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RPD || Lilia Lustosa: Eu, historiadora de cinema branca

Lilia Lustosa, em seu artigo, questiona como podemos mudar a situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo

No mês passado, depois de entregar o artigo aqui para a Revista, ficou mais ou menos acertado que o próximo tema abordado seria o retorno dos Drive-ins, tendo ficado de fora do meu texto anterior, por não conseguir me manter dentro dos limites dos caracteres estipulados. Acabou sendo um bom acidente de percurso, porque, logo depois, impactada pelas notícias da morte do adolescente João Pedro por uma bala perdida no Complexo do Salgueiro e as imagens do sufocamento de George Floyd em Mineápolis, me veio um pensamento à cabeça: e se eu acordasse negra? Encararia a vida da mesma maneira? Teria a mesma segurança para desbravar territórios desconhecidos como venho fazendo nesses últimos doze anos em que vivo fora da minha terra? Teria entrado neste prédio, em pleno coração da branca Recoleta, em Buenos Aires, com a mesma cabeça erguida com que entrei? E do alto do privilégio da minha branquitude, minha resposta, imediata e honesta, foi não. 

Recordei as imagens que havia visto dias antes no documentário Minha História (2020), de Nadia Hallgreen, sobre a turnê de Michelle Obama pelos EUA, para o lançamento de seu livro homônimo. Lembro de ter ficado arrepiada ao ver aquela mulher negra lotando estádios nos Estados Unidos de Trump, oferecendo inspiração e esperança a tantas pessoas daquele país. Fiquei, então, imaginando todas as dificuldades enfrentadas para chegar àquele palco. Será que Michelle sempre entrava nos prédios de cabeça erguida? Sentia-se inferior ou invisível aos olhos de alguém? Mas a ex-primeira dama, que já sentou em tantas mesas importantes (palácios, castelos, salas de aula de Princeton e Harvard), afirmou nunca se ter sentido invisível. A razão, segundo ela, teria sido a liberdade que vivenciou naquela mesa simples da sua sala de jantar, no sul de Chicago. Um lugar onde aprendeu o valor de sua voz e se muniu de forças para enfrentar a batalha que a vida lhe iria exigir. Um exemplo extraordinário para tantas meninas negras que se veem ali representadas, mas que não necessariamente têm a mesma sorte. Ao mesmo tempo, uma prova de que a invisibilidade é algo construído. E que, por isso mesmo, também pode ser desconstruído.

O tema foi me inquietando cada vez mais, e o webinar “Imaginários para um audiovisual antirracista”, organizado pelo SPCine, no fim de maio, deixou ainda mais claro o papel que nós, brancos, podemos e devemos ter. Naquele palco virtual, “frente à frente”, para um debate mais que urgente, estavam duas cineastas negras – Renata Martins (Aquém das Nuvens, 2010; Sem Asas, 2019) e Day Rodrigues (Mulheres Negras, 2016) –, e duas cineastas brancas – Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, 2000; Como Nossos Pais, 2017) e Petra Costa (Helena, 2012; Democracia em Vertigem, 2019). A branquitude foi colocada contra a parede. Eu fui colocada contra parede! Muitos nomes de negros que atuam no universo cinematográfico brasileiro foram citados. Mas quantos conhecemos? Quantos nomes podemos citar de cabeça? E de mulheres negras então? Só para se ter uma ideia, segundo a ANCINE, dos 142 longas lançados, em 2018, somente 19,7% foram dirigidos por mulheres, e desses, nenhum teve qualquer negra na direção, nem no roteiro. E o que nós, brancos, temos feito para mudar essa situação de racismo que contamina a indústria cinematográfica do Brasil e do mundo? 

Laís Bodanzky, que hoje ocupa a presidência do SPCine, falou da política afirmativa que a instituição vem adotando nos últimos anos, que dá pontos extras aos projetos que trazem pessoas negras em suas equipes. Ou seja, na corrida por um financiamento de produção audiovisual, sai na frente quem contar com talentos negros em seu time. Mas quantas são as instituições que adotam esse tipo de política? Quantos não são os que viram a cara para o sistema de cotas?

Laís chegou a acender uma luz de esperança dentro de mim, mas eis que as imagens da morte do menino Miguel, de 5 anos, deixado aos cuidados da patroa, enquanto sua mãe passeava os cachorros da família branca, relembrou-me que ainda estava muito longe o dia em que poderíamos falar de igualdade neste país. Senti-me sufocada, impotente, apequenada… E entendi o que a negritude chama de “genocídio da população negra”. Não é exagero. É fato. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o que nós, branquitude brasileira, temos feito para mudar esta situação? Como eu - historiadora de cinema branca - posso contribuir para virar esse jogo?

 Day Rodrigues me deu a pista, ao afirmar que “pesquisa é política”. Ela tem razão. É preciso, então, redefinir nossos temas de estudo, incluir personalidades negras no currículo básico das escolas e universidades brasileiras, já que aquelas foram apagadas de nossos livros de história. É preciso falar de Adélia Sampaio, primeira cineasta negra a dirigir um longa-metragem. É preciso assistir a filmes feitos e escritos por negros. É preciso conhecer Viviane Ferreira (O dia de Jerusa, 2019), Camila de Moraes  (Caso do Homem Errado, 2019), Jeferson De (Bróder, 2010), Ava DuVernay (Selma, 2014; A 13a Emenda, 2016; Olhos que condenam, 2019), Ryan Coogler (Fruitvale Station, 2013; Pantera Negra, 2018) e tantos outros. É preciso contratar profissionais negros. É preciso seguir pessoas negras no Instagram, divulgar o que elas fazem, ler os livros que elas escrevem. Tudo o que, até outro dia, me soava como um exagero… Finalmente, entendi que, ao trazer pessoas negras para a cena, estamos viabilizando a criação de um círculo virtuoso, quiçá capaz de se converter em ferramenta de desconstrução da invisibilidade da negritude. 

A minissérie “Hollywood”, atualmente em cartaz na Netflix, que conta com produtores e diretores negros, permite-nos, de alguma maneira, sonhar com essa mudança. Ambientada no período pós II Guerra Mundial e baseando-se em alguns fatos e personagens reais – Hattie MacDaniel, Rock Hudson, Vivien Leigh, Scotty Bowers, Henry Willson, Anna May Wong –, o que vemos ali é um grande estúdio, sendo comandado por uma mulher branca, ousada o suficiente para aceitar o desafio de lançar um filme cujo roteirista é negro e homossexual, o diretor é filipino-americano, e a atriz principal, negra. Ao apresentar esse twist na realidade da época de ouro da meca do cinema, “Hollywood” lança a possibilidade de um outro curso para a história. E se tivéssemos tomado esse caminho, teríamos hoje mais igualdade na indústria cinematográfica?

Talvez. Mas como, por enquanto, isso não passa de ficção, resta-nos pensar sobre o que é possível ser feito hoje. Assim, ao invés de decorrer sobre o retorno dos Drive-ins, decidi usar este meu lugar de privilégio, para convidá-los a refletir sobre o racismo estrutural que, mais do que qualquer corona vírus, contagia nossa sociedade há séculos. Uma pandemia para a qual nunca se criaram vacinas, nem remédios, o único caminho sendo a conscientização e a reeducação da nossa gente. E o primeiro passo, reconhecer o racismo que habita cada um de nós.

*Lilia Lustosa é crítica de cinema


RPD || Gilberto Saboia: A natureza normativa dos atos das organizações internacionais

Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU, o diplomata aposentado Gilberto Saboia nos mostra, em seu artigo, as diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados 

Hugo Grócio (1583-1645), um dos pais do direito internacional moderno, privilegiou a sociabilidade e os interesses recíprocos entre as nações como uma das bases de um direito internacional que não se limitasse a regular as situações conflitivas, mas servisse também para fazer prosperar as relações de mútuo interesse. 

A Paz de Vestfália (1648) pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, sucessão de conflitos religiosos, e criou o Estado moderno fundado no exercício da soberania sobre um território e o reconhecimento recíproco, sem conotação religiosa, dos demais estados. Nasceu daí um sistema de equilíbrio de poder que permitiu limitar as guerras, favorecendo a visão de Grócio para o direito internacional.

Após as guerras napoleônicas, que subverteram a ordem criada na Paz de Vestfália, o Congresso de Viena (1815) refez o mapa de Europa sobre bases que, mal ou bem, permitiram paz e progresso durante boa parte do século XIX. As potências reunidas no Congresso de Viena se concertaram para defender a legitimidade das monarquias frente a reivindicações libertárias. 

Surgem também as primeiras iniciativas de cooperação através de entidades compostas por Estados e com personalidade jurídica própria. São as Comissões Internacionais do Rio Reno e do Rio Danúbio, para regular a navegação destes cursos d’água. O avanço da tecnologia e dos contatos internacionais levou à criação de organizações de caráter técnico, social ou humanitário e mecanismos para a solução de disputas por arbitragem. 

Ao fim da I Guerra Mundial, na Paz de Versalhes (1919), surge a Liga das Nações, primeira organização internacional com vocação universal e mandato para plasmar uma ordem internacional em que o recurso à guerra fosse limitado através de um sistema de segurança coletiva, capaz de aplicar sanções a Estados agressores. Apesar de alguns avanços, a Liga falhou em virtude da fraqueza dos membros diante das agressões totalitárias e da ausência dos Estados Unidos. A Organização Internacional do Trabalho e a Corte Permanente de Justiça Internacional surgiram na mesma ocasião e se mantiveram, a segunda incorporada pela ONU como Corte Internacional de Justiça.

Ao fim da II Guerra Mundial, uma nova organização mundial foi criada. A Carta das Nações Unidas, aprovada pela Conferência de São Francisco (1945), proclama a proibição do uso da força salvo em legitima defesa, reconhece os direitos humanos, e estabelece mecanismos para seu aprofundamento e promove cooperação em áreas como agricultura, saúde, ciência e cultura, o que ensejou a criação dos organismos especializados. O Conselho de Segurança, encarregado da defesa da paz e da segurança internacionais, foi dotado de poderes mais robustos do que o Conselho da Liga, podendo empreender operações militares para a defesa da paz, mediante resoluções, mandatórias para todos os Estados. Essas resoluções devem contar com a anuência dos cinco membros permanentes (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França) 

Há diversas categorias de organizações internacionais. As mais comuns são as criadas por Estados, cujas características são as seguintes: 

1. São sujeitos de direito internacional, capazes de assumir obrigações e exercer direitos. Podem celebrar tratados internacionais, dentro dos limites do ato constitutivo da organização ou por deliberações dos órgãos competentes. Gozam de imunidades no limite necessário ao exercício de suas funções.

2. Não são soberanas, e sim dotadas de competência conforme o mandato estabelecido no ato constitutivo da organização, geralmente um tratado entre Estados ou decisões tomadas pelos seus órgãos deliberativos.

3. São geralmente dotadas de uma secretaria administrativa. Os órgãos deliberativos costumam ser uma assembleia ou conferência, de frequência anual com participação de todos os membros, e um conselho executivo, de composição mais restrita e eleito pela conferência, que se reúne com mais frequência e gere os assuntos e programas aprovados pela conferência no interregno entre as sessões desta última.

O caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa fé. Seu descumprimento gera consequências. Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto. 

 A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos. 

As decisões e resoluções de uma organização têm em geral um caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. Em certos casos, resoluções da Assembleia Geral da ONU, ainda que vazadas em linguagem recomendatória, assumiram, pelo modo de sua votação ou pela reiteração de sua importância, o caráter de fonte de obrigações. É o caso da Resolução sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). 

As organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS, o art. 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública. Pelo art. 22, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. Tornam-se regras internas dos Estados.

 * Diplomata aposentado. Membro da Comissão de Direito Internacional da ONU. 


RPD || Entrevista especial: Constituição não permite Forças Armadas intervirem contra um dos poderes, diz Nelson Jobim

Ex-ministro da Defesa durante o segundo mandato de Lula e no primeiro ano do Governo Dilma, Nelson Jobim é enfático em afirmar que o artigo 142 da Constituição de 1988 não dá o direito de as Forças Armadas intervirem contra um dos poderes da República

Por Caetano Araujo, Alberto Aggio e Arlindo Fernandes de Oliveira

"O texto constitucional de 1988, em seu artigo 142, diz que as Forças Armadas deverão garantir os poderes condicionais contra pressões de terceiros, mas não eventuais conflitos entre eles, dentro da lógica de que os militares não podem tomar partido em questão interna. Não são um poder, são uma instituição", avalia o entrevistado especial desta 20ª edição da Revista Política Democrática Online, Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa durante o segundo mandato do ex-presidente Lula (2007-2011) e no primeiro ano do governo da ex-presidente Dilma Roussef (2011). O artigo 142 da Constituição Federal é, hoje, o centro da mais nova polêmica envolvendo o Governo Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF). 

Dessa forma, avalia Jobim, "é equivocada a tese, verbalizada por Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores". Até 1988, os militares tinham a faculdade, pela Constituição, de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação alguma. "Trata-se de uma prática tão comum como nociva no sistema legal, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo", completa.

Deputado federal por dois mandatos, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1997) e presidente do STF (2004-2006), Nelson Jobim é defensor da teoria de que, na história do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto. Jobim avalia que o horizonte de solução da crise política que o país vive atualmente passa pelo processo eleitoral de 2022. Em sua avaliação, nenhum processo como os decorrentes das declarações do ex-ministro Sérgio Moro, envolvendo a reunião ministerial de 22 de abril; a ação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisa o processo eleitoral que deu a vitória a Bolsonaro ou o afastamento do presidente da República por conta do acolhimento de alguma denúncia de crime impetrada pelo Ministério Público Federal tem possibilidades concretas de andamento. 

Na entrevista especial que concedeu à Revista Política Democrática Online, Nelson Jobim também trata de temas como a influência do bolsonarismo nas polícias militares dos estados e questões judiciais envolvendo o combate à pandemia de coronavírus no país. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

"Os militares da ativa enfrentam dois problemas. O primeiro surgiu com aquela manifestação do Presidente Bolsonaro na frente do QG do Exército, em Brasília. O segundo, com a retirada do controle e do monitoramento das armas"

 Revista Política Democrática Online (RPD). Em sua opinião, nossa democracia está em risco? E, em caso afirmativo, quais seriam as tarefas dos democratas? 

Nelson Jobim (NJ): Não creio que esteja em risco, porque isso teria de envolver as Forças Armadas (FFAA), o que não é o caso. Refiro-me aos militares que comandam tropa, não os que comandam escrivaninha. E os militares da ativa tiveram duas preocupações. A primeira foi a manifestação do presidente Bolsonaro na frente do QG do Exército, em Brasília. A segunda, com a retirada do controle e do monitoramento das armas. Mas os militares estão tranquilos em relação a isso.

 Há uma retórica do conflito, porque Bolsonaro resolveu substituir o presidencialismo de coalizão pelo de colisão, ou seja, de conflito. Talvez isso se tenha consolidado, pois era uma característica anterior do presidente, com a mão que o então juiz Moro deu, ao divulgar diálogo entre a Presidente Dilma e o ex-Presidente Lula. É assim que o Presidente Bolsonaro prefere operar e isso leva a certa instabilidade. Só que tem havido ampla mobilização pública no sentido de preservar o processo democrático, incluindo todos os setores de oposição, à exceção do Presidente Lula, que já se declarou contrário à iniciativa de uma frente comum. 

Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o Presidente Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar a uma ruptura do processo. 

RPD: Qual é a sua interpretação do artigo 142 da Constituição? Os militares podem desempenhar papel de poder moderador?

NJ: Em 1987, quando discutimos esse tema na Constituinte, houve uma tentativa de entendimento do relator, o deputado Bernardo Cabral, com os militares, concretamente, com o General Leônidas, então ministro do Exército. À época, não existia o Ministério da Defesa. Cogitou-se de manter o modelo que vinha desde 1991. Até 1988, os militares tinham a faculdade constitucional de intervir para preservar a lei e a ordem, sem limitação. Eles eram, digamos, os árbitros de quando deveriam intervir, embora nominalmente o Presidente da República fosse o comandante supremo das FFAA. Alguns militares queriam reproduzir essa normativa, em sintonia com a teoria desenvolvida pela Escola Superior de Guerra, ainda durante o regime militar,  segundo a qual as FFAA poderiam intervir no interior do país, se julgassem necessário. Chamava-se a teoria de guerra revolucionária interna. Discutimos isso na Constituição de 88, que decidiu restringir a intervenção das FFAA, subordinando-as à convocação por um dos poderes da República, para a manutenção da lei e da ordem. Não só não existe mais, portanto, a possibilidade dessa intervenção, ao não ser a pedido de um dos três poderes, mas também dispõe o texto constitucional que as FFAA deverão garantir os poderes condicionais contra pressões de terceiros, mas não eventuais conflitos entre eles, dentro da lógica de que os militares não podem tomar partido em questão interna. Não são um poder, são uma instituição.

É, assim, equivocada a tese, verbalizada pelo Doutor Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustar a legislação nova com pressupostos anteriores. Trata-se de uma prática tão comum como nociva, essa de tentar, por via de exegese, fazer sobreviver o modelo anterior por dentro do modelo novo. À época, lembro-me que alguns militares protestaram quanto à redação. Fernando Henrique e José Richa, entre outros, intervieram para superar o impasse e, finalmente, logrou-se apaziguar o conflito, de maneira que hoje temos uma redação solidamente inequívoca do artigo 142. 

"Sempre haverá discursos políticos, mas não creio que o próprio Bolsonaro terá condições de produzir algum conflito que possa levar uma ruptura do processo"

RPD: No contexto da discussão sobre a separação dos poderes, alega-se possível judicialização da política, certa extrapolação de competências do Judiciário, em geral, e do Supremo, em particular. Qual é sua visão?

NJ: Esse fenômeno é recorrente em todo o mundo, mas me concentro no caso brasileiro. Registro, de início, uma disfuncionalidade no processo político. As regras de solução de conflitos pela política acabaram sendo substituídas pela tentativa de introdução do Poder Judiciário. O Poder Judiciário – o Supremo, no caso específico –, não tem iniciativa de ofício, depende de provocação de parte dos partidos políticos ou de outras entidades. Pelos idos de 1990, um senador, líder de um partido político, dizia em alto e bom som que tinha mais visibilidade quando interpunha perante o Supremo uma ação direta de inconstitucionalidade do que quando votava no Senado. 

A composição do Supremo, às vezes, também é um problema. Todos os ministros, sem exceção alguma, são, desde 1891, indicados pelo presidente da República e, depois, submetidos a sabatina no Senado. Muitos tinham relações diretas ou indiretas com o presidente da época, como o meu caso, por exemplo, com o Fernando Henrique; o do José Paulo Sepúlveda Pertence, com o Sarney; o do Moreira Alves, com o Geisel. Muitos já detêm biografia, lato sensu, antes mesmo de entrar no Supremo. Outros precisam do Supremo para completar suas biografias e, entre esses, há os que escolhem temáticas mais agudas para se sobressair, exibindo independência em relação ao governo, ou votando sistematicamente contra as propostas do Planalto.

 Há ainda aqueles ministros que se dispõem a romper a jurisprudência do Supremo, na expectativa de criar um leading case e se celebrizarem como os pais da pretensa “inovação”. 

E, no caso específico da questão política, tínhamos uma contenção muito grande quando se falava em intervenção na atividade interna de outros poderes. Por exemplo: o  Ministro Fux deu uma decisão em que sustentou ser equivocada a tese antiga do Supremo, de autocontenção quanto às matérias do Congresso. Para ele,  essa distinção não fazia sentido. Sua origem fora um embate entre a Câmara e o Senado, e o ministro entrou na análise do regimento interno de ambas as Casas, quando nunca foi de nossa prática, no Supremo, decidir questões relativas a matérias interna corporis, ou seja, matérias regimentais. Esse é um dos problemas.

Outro problema é, digamos, a pulverização do processo decisório, mais na Câmara que no Senado. Diante da existência de número elevado de partidos – que deve ser reduzido em breve, depois da reforma recém-concluída –, a composição de maiorias resulta mais difícil, em prejuízo da nitidez de posições e da autoridade dos líderes partidários. O momento de inflexão ocorreu com a eleição do Severino Cavalcanti. Antes, os deputados dependiam dos líderes para ter acesso à Mesa da Câmara e ao governo. Com a chegada do Severino, que não era um candidato das lideranças partidárias da época, a intermediação passou a ser feita pelo presidente da Câmara, e os líderes perderam importância. Hoje, não é fácil nomear os líderes partidários; logo, a formação da vontade majoritária não tem passado pela capacidade eventual dos líderes, de comandar suas bancadas. O preço a pagar por isso é a ambiguidade. Para se votar uma matéria, fazer a redação de um texto legal, quanto mais ambíguo, melhor, para poder abrigar quatro ou cinco interpretações. Daí a transferência, para o Poder Judiciário, da interpretação das leis, como se fosse uma espécie de Poder Legislativo supletivo, o que gera tantos conflitos. 

Existe, pois, uma série de elementos para a chamada judicialização da política, que se está agravando. Eu acho péssimo, porque sentença judicial não compõe o futuro: sentença judicial examina uma situação passada e verifica se as condutas de ontem se podem ajustar à legislação vigente. Decide-se, assim, sobre o passado e aplica-se uma solução para os personagens envolvidos no passado. 

Nas ações abstratas, a mesma coisa: examina-se se uma legislação está conforme à Constituição, mas tem um problema nas ações diretas. Vivemos, hoje, uma diarreia de princípios. Todo mundo inventa um, tem princípio para tudo. Atualmente, na discussão entre a norma jurídica, a proposição jurídica e o princípio privilegia-se a sobreposição do princípio sobre a norma jurídica, ao disposto legal, e gera-se uma interpretação principiológica, interpretação que é uma espécie de traveller-check, um salvo conduto para o que se concebeu. E aí é a hora de inventar um princípio. Essa é outra disfuncionalidade dentro do Poder Judiciário. 

Essas decisões, agora, sobre a abertura ou fechamento das atividades na pandemia: que capacidade tem um juiz de direito para entender de abertura ou não do comércio? Acho isso muito ruim, vamos ter problemas, mas temos que passar por isso, estamos hoje, eu diria, na travessia do deserto, mas vamos chegar lá. 

RPD. Há, em relação à pandemia, claramente, senão uma cizânia, no mínimo um dissenso, entre a Presidência, o Poder Executivo Federal e os governadores. Do ponto de vista constitucional, as FFAA são subordinadas ao Poder Executivo. Ao mesmo tempo, as Polícias Militares, que parecem hoje mais ligadas não à Presidência, mas ao bolsonarismo, são subordinadas aos governadores. Isso pode constituir-se em uma ameaça de conflito entre a União e os Estados? 

NJ: Este é um ponto importante, relevante para a análise da situação atual e definidora para as condutas que se devam tomar. Consideremos, primeiro, o problema, digamos, evolutivo das Polícias Militares. Antes da Revolução de 30, antes de Getúlio Vargas, as Polícias Militares eram o braço armado dos presidentes dos Estados. Exemplo mais claro disso ocorreu na presidência de Flores da Cunha, no Governo do Rio Grande do Sul. Quando Getúlio assumiu, ele cortou esse braço armado dos governadores, além de ter reduzido, digamos, a qualificação dos presidentes de Estado para governadores, uma espécie de descenso semântico nominal. Ele submeteu, naquele momento, o efetivo e o armamento das forças públicas ao escrutínio do Exército, que controlava o efetivo e o armamento. 

"É equivocada a tese, verbalizada pelo Doutor Ives Gandra, que teima em trazer o passado por cima da legislação nova, ou seja, ajustando a legislação nova aos pressupostos anteriores"

Na Constituição de 34, passou-se a considerar as Polícias Militares como reservas do Exército, para eventual conflito. Isso foi mantido até o golpe de 64. Em 64, houve uma maior aproximação das Polícias Militares com o Exército. Por quê? Porque, no início, imediatamente após o golpe, os chefes, os comandantes da Polícias Militares estaduais eram normalmente coronéis do Exército. E os secretários de Segurança dos governadores, indicação da Presidência da República, inicialmente militares. Não estava na lei, mas era o que se praticava. Os coronéis passaram a ser secretários de Segurança dos Estados e comandantes da polícia. Com a Constituição de 67, ampliou-se a participação do Exército no controle da Polícia Militar, porque se submeteu também ao Exército a instrução das Policias Militares, nas escolas do Exército, como se fossem soltados de infantaria. Para isso, influenciou aquela doutrina da guerra revolucionária interna. Urgia aparelhar as Polícias Militares, que tinham mais capilaridade que o próprio Exército, espalhadas por todo o país, um apoio imprescindível na eventualidade de perturbações internas. 

Em 1988, reservamos grande atenção a esse ponto. O Deputado José Genoíno foi um dos que estudaram o tema, e ocorreu longa e ampla discussão com os militares. Ao final, retirou-se a instrução das Polícias Militares pelo Exército, voltando à regra anterior. 

RPD: Seu relato dá a impressão de que tudo ocorreu naturalmente. Que antecedentes terão pesado em favor dessa transição?

NJ: Muitos. De início, o afastamento dos militares das academias das Polícias Militares. Pouco a pouco, também, os secretários de Segurança passaram a ser indicados pelos governadores, podendo ser civis. E o presidente Castelo Branco tomou, dentro das FFAA, decisão de grande impacto.  Ele mexeu na carreira militar. Antes de 67, os generais poderiam ficar o tempo que fosse no generalato. Cordeiro de Farias, por exemplo, permaneceu vinte e tantos anos como general. Castelo decidiu acabar com os “generais chineses”, como chamava, os donos do Exército. Estabeleceu o limite para a permanência no generalato, hoje de 12 anos. Como general de brigada, general de divisão e general do exército, o oficial só poderia ficar 12 anos, sendo quatro em cada escalão. Se não fosse promovido ao final de quatro anos de um escalão a outro, passaria automaticamente para a reserva, com o que se introduzia, também, uma expulsória adicional àquele limite de 12 anos, sob a forma de uma renovação de um quarto dos efetivos de cada escalão. A legislação de Castelo contribuiu para acabar com os militares líderes políticos. Durante os quatro anos e meio em que ocupei o Ministério da Defesa, não convivi, por exemplo, com os mesmos oficiais superiores, à luz da mencionada rotação promovida por Castelo.

Castelo tentou também alterar a legislação que regia a atividade política dos militares. Pretendia, pelos registros que conhecemos, que os militares, para entrarem em atividade política, se afiliarem a partidos, devessem ter a mesma conduta que os juízes de direito: deixar a carreira. Mas não conseguiu. Conseguiu, porém, outra coisa. Quando o militar se filiasse a um partido político, ficaria logo agregado à força. Se fosse eleito, continuaria agregado à força. Assim, se, lá adiante, não fosse reeleito, não retornaria para a força, como no passado. Castelo criou, ainda, o domicílio eleitoral, que tinha destinação especifica: impedir que generais fossem candidatos a governos nas eleições indiretas. 

RPD: Voltando às Polícias Militares.

NJ: Voltando ao tema, antecipo alguns problemas. O que está fazendo o Presidente Bolsonaro? Percebendo que a posição legalista e constitucionalista das FFAA é ineludível, vem tentando fazer carinho nas Polícias Militares. O primeiro carinho foi a sinalização que deu quando ele, antes da vedação legal, aceitou o aumento dos soldos da Polícia Militar do DF. Essa sinalização foi financeira. O carinho político veio quando daquela "rebelião" no Ceará. O ex-ministro Moro elogiou líderes do movimento. 

Outra sinalização, para mim mais preocupante, é uma emenda constitucional que já foi aprovada na Câmara, monitorada pelos policiais e oficiais militares que são deputados, permitindo o retorno à força se não forem reeleitos. Procuram ressuscitar a regra anterior a Castelo. A PEC está parada no Senado, mas a intenção é, em seu momento, tentar mobilizar as Polícias Militares. Mas, a meu ver, tudo depende da habilidade dos governadores, para manter o controle de suas polícias e, claro, das próprias lideranças policiais. 

"O carinho foi a sinalização que Bolsonaro deu quando ele, antes da vedação legal, aceitou o aumento dos soldos da Polícia Militar do DF. Essa sinalização foi financeira. O carinho político foi em relação àquela ‘rebelião’ no Ceará"

Lembrem-se, ainda, que os militares da ativa estranharam a posição de Bolsonaro quando ele alterou aquelas portarias do Exército sobre o controle de armas, até agora de competência do Exército. O que fez a revogação das quatro portarias? Primeiro, aumentaria o número de aquisições de munições; segundo, e mais importante, o Exército perderia o rastreamento das armas. E a quem interessa a ausência de controle sobre a compra e o rastreamento das armas? Às milícias. 

Temos, assim, dois eixos: as milícias (fala-se, inclusive, em alguma ação judicial para impedir esse “namoro”) e o aceno às Polícias Militares, o que é ruim. Mas eu não creio que as Polícias Militares rompam seu princípio de hierarquia e disciplina, que é muito forte. Mas, como disse, tudo depende da habilidade que possam ter os governadores. Recordo que quem trouxe os policiais militares para a política foram os partidos, porque os votos neles se somariam aos dos outros candidatos, para formar o coeficiente partidário. No início, esses policiais militares atraídos para a política não eram, em geral, os comandantes da força, mas os presidentes dos clubes de subtenentes e sargentos, que se candidatavam a vereadores e deputados estaduais; depois, a coisa cresceu. Temos que estar atentos, imaginem um oficial desses militares eleitos podendo voltar à força. 

RPD: O senhor defendia a teoria de que, na História do Brasil, os conflitos mais emblemáticos tiveram suas soluções encaminhadas pela conciliação e não pelo confronto. Mantém essa visão?

NJ: Mantenho e acrescento que o horizonte de solução da crise corrente passa pelo processo eleitoral de 2022. Fala-se em impeachment agora, mas não tem rua ainda para isso. Os riscos de contágio na pandemia podem não estar permitindo a mobilização. Então, deixemos o problema da pandemia passar.

O afastamento do presidente da República pode dar-se pelo impeachment, que é o remédio mais doloroso, envolve somente a Câmara e o Senado, um para receber, e outro para julgar, ou pelo afastamento do presidente por seis meses, por conta de uma denúncia de um crime impetrada pelo Ministério Público, e a Câmara dos Deputados aceitando o prosseguimento da ação penal perante o Supremo. 

Essa segunda hipótese ocorreria com um processo que resulta do inquérito decorrente daquelas declarações do ex-ministro Sérgio Moro. A prova afirmada por ele estaria no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Do meu ponto de vista, falando como advogado, entendo que aquilo não ajudou muito. Pelo contrário, o vídeo, embora terrível para nós, foi avaliado como positivo pela ala bolsonarista: um presidente forte e destemido, bem ao gosto desses setores. O inquérito está lá no Supremo e já foi prorrogado, inclusive, por mais 30 dias, pelo Ministro Celso de Melo. A meu juízo, pelo menos com base naquele vídeo, não dá condenação, salvo se houver outras provas

E a terceira hipótese – esta mais preocupante, pelo menos para o governo – é a ação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Lembre-se que começou como uma grande campanha contra os movimentos, contra as fake news etc., mas, se chegar a envolver o processo eleitoral, pode levar à cassação da chapa, vale dizer, a nova eleição. Se ocorrer até o segundo ano do mandato do Presidente Bolsonaro, teríamos uma eleição direta, para um novo presidente completar o mandato.

Por enquanto, nenhum desses três mecanismos parece caminhar. Creio que agora não é o momento estratégico para se abrir um conflito concreto. Mas é preciso juntar o povo, juntar as pessoas e não o ódio, motivação preferida pelos bolsonaristas. 

Volto ao tema da conciliação, em que continuo acreditando. Durante o Governo Collor, estava no Palácio do Itamaraty e passeava os olhos, distraído, por um quadro tendo como motivo D. Pedro I. Diga-se de passagem, que não é só o Palácio do Planalto que tem obras do Império. No Itamaraty não se vê sequer uma fotografia republicana. É o Barão de Rio Branco e o resto, só imperador, princesa, rainha etc. Acontece o mesmo nos salões da Marinha, aliás. Admirava o quadro, como ia dizendo, quando o Darcy Ribeiro comentou: "Jobim, está estranhando esse quadro?... Esse aí não é o Dom Pedro I, esse é o Dom Pedro IV, olhe para as comendas no peito dele, são de Portugal, não do Brasil. Esse aí é o Dom Pedro IV. Vê como é que é o Brasil? Nós botamos um quadro na parede, do Dom Pedro IV, pensando que é o Dom Pedro I, e aí fica tudo igual". 

O que bem ilustra o processo de conciliação. A República foi um processo que decorreu de um conflito do Exército com o gabinete liberal do Visconde de Ouro Preto, onde havia um problema, falando a linguagem moderna, de contingenciamento. O Marechal Deodoro protestou e o que inicialmente um golpe contra o gabinete imperial do Visconde de Ouro Preto se transformou em derrubada do Império. 

O espírito de conciliação se estampa na sobrevivência de personagens de um regime no outro. Rui Barbosa, por exemplo, era imperial e resolveu aderir à República, com a retórica de que entrava na República porque ela iria impor a Federação. Na transição de Getúlio, 1945/46, o que é que nós tivemos? Grande parte dos interventores dos Estados, nomeados por Getúlio, virando governadores, e o presidente da República, Dutra, tendo sido o ministro da Guerra anterior. Foram transposições, mesma coisa agora: o regime militar participou da negociação da transição, cujo eixo central foi a concessão da Anistia, que querem derrubar hoje, aliás. Mas a Anistia foi base da transição. 

Outra contribuição muito importante foi a posição do Presidente Sarney. Escolhido com vice-presidente na chapa do Tancredo Neves, no lugar do Deputado Nelson Marchezan, o preferido inicial pelo político mineiro. Sarney assumiu a Presidência em momento muito delicado. Ainda fervilhavam os efeitos da campanha liderada pelo Dante de Oliveira, em favor das “Diretas Já”, e a nação mal se recuperava do trauma da morte do presidente eleito. O Presidente Sarney soube conduzir a transição de regime militar em civil com muita habilidade e criatividade. Para devolver os militares aos quartéis, deu-lhes claro sentido de missão, ao atribuir-lhes a incumbência de liderar, por exemplo, o projeto Calha Norte, estratégico para a supervisão da soberania nacional em toda a imensa área de fronteira do Brasil na Amazônia.

 A esquerda mais radical não queria isso. À exceção do Partido Comunista, o partidão, os outros partidos de esquerda haviam pregado a guerra armada clandestina. Questões como a guerrilha no Araguaia, por exemplo, retardaram o avanço da transição, acirrando o conflito com os falcões das FFAA, vistos como heróis na luta contra os guerrilheiros, um equívoco político de ambas as partes que retardou por muito tempo a transição. 

Acho, portanto, procedente a visão de que foi o processo de conciliação, de negociação, apadrinhado pela transição, que permitiu o apaziguamento. Não vejo, hoje, possibilidade de um conflito porque não existem mais, digamos, generais políticos. Os oficiais superiores das FFAA estão tranquilos, isto é, estão tranquilos, embora preocupados com os movimentos que possam ocorrer. Mas penso que não querem mais, digamos, aceitar vivandeiras, como diria o Castelo, circulando os quartéis.

*Nelson Jobim é jurista, político e empresário brasileiro. Exerceu os cargos de deputado federal, ministro da Justiça, ministro da Defesa e ministro do Supremo Tribunal Federal.


RPD || Editorial: Informação e Desinformação

A pandemia prossegue seu avanço no país. Em poucos meses, passamos de uma situação de segurança relativa, na qual nossas deficiências estruturais eram compensadas pela atuação do SUS e pela clareza das autoridades sanitárias, para epicentro da doença no mundo, no caminho célere em direção ao caos.

É clara a responsabilidade do presidente da República nessa guinada. A julgar por suas declarações, a batalha sanitária foi dada por perdida, o quanto antes, melhor, a qualquer custo em termos de vidas, para reforçar o combate na frente, ilusória, da economia.

Ilusória porque não haverá recuperação econômica enquanto perdurar a pandemia. Mas, para jogar o peso do governo na estratégia suicida da temeridade, a arma utilizada é a desinformação. Primeiro, na subestimação das consequências, ainda pouco conhecidas, de uma nova enfermidade.

Segundo, na demolição de toda tentativa de estabelecer barreiras sociais para retardar a contaminação. Terceiro, na apologia dos falsos remédios milagrosos, com o intuito de tranquilizar a população. Finalmente, na tentativa, imediatamente baldada, de amenizar as estatísticas sanitárias. No mínimo, como se não houvesse consequências graves, uma atitude infantil, como a reação das crianças, que fecham os olhos ao enfrentar uma injeção.

A essa estratégia é preciso contrapor a política da informação e do esclarecimento. Lembrar a todos o pouco que conhecemos acerca da doença e a urgência da cautela como única reação racional. Sem vacina e sem remédio, aqueles que provocam aglomerações ou que delas participam, que recusam o uso de máscaras e outros acessórios de segurança, não arriscam apenas as próprias vidas, mas a saúde e a vida de todos aqueles que cairão na extensa rede de contatos que se forma a partir de cada um.

Há uma segunda frente de combate no Brasil e nela também campeia a desinformação: a defesa do Estado Democrático de Direito. Também aqui, verdades simples precisam ser ensinadas dia a dia, pelas pedagogias da palavra e do funcionamento das instituições. A Constituição está acima de todos; a disciplina e a hierarquia subordinam as forças estaduais aos governadores eleitos; apologia da ditadura é crime; a Federação não é hierárquica; e, no dia em que o presidente tiver o poder de determinar o que o Judiciário pode investigar, a democracia terá cedido lugar ao império da ditadura e da corrupção.

Mobilizemo-nos em defesa da vida e da democracia, em favor da informação e do esclarecimento, contra a desinformação e o obscurantismo.


RPD || Benito Salomão: Onde estará o Brasil no Novo Normal?

A pandemia causada pelo Covid-19 desafia a busca de soluções para evitar a recessão na maior parte das economias que integram o Fundo Monetário Internacional

A pandemia do corona vírus foi implacável ao inverter as prioridades das políticas macroeconômicas pelo mundo. Durante o Spring Summer do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi previsto um impacto econômico de longe superior ao da crise global de 2008. Das 190 economias pertencentes ao Fundo, previu-se recessão em 179 delas em 2020. A recessão é um fato com o qual o mundo terá que lidar, e os instrumentos de ação dos governos ainda estão sendo pensados.

Uma tendência consolidada na compreensão moderna da economia, enquanto ciência, é que problemas econômicos dependem de soluções que muitas vezes não são econômicas. A crise do Covid escancarou este desafio, de forma que a simples compreensão do funcionamento das políticas macroeconômicas será insuficiente para conduzir resposta robusta à crise. Não há solução econômica sem prévia solução sanitária. Do ponto de vista sanitário, governos ao redor do mundo atuaram em três frentes: i) implementação de medidas de isolamento social; ii) testagem em massa de suas populações; e iii) investimentos em pesquisas na busca de vacinas e remédios. Enquanto a vacina não é descoberta e disponibilizada, o sucesso das medidas sanitárias diante do vírus dependerá do sucesso de cada governo em testar sua população e manter o isolamento.

O Brasil fracassou ao lidar com a pandemia quando o Presidente se aliou ao vírus e sabotou as medidas de isolamento social, o que fatalmente levará ao fracasso da recuperação econômica. Não existe retomada sem a construção de um estado de confiança prévio, capaz de induzir agentes econômicos a consumir e investir. Sob este aspecto, a incapacidade do governo em lidar com as medidas de isolamento social criou ambiente de desconfiança, alimentado interna e externamente, que se estende também à sua capacidade de lidar com as pautas necessárias para reaquecer a economia.

Duas preocupações preponderam. A primeira diz respeito à visão equivocada do Ministério da Economia acerca da natureza da crise e dos instrumentos necessários para enfrentá-la. A mescla da visão liberal antiga com um fiscalismo exagerado pode ser perigosa neste momento; será preciso certo nível de pragmatismo para passar por este momento com danos minorados. Não é possível delegar a recuperação à simples trajetória do ciclo econômico. A dívida pública vai crescer, estimativas apontam para uma necessidade de financiamento do setor público de R$ 800 bilhões, em 2020. Ora, se este passivo é inevitável, é importante que cada real empenhado neste contexto cumpra seu papel de salvar vidas, empregos e empresas. Infelizmente, não é o que acontece. Pelo que se sabe até agora, os auxílios prometidos chegam com atraso e em magnitude aquém do necessário. Corre-se o risco de o Brasil chegar a 2021 com o passivo fiscal do Covid, em contraste com as mortes e a desestruturação dos setores produtivos, absolutamente evitáveis.

A segunda preocupação com a recuperação econômica errante é a letargia das ações. O governo não só se empenha em insistir em uma agenda que não cabe no contexto, mas também demora em implementá-la. Graças a isto, o mundo começa a se preparar para o relaxamento das medidas de isolamento social e discutir as medidas de estímulo econômico que envolvem equilíbrio macroeconômico, desenvolvimento social e humano, redução das desigualdades e deslocamento da fronteira tecnológica. Enquanto isto, o Brasil segue preso no debate acerca dos retrocessos democráticos recentes e na equalização da questão fiscal não solucionada no quadriênio 2015/19. Causa tristeza a percepção que estamos saindo de uma década perdida e entrando em outra, de forma que o país, que era a 7ª economia mundial, em 2010, ocupa hoje a 9ª posição e talvez não esteja entre as dez nos próximos quatro ou cinco anos.

É preciso sair desta armadilha, e o Brasil superar as polêmicas de natureza política, por cujo conduto sairíamos também das crises sanitária e econômica. A economia apenas recomenda, mas a política executa. Precisamos resolver o curto prazo e, ao mesmo tempo, redescobrir estratégia de longo prazo que permita ao país crescer e distribuir, mitigar pobreza, gerar oportunidades, conviver civilizadamente com o meio ambiente e desenvolver novas tecnologias, competências, oportunidades e elevar a produtividade. Há muito a ser feito, não podemos perder as esperanças.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.


RPD || Alberto Aggio: Em meio à pandemia, um espectro nos assola

A pandemia da Covid-19 está obrigando a repensarmos a economia, a cultura, a política e até nossa “filosofia de vida”, Avalia Alberto Aggio. O avanço do coronavírus mostrou onde a política falhou e onde acertou

Ao contrário da filosofia por vezes alucinante de Slavoj Zizek, que passou a profetizar o “novo comunismo” como resultado da superação da pandemia e da tresloucada contestação de Ernesto Araujo, que o tomou como dado de realidade a atestar a existência da ameaça comunista, não há nenhum espectro desse tipo a assombrar o mundo[1]. O que há é a realidade factual da pandemia a ditar: “decifra-me ou te devoro”.

O enfrentamento do coronavírus implicou ouvir especialistas e procurar seguir suas orientações. Contra algo desconhecido, os cientistas de todo o mundo trabalham para produzir medicamentos mais eficazes e uma vacina duradoura. Mobilizaram-se recursos, organização e informações claras à população. Mas o alarme foi dado: somos nós, os humanos, que precisamos decifrar o mundo que inventamos. Essa peste não vem dos céus, vem da natureza, e fomos nós que a disseminamos. Não haverá o nascimento da “boa sociedade” a partir de ruínas. Não é razoável supor isso. A pandemia nos obriga a repensar a economia, a cultura, a política e até nossa “filosofia de vida”. Força-nos a repensar a necessidade de governança em plano mundial – Daniel Innerarity construiu uma bela imagem: Pandemocracia, seu mais recente livro[2].

O avanço da pandemia mostrou onde a política falhou e onde acertou. Lideranças previdentes agiram rápido e obtiveram êxitos. Lideranças obtusas, como Jair Bolsonaro, agiram sob interesses pessoal e eleitoral, e as consequências estão sendo desastrosas.

Fernando Gabeira observou que, diferente de outros países, nosso problema é termos “o vírus e Bolsonaro”. O presidente minimiza a epidemia, confronta governadores e prefeitos, ataca a mídia e insanamente perambula, sem máscara, por Brasília e cidades próximas, promovendo aglomerações e apoiando manifestações contra a democracia.

Pensou-se que o Brasil teria um gap de vantagem frente aos países onde o vírus emergiu mais cedo. Mas essa vantagem foi perdida a partir do momento em que Bolsonaro transformou a saúde num território de guerra. Isso inviabilizou que se estabelecesse uma estratégia séria e planejada de “isolamento social”.

Enquanto a pandemia avançou, Bolsonaro martelou pela “volta ao trabalho” e também propôs, na reunião ministerial de 22 de abril, um decreto para armar a população contra as restrições adotadas por governadores e prefeitos. Mais do que politizar o combate à pandemia, Bolsonaro avançou o sinal, sugerindo uma “rebelião armada” de “resultados imprevisíveis” e seguramente deletérios para a Nação.

O resultado da política de Bolsonaro em relação à pandemia não tardou e instalou a cizânia entre autoridades, acabando com a sinergia entre os entes federativos. A conexão informativa do Ministério da Saúde com a sociedade evaporou-se. A consequência veio no aumento do número de mortos e de contaminados, que o governo só não seguiu a estratégia de sonegar informações porque a reação foi generalizada e a ameaça de impeachment seria real.

Sem Estado nem governo, indefesos, os brasileiros se socorrem nas informações da mídia e nos profissionais da saúde, vistos como verdadeiros heróis. Exauridas, as autoridades subnacionais, que continuam resistindo, empreendem, sob pressão de diversos setores, uma temerária flexibilização da quarentena em situação absolutamente desfavorável.

Entrar ou sair do confinamento foi, em vários países, determinação impingida pelo vírus e não uma opção irrefletida. O que esteve em jogo foi a vida das pessoas e o bem comum. Foram escolhas políticas a partir de orientações científicas, mas sem obediência cega, ressaltando a importância tanto da complexidade quanto da responsabilidade coletiva que tem a política em âmbito local, nacional e mundial.

Em Zizek e Araujo só há fantasmagorias advindas de uma visão mitológica do comunismo, no primeiro, e de um anticomunismo em roupagem antiglobalista, no segundo. O espectro que ameaça o país é outro. Isolá-lo e superá-lo demandará que nossa “intransigência democrática” caminhe ao lado do realismo e conte com muita articulação política. Mesmo sob ameaças reiteradas do bolsonarismo – com sugestões golpistas envolvendo as FFAA –, observam-se crescentes sinais de que os brasileiros começam a se mover para enfrentar essa insensatez que, entre nós, acompanha o vírus, na sua senda de exaurimento da democracia e da Nação.

*Alberto Aggio é historiador e professor-titular da Unesp

[1] Cf. Žižek, Slavoj. Virus. Milão, Ponte Alle Grazie, 2020; o texto de Ernesto Araujo está em https://www.metapoliticabrasil.com/post/chegou-o-comunav%C3%ADrus

[2] Innerarity, Daniel. Pandemocracia – una filosofia de la crisis del coronavirus. Barcelona: Galaxia Gutemberg, 2020.


Presidentes de partidos debatem Democracia e política em webconferência

A FAP retransmite o debate, ao vivo, por meio de seu canal no Youtube, em sua página no Facebook e no siteCiclo Diálogos, Vida e Democracia é realizado pelo Observatório da Democracia

Nesta quarta-feira,17/06, acontecerá às 14h30 a mesa Democracia, Política e Partidos, que faz parte do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia, uma série de videoconferências promovidas pelo Observatório da Democracia (OD), que chega a sua 14ª edição.  A mesa será coordenada por Roberto Freire, que é presidente nacional do Cidadania. Participam também o ex-deputado federal (PSDB/PE) e secretário executivo do Instituto Teotônio Vilela Betinho Gomes; o presidente nacional do PDT Carlos Lupi, o presidente nacional do PSB Carlos Siqueira, o presidente nacional do PROS Eurípedes Gomes de Macedo Jr, a deputada federal PT/PR e presidenta nacional do PT Gleisi Hoffmann, o presidente nacional do PSOL Juliano Medeiros, a vice-governadora de Pernambuco e presidenta nacional do PCdoB Luciana Santos e o socioambientalista, membro da Carta da Terra Internacional e porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade, Pedro Ivo.

O debate será transmitido on-line e gratuitamente pelo canal no Youtube do Observatório (clique aqui). Em seu site, na sua página no Facebook e em seu canal no Youtube, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) fará a retransmissão da webconferência.

Assista ao vivo!

https://www.youtube.com/watch?v=tVCXF6s1Ofw&feature=youtu.be

Crise
A crise na política brasileira será tema desta mesa do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia. Essa é uma mesa emblemática pois estarão presentes os representantes dos partidos cujas fundações fazem parte do Observatório da Democracia, e mais convidados. O debate se dá em torno da razão da existência deste Observatório, que é a democracia e sua defesa nesta crise política, econômica e sanitária.

O ciclo conta com a realização de diversas mesas temáticas feitas por videoconferências, sempre a partir das 14h30. As seguintes acontecerão dia 22/06 (segunda-feira) – Pandemia, saídas para crise 2 –Economia e no dia 25/06 (quinta-feira) Educação e Crise (Gestores).

Além da FAP, que é vinculada ao Cidadania, o Observatório da Democracia é formado pelas Fundações Perseu Abramo (PT), João Mangabeira (PSB), Mauricio Grabois (PCdoB), Lauro Campos e Marielle Franco (PSOL), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), da Ordem Social (PROS) e Claudio Campos.

O ciclo de debates on-line “Diálogos, vida e democracia” irá ocorrer durante os meses de maio, junho e julho com o objetivo de debater, em profundidade e com palestrantes renomados, o panorama social, político e econômico atual no Brasil, além de desenhar um retrato do país hoje, considerando as perspectivas para o futuro.

A programação completa do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia pode ser acessada aqui.

Serviço
Ciclo Diálogos, Vida e Democracia – Vídeoconferências
Mesa 14: Democracia, Política e Partidos
Data: 17/06 (quarta-feira)
Horário: 14h30 às 16h30

Veja vídeos de webconferências anteriores:

O Mundo do Trabalho e a Pandemia é tema de webconferência

Webconferência discute o valor da C&T e da Inovação como política de Estado

Cultura em tempos de coronavírus é tema de webconferência

Webconferência debate defesa das instituições do Estado democrático

Jornalismo, comunicação e política nas redes sociais é tema de webconferência

Líderes partidários fazem webconferência para discutir o país

Especialistas debatem o coronavírus, isolamento social e saúde pública

Governadores debatem pacto federativo durante pandemia do coronavírus

Fundações partidárias debatem pandemia, recessão e saídas para a crise

Analistas discutem Brasil no contexto mundial da pandemia do coronavírus

Economistas debatem pandemia e alternativas em meio à crise do coronavírus


Confira a abertura da Série Webinar Reinventar o Rio de Janeiro

Debates onine serão realizados sempre às terças e quintas-feiras, das 19h30 às 21h

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Crise fiscal do Rio de Janeiro, saúde, segurança, desigualdade, pobreza, programas sociais, ética e política serão discutidos em uma série de nove debates online realizados pelo Cidadania 23 do município, com apoio da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que transmitirá o evento em sua página no Facebook. Webinar Reiventar o Rio de Janeiro vai reunir lideranças cariocas para debater o resgate da cidade maravilhosa, todas às terças e quintas-feiras, com programação de hoje (16/6) a 14 de julho, das 19h30 às 21h. A abertura ocorreu nesta terça-feira e contou com a participação do presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire.

Confira a abertura realizada nesta terça-feira (16):

https://www.facebook.com/facefap/videos/714438112684287/

A organização informa que o objetivo da série de debates online é mobilizar lideranças para interferir nas discussões e possíveis intervenções sobre o futuro do Rio de Janeiro. A ideia, conforme divulgado, é manter o comprometimento do partido de buscar sempre melhorias para a cidade, mesmo no período de isolamento social decorrente da pandemia do coronavírus. Webinar evita a aglomeração física de pessoas no mesmo local e possibilita grande participação online de interessados.

Durante as discussões, os debatedores deverão apresentar informações, experiências e conhecimentos que auxiliem na reflexão dos temas que consideram relevantes para o futuro da cidade. A abertura também contou com a participação do presidente do municipal Cidadania no Rio de Janeiro, Roberto Percinoto, e convidados. Veja, abaixo, detalhes da programação com a relação de cada um dos debates.


‘Nova epidemia é só uma questão de tempo’, afirma Pedro Scuro Neto

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, sociólogo destaca necessidade de focar nas desigualdades que fazem as crises serem mais devastadoras

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“No mundo real, enquanto os países se mobilizam para conter o coronavírus e suas nefastas consequências, não se pode perder de vista quadro bem mais assustador: uma nova pandemia é só uma questão de tempo”. A afirmação é do sociólogo e jurista Pedro Scuro Neto, diretor da Sociedade Internacional de Criminologia (Paris), em artigo que publicou na 19ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Acesse aqui a 19ª edição da revista Política Democrática Online

Pedro Scuro, que também é autor de Sociologia Geral e Jurídica, cuja 8ª edição (A Era do Direito Cativo) é publicada pela Saraiva, diz que o surto global de Covid-19 não foi uma anomalia. “Doenças infecciosas emergem e reemergem em velocidade nunca vista ao longo da história. De 1980 a 2013, o número de epidemias anuais oscilou de 1.000 a mais de 3.000”, alerta.

Segundo o artigo de Scuro publicado na Política Democrática Online, doenças infeciosas, como Zika, MERS-CoV, SARS, cólera, tuberculose, HIV, influenza e ebola, matam milhões todos os anos e, no seu rastro, destroem economias, causam pânico e, como no Brasil, crises institucionais. “Situação que expõe a fragilidade das economias, a insuficiência das redes de segurança social e permanente subinvestimento em sistemas de saúde pública”, critica ele.

Em sua análise, Pedro Scuro Neto sugere que, primeiro, é preciso reforçar a capacidade do sistema de saúde na detecção e contenção de doenças com organismos centralizados de vigilância de dados que articulem informações de laboratório com dados populacionais e medidas clínicas.

Em segundo lugar, conforme ele aponta, é necessário desenvolver comunicação e coordenação, articulando centros de controle e prevenção com organismos da sociedade civil capazes de guiar respostas durante as crises e preparar protocolos baseados em evidências e boas práticas de saúde mesmo em tempos em paz. “Finalmente, focar nas desigualdades que fazem as crises tão devastadoras, atentando para pequenas empresas, trabalhadores e pessoas mais vulneráveis”, pondera.

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‘Aldir Blanc foi um monstro, um gênio da palavra’, afirma Henrique Brandão

Em artigo na revista Política Democrática Online, jornalista destaca perfil de compositor vítima do coronavírus

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O que dizer de Aldir Blanc em um momento de profunda tristeza como esse?”, pergunta o jornalista Henrique Brandão, em artigo que publicou na 19ª edição da revista Política Democrática Online. “Como compositor, é um dos maiores que a MPB já teve. Um monstro, gênio da palavra”, ele responde, em seguida. Aldir também foi poeta, letrista e cronista.

Acesse aqui a 19ª edição da revista Política Democrática Online

A revista é produzida e editada pela FAP, que disponibiliza todos os conteúdos da publicação, gratuitamente, em seu site. O compositor Aldir Blanc, conhecido por músicas como "O Bêbado e a Equilibrista", eternizada na voz de Elis Regina, morreu em 4 de maio deste ano, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, após luta contra o coronavírus. Ele tinha 73 anos.

“Todos nós somos ‘reféns’ de Aldir”, diz Brandão. “Quem nunca sambou um samba seu? Quem nunca dançou, com a ponta torturante de um band-aid no calcanhar e embalado por uísque com guaraná, um bolero dele?”, questiona.

Segundo o autor do artigo publicado na Política Democrática Online, o Aldir mais conhecido de todos é o letrista de sucessos maravilhosos, tanto na parceria com João Bosco como com músicos do talento de Guinga, Moacyr Luz e Cristóvão Bastos, entre outros, responsável por sucessos que qualquer um assobia fácil pelas ruas, entoa nas mesas dos bares ou ouve com frequência nas rodas de samba.

“É aquela música que o cidadão comum conhece, canta inteira, mas, muitas vezes, nem sabe quem é o autor. Isso é privilégio de poucos, reservado somente aos maiores, escolhidos a dedo pelo que o destino lhe reservou. Coisa de Caymmi, Luiz Gonzaga, Noel, Vinícius”, escreve o jornalista.

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Pandemia deixa mais dramática imensa desigualdade no Brasil, diz Adriana Novaes

Em artigo na revista Política Democrática Online, pesquisadora diz que novos contextos emergenciais são os que mais exigem de vida espiritual

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em tempos em que o novo coronavírus torna pior o que era ruim e faz com que os problemas fiquem ainda mais dramáticos, a filosofia atenua a aflição e pode socorrer a população. A avaliação é da pós-doutoranda em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo) Adriana Novaes, em artigo que publicou na 19ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Acesse aqui a 19ª edição da revista Política Democrática Online!

Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, no site da FAP. “A Covid-19, o Sars-Covid-2, o novo coronavírus, veio para tornar o que era ruim ainda mais exposto, fazer os problemas ficarem ainda mais dramáticos, como a imensa desigualdade de nosso país”, observa.

De acordo com a autora do artigo publicado na Política Democrática Online, é nesses momentos de incerteza que a filosofia pode ser um socorro. “Não porque ela dê respostas definitivas, nem mesmo porque atenue a aflição. De modo algum. Ela é o despertar e a investigação acerca do que tem significado, a paralisação do espanto e a exigência da busca por possibilidades novas”, explica.

A vida do espírito foi examinada pela filósofa Hannah Arendt no final de sua vida, a última etapa de uma trajetória intelectual marcada pelo esforço de compreensão do fenômeno mais importante e traumático do século 20, o totalitarismo, e o novo tipo de mal que surgiu nele, a banalidade do mal. “Arendt se viu desafiada a examinar as atividades do espírito, suas concepções ao longo da história da filosofia, e resgatar seus significados. São os novos contextos emergenciais os que mais exigem de nossa vida espiritual”, conta Adriana.

Segundo a pesquisadora, essas atividades são espirituais porque não correspondem apenas a estruturas de nossa mente, mas são capacidades em interrelação dinâmica, habilidades que nos dão perspectivas de viver e dotar de sentido, criar e escolher, aquilo que há de mais complexo e extraordinário em nossa condição humana. “Essas atividades – o pensar, o querer e o julgar – são faculdades que precisamos exercitar para agirmos de acordo com a potência de nossa humanidade”, escreve ela.

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O imortal, de Maurício Lyrio, é opção para esquecer agruras da quarentena

Em artigo na revista Política Democrática Online, André Amado recomenda obra de embaixador do Brasil no México

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online, André Amado, recomenda leitura de alto nível, que, segundo ele, fará esquecer as agruras da quarentena. Ele conta aos internautas uma análise sobre o livro O Imortal (Companhia das Letras), a mais nova obra do embaixador brasileiro no México, Mauricio Lyrio, em artigo que publicou na 19ª edição da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira).

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O Imortal é o segundo livro de Lyrio e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2019 e do Prêmio Oceanos – Itaú Cultural, no mesmo ano. A seguir, leia trechos do artigo de André Amado:

O imortal tem como personagem central Cassio Haddames, um embaixador lotado em Brasília sem maior brilho profissional, mas que é eleito pela Academia Sueca para receber o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro brasileiro a ser contemplado com o cobiçado galardão. Sua candidatura fora proposta pelo ministro das Relações Exteriores, em exposição de motivos, dirigida ao presidente da República, iniciativa que incluía – na verdade, tinha como objetivo maior – vender uma segunda candidatura, a de Sua Excelência ao Prêmio Nobel da Paz. O texto desse expediente, cuja leitura já vale a do livro, reproduz na ficção um exemplo comum na Esplanada dos Ministérios, de como altos membros da burocracia tentam chaleirar o ego de seus superiores. No caso, do mais alto mandatário do pais, na aposta de que ninguém vira o rosto para o horizonte faiscante de tamanho mimo?

Acontece que os suecos aceitaram conceder o Nobel de Literatura ao embaixador, mas passaram solenemente ao largo do pleito presidencial.

De sua parte, Haddames estava até certo ponto constrangido pela concessão do Prêmio. Tal como não se cansava de repetir um despeitado jornalista da terrinha, o próprio Cassio Haddames também tinha dúvidas quanto à justiça da honraria recebida. Ele apenas escrevera três romances, que somavam, juntos, 954 páginas. Daria para justificar a homenagem maiúscula da Academia Sueca? Tanto mais na comparação com a produção literária de um Bandeira, Drummond, Guimarães Rosa, João Cabral, entre tantos outros, jamais considerados por Estocolmo.

Em meio a essa crise de consciência, duas surpresas aguardariam o agora ilustrérrimo embaixador em seu retorno ao Brasil. Primeira, ainda no aeroporto, um comitê de recepção desfraldava faixa monumental com o nome do premiado e dizeres em letras garrafais: O NOBEL É NOSSO! E a segunda foi de início uma sondagem, que rápido ganhou foros de irrecusável gestão, orquestrada por raposas da cena política brasileira, para que Cassio Haddames aceitasse disputar as próximas eleições para presidente da República.

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