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‘Vamos viver de forma dramática com Covid-19 até final do ano’, diz Helio Bacha

Médico infectologista, que foi contaminado pelo coronavírus, diz que mundo vive ‘pior epidemia’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O médico infectologista do Hospital Albert Einstein (SP), Helio Bacha, diz ser impensável encerrar no momento o isolamento social no Brasil, como quer o presidente Jair Bolsonaro. “Vamos viver de forma dramática com a Covid-19 até o final do ano”, alerta, em entrevista especial concedida à nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Ele próprio já foi contaminado pelo coronavírus, mas se recuperou.

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Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da FAP. De acordo com o infectologista, a única arma contra a doença é o isolamento. Bacha conta que foi contaminado após umas três semanas de atendimento a pacientes com a doença. Recuperado, ele conclui que a sua experiência pessoal tornou evidente que essa é uma doença muito diferente de qualquer outra infecção respiratória.

“Minha experiência pessoal tornou evidente que essa é uma doença muito diferente de qualquer outra infecção respiratória”, afirma, para continuar: “Ela absolutamente não tem nada a ver com H1N1. É como me perguntam sempre: ‘o que é pior, a epidemia do H1N1 ou essa?’, eu digo: ‘essa, porque a pior é sempre a atual’. E essa tem características muito especiais”.

Bacha avalia que a Covid-19 é uma doença que pode ser atenuada em números de casos, mas ela veio para ficar. Na entrevista que concedeu ä revista Política Democrática Online, o médico infectologista também trata do papel do SUS (Sistema Único de Saúde) e de Bolsonaro, que, para ele, "aparentemente está fazendo uma aposta política, pondo suas fichas na área da saúde, da crise sanitária, dessa pandemia que corre o mundo e o Brasil."

Ao final da entrevista publicada na nova edição da revista Política Democrática Online, o médico deixa uma mensagem de esperança: “Que a experiência trágica dessa epidemia, no mundo, nos conduza à construção de um mundo mais solidário, mais fraterno, onde o sofrimento das pessoas não seja a distância. Que nós tenhamos um compromisso social e político de atender a todos. Espero que façamos disso um mundo melhor”.

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‘Bolsonarismo ultrapassa clã presidencial’, analisa Marco Aurélio Nogueira

Em artigo na revista Política Democrática Online, cientista política aponta Bolsonaro transmite ‘mensagem de guerra’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

 O cientista político Marco Aurélio Nogueira, professora da Unesp (Universidade Estadual Paulista), critica a falta de postura de Jair Bolsonaro condizente para o cargo que ocupa. “Do presidente, não parte qualquer mensagem de apaziguamento e serenidade, fatores estratégicos para que se possa ter sucesso no enfrentamento da epidemia [do coronavírus]”, escreveu, em artigo produzido para a nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). “Bolsonarismo ultrapassa o clã presidencial”, afirma, em outro trecho.

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Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados de graça no site da entidade. De acordo com cientista político, o presidente só se preocupa em mobilizar o seu próprio clã. “O presidente fala, e a malta enlouquecida que o segue reverbera imediatamente, em alto som. É uma mensagem de guerra, não contra o vírus, mas contra os que são considerados adversários do bolsonarismo”, critica.

De acordo com Nogueira, Bolsonaro não pede paz, mas atrito, conflito, ajustes de contas. “Junto vem um cálculo eleitoral rasteiro, balizado por aquele medo pânico de que o vírus estrague os planos e congestione a estrada do poder”, lamenta. “Os olhos esbugalhados apontam para 2022, e tudo é feito para que os fatos duros da vida se enquadrem naquilo que se deseja reproduzir politicamente. É o império de uma fantasia mesquinha”, afirma.

Na avaliação do professor da Unesp, conforme artigo publicado na revista Política Democrática Online, outra articulação, benéfica, mas mais complexa, envolve prefeitos e governadores, que lidam diretamente com comunidades, bairros, pessoas de carne e osso, vida concreta. “Pregam o confinamento porque sabem que, sem ele, os sistemas estaduais e locais entrarão em colapso. Tornaram-se agentes decisivos do combate à crise sanitária. Demarcam novo espaço na política nacional”, observa.

Nogueira destaca que “o bolsonarismo ultrapassa o clã presidencial”. “Ele é sobretudo um estado de espírito. Não é ‘antipetista’, mas antidemocrático, segue um patriotismo tosco e cego, liberando pelos poros aquilo que tem sido chamado de ‘olavismo’, uma gosma venenosa hostil à comunidade política, à vida democrática”, analisa o professor da Unesp.

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‘Governos vivem crise’, diz Felipe Oriá em nova aula da Jornada da Cidadania

Planejamento no poder público, proteção da intimidade, monitoramento das redes e engajamento de voluntários são abordados

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“No mundo inteiro, governos vivem uma crise. É cada vez maior a distância entre as expectativas dos cidadãos e a entrega dos serviços públicos”, afirma o cientista político Felipe Oriá, mestre em políticas públicas e cofundador do Movimento Acredito, no novo pacote de aula multimídia da Jornada da Cidadania. O curso de formação política disponibiliza, a partir desta quarta-feira, (29), conteúdos para o aluno, com destaque para a videoaula sobre planejamento no poder público e políticas públicas.

As aulas podem ser acessadas por meio da plataforma de ensino a distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito, direcionada exclusivamente a alunos matriculados com login e senha. Em um mundo de problemas crescentes e complexos, é preciso uma forma de encarar as políticas públicas. Sair do planejamento para a implementação. De soluções prontas para experimentação e aprendizado. Por isso, a aula apresenta uma abordagem contemporânea para políticas públicas e problemas complexos, baseando-se em soluções adaptativas.

“Governo que cuida de saúde, educação e programas sociais é muito recente. Problemas mais complexos foram exatamente o que não conseguimos resolver”, afirma Oriá. “Não só o Brasil, mas um grande número de países conseguiu quase universalizar a educação básica, só que pouquíssimos países conseguiram transformar presença na escola em aprendizado”, destaca ele.

De acordo com o cientista político, outro problema parecido tem a ver com pobreza. “Vários países têm avançado na redução da pobreza, mas são poucos os países que conseguem resolver o problema da desigualdade”, lamenta. “O velho método de se pensar política pública, como processo linear para chegar a um resultado, não dá conta num mundo que é cada vez mais rápido e em que as pessoas estão conectadas. Como pensar políticas públicas de forma diferente?”, questiona. Na aula, Oriá vai abordar o que ele chama de problemas simples, complicados e complexos.

Os alunos também poderão conferir uma videoaula sobre ser ético em casos de proteção da intimidade e vida privada, ministrada por Lairson Geisel, especialista em mídias interativas. Além disso, em seguida, também terão à disposição conteúdos sobre engajamento e valorização de voluntários, em videoaula ministrada por Renato Diniz, diretor de treino e desenvolvimento da empresa Ideias Radicais.

A importância de monitoramento das redes pela prefeitura é o assunto de outra videoaula ministrada por Sergio Denicoli, pós doutor em comunicação pela Universidade do Minho (Portugal). Antes de responder ao questionário da aula e à pesquisa de satisfação, os alunos terão de ler o texto “Solucionando problemas complexos? Desafios da implementação de políticas intersetoriais”, de Renata Bichir e Pamella Canato, que é parte do livro “Implementando desigualdades: Reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas”. Em seguida, deverão ouvir um podcast sobre inovação no setor público.

 

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‘Partidos políticos estão muito oligarquizados’, afirma historiador Alberto Aggio

Professor da Unesp, que também é diretor da FAP, destacou importância da ‘cultura política’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Os partidos políticos estão muito oligarquizados. É preciso democratizar os partidos. As estruturas e instituições públicas precisam de uma renovação, já que estão dominadas pelo corporativismo e privilégios”, avalia o historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Ele abordou o assunto ao explicar progressismo e liberalismo, conforme mostra série de divulgação de vídeos da retrospectiva do IV Encontro de Jovens Lideranças, realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em janeiro.

No oitavo vídeo da série da retrospectiva, Aggio, que também é diretor da FAP, aparece no debate ao lado do cientista político e cofundador do Movimento Agora, Leandro Machado, e do sociólogo e também diretor da FAP, Caetano Araújo, que mediou a discussão. Ao abordar o assunto, o historiador citou diversos pensadores liberais e liberais progressistas.

» Confira o vídeo abaixo ou clique aqui!

https://www.youtube.com/watch?v=AmtxhP0SZx4&t=449s

De acordo com Aggio, defensor da esquerda democrática, redemocratizar a democracia vai abrir espaço para os movimentos mais recentes que ocorreram em vários lugares do mundo, como Madri (Espanha), Nova Iorque (Estados Unidos), Paris (França) e São Paulo (Brasil).

Aggio explicou que uma das linhas do liberalismo busca visão mais progressista da política e uma visão mais democrática da democracia. “Autores liberais são expressões do mal-estar e do descontentamento contra o engessamento da democracia e o neoliberalismo. Nos EUA, por exemplo, a corrente chama-se libertarismo.

O palestrante também destacou a importância de os participantes do evento terem cultura política. “Cultura política dá sustentação a quem faz política. Se não tiver cultura política, pode até ter voto, mas nós aqui estamos olhando o horizonte, não estamos olhando a esquina. Esse curso da FAP serve para olhar o horizonte”, afirmou.

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‘É urgente enfrentar escalada autoritária de Bolsonaro’, diz editorial da Política Democrática

Revista da FAP afirma que presidente investe simultaneamente contra a democracia e a ciência

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

É urgente enfrentar e derrotar a “escalada autoritária” do governo de Jair Bolsonaro, de acordo com editorial da nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Essa tarefa exige a ação firme das instituições e o diálogo e a cooperação entre todas as forças democráticas, na União, nos Estados e nos Municípios”, diz um trecho do texto. Internautas podem acessar, gratuitamente, todos os conteúdos da publicação no site da entidade.

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De acordo com o editorial, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Supremo Tribunal Federal devem acordar uma reação articulada aos desatinos do Presidente. “Regras relativas à identificação e responsabilização de produtores e divulgadores de falsidades nas redes devem se aprovadas e aplicadas”, afirma, para continuar: “Lidar com as ruas, por sua vez, é tarefa dos governadores, dos legislativos estaduais, do Judiciário e do Ministério Público nos Estados”.

O editorial da revista Política Democrática Online lembra que Bolsonaro compareceu, neste mês de abril, a uma manifestação convocada nas sombras de seu governo, endossou com sua presença as consignas autoritárias das faixas e cartazes ali levantados e prometeu a mudança radical no rumo de um novo e puro país. “Tudo para desmentir, no dia seguinte, qualquer intenção golpista. Se o roteiro é sempre o mesmo, pois se trata, afinal, de fazer retroceder as fronteiras do inaceitável, a ousadia dos atores é crescente”, analisa.

A cruzada de Bolsonaro, segundo o editorial, investe simultaneamente contra a democracia e a ciência. “Parece ter como premissa a incapacidade de os brasileiros estabelecerem relações de causa e consequência, tanto para prever o futuro, quanto para avaliar o passado”, diz um trecho. “É certo que há concidadãos, letrados inclusive, que relutam a perceber que nossa situação hoje é em tudo similar à de outros países, semanas antes de mergulharem no abismo”.

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Conselho Curador da FAP aprova prestação de contas e defende frente democrática

Frente democrática é alternativa à tensão e polarização políticas no país, conclui Colegiado da FAP durante reunião online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) aprovou, neste sábado (25), a prestação de contas da entidade relativas ao ano de 2019, por unanimidade, e discutiu a conjuntura política do Brasil com sugestões para o fortalecimento da democracia. Pela primeira vez, o colegiado realizou reunião online, por meio de uma sala virtual com acesso exclusivo aos conselheiros, por causa da orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de manter o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

O presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, parabenizou a iniciativa da diretoria da fundação de realizar a reunião virtual e manter o compromisso com a prestação de contas. Ele lembrou que, enquanto atuou como senador, apresentou a proposta no Parlamento para que possibilitasse a participação virtual de senadores em discussões e votações, mesmo que estivessem em outros compromissos nos seus respectivos Estados.

O diretor-geral da FAP, Luiz Carlos Azedo, destacou as ações da fundação em defesa dos valores democráticos e republicanos. Segundo ele, a instituição tem se empenhado cada vez mais para atuar da melhor forma possível e levar resultado de qualidade à sociedade, por meio dos eventos, publicações e do curso de formação política Jornada da Cidadania.

» Confira como foi a Reunião do Conselho Curador da FAP no vídeo abaixo ou clique aqui.

https://youtu.be/65dJ8PhTLwQ

 

Investimentos

Em sua apresentação, o diretor financeiro Ciro Gondim Leichsenring detalhou todos os investimentos da fundação no ano passado, na ordem de R$ 584,1 mil, para a realização do IV Encontro de Jovens, dos Seminários Desafios da Democracia e Cidades Inteligentes, além de outros eventos. Todas as iniciativas tiveram a participação de importantes pesquisadores, professores de universidades e grandes nomes do mercado.

Leichsenring também destacou a grande importância das publicações da FAP, como as revistas Política Democrática online e impressa, as quais, segundo ele, colaboram muito para o pensamento crítico da sociedade. “São publicações importantes porque levam conteúdos de muita qualidade para o público”, disse.

No total, em 2019, R$ 636,4 mil foram investidos em publicações, edições e lançamentos de livros, produção de teatro e filme, em ações de comunicação digital e no planejamento da Jornada da Cidadania. O curso de formação política é realizado pela FAP, por meio de uma plataforma online, interativa e com acesso gratuito aos alunos matriculados.

Frente democrática

Durante a reunião, os conselheiros demonstraram preocupação com o atual momento político do país. Eles apresentaram propostas, como a necessidade de se fazer uma ampla frente democrática em defesa da democracia, da Constituição e da independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A discussão partiu de um texto produzido pelo conselheiro Paulo Fábio Dantas Neto, escrito inicialmente para analisar os principais fatos políticos das últimas semanas, como a exoneração do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mesmo durante a epidemia do coronavírus. Durante a reunião, o autor atualizou o texto, incluindo no debate o caso do ex-juiz Sérgio Moro, que, nesta sexta-feira (24), pediu exoneração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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Conforme lembra o sociólogo e diretor executivo da FAP Caetano Araújo, o colegiado também considerou a questão da pandemia, que, conforme discutido, trouxe à tona a necessidade de solidariedade e a importância de implementá-la, principalmente, na saúde pública. “Isso era algo que já existia na sociedade, mas que a pandemia escancarou ainda mais”, afirmou ele.

Além disso, o conselho curador também sugeriu a necessidade de pôr fim à lógica da polarização, substituindo-a pela cooperação. “Isso não é esquecer divergências, mas trabalhar consensos e deixar claros os pontos que são dissenso, outra linguagem da política, diferente da que tem predominado no Brasil, nos últimos cinco ano, que é a da polarização”, disse Caetano.


Paulo Fábio Dantas Neto: Notas sobre a conjuntura e o depois – abril 2020

Interpretação de uma situação de fato

A substituição do ministro da Saúde foi um revés para uma boa política de enfrentamento da pandemia. Esse é o impacto mais importante. Atinge todo mundo. A sociedade perde, ao menos momentaneamente, a orientação, segura, transparente e diária que vinha sendo dada pelo Ministério da Saúde, numa conjuntura crítica de incerteza e medo. O próprio Estado sofre, porque suas instituições, flagrantemente em desacordo com a decisão presidencial, tendem a ficar ainda mais tensionadas. E o governo, particularmente, terá que alterar conceitos políticos, procedimentos técnicos e rotinas administrativas em pleno desenrolar de uma situação crítica.

O impacto sobre o Presidente da República é ambíguo. De um lado, o fato dele ter tomado uma decisão na contramão da ampla maioria da população certamente desgasta mais sua imagem, já bastante desgastada por sua conduta imprudente no cargo, que não começou agora. Ao mesmo tempo o devolve ao jogo, pois ele retoma, em parte, a iniciativa política que perdera por causa dessa conduta. Ele não abandonou a atitude imprudente, longe disso, mas, radicalizando-a, criou nova situação e parece começar a sair das cordas, reanimando suas falanges - as radicais e as áulicas -, energizadas com a ostentação de autoridade. Acima de tudo, afastou do seu governo uma personalidade política em ascensão, no caso o ex-ministro Mandetta, que ele logo enxergou como concorrente. De fato, desde que Lula caiu no ostracismo e Sergio Moro foi absorvido pela rotina de governo e por seu próprio elitismo, ninguém conseguia se comunicar embaixo com a população, como Mandetta conseguiu. Tirando-o dos holofotes, mesmo ao preço de colocar a saúde pública em sério risco, o presidente espera reverter um jogo que lhe vem sendo desfavorável. Parece ter sido essa a intenção. As próximas semanas e meses mostrarão o tamanho da distância entre a intenção e consequências políticas reais do gesto.

Mandetta teve apoio da população à sua conduta, em parte por méritos pessoais de quadro tecnicamente correto da área da saúde e de quadro político afeito ao entendimento e à articulação, dotado do talento para gerar empatia com públicos amplos. Em outra parte, pela sinergia entre a equipe do ministério e o engajamento da comunidade técnica da saúde. Com espírito público e consistente experiência em gestão da saúde pública ela soube se impor e o ministro a valorizou, como fez com a comunidade científica e acadêmica. Também pela ampla adesão da imprensa e da sociedade civil ao conceito geral da política adotada pelo MS.

Esse apoio social influenciou a atitude das forças políticas. Mas nessa área, o apoio à personalidade pública do ministro não teve o mesmo tamanho do apoio à política do MS. Foi assim inclusive com forças ditas de centro e centro-direita, com as quais ele interage com mais facilidade, por afinidade prévia. É compreensível que tenha sido assim. A projetos políticos como o do governador de São Paulo, a ascensão popular do ex-ministro não teria como ser ideia simpática, ainda que sejam convergentes as visões acerca do combate à epidemia. A possibilidade do DEM passar a cogitar o nome de Mandetta para 2022 não poderia passar despercebida. Já na esquerda petista ou vizinha, a atitude em geral não foi hostil, mas cooperativa (caso dos governadores), combinada a silêncio obsequioso das bancadas parlamentares e reticências e ressalvas, geralmente ligadas no retrovisor, nas redes sociais e sites ligados a ela. O trânsito ficou mais fluente com o embate entre Mandetta e Bolsonaro. Mas na reta final, perto da queda, o ainda ministro teve restrições diretas de Lula e Ciro Gomes. Elogios no campo político dessa esquerda só se tornaram mais visíveis após sua saída do ministério.

O novo ministro, como bem assinalou a colunista Miriam Leitão, ainda não disse a que veio. Talvez consiga dizer. Por ora, o que se pode especular, a partir de genéricas pistas que deu, é que ele esteja em linha com informações e estratégias que transitam, não necessariamente de modo consensual, nos ambientes científico, empresarial e militar. Mas é improvável que consiga realizar intentos pensando e agindo apenas como técnico. O processo deve confirmar a convicção do seu antecessor de que sem política não há caminho. E no esquema que está combinado, parece que a política vai caber a Bolsonaro, mordendo e a seus militares, assoprando.

Sobre a situação do Presidente

Nove entre dez analistas da política brasileira constatam o isolamento político do presidente. Sem negá-lo, faço duas ressalvas. O isolamento chegou ao auge na primeira semana de abril, quando lhe faltou, inclusive, condições para demitir o então ministro da Saúde. Mas a partir daí nota-se uma operação para tirá-lo das cordas, levada a cabo pelos seus ministros militares. É significativo o dado de recente pesquisa do Data Folha de que 48% do empresariado, em geral, aprovaram a mudança do ministro. Trata-se, ao que parece, de uma operação de estado maior em pleno curso, mesmo que o perfil político e pessoal de Bolsonaro a dificulte. A segunda ressalva é que, para um político com atitude política extremista e personalidade arrogante como as de Bolsonaro, isolamento político não deve levar a recuo, reflexão e reorientação de conduta. Assim reagiria um liberal-democrata e ele é a antítese disso. Para políticos como Bolsonaro, isolamento é convite à radicalização.

Parece inevitável que caia no colo de Bolsonaro a responsabilidade política pelo aumento de vítimas da pandemia, mesmo que não haja aí uma relação necessária de causa e efeito, pois nunca se poderá mensurar com precisão em que grau o afrouxamento do isolamento social se deverá à influência do presidente e em que medida o afrouxamento causará maior contaminação, ou pane no sistema de saúde. Não há nem haverá provas, mas já há forte conexão de sentido, que será difícil seu discurso neutralizar, nas condições da nossa democracia. Ainda mais quando se somar, à crise sanitária, uma dura recessão econômica, com suas implicações sociais.

Os movimentos do governo Bolsonaro – estratégia ou vôo cego?

Enxergo uma estratégia de governo, da qual Bolsonaro faz parte de modo pouco usual para quem ocupa o cargo de presidente. Há momentos de confusão, mas não desorientação. O modo de enfrentamento da pandemia e o desfecho do affair com Mandetta podem ajudar a desfazer dois erros de interpretação difundidos durante o primeiro ano do governo, dos quais não me excluo, aliás. Pensava-se em alguns ministros militares como quadros da corporação dentro do governo e que eles, nessa condição, estariam contendo um presidente incompetente e radical, para o país ser governado apesar dele, com racionalidade e moderação.

Parece mais claro, agora, que paraquedistas que ocupam salas no Planalto ou na Esplanada não o fazem como agentes do Estado, ou da corporação militar, mas como governistas cujo objetivo é sustentar esse específico governo, dando respaldo a Bolsonaro, ainda que à custa de agressões ao Estado e de saias justas com a própria corporação militar. Inclusive o Gal. Braga parece migrar para essa posição. Quando convenceram Bolsonaro a não exonerar Mandetta, naquele chamado dia do fico, quem estava sendo blindado era o presidente, não o ministro. Esse começou a ser fritado em fogo alto no dia seguinte e não a partir da sua entrevista ao Fantástico, uma semana depois. A entrevista parece ter sido a reação de Mandetta e do DEM para consumar, em condições mais favoráveis, um desenlace já decidido pelo governo, por entendimento entre Bolsonaro e seus militares.

Isso não significa que, mais adiante, essa simbiose se manterá. Mas caso se desfaça, o plano alternativo não parece ser o de dar protagonismo, com vistas a 2022, a um político democrático, seja de esquerda, ou mesmo de centro, direita, ou centro direita, como Mandetta, Dória, Maia ou outro qualquer. Vejo hoje em movimento um projeto de guardiania que tem e terá relação tensa com a ampla democracia política que vigora no Brasil. Se depender desse grupo de militares (insisto que não me refiro à corporação, mas a um grupo político) seu colega fardado que ocupa a vice-presidência da República pode ter um destino político além do de um presidente- tampão. Coloca-se aqui, de novo, em questão, o tamanho da distância entre a intenção dos militares governistas e as consequências e possibilidades reais de êxito dessa estratégia, que vai ficando nítida. A questão política só se resolverá após a pandemia, a depender, em boa medida, dos estragos sociais e econômicos que ela provocar.

Mas desde já é possível dizer que esse grupo militar, além de exercer força de gravidade sobre grupos palacianos e ministérios, através dos quais dialoga com políticos e partidos, parece ter certo apoio empresarial. A base conjuntural desse entendimento que pode enlaçar, por cima, esses atores no curto prazo é a necessidade de retomar, o mais brevemente possível, a atividade econômica, com vistas a atenuar os efeitos, necessariamente rigorosos, da recessão que já se instalou e que não irá embora junto com a pandemia. Mas para que uma aliança como essa seja sustentável e produza consequências políticas sistêmicas, as suas partes terão que se acertar em assuntos estratégicos, tais como o perfil futuro da presença do estado na economia e os limites aceitáveis de absorção institucional e processamento democrático do conflito social. Normal que não haja definições sobre eles nesse momento, mas a indefinição não significa que cada qual dos atores não já esteja formando uma ideia a respeito.

No caso do empresariado é insensato pensar que chegarão a uma visão “de classe”. Decisivo será, sim, o nível se convergência possível entre setores que sejam distintos o bastante para tornar a articulação ampla e suficientemente coincidentes quanto à relevância do seu peso econômico, para que essa relevância compense, na hora da operação política, a dificuldade comunicativa com a base da sociedade, decorrente da posição assimétrica que ocupam, nessa sociedade. Para eles a questão política de fundo é a escolha entre os riscos e vantagens da democracia, de um lado, e riscos e vantagens da guardiania, de outro.

Já os ministros militares - que desde a campanha eleitoral passada vêm se constituindo como grupo político e que buscam recrutar novos quadros entre os ativos e reservistas da corporação - parecem servir-se de um pensamento estratégico mais amadurecido. A formulação, naturalmente, é externa a grupo e, nesse sentido, há nexos com a corporação militar, ainda que a execução não conte com ela e até a constranja, em certos momentos, quando entram em jogo fatores estranhos à lógica estratégica do intelectual militar. O calcanhar de Aquiles está na baixa perícia desse grupo no manejo da política, que é necessária para operar a estratégia.

Já as lideranças civis, que formam a elite política, se têm revelado prudentes e hábeis em táticas de conjuntura nessa quadra difícil, mas, ainda na defensiva e presas ao imediatismo, parecem se ressentir de uma estratégia positiva que lhes dê unidade ao lidar com desafios de médio e longo prazos. Sintoma disso foi não terem encarado a ascensão pública do ex-ministro Mandetta como capital político comum, para dar nome e sobrenome à ideia de centro político que há anos se cogita para tirar o país de uma polarização política estéril. Um cavalo passou selado e não foi montado, embora ainda possa ser, mais adiante, a depender da percepção pública sobre as decisões tomadas para enfrentar a pandemia. Se já houvessem se entendido sobre apostas a médio e longo prazos, o desafio da saúde pública justificaria ensaios de reação política e institucional à exoneração do ministro. Se não poderiam impedir Bolsonaro e os militares de removê-lo, ao menos teriam mostrado a eles que o preço político para plantar uma guardiania em vestes de democracia no Brasil será mais alto do que será se o centro político permanecer fragmentado. Mas os dados ainda rolam. Um otimismo moderado permite considerar a unidade da elite política civil como um processo em construção. É desse processo que essas notas se ocuparão, a partir daqui.

Relações entre Legislativo e Executivo – o estado da arte

Esse é terreno crucial para definir o desfecho da crise atual. Do ponto de vista dos democratas é terreno mais promissor que o da disputa, com Bolsonaro, pela simpatia do grupo militar governista. O Legislativo é o leito mais seguro para a construção de uma unidade que vá do Centrão à esquerda. Essa via – que já se ensaiava antes, principalmente com o fortalecimento da liderança de Rodrigo Maia na Câmara - tem sido intensamente testada na conjuntura de combate à pandemia. A conduta já observada entre forças aliadas na viabilização da reforma da Previdência passa, agora, quando a pauta é mais consensual, a ser adotada como padrão para as relações entre praticamente todas as forças e partidos. Esse padrão tem levado o Legislativo a suprir carências governativas advindas da irresponsabilidade presidencial, através de ampliação dos consensos internos e de um diálogo tenso, mas efetivo, com as zonas de racionalidade presentes no Executivo. Esse script tem testado positivo, não só como solução para a governabilidade, mas também como rota para a unidade política requerida para, num primeiro instante posterior à pandemia, resolver, republicanamente, a questão Bolsonaro.

Esse entendimento parte da premissa de que a ação subversiva do presidente, conquanto possa ter seus danos minimizados não se sabe até quando, promove fissuras nas crenças e procedimentos democráticos. Daí estende uma nuvem sobre as possibilidades de uma saída democrática a partir de 2022. Há uma pedra no caminho do reencontro do país com a sua normalidade e não se pode subestimar o fato dessa pedra estar ocupando a cadeira presidencial, usando-a para tentar trincar a democracia de variados modos. A reação institucional precisar vir e Legislativo e Judiciário precisarão observar o timming que, uma vez ultrapassado, tornará essa reação impraticável. Três pontos, entrelaçados, sobressaem na pauta: a avaliação prospectiva da possibilidade de se processar o impedimento no imediato pós-pandemia, a condução articulada da sucessão das mesas diretoras das duas casas legislativas e a formação de um consenso a respeito das eleições municipais.

Sobre possibilidades de impeachment

Depende de um conglomerado de fatos, circunstâncias e vontades. Fatos como a extensão da crise sanitária e de suas consequências econômicas, no Brasil e fora dele. Circunstâncias como o humor do eleitorado, a ser captado em pesquisas no pós-pandemia, ou como a realização ou não de eleições esse ano. Vontades traduzidas em estratégias de atores políticos relevantes, nos âmbitos dos três poderes e nos partidos, com destaque para a atitude e atos do presidente. E as de agentes organizados na sociedade civil, incluindo aí imprensa, empresariado e organizações populares. Matemáticos poderiam armar uma matriz de probabilidades com essas variáveis. Analistas e cientistas políticos precisam esperar. Partidos políticos podem se dar a esses luxos?

Do ponto de vista da política em ato, a questão não pode ser submetida a cálculos matemáticos, nem pode ser mais postergada. As justificativas públicas para o adiamento cessarão com o arrefecimento da crise sanitária. Se a elite política não se mover por moto próprio terá que fazê-lo de improviso quando o tema ganhar as ruas num contexto pós-isolamento, situação em que as lideranças políticas terão menos chance de orientar a sua direção.

Antecipar-se é o mais prudente e, se diante de uma conjuntura nada matemática, não é possível fazê-lo com clareza sobre a sequência dos passos, há que se fazer ao menos com a clareza possível sobre o sentido político que se queira dar ao processo. Construir as premissas para que ele se desenrole como causa cívica, apoiado por arco político mais amplo do que foi o “Fora Collor” e muito mais ainda do que o arco político e social que se formou para o impeachment de Dilma Rousseff, que não estancou a divisão do país, embaixo. Conduzido assim, o processo jurídico-político do impedimento poderá aprofundar o nível do consenso já alcançado no Congresso.

O timming também se relaciona a condições objetivas do ambiente do STF. A crise sanitária colocou em segundo plano, ao menos por enquanto, as clivagens políticas que vinham marcando algumas decisões e a imagem pública do tribunal e limitando suas possibilidades de exercer a moderação que constitucionalmente lhe compete. A virtual cristalização daquela situação está entre os motivos que faziam cada vez mais olhos se voltarem a militares, como se eles pudessem ser substitutos funcionais da instituição. A irresolução do presente conflito entre o presidente, de um lado, o sistema político e a sociedade civil de outro, mostra que o equívoco dessa posição não é apenas institucional, mas também político. A lição desse março/abril precisa ser assimilada e o novo momento do STF valorizado, ainda mais quando se sabe que a situação pode se tornar volátil com a mudança do seu presidente, prevista para setembro e a substituição do seu decano, logo a seguir.

As sucessões no Legislativo

Como maior volatilidade e maior número de incertezas são traços óbvios de conjunturas críticas, prospecção aqui é inútil. O que não impede fixar uma premissa lógica sobre esse tema. Quanto mais o ponto de equilíbrio político alcançado hoje nas duas casas for conservado a partir de 2021, tanto melhor para que o processo siga na direção unitária em que está indo e, por conseguinte, permita resolver, republicanamente, a questão Bolsonaro. Esse ponto de equilíbrio é soma de despolarização política e compromisso social. O primeiro termo do par exige, principalmente, um reposicionamento da esquerda parlamentar, mormente do PT, cuja atitude “histórica” é de resistência à integração a um centro de articulação comum, onde não possa exercer hegemonia.

Um reposicionamento vem avançando, sem prejuízo do viés populista e/ou personalista das vozes eleitorais de partidos de esquerda fora do Parlamento. O segundo termo da equação exige reposicionamento da centro- direita, que precisará acompanhar o que se dá no mundo todo e rever resolutamente seu compromisso com a ortodoxia econômica dita neoliberal. Em suma, para ter bom andamento, a estratégia da convergência para vencer as crises sanitária, econômica e política terá que afastar os fantasmas de duas ideologias contrárias à política: o hegemonismo pré-político do tempo de Rousseff e o fundamentalismo econômico de Paulo Guedes.

Na Câmara, esse script prudencial tem no atual presidente da Casa, que não concorrerá ao cargo, um protagonista natural. Na interação positiva em torno dele está a chave da execução. O risco a ser evitado é a direção do processo sair das suas mãos, situação em que consensos amplos serão mais difíceis. No Senado, incerteza adicional decorre do fato de que o detentor da posição institucional capaz de coordenar o processo deseja, ao que tudo indica, achar caminhos de interpretação regimental para se candidatar à reeleição. Essa situação em si já torna o ambiente daquela Casa mais poroso às interferências do Executivo, pela exploração desse interesse, apoiando-o ou não. O sucesso do script prudencial que sustenta o instável equilibro atual não necessariamente depende das direções da Casa e do processo político ficarem nas mãos do mesmo ator. Pode até ser requerida a moderação do Judiciário daí porque ele pode, em alguma medida, também vir a ser um ator.

O tema da sucessão será inevitavelmente implicado na tentativa de Rodrigo Maia de retomar/ melhorar seu diálogo com a esquerda, meio estremecido desde que pautou e fez aprovar a MP do contrato verde-amarelo. Efeitos imediatos desse movimento são notados em recíprocas declarações públicas dos interlocutores. Maia cuida, como deve, da mobilidade do seu pé esquerdo. E a esquerda, por seu turno, ocupa, como também deve, o espaço que lhe oferece Alcolumbre no Senado para se recuperar do revés sofrido na Câmara. O alvo comum parece óbvio: acelerar, ampliar, aprofundar o entendimento e acumular forças para um enfrentamento com o Presidente. Essa convergência de interesses contra um adversário comum não seguirá itinerário cor-de-rosa. A sucessão nas duas casas será um desafio. Pela lógica da disputa sucessória, a esquerda – mesmo que não tenha pretensões próprias – pressionará Maia para enfrentar Bolsonaro, mas em litigio, ainda que relativo, com o Centrão.

Pela lógica do processo do impeachment cívico e não politicamente polarizado, Maia resistirá a essa pressão. O jogo todo é legítimo, de todas as partes. Contanto que os jogadores não o levem ao ponto de permitir espaço a quem quer virar a mesa e o próprio jogo. A radicalização provocada por Bolsonaro pode servir de biombo a ministros como Guedes, Moro e os militares para veicularem soluções que aliviem sintomaticamente os impasses, mas permitam a reintrodução, no Congresso, de uma polarização mais permanente, seja direita x esquerda, São Paulo x nordeste, ou Câmara x Senado. Pode-se ver esse jogo quando Bolsonaro desafia Maia para uma briga de rua, enquanto o governo procura amaciar o Centrão e o Presidente do Senado. A disputa pela sucessão na Câmara e entendimentos sobre reeleição no Senado são fatores que devem ter influência crescente.

As eleições municipais

O presidente da Câmara tem usado um argumento prudencial para resistir ao adiamento das eleições. Seria um precedente a alimentar virtuais apetites no futuro. Ao lado dessa razão, é intuitivo que haja outra, de mais complexa enunciação, porém de maior peso. A interação política entre as medidas de socorro federativo ora em curso por conta da pandemia e um processo de renovação dos governos municipais criaria, na base do sistema político que se relaciona diretamente com a sociedade, um ambiente favorável à solução que o Congresso encontre para a crise política derivada da conduta presidencial. Basta pensar na possibilidade de um efeito Mandetta, em contraste com um Teich sem efeito, para supor que Maia raciocina com hipóteses conectadas ao mundo da política real. Compare-se esse cenário com o seu oposto.

Adiadas as eleições para 2022, ficariam os atuais prefeitos livres do risco das urnas e expostos a duas pressões: a do alinhamento político em torno de projetos eleitorais estaduais, comandados pelos governadores e/ou as do governo federal, que voltaria em alguns meses a deter a chave do cofre sem ter mais que obedecer aos critérios federativos estipulados consensualmente no Congresso, no contexto da crise sanitária.

Sendo fortes no Brasil, como se sabe, os laços de reciprocidade eleitoral entre prefeitos e deputados federais, o aumento da força gravitacional dos governos estaduais e do federal sobre os prefeitos, permitido pelo adiamento das eleições, afetaria, indiretamente, os parlamentares federais, no sentido de uma maior fragmentação das suas preferências. Tenderia a diminuir a influência da dinâmica política consensual em curso no Poder Legislativo na indução do comportamento dos parlamentares diante do processo de impeachment e da nova situação política que esse processo instituir.

Ademais, a ideia de prorrogar os atuais mandatos até 2022, para a coincidência dos vários níveis de eleição, é um retrocesso na autonomia que pleitos municipais passaram a ter na política brasileira, permitindo maior influência do eleitor sobre a gestão de suas cidades. Unificar os pleitos, seja com argumentos financeiros, políticos ou gerenciais é, em tese, apostar em mais verticalização do contencioso político e mais polarização.

O adiamento das eleições pode, no entanto, resultar não de escolhas políticas, mas de uma imposição das circunstâncias da crise de saúde pública. Para não brigar com fatos, talvez haja espaço para pensar num adiamento por alguns meses, garantindo a separação dos pleitos. Se as circunstâncias e interesses, combinados, descartarem uma solução intermediária e houver a unificação em 2022, esse cenário aqui suposto como adverso, não produz fatalidades. Havendo política e preservada a democracia, todo limão pode virar limonada.

Especulando preventivamente sobre o longínquo 2022

Com a pandemia, Keynes voltou à voga em economia. Mas seu chiste pragmático de que “no longo prazo todos estaremos mortos” tem estado, talvez inconscientemente, no radar da elite política brasileira e aqui se trata da elite civil, nela incluídos militares e ex militares que adentram na política. Tome-se o Congresso e os governos estaduais como palcos e será visto como a elite política, atacada por um senso comum da opinião pública que a condena pelos seus vícios e por suas virtudes, entrega-se com apuro a manobras táticas defensivas e habilmente as converte em contraofensivas. Essas devolvem-lhe poder de iniciativa, usado para tomar certas decisões racionais e socialmente positivas, como tem ficado mais evidente durante as crises que ora atravessamos.

A partir dessa performance tática, lideranças políticas, ocupando posições institucionais chave, têm conseguido não só livrar o País de ser convertido num quintal de milicianos, como recuperar, embora em dose ainda pequena, uma reputação razoável, que tinha sido quase completamente varrida pela sucessão de seus erros e, em seguida, pela captura do ambiente político pelo fundamentalismo lavajatista.

Sem de modo algum pretender fazer reparo a essa conduta tática, é possível esperar que a ela se junte alguma perspectiva estratégica, a que for possível num contexto tão volátil. Algumas linhas do que pode ser essa adição tonificadora foram esboçadas acima como sendo derivadas lógicas da tática prudencial que se tem adotado, especialmente na Câmara dos Deputados, não só por seu presidente e alguns dos líderes partidários. Exemplificam prudência também, jovens parlamentares recém-eleitos acenando a uma “nova política” e que logo se distinguiram da demagogia rasteira que se apossou dessa boa ideia.

São personalidades, algumas muito jovens, que têm compreendido, na prática, a dignidade e a eficácia da tradição do trabalho parlamentar e partidário para efetivar os compromissos que assumiram com seus eleitores. Nota-se também a crescente musculação política do presidente do Senado, um neófito alçado ao cargo pela onda de descrédito da chamada “velha política”.

Também se pode interpretar como prudencial a recente guinada pragmática ao centro do governador de São Paulo, a moderação surpreendente (ainda que seja uma febre efêmera) que acomete o do Rio de Janeiro, a cooperação ativa de governadores nordestinos de esquerda numa articulação federativa liderada por João Dória, para não falar do surgimento de genuínas e animadoras atitudes prudenciais, como as do governador gaúcho e a do ministro da Saúde, exonerado na semana passada. São exemplos diversos e distintos de um mesmo processo regenerativo da política brasileira, pelo qual ela retoma o seu espaço, miseravelmente usurpado, desde 2014, por uma associação destrutiva de ideologia e distopia. Isso tem relevância estratégica para quem busca uma saída política para a crise, que signifique opção pela democracia, não apenas em oposição a formas aberrantes de autocracia, ditadura, fascismo, etc.., mas como algo também muito distinto de uma guardiania, seja ela judicial, militar, tecnocrática, ou qualquer outra.

As linhas esboçadas nessas notas querem dizer que uma estratégia democrática não precisa de um ingrediente diferente do que compõe a tática democrática hoje em plena operação no Brasil. A atitude prudencial pode orientar uma e outra. E talvez uma das primeiras tendências de uma política prudencial é não se congelar em um plano, fora do qual ela se sinta em fracasso e resmungue, isolando-se no resmungo até se comportar como ideologia. Diversos são os caminhos pelos quais uma atitude prudencial pode prevalecer. Pode, como se sugeriu aqui, arriscar-se num passo político ousado como o de dar partida, daqui a meses, a um processo de impedimento de um presidente cinco anos após outro, desde que seja um processo distinto, pelo seu caráter cívico, não só republicano e democrático, porque a aventura destrutiva atualmente investida de poder político ameaça não só a república, mas o próprio estado; não só a democracia, mas a própria sociedade.

Ninguém sabe se a situação concreta que se desenhará no pós-pandemia permitirá que a solução parta de uma articulação entre Legislativo, Judiciário e sociedade e se concretize tão logo a pandemia passe, como aqui se supõe possível. Talvez ela não se consume, porque dividiria parte do que já está unido e assim perderia sua razão de ser. Nesse caso, por uma razão política razoável, será melhor esperar 2022. Na ausência de certeza, a prudência sugere que se pense nos dois caminhos sem descartar nenhum deles. O que não se pode arriscar é não termos saída democrática possível em 2022 porque se deixou a sabotagem da democracia consumar seu desiderato, sem a devida contenção institucional. Isso pode ocorrer, se no âmbito das forças democráticas - aqui permitam evocar Max Weber - o raciocínio se restringir a uma calculo com respeito a fins. A atitude prudencial morre no varejo político se não mobilizar também valores. Toda prudência logo será abandonada na luta para conservar o poder pelo poder. Luta ilusória, como é ilusório o poder que se exerce assim.

A conclusão dessas notas evocará não mais o pensamento de um autor, mas um processo da história política brasileira recente que tem a ver com a concretíssima democracia que temos. Qual foi a estratégia da frente democrática que a conquistou após derrotar uma ditadura num processo político de 15 anos, de 1974 a 1988? Constituição primeiro e eleição direta depois, como aconteceu, ou diretas já e constituição depois, como poderia ter acontecido? O primeiro caminho implicava num passo intermediário: participar do antidemocrático Colégio Eleitoral. O segundo exigia, com passo intermediário, obter apoio de dois terços do Congresso a uma Emenda Constitucional. Houve quem preferisse e defendesse tanto um como outro caminho.

Em ambos os casos os argumentos e os argumentadores eram muitos, e dentre esses muitos, havia vários politicamente muito respeitáveis e vários outros socialmente bem amparados. Durante aqueles anos houve momentos de avanço e recuo, de esperança e de desalento. E muitas reviravoltas, de situações e de opiniões. Gente que preferia um caminho passou a preferir outro e vice-versa. Ao final aquela ditadura acabou e, em seu lugar, não ficou outra ditadura politicamente oposta, ou uma guardiania. Instalou-se uma democracia. Esse era o objetivo estratégico. Foi alcançado porque os atores políticos não o perderam de vista, apesar da cacofonia em torno do caminho. A unidade prevaleceu porque a liderança política soube ouvir a sociedade e por isso a preservou.

Ulisses Guimarães e Tancredo Neves encarnavam, cada qual, um dos dois caminhos. Cada qual lutou pelo seu, mas não apenas agiu em favor do seu. Quando preciso, em nome do objetivo comum, ajudou a pavimentar o outro. Tancredo esteve ao lado de Ulisses em todas as praças lotadas que gritavam por diretas e mobilizou, como governador de Minas, todos os recursos possíveis para lotá-las. Ulisses comandou os democratas na ida ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo. Altruístas? Não. Políticos realistas, orientados aos fins e aos valores.

A regeneração da política brasileira passa pelo resgate desse tipo de realismo. Há sinais de fumaça a indicar que ele renasce, em meio ao drama do bolsonarismo e do Covid-19. Trata-se hoje de defender a democracia real que o realismo político criou. A liderança e a cidadania precisam se sintonizar no agir. A FAP pode ajudar a pensar.


Política Democrática: Tragédias do coronavírus e do governo Bolsonaro são destaques

Em editorial, revista da FAP alerta para ‘escalada autoritária’ no país, que, conforme destaca, deve ser enfrentada com urgência

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A catástrofe provocada pelo coronavírus na saúde pública global e a bomba-relógio que pressiona cientistas a descobrirem vacina para salvar milhares de vidas, a tragédia do governo Bolsonaro e o estresse da democracia são os principais assuntos da nova edição da revista Política Democrática Online, lançada nesta sexta-feira (24). Produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, a publicação tem acesso gratuito no site da entidade e contempla análises relevantes, atuais e de grande interesse público.

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No editorial, a revista faz duras críticas ao que chama de “escalada autoritária” do governo de Bolsonaro. “É urgente enfrentar e derrotar essa escalada”, alerta a publicação. “Essa tarefa exige a ação firme das instituições e o diálogo e a cooperação entre todas as forças democráticas, na União, nos Estados e nos Municípios”, continua, em um trecho.

Em entrevista exclusiva, o destaque desta edição da revista Política Democrática Online, o médico infectologista do Hospital Albert Einstein (SP), Helio Bacha, diz ser impensável encerrar no momento o isolamento social no Brasil. De acordo com ele, o padrão mundial para saber quais podem ser os efeitos devastadores da pandemia em nosso país é a Itália. “O aprendizado para o mundo, de como se comportava o vírus, veio fundamentalmente da Itália”, afirma.

A reportagem especial destaca a grande corrida pelo mundo atrás de uma vacina contra o coronavírus. O texto destaca que mais de 100 testes de diferentes imunizações foram divulgados desde o início da pandemia. Ao menos sete estão sendo analisadas em pacientes humanos em diferentes países. No Brasil, onde também há testes em andamento, a ameaça é ainda maior para 50 milhões de pessoas adultas, o equivalente a um terço dessa população. Elas sofrem doenças crônicas ou passaram dos 60 anos.

Em um dos artigos publicados, o cientista político e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marco Aurélio Nogueira avalia que Bolsonaro torna ainda pior o grave momento que todos enfrentam por conta da pandemia do coronavírus Covid-19. Segundo ele, o presidente "não coordena seus próprios ministros, não coordena os entes federativos, os cidadãos e os governantes subnacionais".

A nova edição da revista Política Democrática Online também tem análises sobre o grau de estresse da democracia brasileira, a importância da cidadania principalmente em momento de pandemia, a defesa por uma conferência mundial pela produção e emprego após o coronavírus e uma narrativa de histórias policiais.

Todos os conteúdos da publicação são divulgados no site e tem chamadas nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Síndrome do sapo cozido instiga aula de ética da Jornada da Cidadania

Saúde pública digital, fiscalização da prefeitura e pesquisa para defesa de causa estão entre assuntos da nova aula do curso da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A síndrome do sapo cozido é uma metáfora que mostra um problema da humanidade. “Estamos sendo cozidos e tolerando o intolerável”, analisa a psicóloga Terezinha Lelis, mestre em educação, em novo pacote de aula multimídia da Jornada da Cidadania, disponibilizado, a partir desta quarta-feira (22), na plataforma de educação a distância totalmente online, interativa e com acesso gratuito. O curso de formação política é realizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.

Na principal videoaula do novo pacote de conteúdos da Jornada da Cidadania, Terezinha aborda ética e integridade partindo da metáfora do sapo cozido. Ela mostra como os diversos problemas da sociedade colocam a humanidade diante de paradoxos éticos, sobretudo. A professora cita catástrofes ambientais, política antidrogas e aumento de dependentes químicos, por exemplo.

“Temos conhecimento e tecnologia para diminuir a fome e todas as pessoas viver com dignidade”, afirma, lembrando que o número de miseráveis ainda é muito grande. “A humanidade está em uma encruzilhada. Vivemos em crise de civilização. Ao mesmo tempo em que há soluções e propostas de saídas, só conseguimos piorar mais. Como resolver esse paradoxo?”, questiona.

Na sequência de conteúdo multimídia, os alunos poderão conferir a pequena videoaula do prefeito de Vitória (ES), Luciano Rezende, sobre case de saúde pública digital. O cientista político e cofundador do Movimento Agora, Leandro Machado, continua, em seguida, o conteúdo da principal videoaula do último pacote de conteúdo, com dicas sobre pesquisa para defesa de uma causa.

O ex-vereador e ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA) explica como fiscalizar a prefeitura. Além disso, os alunos também deverão ver parte do vídeo Cordeiros e Carrascos e ler o texto A Regra do Jogo, do livro Bilhões e bilhões, de Carl Sagan. Depois, terão de ouvir o podcast sobre 10 dicas para viver com integridade, antes de responder ao questionário e à pesquisa de satisfação.

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Depois da epidemia: Cristovam Buarque participa de live da Jornada da Cidadania

Líder político vai avaliar perspectivas para o mundo após o coronavírus; acesso é exclusivo a alunos de curso de formação política

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O que as pessoas podem esperar de si próprias e umas das outras após o auge do coronavírus? Egoísmo e individualismo cederão lugar à solidariedade e empatia? O modo de vida voltará a ser o mesmo? Diversos são questionamentos e respostas que tomam conta do mundo inteiro e alguns deles serão discutidos, nesta sexta-feira (24), pelo ex-senador Cristovam Buarque, na live “Depois da epidemia”. Mediada pelo jornalista e colunista político Luiz Carlos Azedo, a conversa será realizada pelo curso de formação política Jornada da Cidadania, da FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Será das 19h às 20h.

O acesso à live será exclusivo a alunos cadastrados na Jornada da Cidadania. Eles poderão acessar a plataforma do curso de formação política, com login e senha, clicar na opção “meus cursos” e, em seguida, na sala virtual de Cristovam. “Nós tínhamos e temos de escolher entre continuar o velho conceito de progresso, que é depredador da natureza, baseado no excesso de consumo, ou encontrar o novo rumo, um conceito alternativo ao progresso, capaz de conviver com a natureza em equilíbrio e quebrar a desigualdade social”, afirma. “A epidemia pode apressar a busca de um novo rumo, ou não”, destaca.

Durante a segunda live da Jornada da Cidadania, os internautas poderão interagir, enviando perguntas para Cristovam. De acordo com ele, o mundo já estava em uma “encruzilhada” antes mesmo de a epidemia explodir. “Não acho que a epidemia seja revolucionária”, observa. “Como nós, que defendemos mudanças, estamos muito acomodados, em vez de criar esperança na nossa luta, estamos criando esperança no vírus. É um acomodamento”, afirma.

Depois de descoberta a vacina contra o coronavírus, conforme analisa Cristovam, tudo poderá continuar como era antes da epidemia, com exceção de alguns costumes que poderão ser alterados. “Salvo as técnicas que vieram para ficar, como ensino a distância, e-commerce, o trabalho de casa”, exemplifica. Segundo ele, as relações de trabalho também poderão mudar, apesar de não acreditar que o coronavírus leve a uma “revolução da mentalidade”.

Cristovam ressalta que, neste momento, as pessoas que ficam em casa estão apenas vivendo uma autodefesa. “As pessoas estão vivendo uma defesa, ficando em casa, consumindo menos porque não podem ir às ruas. Mas não creio que haverá mudança de mentalidade para que as pessoas passem a consumir menos. Passada a epidemia, voltam a voracidade no consumo e o egoísmo”.

Primeira live
No dia 20 de março, a Jornada da Cidadania realizou a sua primeira live, com a participação do jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político e especialista em mídias digitais, e do publicitário Moriael Paiva, pioneiro no uso de mídias digitais no segmento político. Eles abordaram o impacto da pandemia do novo coronavírus na vida das pessoas em tempos de comunicação em rede.

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2020 começa bem para cinema brasileiro, diz Lilia Lustosa à Política Democrática Online

Crítica de cinema analisa, em artigo na revista da FAP, obras cinematográficas de grande destaque

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro. A afirmação é da crítica Lilia Lustosa, em artigo publicado na 17ª edição da revista Política Democrática Online. “Primeiro foi a indicação do Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, ao Oscar de melhor documentário. Em seguida, foi a vez de Meu Nome é Bagdá (2020), de Caru Alves de Souza, levar o Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, dedicada a produções sobre a juventude”, escreveu ela na publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

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De acordo com Lilia, Berlinale, o mais politizado dos grandes eventos internacionais de cinema, esteve bem verde e amarela neste ano. A autora observa que o júri, que teve Kleber Mendonça Filho como membro, teve de avaliar o recorde de 19 filmes brasileiros (algumas coproduções) competindo em diversas categorias, incluindo a principal (Urso de Ouro) com Todos os Mortos (2020), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que integram o coletivo paulista Filmes do Caixote. “Sinais do prestígio e do excelente nível que nossa cinematografia atingiu”, escreve a crítica de cinema.

Desde 1898, quando Afonso Segreto registrou as primeiras cenas brasileiras a bordo do navio Brésil, até os dias de hoje, o caminho não tem sido fácil. “Problemas de falta de regulamentação e de orçamentos escassos, somados à dificuldade para inserir filmes no circuito comercial, vêm desde sempre obstruindo as veredas de nossa cinematografia”, lamenta Lilia.

Apesar disso, segundo a autora do artigo publicado na revista Política Democrática Online, pode-se dizer sem medo que a qualidade do cinema brasileiro melhora a cada ano. Desde os anos 1930, de acordo com ela, o país produz obras belíssimas, como o Limite (1931), de Mário Peixoto, pouco conhecido entre nós, apesar de ter sido eleito pela Associação de Críticos Brasileiros como o maior filme nacional de todos os tempos. Ou ainda Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro, que impressionou tanto o historiador de cinema francês Georges Sadoul, que este tratou logo de incluí-lo entre os maiores cineastas do mundo.

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RPD || Lilia Lustosa: Ficção sem tela

A ficção invadiu a realidade com Covid-19 e as plataformas de streaming ganharam destaque por sua utilidade para a humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona, avalia Lilia Lustosa

Sempre fui grande fã de ficção científica e de distopias. Os livros que mais me marcaram na adolescência foram Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Adulta, descobri Saramago e me encantei por seu Ensaio sobre a Cegueira, depois transformado em filme por Fernando Meirelles. Adaptação, aliás, que levou o escritor português às lágrimas quando de seu lançamento. No cinema, me marcaram Metrópolis (1927), de Fritz Lang, e Blade Runner (1982), de Ridley Scott. A verdade é que cenários distópicos sempre me fascinaram, não sei muito bem por que… Acho que imaginar como nós, seres humanos, agiríamos em situações extremas sempre desafiou minha mente. Ficava pensando em que soluções encontraríamos para superar obstáculos e restrições impostas, quão criativos seríamos para encontrar novas formas de viver. Mas eis que, de repente, a ficção invadiu a realidade e, agora, somos nós, os personagens daquelas ficções que tanto me encantavam. Hoje, a tela que nos separava daqueles universos fantasiosos já não existe mais. E, como meros personagens desta narrativa catastrófica, não temos quase nenhum poder de edição, a não ser seguir o script, trancafiados em nossas casas até a curva da pandemia “achatar”.

Diante deste cenário orwelliano, nunca as plataformas de streaming puderam ser tão úteis a nossa humanidade em crise, dando uma trégua à guerra entre a telinha e a telona. Estamos todos impedidos de ir ao cinema. Bem como ao teatro, ao estádio de futebol, ao churrasco com os amigos e por aí vai. Nesta hora, a sobrevivência da sétima arte parece ter como grandes aliadas as Netflix, Amazon Prime e Google Play da vida. O mundo para, mas a sétima arte continua viva! E mais: pode ser um grande remédio, ajudando a passar o tempo, divertindo, ensinando, distraindo, fazendo refletir, rir e chorar, mas podendo, também, ampliar nossos medos e angústias.

Talvez por essa razão, boa parte dos espectadores tem dado preferência atualmente a comédias leves ou aos chamados feel good movies. Algo capaz de fazê-los esquecer o que se está passando ao redor de suas quatro paredes, de sua bolha de proteção. Outros, como eu, vêem-se tentados a mergulhar de vez no universo das pandemias, revendo filmes como Contágio (2011), do premiadíssimo Steven Soderbergh, ou a assistir pela primeira vez a Epidemia (1995), de Wolfgang Petersen, a A Gripe (2013), do coreano Sung-Su Kim, a 93 dias (2016), do nigeriano Steve Gukas ou, ainda, à série documental Pandemia, produzida recentemente pela Netflix. A ideia sendo comparar aquelas ficções à nossa real-ficção. Algo que fascina e traz medo ao mesmo tempo. Medo de ficar ainda mais neurótica. Medo de achar que toda tosse é coronavírus. Medo de perder um ente querido. Medo de enxergar todo o sofrimento do mundo, já sem nenhuma tela de proteção.

Além das gotículas criminosas filmadas em close e em slow motion, todas essas ficções apontam para o isolamento – ou quarentena – como um dos primeiros passos a serem tomados no combate à contaminação. O despreparo dos sistemas sanitários para a contenção de um vírus desconhecido e a falta de investimentos necessários em pesquisas científicas são temas igualmente recorrentes. Fator ressaltado também na série Pandemia, composta por seis episódios que narram as lutas diárias de alguns profissionais da área de saúde – médicos, pesquisadores ou atores da OMS, USAID – para salvar vidas em diversos lugares do mundo (EUA, India, Congo, Vietnam). O que se apreende dali é que, apesar dos vários alertas dados pelo mundo científico nos últimos anos, os países não se prepararam devidamente para enfrentar a chegada de uma pandemia. Fato, aliás, constatado e confirmado cada vez que ligamos a televisão ou abrimos um jornal hoje em dia.

A produção, que é de 2019, deixa bem claro que estava muito próximo o momento em que uma nova pandemia iria emergir no planeta, sendo, portanto, da maior urgência preparar hospitais, profissionais de saúde, acelerar o andamento das pesquisas etc. E o que fizeram nossos líderes? Investiram em armas e em campanhas eleitorais para se manterem no poder. Negligenciaram as pesquisas tão necessárias para desenvolver novas vacinas e os estudos capazes de detectar os vírus ainda nos animais, antes que passassem para os humanos. Temas que, de alguma forma, também são discutidos, mesmo que de forma maniqueísta – por vezes, caricata –, nos filmes de ficção aqui mencionados, que colocam, de um lado, a classe científica correndo atrás de respostas, e de outro, os mandatários do poder escolhendo em que momento agir e divulgar tais respostas.

Com relação à estética, o coreano A Gripe destoa um pouco de 93 Dias, Epidemia e Contágio pelo paroxismo de sua mise-en-scène, que mostra, por meio de uma câmera nervosa e de uma iluminação sombria, imagens grotescas de sangue jorrando, cadáveres sendo empilhados e corpos infectados, incinerados ainda vivos como medida de contenção do vírus. Uma narrativa um tanto quanto inverossímil (assim esperamos!), que leva ao extremo o dilema trabalhado também em Epidemia: exterminar a população de uma única cidade versus deixar contagiar a população de todo um país. Produção americana com elenco de peso (Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Kevin Spacey, Rene Russo e Cuba Gooding Jr.) que sugere, ainda, a possibilidade de uma eventual guerra biológica, revelando a descoberta de um vírus letal por parte dos militares dos EUA, informação guardada a sete chaves pelo governo daquele país.

Contágio, outro filme americano com grande elenco (Matt Demon, Kate Winslet, Gwyneth Paltrow, Jude Law e Marion Cotillard) opta por destacar o papel das redes sociais como divulgadoras de informações sonegadas à população pelos meios oficiais. Ao mesmo tempo, mostra-as também como difusoras de informações ainda não confirmadas, as famosas fake news. Na nossa real-ficção de hoje, o canal brasileiro de Youtube Spotniks, entre outros, faz o papel do teórico da conspiração interpretado por Jude Law, tendo disponibilizado recentemente o impactante Timeline Covid-19, reportagem sobre a evolução da pandemia no mundo, desde seu provável início até 31 de março.

O conteúdo ali apresentado deixa a OMS e o Estado chinês em maus lençóis, em função da lentidão em divulgar as verdadeiras informações sobre a real gravidade do novo coronavírus. Já no prólogo, a fórmula “Do futuro desta saga pouco sabemos. Do passado, aprendemos que os homens públicos podem ser tão inescrupulosos quanto um vírus” sintetiza bem o conteúdo da reportagem. É interessante notar, porém, que o Brasil ficou praticamente de fora da análise, até mesmo no momento em que o texto cita “líderes caricatos” que se recusam a acreditar no efeito desastroso da Covid-19, como os presidentes da Bielorússia, Alexander Lukashenko, e do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov.

Das ficções aqui mencionadas, 93 Dias é a única que se baseia em fatos reais, narrando a chegada do ebola à Nigéria, trazido por um diplomata liberiano. A história é contada sob a perspectiva da equipe médica que tratou do paciente e que, comandada pelo braço forte da Dra. Ameyo Adadevoh, conseguiu identificar rapidamente o vírus e isolar imediatamente o paciente, contrariando ordens das autoridades locais. No espaço de 93 dias, com 20 casos confirmados e 8 mortes, a OMS decretou a Nigéria um país livre de ebola e a Dra. Adadevoh foi transformada em heroína nacional. Apesar da produção modesta, bem diferente das produções hollywoodianas a que estamos acostumados, este case de sucesso nigeriano pode ser um bálsamo de esperança para tempos tão bizarros.

Por outro lado, Pandemia parece-me a produção mais aterrorizante de todas, já que, no caso das ficções – sobretudo em função de suas narrativas clássicas –, depois de duas horas de tensão, chega-se a uma solução, a um estado de alívio. Ao passo que, na real-ficção que estamos vivendo, tão bem retratada pela série, ainda não se pode antever esse momento de respiro.
A verdade é que, hoje, nenhuma ficção supera a angústia propiciada por nossa realidade. Ao contrastar ficção e mundo real, porém, podemos acreditar (talvez como o Cândido, de Voltaire) que os líderes mundiais – ao menos, quase todos – estão tomando atitudes importantes e sensatas para resolver a maior crise que nossa geração já viu. E mesmo que algumas informações nos estejam sendo omitidas, bem ou mal, ações estão sendo tomadas a fim de frear a pandemia. E isso já é um alento, permitindo-nos, quiçá, vislumbrar os créditos no final do filme.