado de sua tese de doutorado apresentada na Unesp

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

Estudantes universitários, professores e pesquisadores compareceram, na noite desta quinta-feira (21), ao lançamento do livro “Caminhos Invertidos” (Editora Prismas), do historiador Victor Augusto Ramos Missiato. Eles assistiram ao debate que abordou as trajetórias de partidos comunistas no Brasil e no Chile, como tratado na obra, que é resultado da tese de doutorado do autor, sob a orientação do historiador e professor Alberto Aggio.

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O evento foi realizado, das 19h às 22h, no auditório do Espaço Arildo Dória, na parte superior da Biblioteca Salomão Malina – ambos da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) –, no Conic, localizado na área central de Brasília. O público teve a oportunidade de participar de um debate com a presença do autor e de seu orientador, que integra a diretoria executiva da FAP. Além deles, compuseram a mesa de discussão o consultor político Caetano Araújo, também diretor da FAP, e o historiador e professor Marcus Vinicius Oliveira.

O autor, que primeiramente pesquisou o assunto para defender a sua tese de doutorado na Unesp (Universidade Estadual Paulista), explicou ao público que, ao longo dos anos, houve uma inversão nos caminhos do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e do PCCh (Partido Comunista Chileno). Antes, o PCB era chamado de PPS (Partido Popular Socialista) e hoje tem nova identidade de esquerda democrática com o Cidadania.

Segundo o autor, o comunismo chileno adotou uma perspectiva reformista, entre a década de 1920 e o ano de 1973, quando houve o golpe que derrubou o seu então presidente, Salvador Allende. Depois desse golpe, acrescentou ele, o PCCh assumiu uma postura pela via armada para combater a ditadura. Até então, era um partido que, mesmo em situação de maior radicalismo e ilegalidade em alguns anos, manteve a defesa de uma estratégia político-institucional. Já no Brasil, com o passar dos anos, o PCB fez o caminho inverso: abandonou a sua estratégia armamentista para apostar na saída política por meio da democracia.

Oliveira, que também desenvolveu pesquisa sob orientação de Aggio, disse que o livro é “importante”. “Foi produzido por um historiador talentoso”, ressaltou. Segundo ele, a obra é uma opção para compreender melhor o comunismo na América Latina. “Ao tratar da história dos partidos comunistas chileno e brasileiro, o livro busca reconsiderar determinadas visões sobre as esquerdas latino-americanas fixadas exclusivamente na revolução, nos moldes de Cuba, e não na democracia”, destacou.

Esquerda democrática

Na avaliação de Oliveira, o livro transcende a análise meramente sobre o comunismo. “No fundo, o trabalho busca por uma esquerda democrática”, asseverou o debatedor. “O grande ponto é a potência do livro exatamente porque recupera algo que não está muito evidente para nós. É um dilema que os comunistas sempre tiveram: buscar a revolução, com via armada, o que deu certo na União Soviética e em Cuba, por exemplo, e a democracia”, salientou.

Aggio lembrou que o PCCh surgiu do movimento operário, que era muito forte e concentrado na exploração de minas de cobre e de salitre, no Norte do Chile. “Na primeira década do partido comunista, os comunistas chilenos eram verdadeiros assaltantes do céu. Faziam rebelião em todo lugar”, disse o orientador. Ele ressaltou que, a partir dos anos 1930, a sigla começou a entender a importância de uma estratégia política, e não armada, seguindo a orientação geral da então Internacional Comunista.

Segundo Aggio, o PCB conseguiu concretizar seu projeto de ação, transformando-se, ao longo dos anos, em um partido de esquerda, reformista e democrático. “Entrei no PCB porque a política do partido comunista era alusão à democracia, a política era maior do que a ideologia”, afirmou. “Era a política que atraía as pessoas por perceberem que era o mais correto. Vivi a trajetória do esgotamento do PCB e de seu fim, e não lamento, muito pelo contrário. Hoje estamos em um país muito melhor, democratizado, com opinião pública e juventude interessada na vida e na política e que não permite o que a sandice está fazendo no governo federal”, disse, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro.

 

 

Ordem política

O professor-orientador destacou, no entanto, que Bolsonaro foi eleito de forma legítima. “Vários perderam. Nós, que perdemos, temos que entender porque perdemos e como podemos ganhar. Não há se que rebelar contra isso, há que se fazer política, organizar a população, discutir os caminhos do presente e do futuro”, sugeriu. “Algumas reformas são necessárias; outras, no entanto, são pensadas de maneira equivocada, e somos contra, mas temos uma ordem política legítima e legitimamos essa ordem. A Constituição de 1988 é o resultado da superação da ditadura no Brasil e da conquista da democracia”, ponderou.

Caetano Araújo observou que o período de clandestinidade de dez anos do partido comunista do Chile foi bem menor que o do PCB. “A clandestinidade, aqui, foi muito longa, e não deve ser romantizada”, destacou. Ele ressaltou que não é possível comparar as duas ditaduras, devido ao contexto específico de cada uma delas.

Assim como Aggio após ser questionado pelo público, Caetano também ressaltou que a questão democrática volta a ser o centro da agenda política “por razões que não são boas”. “A democracia está sob ataque pelo menos por parte do círculo próximo ao presidente Bolsonaro. Vemos apologia à ditadura.  Isso não é loucura, há intencionalidade que tem como objetivo testar, de um lado, os limites da defesa da democracia e, de outro, ir corroendo essas defesas. Trata-se de acostumar, de manter a democracia sob ataque e não podemos ficar omissos diante disso”, afirmou.

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» FAP realiza lançamento do livro Caminhos Invertidos, de Victor Missiato, em Brasília


FAP realiza lançamento do livro Caminhos Invertidos, de Victor Missiato, em Brasília

Resultado de tese de doutorado, obra aborda trajetórias de partidos comunistas do Brasil e do Chile

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizará, nesta quinta-feira (21), a partir das 19 horas, o lançamento do livro “Caminhos Invertidos” (Editora Prismas), do historiador Victor Augusto Ramos Missiato, em Brasília. Aberto ao público, o evento será realizado no auditório do Espaço Arildo Dória, na parte superior da Biblioteca Salomão Malina, no Conic, um importante centro comercial e de atividades culturais da capital federal.

O livro é resultado da tese de doutorado de Missiato, defendida, em 2016, na Unesp (Universidade Estadual Paulista), sob a orientação do historiador e professor Alberto Aggio, que também é membro da diretoria executiva da FAP. Durante o lançamento, o autor e o orientador participarão de um debate sobre a obra, no próprio local, ao lado do consultor político e diretor da fundação Caetano Araújo.

Missiato desenvolveu, entre 2013 e 2016, a pesquisa comparando as trajetórias do PCB (Partido Comunista Brasileiro) – que antes era chamado de PPS (Partido Popular Socialista) e hoje tem nova identidade de esquerda democrática com o Cidadania – e do PCCh (Partido Comunista Chileno).

De acordo com o autor, houve uma inversão nos caminhos dos dois partidos comunistas, ao longo dos anos. Ele explica que o comunismo chileno adotou uma perspectiva reformista, entre os anos 1920 e 1973, quando houve o golpe que derrubou o seu então presidente, Salvador Allende. O PCCh era um partido que, mesmo em situação de maior radicalismo e ilegalidade em alguns anos, manteve a defesa de uma estratégia político-institucional.

“Quando houve o golpe de Augusto Pinochet, o PCCh adotou, até 1985, a perspectiva da via armada para o combate à ditadura no Chile. Isso por causa da desilusão e do impacto da derrubada do governo de Allende”, afirma. “O partido comunista chileno, ao dar esse giro, abandona as estratégias de aliança política, se desfaz da relação com a então União Soviética, que iria acabar, e adota uma nova perspectiva nacionalista. Não mais colocando o seu ano de nascimento como 1922, mas voltando para o ano de 1912, quando foi fundado o Partido Obrero Socialista - que mudou de nome em 1922”, diz.

Já o PCB, entre os anos 1920 e 1950, assumia um posicionamento mais radical e uma estratégia insurrecional, com a perspectiva da via armada. Segundo Missiato, o partido, principalmente a partir de 1958, em meio à ditadura no Brasil, passou a transformar a sua estratégia política, saindo da via armada como principal foco para adotar o que historiador Raimundo Santos, da UFR-RJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), chama de pecebismo contemporâneo. “É uma estratégia de luta revolucionária em favor do sistema democrático. Em outras palavras, uma defesa do reformismo”, acentua.

“Quando tivemos o Golpe de 64, o PCB manteve a estratégia principal de defender a democracia. Mesmo com a perspectiva da revolução, todos os comunistas do século 20 criticavam a democracia burguesa, defendiam outra democracia, sob a perspectiva socialista”, afirma o autor. “Durante o regime militar, para os comunistas do PCB, a democracia passa a ter um valor universal no final da década de 1970, conforme cita o intelectual Carlos Nelson Coutinho, como elemento central da estratégia comunista”, ressalta ele.

PESQUISA INOVADORA
Na avaliação do orientador Alberto Aggio, o livro mostra o resultado de uma pesquisa inovadora com comparação das trajetórias de dois partidos comunistas. “Isso tem um valor em si do ponto de vista do conhecimento porque, naquela época, os partidos comunistas nem sempre seguiam a ferro e fogo a orientação da União Soviética”, avalia. “Pensar que a história do comunismo na América Latina é só uma repetição daquilo que vinha da Internacional Comunista ou, depois, da União Soviética é uma visão ultrapassada, como mostra o livro”, salienta.

No Brasil, conforme observa o professor da Unesp, a construção da democracia é um paradoxo. “No país, a corrente política que acabou defendendo radicalmente a democracia se extingue no momento em que o Brasil conquista uma democracia mais plena”, pontua Aggio. “No caso do PCB, a partir do momento em que assimila a perspectiva da democracia como valor universal, essa força política acaba trilhando novos caminhos”, analisa o orientador.

“Extinguiu-se o comunismo pecebista porque, de certa forma, triunfou-se o estabelecimento de uma democracia mais plena, baseada na Constituição de 1988. É uma história complexa porque o PCB vai se definhando apesar de sua política ir triunfando. É difícil de ser compreendida por causa desse paradoxo”, ressalta ele.

IMPORTÂNCIA
Caetano Araújo ressalta a importância da obra para compreender a conjuntura política de parte da América Latina. “É um trabalho de comparação. Tem, em comum, a vinculação ao comunismo internacional, representado pela União Soviética”, analisa o diretor da FAP.

A fundação, que apoia o lançamento do livro da Editora Prismas em Brasília, tem entre as suas linhas de atuação a publicação de obras sobre fatos relevantes, da luta pela democracia e mobilizações sociais no Brasil. “Uma obra como essa tem u lado histórico, mas vai além disso. A obra fala sobre democracia. Na conjuntura política de hoje, é uma obra atual. Não aborda só o passado. Fala do presente político”, assevera.


Símbolo de resistência à ditadura militar, Antônio Ribeiro Granja morre aos 106 anos

Presidente de honra do Cidadania estava internado em hospital na cidade de Vila Velha

O presidente de honra do Cidadania, Antônio Ribeiro Granja, morreu, na noite deste domingo (10), no Hospital Santa Mônica, onde estava internado, na cidade de Vila Velha, a 6 quilômetros de Vitória (ES). Destemido, o comunista segue vivo como um dos maiores símbolos de resistência à ditadura militar no Brasil. De acordo com o presidente do partido, Roberto Freire, o nome de Granja ficará marcado na história do país pelo seu protagonismo no fortalecimento do partido e em defesa de uma sociedade menos injusta, desigual e excludente.

https://youtu.be/OvGAu0ZI1v4

 

O Cidadania é a nova identidade do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e do PPS (Partido Popular Socialista), que, ao longo dos anos, evoluíram com a participação de Granja para ficar cada vez mais perto dos interesses da sociedade. Na adolescência, ele saiu de Exu, onde nasceu, em Pernambuco, e seguiu para São Paulo em busca de emprego. Em 1930, aos 17 anos, teve início a sua história de militância, entrando para a Aliança Liberal.

Quatro anos depois, ele ingressou no Partido Comunista, que voltou à legalidade só após o fim da Era Vargas (1930-1945). Resistente, durante todo o regime militar, Granja permaneceu no Brasil. Não seguiu para o exílio. Ele trabalhou como pedreiro, operário e em oficina de vagões da Vale do Rio Doce, até ser eleito, em 1947, vereador de Cariacica pelo PCB. Ficou na Câmara Municipal até 1952.

O fim do mandato levou ao início de uma perseguição de 27 anos. “Só voltaram a me chamar de Antônio Ribeiro Granja com a Lei da Anistia (1979). Depois do início da ditadura, ficamos em 18 dirigentes em todo o Brasil. Onze deles foram presos e assassinados. Eu consegui ser um dos sobreviventes”, disse ele, em entrevista ao jornal Gazeta Online, em julho de 2018.

A resistência de Granja também foi destacada em no artigo Medo do Imprevisto, do jornalista e diretor-geral da FAP (Fundaçao Astrojildo Pereira), Luiz Carlos Azedo. “Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, [Granja] circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água”, escreveu o autor.

“Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978”, destacou Azedo no artigo sobre Granja. “Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político”, acrescentou.

Repercussão

“Eu posso dizer que é uma perda de um grande companheiro e amigo. O partido está de luto. Todos conhecemos a sua longa vida e história de dignidade e de grande luta. Ele dedicou a vida dele toda a essa luta por uma sociedade menos injusta, menos desigual e em defesa dos trabalhadores. Viveu muito e viveu consciente. Isso é importante”
Roberto Freire, presidente do Cidadania

“O Granja foi um cara muito importante na época em que o partido estava clandestino, um dos poucos dirigentes do partido que permaneceram no país e não foram presos. Ele foi um dos responsáveis pela reorganização do partido. Um homem muito importante, com longa história de militância. Organizou a primeira base do partido em Brasília antes mesmo da construção da capital federal. Teve uma vida romanesca”.
Luiz Carlos Azedo, diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira

“O Granja foi um homem muito importante, presidente de honra do partido e um dos caras que enfrentaram a ditadura. Quando muita gente foi exilada, ele ficou no Brasil para enfrentar a ditadura. Ficou para fazer resistência no Brasil”.
Ciro Gondim Leichsenring, diretor-financeiro da Fundação Astrojildo Pereira

Antônio Ribeiro Granja é um ícone da luta política brasileira. Granja não vacilava. Tinha clareza política de como agir. Já com mais de 100 anos de vida continuava com a sua militância política e com rara lucidez. Por ocasião das reuniões da Direção Nacional do ex-PPS em Brasília, costumávamos almoçar juntos. Num desses almoços, pedi uma dose de cachaça e o Granja me olhou fixamente e disse: “Que discriminação é essa, companheiro? Por que só uma dose, eu também aprecio uma boa cachaça”.
Roberto Percinoto, economista e presidente do Cidadania no Rio de Janeiro

“Nosso querido presidente de honra nacional do Cidadania, Antonio Ribeiro Granja, faleceu aos 106 anos. Foi um grande líder. Um dos homens mais íntegros que conheci, exemplo de retidão, honestidade e luta pelos mais necessitados. Foi um dos responsáveis pela minha filiaçao ao Cidadania. Vá em paz. Um querido líder com a certeza do dever cumprido!”.
Luciano Rezende, prefeito de Vitória (Cidadania-ES)

“Granja fez parte do núcleo de dirigentes do PCB que formulou, no sexto Congresso do partido, realizado em 1967, a estratégia vitoriosa no combate à ditadura. O ponto era derrotar o regime militar, por meio de uma ampla frente democrática, construída em torno das bandeiras da anistia, eleições diretas e eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Quando, alguns anos depois, a direção do partido resolveu deslocar uma parte dos seus membros para o exterior, Granja foi um dos que permaneceu no país. Por muito pouco não foi preso e assassinado, como muitos outros, nas quedas de 74/75. Manteve-se firme na defesa da democracia e apoiou o processo de renovação do partido que resultou na formação do Partido Popular Socialista”.
Caetano Araújo, diretor da Fundação Astrojildo Pereira

Leia mais:
» Medo do Imprevisto
» Antônio Granja, um militante centenário ativo na política


Confira os vídeos do Seminário Cidades Inteligentes

Confira os vídeos do seminário Cidades Inteligentes, realizado pela Fundação astrojildo Pereira (FAP) e pelo Cidadania, em Brasília, no dia 25 de outubro. O evento foi destinado a possíveis pré-candidatos a prefeitos pelo partido.

Seminário Cidades Inteligentes | Mesa 1: Cidade inteligente (íntegra)
https://youtu.be/U88WtKKfcXU

Seminário Cidades Inteligentes | Abertura: Roberto Freire
https://youtu.be/VDBOisnW6I8

Seminário Cidades Inteligentes | Luciano Rezende | Mesa 1: Cidade inteligente
https://youtu.be/MZd7nbwL-Is

Seminário Cidades Inteligentes | Toshio Toyota | Mesa 1: Cidade Inteligente
https://youtu.be/HdWYzHDMG_s

Seminário Cidades Inteligentes | Juarez Amorin | Mesa 1: Cidade Inteligente
https://youtu.be/2iwTaZ38g3U

Seminário Cidades Inteligentes | Mesa 2: Economia Criativa (íntegra)
https://youtu.be/UcIHq3UHOCw

Seminário Cidades Inteligentes | Mauro Oddo Nogueira | Mesa 2: Economia Criativa
https://youtu.be/M_UPfywVviU

Seminário Cidades Inteligentes | Cláudia Leitão | Mesa 2: Economia Criativa
https://youtu.be/RSKerbPGVjU

Seminário Cidades Inteligentes | Marcelo Calero | Mesa 2: Economia Criativa
https://youtu.be/eSe10IsT5b4

Seminário Cidades Inteligentes | Mesa 3: Turismo de experiência (íntegra)
https://youtu.be/otnQIRV0PJw

Seminário Cidades Inteligentes | Bárbara Blaudt Rangel | Mesa 3: Turismo de experiência
https://youtu.be/WArMjsxF6iE

Seminário Cidades Inteligentes | Alexandre Pereira | Mesa 3: Turismo de Experiência
https://youtu.be/-W9c7SYe7Xo

Seminário Cidades Inteligentes - FAP | Pollyana Gama | Mesa 3: Turismo de Experiência
https://youtu.be/kPkpuMS_hK8

Seminário Cidades Inteligentes | Entrevista - Alberto Aggio
https://youtu.be/K4-mk6TdO1Q

Seminário Cidades Inteligentes | Entrevista - Arnaldo Jordy
https://youtu.be/altjIp8moYQ

Seminário Cidades Inteligentes | Entrevista - Ciro Leichsenring
https://youtu.be/cRRlVWrFoAc