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FAP Entrevista: Alberto Aggio
O Partido dos Trabalhadores fez muito mal para a esquerda brasileira, avalia Alberto Aggio. De acordo com ele, além de ter entrado em um mecanismo de corrupção jamais visto, o PT também não acompanhou as transformações ocorridas em todo o mundo
Por Germano Martiniano
O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é Alberto Aggio, professor titular da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Historiador pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado e doutorado, a trajetória acadêmica dele, em grande parte, voltou-se para o estudo e compreensão da história e questões socioeconômicas da América Latina, especialmente Brasil e Chile. Além dos títulos acadêmicos, que não se finalizaram no doutorado, mas também no pós doutorado no Chile e na Itália, Aggio também publicou diversos livros, nos quais explorou as questões latino-americanas e também o pensamento gramsciano. Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
A vida política de Alberto Aggio começou no final da década de 1970, na Zona Leste de São Paulo, quando entrou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) ficando até seu final. Na fundação do Partido Popular Socialista (PPS), do qual que é filiado atualmente, Aggio se afastou do política por ter sido contra alguns caminhos tomados pelo partido. “Não me afastei porque fui contra a mudança, mas porque discordei dos caminhos pós-mudança”, disse o historiador. Aggio também participou da campanha presidencial de Roberto Freire em 1989 e da Revista Presença, liderada por Luiz Werneck Vianna, até seu final, em 1992.
Aggio possui forte vínculo com o pensamento de Gramsci e com o comunismo democrático. Para o historiador, a questão da democracia é de vital importância. “Sempre achei que o pós-comunismo do PPS deveria avançar para uma esquerda democrática mais ampliada, com liberais avançados e outras culturas políticas democráticas do país”, expôs. Atualmente, Aggio dedica-se ao lançamento de mais um livro, um conjunto de ensaios que tenta repensar precisamente a trajetória recente da esquerda, particularmente no Brasil e na América Latina.
Este “repensar” da esquerda foi um dos temas tratados com Aggio na entrevista para FAP, da qual também é dirigente. Para o historiador, o PT fez muito mal à esquerda brasileira, não apenas a colocando num sistema de corrupção “jamais visto”, como também não a atualizando, rechaçando as mudanças que ocorreram no mundo. “É uma esquerda que vive ainda no século XIX ou XX”, enfatizou Alberto. Além da necessidade de uma nova visão para esquerda brasileira, Aggio também discorreu de temas como a prisão de Lula, Lava Jato e justiça brasileira, eleições 2018 e o que esperar do novo presidente do Brasil.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Alberto Aggio:
FAP Entrevista - O pré-candidato a presidente da República, Geraldo Alckmin tem sobre si uma acusação de um suposto caixa dois vindo da Odebrecht, nas suas campanhas de 2010 e 2014. O STJ, ao contrário do que pedia a Procuradoria Geral da República, remeteu o processo para a Justiça Eleitoral de São Paulo, alegando que os problemas do tucano se limitam à pratica de caixa dois. Como o senhor avalia essa decisão?
Alberto Aggio - É efetivamente um problema para o pré-candidato Geraldo Alckmin, independentemente de onde este processo dele vá parar. Como é uma questão eleitoral, não é tão absurdo que seja investigado e processado num tribunal afeito às questões eleitorais. A comparação com os esquemas de corrupção do esquema tipo PT me parece exagerada. Ou seja, há que se perguntar se a Odebrecht, que deu dinheiro para as campanhas de Alckmin, teve vantagens indevidas no seu governo e quais vantagens.
O juiz Sérgio Moro negou, essa semana, qualquer tipo de regalia ao ex-presidente Lula na prisão. O ex-ministro Antonio Palocci também teve o pedido de habeas corpus negado pelo STF. Qual sua visão sobre o discurso petista que acusa a Lava Jato de ser uma operação política?
Não há o menor sentido. Os petistas sempre viram a Lava Jato como um problema, uma vez que eles sabiam dos esquemas que sustentaram nos seus governos. Está claro que a Operação Lava Jato já prendeu pessoas que não são do PT. Estão lá o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e alguns outros. Antonio Palocci, em especial, foi propositadamente evasivo e difuso nos seus depoimentos até que começasse a falar coisa com coisa. Ainda tem muito a esclarecer. Quanto a Lula, creio que o tratamento está sendo o mais digno possível. Mas, preso é preso. Ele não está lá tirando férias.
Quem pode atrair os votos que iriam para Lula? Quem ganha com a prisão do ex-presidente?
Quem ganha com a prisão de Lula é o Brasil. É a República e a democracia brasileiras. Os supostos votos de Lula serão garimpados por todos os candidatos que irão competir. Há algumas hipóteses que, dizem, vem das pesquisas e que Bolsonaro vai amealhar boa parte deles. Difícil saber se é verdade. Pode ser. Creio que os candidatos da esquerda filopetista, como Boulos e Manuela, não conseguirão ampliar a transferência de votos. Serão candidatos residuais. Ciro Gomes é uma incógnita e traz grandes problemas de personalidade e de desempenho pessoal por conta do seu temperamento, de forma que o cenário permanece aberto.
Em artigo publicado na Folha de São Paulo, Bruno Boghossian avalia que a prisão de Lula dilui o debate sobre corrupção e amplia a rejeição à classe política nas eleições 2018. O senhor concorda com esta visão? O que deve pautar o debate dos presidenciáveis?
Creio que a corrupção é uma agenda da sociedade brasileira como um todo. Não creio que perde força com a prisão de Lula, muito ao contrário. Penso que a desmoralização da chamada classe política vai além do tema da corrupção. Há problemas de diversos níveis no sistema político que precisam ser sanados. Mas, como os futuros governantes, a serem eleitos em 2018, vão montar seus governos em relação a esse tema é fundamental. Em relação ao segundo tema, espero que o debate entre os candidatos a presidente seja pautado pelos problemas nacionais, que olhem para o futuro, a partir da crise presente, que vejam o país no seu conjunto e não fiquem debatendo parcialidades e questões pequenas, ainda que elas tenham sua importância. Acho que a revisão do papel do Estado na sua relação com a economia e os direitos sociais de todos é ponto central. Com isso quero dizer que, nessa eleição, espero que haja espaço sério para se discutir duas formas pelas quais o Estado brasileiro tem sido apropriado privadamente: o patrimonialismo e o corporativismo. Mas o tema da volta do crescimento também é essencial, assim como, da nossa integração competitiva, dos avanços da ciência e da tecnologia, da sustentabilidade, etc.
William Waack, num artigo dessa semana argumenta que a prisão de Lula e tudo o que ele significou de impacto na opinião pública não foi capaz de trazer um rumo para o país e que Lula já deveria ser página virada e deveríamos estar em outro nível de discussão, construindo um rumo para o Brasil. O senhor concorda?
Estou de pleno acordo. Precisamos ultrapassar o lulismo em todos os sentidos. Já foi o tempo em que se deveria pensar que a sociedade brasileira buscava seu herói ou seu mito. Essa é uma visão ultrapassada. Em especial a do mito: uma esquerda que pensa em sacralizar um mito para poder fazer as transformações na sociedade vive ainda no século XIX ou XX, está ultrapassada. Hoje precisamos de pensar a partir da democracia, dos sistemas democráticos, da pluralidade de atores, dos diversos valores da contemporaneidade que fazem com que a política possa ser cada vez mais democrática, como valores da reciprocidade, da proximidade, da co-responsabilidade.
Em que parte ou setor da esquerda o senhor se encaixaria? Pode-se falar de uma centro-esquerda ou esquerda democrática?
Uma autodefinição é sempre complicado. Creio que a postura mais avançada hoje, dentro da esquerda, é trabalhar para que haja uma nova comunidade política com perfil de centro-esquerda. O PT fez muito mal para a esquerda brasileira. Ele a enxovalhou metendo-a num sistema de corrupção jamais visto. E a sociedade reagiu: hoje é difícil sustentar uma identificação de esquerda, sem dar as devidas justificativas. Parece que não se pode mais falar em esquerda, em um setor da política que pensa em combinar democracia com avanços sociais, em propor uma nova visão de sociedade, consonante com esse tempo de grandes mudanças que vivemos. Acho que a esquerda tem um papel. Mas é preciso que ela enfrente seus bloqueios, suas ideias já ultrapassadas, e formule novas que venham da sua tradição de lutas democráticas.
O senhor lançará nas próximas semanas um novo livro. De que trata esta nova publicação?
Trata-se de um conjunto de ensaios que tenta repensar precisamente a trajetória recente da esquerda, particularmente no Brasil e na América Latina. São ensaios que discutem o Brasil das mobilizações de 2013 ao impeachment de Dilma; examina questões da politica democrática em diversas partes do mundo, explora os pensamentos do italiano Antonio Gramsci e sua relação com a democracia, e reflete sobre temas atuais que nos colocam questões serias e dramáticas para nós e as gerações futuras.
Como cidadão brasileiro, o que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Espero que ele se afirme na legitimidade do voto dos brasileiros, que faça jus a ele e que pratique, democraticamente, o lema que todos nós reconhecemos: o Brasil não pode ser governado por apenas uma força política. A pluralidade brasileira é expressiva e ela é que dá vigor ao país. O novo presidente deve ser o comandante de um novo Brasil. No seu mandato completaremos 200 anos. Devemos ultrapassar esse período cinza que estamos vivendo e voltarmos a ter orgulho do que já construímos e do que projetamos para o futuro.
FAP Entrevista: Cristovam Buarque
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) é reconhecido, nacionalmente e internacionalmente, por seus esforços e inúmeros trabalhos por uma educação de qualidade no Brasil, que vão desde diversos livros e artigos publicados sobre o tema, até a ocupação de cargos de alto escalão, como Ministro da Educação e reitor da Universidade de Brasília (UNB)
Por Germano Martiniano
O entrevistado desta semana da FAP Entrevista é o senador e presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Cristovam Buarque (PPS-DF). Oriundo de Recife (PE), é engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político filiado ao Partido Popular Socialista (PPS). Também foi reitor da Universidade de Brasília (UNB) de 1985 a 1989 e governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. A entrevista faz parte de uma série que está sendo publicada, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Eleito senador pelo Distrito Federal em 2002, em 2003 foi nomeado Ministro da Educação, no primeiro mandato de Lula, ficando até 2004. Foi reeleito nas eleições de 2010 para o Senado pelo Distrito Federal, com mandato até o fim deste ano. Cristovam também foi perseguido político da ditadura militar de 1964, e assim, seguiu para o auto-exílio na França. Fora do Brasil trabalhou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) entre 1973 e 1979, tendo ocupado postos no Equador, em Honduras e nos Estados Unidos.
Cristovam Buarque é reconhecido, nacionalmente e internacionalmente, por seus esforços e inúmeros trabalhos por uma educação de qualidade no Brasil, que vão desde diversos livros e artigos publicados sobre o tema, até a ocupação de cargos de alto escalão, como titular do Ministério da Educação e a reitoria da UNB. Ao ser questionado sobre quais soluções poderiam resolver a questão da violência no Brasil, o senador foi categórico: “A paz só virá com um projeto de desenvolvimento includente socialmente e, em minha visão, o caminho para isso é a escola de qualidade, igual para todos”.
Buarque também comentou o julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba desde ontem (6/4). Para o senador o resultado, ainda que importante, expôs a instabilidade da Justiça brasileira. “Hoje, quando assistimos as falas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nós, os 220 milhões de brasileiros, não nos sentimos seguros de que são decisões capazes de nortear corretamente o Brasil por décadas. Tudo indica que, nas próximas semanas, irão tomar decisões diferentes”, avalia o senador.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com o senador Cristovam Buarque:
FAP Entrevista - O Brasil viveu uma semana agitada com o julgamento do ex-presidente Lula. Como o senhor avalia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar o pedido de habeas corpus para ele?
Cristovam Buarque - O Brasil vive um século de clima agitado por falta de coesão nacional e rumo histórico. O que estamos vendo hoje com a prisão do Lula, votações e com a instabilidade jurídica, é conseqüência dessa falta de coesão e rumo. Na votação do STF, o que mais dificulta para o Brasil, não é questão do habeas corpus aprovado ou negado, mas sim as idas e vindas dos votos dos ministros, a instabilidade que eles criam e a mensagem que eles passam de insegurança. Hoje, quando assistimos as falas dos ministros, nós, 220 milhões de brasileiros, não nos sentimos seguros de que são decisões capazes de nortear corretamente o Brasil por décadas. Tudo indica que nas próximas semanas irão tomar decisões diferentes.
Em relação às eleições presidenciais alguns analistas políticos consideravam que, com Lula concorrendo, se fortalecia o extremo oposto, Bolsonaro. Com o ex-presidente praticamente fora do “jogo”, o senhor acredita que Bolsonaro ainda tem chances reais de vitória ou o centro democrático se fortalece?
Creio que o centro democrático ainda não se fortalece. Hoje corremos riscos de chegar ao segundo turno com os extremos, um autoritário e outro populista, duas alternativas muito ruins. Sobretudo porque são alternativas que não olham para o futuro e sim nostálgicas, uma querendo olhar para década de 1950 e a outra para 1964, ao invés de termos propostas cheias de esperança olhando para o futuro. O centro, lamentavelmente, não está conseguindo trazer uma esperança de novidade. Está querendo se fortalecer, apenas, pelo medo dos dois extremos. Assim, o risco da eleição é que alguns irão votar com raiva e outros votarão com medo. Porém, ninguém votando com esperança, que é o que deveria ser o propósito de uma eleição. Está faltando atrair o eleitor para uma esperança.
Em seu último artigo, o senhor falar sobre o assassinato da vereadora Marielle, que foi vítima, em sua visão, da violência originada na discrepância social que impera no Brasil há séculos. Quais medidas podem ser tomadas para se combater a violência no país, que tem números de mortos bem superiores aos de muitas guerras pelo mundo?
Antes de tudo, tem duplo sentido. Eu não imagino que o assassinato de Marielle foi, antes de qualquer coisa, motivado por razões sociais. Ela foi morta, de fato, por balas. Portanto, seus assassinos que puxaram os gatilhos são os responsáveis imediatos e, vergonhosamente, não estão presos. Agora, o que eu insisto em dizer é que há um causa mais profunda para os assassinatos de nossos heróis, que lutaram pela defesa dos índios, abolição, independência, desenvolvimento, democracia. etc... Há uma causa concreta na violência do Brasil: nunca tentamos ser uma nação na qual exista coesão. Algo que faça nos sentirmos parte de um mesmo conjunto, que apenas sentimos em anos de Copa do Mundo. A falta de coesão e rumo leva a assassinatos. Tivemos muitos no passado. Tivemos o da Marielle e, se não fizermos a coesão e o rumo, que deixa a população alegre e entusiasmada, teremos outros assassinatos no futuro. É isso que meu artigo quis colocar. Quanto a resolver a violência, não resolveremos num passe de mágica. Podemos até prender mais gente, como os assassinos de Marielle, que ainda não estão presos. Podemos construir mais cercas nas casas, construir mais cadeias, termos uma policia mais eficiente. Mas isso não resolverá a violência como um todo. A paz só virá com um projeto de desenvolvimento includente socialmente e, em minha visão, o caminho para isso é a escola de qualidade, igual para todos.
Esta semana o senhor deu entrada em um projeto de lei, o PLS 458, que permitirá, caso aprovado, que as universidades federais tenham autonomia administrativa, financeira e patrimonial para gerir recursos oriundos da prestação de serviços à comunidade. De que maneira este projeto pode realmente beneficiar as universidades?
A crise da Universidade de Brasília (UNB), por exemplo, é muito antiga. Uma das causas é o déficit fiscal do governo federal que vem da crise da previdência. Quando gastamos mais de R$ 200 bilhões por conta do déficit da Previdência, acabamos tirando de algum lugar, como da universidade. Sugeri, portanto, a reitora da UNB que encontrássemos formas de solucionar o problema. Primeiro, aumentando os recursos do governo na hora de elaborar o Orçamento, pois a lei do teto permite aumentar o dinheiro para educação, para a universidade. Mas, enquanto isso não acontece, também sugeri algumas outras ações. Uma delas, por exemplo, é cobrar uma taxa pequena sobre o estacionamento dos carros. Isso daria mais de R$ 20 milhões por ano para a Universidade de Brasília. No entanto, atualmente, este dinheiro não iria para a universidade e sim para o Tesouro Nacional. O que estou tentando, a partir deste projeto de lei, é que os recursos que conseguirem por elas próprias fiquem nas universidades, e não sejam levados para um fundo que ninguém controla e que acaba servindo apenas para financiar desperdícios do governo e não os déficits que temos nas universidades.
O que pode ser feito em curto prazo para termos uma educação de qualidade, do ensino básico ao superior?
Nada. Não existem milagres na educação. As crianças crescem em certa velocidade, elas fazem dois anos, depois três, depois quatro e assim sucessivamente. Ela não pula dos cinco para os vinte anos. Educação se faz através deste ritmo. Nenhum país do mundo fez sua revolução educacional em um prazo curto de tempo. Todos os países levaram algumas décadas para revolucionar a educação. Foi assim na Coréia do Sul, Finlândia, nos países da Escandinávia. Não há milagre em mudanças sociais. Este é um erro no Brasil, os demagogos e populistas querem resolver e prometem mudanças de um dia para o outro. A minha proposta para que o Brasil chegue a ser um país de educação compatível com a desses países citados, igual para pobres e riscos, é que o governo federal crie uma carreira nacional do magistério pagando muito bem, construa novas escolas com equipamentos modernos e todas as crianças em horário integral. Para alcançar essa idéia no Brasil inteiro levará duas, três ou mais décadas. Um dos caminhos para essa realização é que o governo federal o faça adotando as escolas das cidades que não tem condições de dar uma boa educação às suas crianças, e que isso seja feito num ritmo que não quebre a instabilidade fiscal, pois se a inflação voltar, nada disso vai adiantar. A minha proposta, que eu chamo de Adoção Federal das Escolas Municipais, é um programa de longo prazo no Brasil inteiro e de curto prazo nas cidades. Emm dois anos podemos fazer isso numa cidade pequena. Claro que existem coisas que podem ser feitas para melhorar, a curto prazo, nossa educação. Porém, eu não me contento em ir melhorando, eu quero revolucionar a educação brasileira.
O PPS no Congresso Nacional decidiu por abrir conversas para um eventual apoio a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência. O atual governador de São Paulo pode ser a figura que o Brasil precisa para aglutinar o centro democrático e tirar o Brasil do retrocesso econômico e social vivido nos últimos anos?
Não sei ainda. Vai depender dessas conversas. É preciso lembrar que no Congresso se aprovou um indicativo de diálogo e não de apoio. Deste dialogo é que pode surgir um apoio. Hoje eu vejo o Alckmin como uma pessoa que pode ter sucesso no centro, mas se trazer uma esperança nova. Eu ainda vejo que Alckmin enxerga o Brasil como uma grande São Paulo, mas não é. O diálogo, portanto, significa levar para ele o que nosso partido deseja. Qual a nossa proposta para educação? É a federalização ou a municipalização como vemos? Em São Paulo, os municípios não são tão pobres quanto no Nordeste, e deixar a escola na mão do município é condenar a educação da criança que estuda nesta escola. O que Alckmin pensa, de fato, sobre o meio ambiente? Como ele quer tratar o problema da diversidade de gênero, que no PPS é tão presente? Acho cedo, portanto, declarar apoio ao Alckmin sem antes estabelecer um diálogo.
Quais devem ser as prerrogativas do PPS, enquanto esquerda democrática, para apoiar Alckmin nas eleições 2018?
Levei ao Roberto Freire que devemos apresentar ao Alckmin um programa de governo que gostaríamos de ver empunhado por ele. Se ele não aceitar totalmente, que ele nos convença de algumas mudanças. Não precisamos nos impor, podemos mudar e melhorar. Se ele, simplesmente, recusar, creio que podemos levar a outros candidatos que também não estão posicionados nos extremos, como Marina Silva e Álvaro Dias.
O senhor tem falado em suas últimas entrevistas que o Brasil necessita de coesão e rumo. Como ter coesão, atualmente, em uma sociedade tão polarizada como a brasileira?
Não vai ter. Quando eu defendo que venha ter coesão é exatamente termos um candidato a presidente que traga um discurso capaz de coesionar o Brasil. Um discurso de estadista. Um estadista não fala para uma classe social, o estadista fala para o conjunto da população. Além disso, o estadista não fala apenas para o presente. O estadista fala o que propõe para o futuro. Hoje, não tem como ter coesão e nem termos rumo, mas a eleição é daqui a alguns poucos meses e um bom discurso, um bom projeto, por um candidato com carisma, pode construir as bases para essa coesão e esse rumo.
FAP Entrevista: Victor Missiato
Victor Missiator é autor do livro recém lançado "Caminhos Invertidos - O Comunismo no Brasil e no Chile", que traça a trajetória dos partidos comunistas do Brasil e Chile e suas relações com o movimento comunista internacional
Por Germano Martiniano
Atualmente muito se vê, nas discussões da conjuntura da política brasileira, a palavra renovação. Além do clamor por transparência nas contas públicas, fim da corrupção e impunidade, a população brasileira, cansada dos “velhos figurões”, também clama por renovação, tanto no sentido de idéias, quanto no sentido cronológico, de querer maior participação da juventude nas bancadas do congresso.
Nomes como os de Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL (Movimento Brasil Livre); Nicholas Leviski, 21, coordenador nacional do movimento Viralivre; Elisângela Lima, 24, criadora da página "Dicionário Subversivo, constantemente aparecem nas mídias sociais como lideres de uma nova geração. Além deles, outros jovens têm se destacado em áreas que não possuem tanta expressividade pública, como produções acadêmicas.
É o caso de Victor Missiato, que com apenas trinta anos, possui graduação em História pela UNESP/Franca, mestrado e doutorado pela mesma instituição com os respectivos temas: Relações Civis Militares no Brasil e Comunismo no Brasil e no Chile. Sobre o tema de doutorado, Victor acaba de lançar o livro, "Caminhos Invertidos - O Comunismo no Brasil e no Chile".
O livro, que traça a trajetória dos partidos comunistas do Brasil e Chile e suas relações com o movimento comunista internacional, busca compreender a inversão das estratégias do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Chile (PCCh) entre as décadas de 1950 e 1970 e a importância do ano de 1958 como contraposição ao ano de 1959, quando ficou consagrada a revolução cubana.
“Em poucas palavras, o pecebismo acompanhou o processo de democratização da sociedade brasileira ao final do século XX, consagrando sua estratégia ao mesmo tempo em que encerrava seu papel da história. O caso chileno foi distinto, pois após o início do regime pinochetista, sua estratégia direcionou-se para a insurreição, para a rebelião popular”, disse Missiato para a FAP, em entrevista.
A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Os temas abordados também ajudam a compreender a história da esquerda brasileira, seu cenário atual e um pouco da história de nossos vizinhos latino-americanos.
FAP - Apesar da pouca idade, (30 anos) você já é doutor em História e acaba de lançar seu primeiro livro, Caminhos Invertidos - O Comunismo no Brasil e no Chile. O que te levou a escrever esse livro?
Victor Missiato - Nos últimos 30 anos, o Brasil vem passando por uma transformação estrutural em seu ensino superior. Existe uma demanda cada vez maior para que o pós-graduando acelere seu processo de formação e publique seus trabalhos. Assim como eu, outros milhares de jovens participam desse processo. Em relação ao meu livro, trata-se da minha tese de doutoramento, defendida em outubro de 2016. Iniciei minha pesquisa em 2013, orientada pelo professor Alberto Aggio, a maior referência em Chile no Brasil. Procuramos desenvolver uma pesquisa que tinha como objetivo inicial pensar as estratégias comunistas que antecederam a Revolução Cubana de 1959. Desse modo, a pesquisa centralizou-se na Declaração de Março de 1958, apresentada pelo PCB, e as eleições presidenciais chilenas, ocorrida no mesmo ano, quando Salvador Allende “bateu na trave”, perdendo por 3% dos votos. Posteriormente, a pesquisa rumou para outros caminhos sem perder esse norteador inicial.
Como avalia a participação da juventude brasileira na política?
Em relação à política institucional, existe não uma alienação, mas um redimensionamento do papel da política democrática institucional em todo o mundo. O jovem continua fazendo política, mas suas causas são outras. Eu nasci junto com a Constituição de 1988. Isso tem um peso significativo. Converso com meus alunos e sempre saliento que somos a primeira geração que nunca conviveu com um golpe ou uma ameaça de golpe institucional. Somos a primeira geração que convive há décadas com estabilidade econômica e desenvolvimento social como eixos de uma base democrática de sociedade. Democracia, liberalismo e desenvolvimento social recentemente convivem na sociedade brasileira. Portanto, penso que a participação política da juventude foi deslocada para outras esferas. Em poucas palavras, a política deve prestar atenção para as demandas da cidadania no Brasil. Outras instâncias já estão absorvendo tais demandas. Meu mundo político é a sala de aula e o andar das ruas. Seria uma realização profissional trabalhar como consultor, ajudar na política com ideias e projetos, mas não me vejo atuante na linha de frente da vida pública. O Brasil carece de centros de estudos internacionais. Pensamos e projetamos pouco o Brasil no mundo. Não conhecemos nem bem os nossos vizinhos. Esse é um caminho que ainda penso em percorrer.
Atualmente é possível vermos inúmeras criticas ao sistema universitário público brasileiro, como por exemplo, que este está dominado por uma esquerda dogmática, que não acompanhou às transformações que vêm ocorrendo no mundo, como a revolução tecnológica, às mudanças nas relações de trabalho, etc. A universidade brasileira se tornou obsoleta?Em relação ao mundo político, com certeza a universidade perdeu o rumo da História. Suas pautas são verticalizadas e suas práticas e estratégias não possuem mais o mesmo vigor social de outrora. Existe também um corporativismo nos processos de seleção, o que dificulta a abertura de espaços de diálogo, confronto e disputas de ideias na academia. Outro problema diz respeito às políticas de publicação. Publica-se muito, mas a qualidade é altamente discutível. Por outro lado, destaco pontos muito positivos na universidade. Os temas das pesquisas acompanharam a demanda do social e do político. Novos atores, novas ideias e novos problemas estão sendo bem respondidos. Portanto, vivemos esse impasse na universidade: ótimas pesquisas e um processo de profissionalização da vida acadêmica acompanhado de uma visão retrógrada de esquerda, que não mais consegue pensar a sociedade brasileira como um todo. Esses cursos acerca do "Golpe de 2016" evidenciam tal falência.
Sobre seu livro, no titulo você já diz sobre os caminhos distintos que a esquerda brasileira e a chilena tomaram a partir de 1959, Revolução Cubana. O que seria essa inversão dos caminhos ocorrida entre as décadas de 1950 e 1980?
Desde os anos 1930, as esquerdas chilenas optaram por um caminho do reformismo na política. Reformismo, aqui, não significa desassociar-se de um projeto revolucionário, mas pensar uma revolução por meio de um reformismo leia-se, por meio da política institucional. De outro modo, o comunismo brasileiro alicerçou-se em uma base insurrecional, no que tange seu projeto revolucionário. Falamos aqui, então, da Frente Popular chilena, que percorreu de forma dominante a cultura política da esquerda até o fim trágico do governo Allende, enquanto percorremos outra trajetória com o PCB, quando este assumiu seu caráter insurrecional advindo da Aliança Nacional Libertadora, até meados da década de 1950. No decorrer da década de 1950, contudo, o PCB, colocado em xeque com o suicídio de Vargas, as denúncias contra Stalin e o próprio processo de modernização da sociedade brasileira pós-1946, transformou sua cultura política ao desenvolver uma estratégia revolucionária de caráter reformista e privilegiando a democratização social. Essa estratégia sobreviveu ao golpe de 1964 e deu fruto ao que o historiador Raimundo Santos chamou de pecebismo contemporâneo. Em poucas palavras, o pecebismo acompanhou o processo de democratização da sociedade brasileira ao final do século XX, consagrando sua estratégia ao mesmo tempo em que encerrava seu papel da história. O caso chileno foi distinto, pois após o início do regime pinochetista, sua estratégia direcionou-se para a insurreição, para a rebelião popular. Tal estratégia fracassou e o PCCh viu seu aliado-adversário, o Socialismo, aliar-se à Democracia Cristã e vencer a ditadura chilena por meio de uma estratégia democrática. Atualmente, o PCCh vive uma situação subalterna e esquizofrênica na política chilena, pois voltou a compor alianças, elegeu candidatos novos e inovadores, mas ainda permanece com uma leitura de mundo do século XX ao pensar o Chile no mundo contemporâneo. Algo similar ao que vem ocorrendo com o PSOL e PCdoB no Brasil.
Poderíamos incluir além do PSOL e PCdoB o PT neste processo?
Enquanto uma cultura política que não relaciona democratização social e cultura política democrática, sim. Todos esses três partidos ainda partem de uma visão instrumental da cultura democrática. O apoio ao chavismo e ao castrismo não é mera retórica. No entanto, esses três partidos não advêm da tradição pecebista. Suas referências são outras, assim como seus lugares no mundo da política contemporânea.
E qual o papel atual destes partidos na política brasileira e frente às eleições 2018?
O resignado papel da resistência. Resistir é e será o verbo das eleições de 2018 para esses partidos, como se esse lema fosse encampado ou sentido pela sociedade, o que não ocorre, basta ver o que foram as eleições municipais de 2016. Imersos em um mundo conceitual de resistências, multidões, coletivos e corpos politizados, essa esquerda continuará à margem da modernidade e terá cada vez mais um papel figurativo no poder.
Qual deve ser o papel da esquerda atual no Brasil e quais partidos mais se aproximam desta ideia?
Pragmaticamente, para as eleições de 2018, a esquerda deve compreender que a conjuntura mundial não lhe favorece. A China optou pela autocracia. O Leste Europeu vive uma nova encruzilhada nacionalista. A Europa sofreu uma perda com a saída da Inglaterra, mas ganhou um fôlego com Macron e Merkel, embora a chanceler alemã demonstre sinais de enfraquecimento. Nos EUA, os democratas sofreram uma derrota histórica para um outsider, que mais do que o seu governo, talvez demonstre uma mudança importante no perfil da política e dos políticos no século XXI. A Itália vive um dilema similar. Na América Latina, vivemos agora um novo ciclo da direita, liberal na economia e conservadora na política. Mas não se trata de uma direita antiga, assim como Trump não é a encarnação do mal. Dito isso de forma resumida, a esquerda deve compor uma força de centro, liberal na economia e tensionada no político, pois inevitavelmente terá que conviver com as pautas muito bem organizadas por diversos grupos emergentes da sociedade. O PPS indica essa direção ao manter a aliança tática e estratégica com Alckmin nas eleições de 2018. Fora isso, voltamos a pensar o lulismo, o que por si só é trágico e ultrapassado.
Há pouco tempo ocorreram as eleições presidenciais chilenas. Sebastian Piñera, de um partido liberal, no entanto classificado como conservador venceu Alejando Guillier, social-democrata, que continuaria o governo de Michelle Bachelet, considerado progressista. Como avalia a vitória de um liberal, depois de tantos anos sob um governo social democrata no Chile?
O Chile convive bem com essas trocas de poder. A base social-democrata da sociedade chilena não se rompeu desde o fim do governo Pinochet. Tanto a Concertación como a Nueva Mayoría cumpriram papeis importantes no desenvolvimento social chileno, mas o que muitos não compreendem é que o "neoliberalismo" no Chile funciona. Existe legitimidade. Basta ver o que era o Chile nos anos 1950 e comparar com a Argentina daquela época com a Argentina de hoje. Isso faz com que Piñera consiga trazer a defesa desse legado na economia, renovando a direita em sua visão política. A vitória de Piñera representa a vitória da democracia na América Latina.
Por que hoje existe essa tendência em aliar o conservadorismo político ao liberalismo econômico, e a esquerda, por sua vez, representa o pensamento progressista?
Porque a intelligentsia latinoamericana é filha do jacobinismo. Nossas elites intelectuais pouco compreendem os valores do conservadorismo anglo-saxão. Na América Latina, em sua grande parte, conservador é sinônimo de reacionário. Vejo excrescências desse tipo em textos de intelectuais renomados e jovens pesquisadores, o que mostra uma distância imensa entre o saber e o pensar.
Como anda o inicio de governo de Piñera no Chile e quais suas expectativas para as eleições presidenciais no Brasil?
Com poucos meses na Presidência, ainda considero precipitado emitir um julgamento mais balizado sobre o governo Piñera, mas com certeza veremos um amortecimento das propostas defendidas por Bachelet. Basta ver a crítica em relação ao projeto constitucional elaborado um pouco antes de sua saída. Minhas expectativas para as eleições presidenciais brasileiras estão centradas no debate cotidiano da sociedade brasileira. Para além dos extremismos, devemos pensar em um centro reformista, onde a democracia reconquiste sua relação com a cidadania, e o Estado redimensione seu papel em consonância com a sociedade que o legitima. Temos duas claras opções em 2018: apertar mais quatro anos no século XX ou nos abrirmos para o século XXI. Os líderes da redemocratização, da estabilidade econômica e do desenvolvimento social cumpriram seu papel. Esse legado deve permanecer em conjunto com novas políticas e novas idéias.
FAP Entrevista: Tibério Canuto
O mais importante para o grupo Roda Democrática, na avaliação de um de seus fundadores - o jornalista Tibério Canuto - é a possibilidade de se trabalhar com a pluralidade política, sem aderir a um partido ou candidato político
Por Germano Martiniano
O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é Tibério Canuto. Pernambucano de Palmares, região canavieira que foi o epicentro da agitação de esquerda nos anos 60, ele foi despertado para a política por episódios rumorosos como a “guerra da lagosta” (em 1962, o governador Miguel Arraes proibiu navios franceses de pescarem lagostas no litoral pernambucano). Transferiu a militância política para o Rio de Janeiro e tornou-se presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) em 1967. Dirigente da Ação Popular (AP), foi preso em 1971, um dos anos de maior repressão do regime militar.
Ao ser libertado depois de quase três anos, começou a atuar na imprensa no Jornal da Bahia, e foi ativo colaborador da imprensa alternativa em publicações como Movimento e Em Tempo, que ocuparam papel importante na oposição ao regime militar. Ligou-se nos anos 1980 ao PCB, o “partidão”, sendo membro do Comitê Central desde 1987 e coordenador de comunicação da campanha de Roberto Freire a presidente da República em 1989. Foi, também, assessor do ex-ministro da Educação e deputado Paulo Renato Souza. Atualmente, Tibério continua em militância política por meio do grupo Roda Democrática, do qual é um dos idealizadores.
Em um momento político, no qual a população brasileira frente à corrupção da máquina pública, anda descrente dos partidos políticos, os movimentos cívicos têm ganho, cada vez mais, expressão na sociedade. Um exemplo é o trabalho que vem sendo realizado pelo Roda Democrática. A FAP conversou com Tibério Canuto para conhecer melhor as ações que estão sendo realizadas pelo grupo. Segundo o jornalista, “ele nasceu da iniciativa de antigos militantes da democracia brasileira”. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
“Nosso movimento se converteu em algo bem maior do que uma ação entre amigos e ex-companheiros. Democratas liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas, pós-comunistas, ambientalistas e alternativos passaram a compor um conjunto plural animado pela valorização da política e de uma ética pública democrática e republicana”, disse Canuto.
Tibério Canuto também comenta sobre a diferença da Roda Democrática para outros movimentos cívicos atualmente existentes no país. De acordo come ele, essa diferença está na pluralidade e diversidade do grupo. “Em nosso caso, a contribuição que podemos dar é não ter candidatos da Roda e não aderir, formalmente, a partido 'x' ou 'y'. Preferimos trabalhar com a diversidade do nosso movimento”, destacou.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Tibério Canuto:
FAP - Como surgiu e o que é a Roda Democrática?
Tibério Canuto - Há dez meses, um grupo de antigos militantes da democracia e da justiça social de diversos Estados se reunia no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Vinham de experiências partidárias diversas. Tinham em comum o cansaço com polarizações estéreis e com o debate raso das redes sociais. Para além do passado, os unia a percepção da necessidade de conectar pessoas interessadas no debate público e de contribuir para que se avance na formulação de uma agenda democrática nacional que possa mobilizar os cidadãos. Nascia ali a Roda Democrática. Em pouco tempo, nosso movimento se converteu em algo bem maior do que uma ação entre amigos e ex-companheiros. Democratas liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas, pós-comunistas, ambientalistas e alternativos passaram a compor um conjunto plural animado pela valorização da política e de uma ética pública democrática e republicana, fundamentos para que se possa cogitar da colocação em marcha de um reformismo social amplo e sustentável. Nos poucos meses de existência, a Roda estruturou-se nacionalmente, realizou encontros com Fernando Henrique Cardoso, Cristóvam Buarque, Rogério Chequer, Roberto Freire, Fernando Gabeira, Sérgio Besseman e Miro Teixeira, entre outros.
De que maneira a Roda Democrática pode contribuir no processo eleitoral?
Consideramos de fundamental importância estabelecer diálogo com as candidaturas do campo democrático. Não só com os candidatos, mas também com seus coordenadores, particularmente com os responsáveis pelos programas dos candidatos. Neste sentido, iremos realizar um encontro com Marina no Rio de Janeiro e um encontro com os coordenadores de Geraldo Alckmin, em São Paulo.
O grupo tem a pretensão de realizar diálogos com partidos políticos assim como movimento cívicos têm feito?
Dialogamos com os partidos desde que viemos à luz do dia e consideramos importantíssima a iniciativa do PPS, por exemplo, de dialogar com os movimentos cívicos, de pensar em nova formação política. Dialogar não significa, contudo, aderir organicamente a x ou y partido. Nossa riqueza está no nosso pluralismo e ele será preservado.
O site da Roda Democrática foi lançado nesta semana. Como será o funcionamento? Quem pode e irá publicar?
Nosso site é um espelho de onde a Roda pode mais contribuir: em municiar o campo democrático com massa crítica. Sem nenhum cabotinismo, temos um time de peso-pesado, em matéria de articulistas. Denso e diversificado. Não vou citar nomes para não cometer injustiças. Mas quem acessar o campo “Quem somos” ou quem acessou nossas duas primeiras edições, terá uma ideia do que é nosso diferencial. Com o site, a intenção é elaborar e agregar artigos de opinião, de reflexão teórica e de crítica cultural, vídeos e entrevistas que, como é regra na estrutura em rede na qual vivemos, estão espalhados por diferentes blogues, sites e plataformas digitais. Pretendemos reunir materiais que nos informem e nos ajudem a pensar, aproveitando o que de melhor nos oferece a web. Com isso, queremos facilitar o diálogo reflexivo e o encontro político e cultural de analistas, cidadãos e ativistas. Quem for do campo democrático e queira contribuir com artigos para o nosso site, é muito bem-vindo. Isto pode ser feito pelo “Fale Conosco” do site www.rodademocratica.com.br.
O senhor se assusta com os discursos radicais atuais, como de Bolsonaro? Acredita que nossa democracia está em perigo?
No sentido de uma ruptura democrática, não vejo este perigo. Se algo de bom a maior crise da nossa história demonstrou foi a resiliência do arcabouço institucional advindo da Constituição-Cidadã. Nem mesmo Bolsonaro terá forças para desconstruí-lo. Isso não quer dizer que sua candidatura e a do reverso de sua moeda – o PT – não impliquem em brutal retrocesso que só prolongará a crise brasileira.
O senhor foi preso durante a ditadura militar. Como foi esse período em sua vida? De que forma isso contribuiu em sua formação política?
Prisão e tortura não são medalhas para se pendurar no peito, como muitos ex-presos políticos o fazem. No meu caso, vinha de uma organização esquerdista e dogmática – Ação Popular. Diria, que a prisão foi a minha “universidade”, onde pude estudar a realidade brasileira, deixar de lado os dogmas, como o fetiche da luta armada e de ver o marxismo como religião.
Quais são os principais pontos da política brasileira que devem servir de alicerce para os programas políticos? O que o país mais precisa?
No encontro da Roda Democrática com Fernando Henrique, o ex-presidente fez uma afirmação com a qual tenho absoluta concordância: ganhará a eleição quem der uma resposta satisfatória ao tripé emprego-segurança-ética. Para além dessas bandeiras, o país necessita que o Estado produtor e financiador – no qual se desenvolveram o patrimonialismo, o clientelismo – dê lugar a um estado provedor e regulador. Provedor da igualdade, por meio da extensão dos direitos sociais a todos os brasileiros. Isto significa saúde, educação, saneamento, entre outras coisas.
Como antigo dirigente do PCB, como o senhor avalia a esquerda atual e como ela pode contribuir na eleição presidencial de 2018?
O PCB foi a grande escola política desse país. Gerou uma cultura democrática e de unidade. Essa cultura é extremamente atual. Participei de uma parte da conferência da FAP e ouvi uma frase de Paulo Fábio Dantas que foi como música aos meus ouvidos: “Há esquerda e esquerda, há liberais e liberais”. Ou seja, assim como há uma esquerda democrática e outra autoritária, há liberais sensíveis à bandeira da equidade e liberais fundamentalistas. O inovador – e essa é uma contribuição que o PPS vem dando, é de que a esquerda democrática deve ser um espaço no qual coabitam socialistas, socialdemocratas, ambientalistas e liberais. Em certo sentido, isso aconteceu na frente democrática do velho MDB. Mas por contingência, pela necessidade de unir os diferentes para derrotar a ditadura. Agora não é uma questão de contingência, mas de valor, da fusão entre os valores da democracia liberal com a cultura reformista dos socialistas. Se vivo estivessem, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Severo Gomes, Franco Montoro, seriam da esquerda democrática. Trata-se, portanto, de identificar quem são os Ulysses, os Teotônio, os Severo dos tempos atuais.
* Excepcionalmenter a FAP Entrevista desta semana está sendo publicada nesta segunda-feira (26/3), por conta da realização do Congresso Nacional do PPS, em São Paulo, que terminou neste domingo (25/3).
FAP Entrevista: Soninha Francine
Vereadora pelo PPS-SP, Soninha Francine acredita que o fim do monopólio das organizações criminosas em relação à comercialização da maconha, poderia fazer com que a droga deixasse de ser a porta de entrada para o crime
Por Germano Martiniano
A FAP Entrevista desta semana é com a vereadora Soninha Francine (PPS-SP). Soninha, como é conhecida, é formada em cinema pela ECA-USP, mas foi no jornalismo que ganhou notoriedade, primeiramente, como VJ da MTV Brasil, depois pela TV Cultura e, por fim, como apresentadora da ESPN Brasil. Na vida política, seu primeiro mandato como vereadora foi pelo PT, em 2004, defendendo temas ligados a população LGBT, esporte, cultura, acessibilidade e meio-ambiente, entre outros. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Em 2006, Soninha também tentou ser deputada, também pelo PT, mas não conseguiu ser eleita. Chegou a se candidatar para prefeitura de São Paulo em 2007, quando já estava no PPS. Apesar de não ter ganho as eleições, conseguiu bom número de votos e foi nomeada, pelo prefeito de São Paulo na época, Gilberto Kassab, subprefeita da Lapa. Em 2015, assumiu a Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de São Paulo, no governo de Geraldo Alckmin.
Atualmente, Soninha é vereadora da cidade de São Paulo, eleita com 40.113 votos em 2016. Antes de assumir a vaga na Câmara Municipal, chegou a atuar na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do governo Doria, da qual saiu com a polêmica justificativa do prefeito de não possuir o perfil necessário para administrar a pasta municipal.
“Poderia fazer mais na Secretaria se realmente tivesse poder para escolher equipe, traçar planos e metas, executar programas, gerenciar os recursos. Tive pouquíssima liberdade e cada vez menos poder”, disse Soninha, sobre a demissão para a FAP. A vereadora também conversou sobre outros temas na entrevista, inclusive, sobre a legalização da maconha: “Se o comércio de maconha deixasse de ser monopólio de organizações criminosas, ela deixaria de ser a porta entrada para o crime”, destacou.
Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista:
FAP - Como você avalia este primeiro ano como vereadora da cidade de São Paulo? Quais têm sido os principais desafios e conquistas?
Soninha Francine - Estamos em um momento exemplar de uma das maiores dificuldades aqui: DEBATER. A Câmara tem estado cercada de milhares de manifestantes protestando contra um projeto de lei que não diz o que eles rejeitam! Mas tem sido impossível expor o conteúdo, explicar o que significa, analisar a justificativa, ouvir objeções e sugestões. Diante de qualquer tentativa de diálogo, a reação é "RETIRA"! Mas sim, temos conquistas também, e a melhor delas, paradoxalmente, foi ter contribuído para que HAJA debate na Casa entre os vereadores. No meu primeiro mandato, isso não acontecia. Havia uma divisão na casa que separava governo e oposição, e os debates - na verdade brigas -, não se davam em torno das propostas legislativas, mas alternavam ataques e contra-ataques, muitos deles pessoais. E vereadores muito raramente argumentavam em relação às matérias de colegas. Neste mandato, vejo isso acontecendo com naturalidade e respeito, e me orgulho de ter influenciado nessa direção.
Você chegou a trabalhar na Secretaria de Assistência Social do governo Doria. Está satisfeita como vereadora ou acredita que, na secretaria, poderia estar fazendo mais pela cidade?
Poderia fazer mais na Secretaria se realmente tivesse poder para escolher equipe, traçar planos e metas, executar programas, gerenciar os recursos. Tive pouquíssima liberdade e cada vez menor poder. Sempre se pode fazer muito mais no Executivo, desde que se tenha respaldo. Diante disso, na Câmara, tenho sido mais útil para a cidade, mesmo que nosso trabalho aqui não seja tão visível (mas é muito visado). Mas se eu não tivesse sido secretária e trabalhado com o prefeito nos dois meses anteriores à posse e nos três seguintes, não saberia metade do que sei hoje sobre o atual estado das coisas na administração pública e na assistência social. Como diz um amigo meu (Sérgio Gomes, da Oboré), "não existe trabalho perdido".
Quais tem sido suas principais pautas de trabalho como vereadora?
Costumam me dizer que eu tenho pautas demais. São muitos os temas que me interessam e com os quais me envolvo: populações vulneráveis (população de rua, mulheres, crianças e adolescente, idosos, LGBT, pessoas com deficiência, animais); energia, alimentação e resíduos; cultura, esporte e lazer; saúde mental e política de drogas; moradia, mobilidade e uso do solo; finanças públicas. Como eles são absolutamente interdependentes, não é tão difícil assim. Temos princípios que permeiam todos eles, como transparência, clareza e envolvimento; e as linhas de ação: #fiscalização, #investigação, #articulação, #comunicação, #produçãolegislativa. Juro que a gente mexe com isso tudo e ainda por cima analisa projetos na Comissão de Finanças. Participei de duas CPIs, em uma delas como relatora, e estou indo para a terceira. Passei pela CCJ, sou da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos, da Comissão da Criança e Adolescente, da Subcomissão de estudos sobre a Cohab, da Frente Parlamentar de Assistência Social e da Frente Parlamentar São Paulo 2030. Deve ter mais alguma coisa que estou esquecendo agora...(risos)
Você sempre foi conhecida publicamente por defender pautas progressistas como o aborto, LGBTS, legalização da maconha, etc. Acredita que o país está avançando na discussão destes temas?
Sim, e muito. Embora haja uma onda reacionária, com muitos parlamentares e outras lideranças querendo revogar direitos consagrados e reconhecidos, nunca tratamos com tanta amplitude e visibilidade assuntos delicados como orientação sexual, identidade de gênero, papeis de gênero e até a “bendita” legalização da maconha. Neste caso, pela exaustão cada vez mais evidente do modelo da guerra às drogas. Já vi um apresentador de telejornais policialescos, em emissora ligada à Igreja Universal (ok, a Record..) (risos), dizer: “Não sou a favor dessa história de legalizar a maconha. Mas será que não resolveria? Porque precisamos pensar em fazer de outro jeito, que esse não está funcionando”. Sinal que o tema está cada vez mais próximo de um debate normal e não de um tema tabu.
A violência no Rio de Janeiro trouxe à tona, novamente, a questão da legalização da maconha. Acredita que a legalização poderia amenizar a violência no Brasil?
Tenho absoluta certeza. A narcoeconomia é uma das mais poderosas do mudo, no volume de recursos movimentados e no poder de influência. Compram-se armas e autoridades. Negócios inicialmente legais, como postos de gasolina, são usados para lavagem de dinheiro. Vender drogas é o de menos; vender proteção, privilégios e sedução é o que realmente faz mal à sociedade. Se o comércio de maconha deixasse de ser monopólio de organizações criminosas, ela deixaria de ser a porta entrada para o crime.
A violência na cidade de São Paulo, é muito diferente da que se vê no Rio de Janeiro?
Diferente porque em São Paulo ainda há certos pudores, o que significa que o tecido social está esgarçado, mas não rompido. O Rio se desagregou, de tal forma, que até as regras tácitas do crime em suas relações com a sociedade em geral foram rasgadas. A violência não tem hora nem lugar, não tem idade nem classe social. Jovens fortes agridem mulheres idosas à luz do dia; arrastões acontecem nas praias e nos ônibus; pequenos comércios de bairro são assaltados com fuzis. Rajadas de metralhadora são ouvidas todos os dias em diversos lugares; milícias disputam o poder com o narcotráfico. As contas do estado não fecham e servidores deixam de receber salários e aposentadorias. A violência não perdoa ninguém – os ricos, a classe media e os pobres. O crime organizado é mais escancarado e os governantes, mais envolvidos. É uma comparação macabra, mas reveladora: na disputa pelo comando do tráfico na Rocinha, uma facção invadiu a favela com grande estardalhaço, deixando um rastro de violência e mortes à sua passagem. Na guerra entre lideranças do tráfico em São Paulo, três foram eliminados cirurgicamente (dois no Ceará, entre eles Gegê do Mangue, e um em São Paulo), sem atingir ninguém à sua volta. No Rio, com armas à vista o tempo todo como sinal de status, mais jovens são seduzidos pela vida de violência, agressividade e risco.
Como avalia o governo Doria? Há quem diga que ele abandonou um pouco a cidade durante um tempo, quando se empolgou com a corrida presidencial, você concorda?
Acho que foi menos a empolgação e mais o desapontamento com a própria prefeitura. O prefeito confiou demais no poder da motivação, empolgação e parcerias com o setor privado; não conhecia a profundidade abissal da burocracia e dos problemas da cidade, nem a complexidade das relações políticas. E ainda teve de lidar com uma lei orçamentária muito mal feita (receitas superestimadas e despesas subestimadas) e um aperto financeiro significativo. O melhor do governo João Dória é o Secretariado, que já sofreu algumas baixas, mas ainda tem nomes espetaculares, de muita seriedade e competência.
Qual sua expectativa para as eleições presidenciais deste ano? Acredita em renovação política?
Sempre torço e, prudentemente, nunca aposto em renovação política. Cansei de ouvir dizer duas profecias furadas: "Fulano está morto para a política" e "Desta vez, as pessoas vão votar diferente". Os defuntos vivem emergindo vitoriosos das urnas. Mas se não acreditar em renovação, ou ao menos em mudanças para melhor, não tenho por que continuar nessa vida. Certamente vou me engajar na campanha de algum candidato a presidente, aquele que combinar postura, ideias e competência necessárias para ter meu voto, e que tiver mais chances de derrotar os mais horrorosos.
FAP Entrevista: Fernando Gabeira
Gabeira defende parcialmente a intervenção federal no Rio de Janeiro e divide a esquerda atual entre os que veem a democracia como um fim e aqueles que a enxergam como um meio para promover uma ditadura
Por Germano Martiniano
Fernando Gabeira Gabeira é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, uma série de entrevistas com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Um dos mais reconhecidos escritores e jornalistas do país, atualmente ele faz o “Programa do Gabeira”, que é exibido pela Globo News, onde viaja por todo o Brasil conhecendo e relatando os problemas de cada região.
Gabeira participou da luta armada contra a ditadura, foi membro-fundador do Partido Verde, no qual foi eleito deputado federal em 1994, sendo reeleito em 1998. Em 2002 trocou o PV pelo PT e foi eleito novamente. Porém, no final de 2003 abandonou a legenda petista por considerar inaceitável a conduta do partido no inicio do governo Lula. É autor do livro “O que é isso, companheiro?”, em que busca compreender o sentido de suas experiências - a luta armada, a militância numa organização clandestina, a prisão, a tortura, o exílio - e no qual elabora, para a sua e para as gerações seguintes, um retrato autêntico e vertiginoso do Brasil dos anos 60 e 70.
Ele atendeu a FAP, por telefone, no Ceará, onde está gravando mais um programa para Globo News. Na entrevista, Fernando Gabeira falou sobre as eleições 2018, meio-ambiente, a esquerda atual e, logicamente, se aprofundou sobre a violência na capital carioca. Para ele, a intervenção federal é mais preocupante que o tráfico de drogas: “o objetivo deveria ser reduzir as armas e não acabar com o tráfico de drogas, que me parece com resultados muito distantes no horizonte”, avalia.
Confira trechos da entrevista:
FAP - Como você analisa a violência na capital carioca e a intervenção federal?
Fernando Gabeira - Analiso a violência no Rio de Janeiro como algo bastante sério e estou de acordo com a intervenção federal desde que ela cumpra os seguintes aspectos:
1) Ela deve ter um prazo claro de saída, não um prazo de calendário, mas a partir da tarefa que ela precisa executar que é normalizar a situação na cidade, pelo menos reduzir o índice de criminalidade e devolver a polícia a sua operacionalidade para ela continuar seu trabalho;
2) Que respeite a população, que não trate a população da favela como se estivessem em um território hostil, mas sim como uma população amiga comandada por forças hostis;
3) Que não seja acompanhada de ocupação em várias favelas, pois, este meio já se provou inadequado, nenhum exercito tem condições de ocupar todas as favelas do Rio;
4) Que estimule a Lava-Jato a realizar seu papel, que é completar a limpeza na política brasileira e do Rio de Janeiro, porque ainda tem muita gente que precisa ser alcançada;
5) Que explicite para população quais são seus propósitos para haver uma maior interação entre o cidadão e o poder público;
6) Por fim, defendo a intervenção, não por achar que todo estado que tem violência deve ter intervenção federal, porém o caso do Rio de Janeiro há dois fatores que justificam a intervenção, o primeiro é a ruina do estado provocada pela incompetência e corrupção do grupo político que ainda está lá, e segundo é a ocupação territorial armada, ocupação do território com pessoas armadas é algo que deve ser combatido em qualquer lugar do Brasil.
O senhor acha que a legalização das drogas seria uma das soluções para o problema da violência na capital carioca e no Brasil?
Essa questão está sendo debatida pelo próprio ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que pediu que houvesse um debate na sociedade sobre a diferença entre tráfico e consumo. Eu acho que a legalização pode potencialmente trazer algum alívio para a violência, mas ela pode trazer também uma série de fatores colaterais que demandariam uma polícia mais bem organizada para tratar deles. Por isso que eu defendo que este tema seja posterior a reformulação da polícia.
O senhor tem um programa na Globo News, no qual viaja o país conhecendo e relatando os problemas de várias regiões. Apesar de todos os problemas sociais e políticos, é possível ver o futuro do país com otimismo?
Eu vejo com otimismo moderado, não creio que estas eleições irão resolver muitos problemas. Mas sinto tanta vontade no Brasil de que as coisas melhorem, que exista mais progresso, mais emprego, que acho que este desejo vai acabar se materializando de alguma maneira. Estas eleições não trarão uma mudança excepcional, mas acho que os caminhos das modificações estão abertos, inclusive já foi aberto no campo da economia, pois a crise mais profunda já foi estancada. Agora é possível pensar em crescimento, crescimento sustentável, reforma politica e também em outras reformas que o país necessita.
Qual deve ser o eixo central, em sua visão, para podermos construir um pais mais justo e mais democrático?
É preciso seguir reconstrução econômica e dentro deste processo discutir a previdência social, pois ela é um grande problema para o Brasil. Precisamos discutir também o processo de modernização do país, de inovação que possa fazer com que ele avance economicamente de uma forma mais firme. Portanto, vejo que no campo da economia precisamos resolver estes dois fatores: solução dos gastos do Estado, principalmente a previdência e do problema do atraso tecnológico e cientifico. No campo político precisamos de uma reforma que reaproxime os grupos políticos do cidadão brasileiro, pois as mudanças que foram feitas na Câmara dos Deputados no “apagar das luzes” foram muito mais para manter o esquema dominante do que para permitir uma renovação.
Acredita em renovação para 2019?
Acredito em uma renovação modesta, não em grande escala. Alguma renovação haverá, pois tem muita gente trabalhando para isso, há muitos grupos trabalhando para renovação e creio que a população irá olhar com muita simpatia para quem ainda não ocupou nenhum cargo público.
O desmatamento na Amazônia, além de outras regiões do país, continua com números alarmantes. O que falta ao país para protegermos todas nossas riquezas ambientais?
O que falta no país é uma consciência de que a proteção das riquezas ambientais acaba sendo a médio e longo prazo mais interessante para economia e para prosperidade do próprio país. De modo geral, a tendência é ter uma visão mais imediatista. O Brasil é um país é muito grande muito, então nossa tendência histórica é de se destruir uma região acreditando que haverá outra para se explorar. Este processo está se esgotando e o Brasil muito breve deverá compreender, não por uma questão de uma consciência moral, e sim por questões econômicas, a importância da água, da diversidade natural. Tudo isso são elementos que definirão uma economia do futuro. Porém, sempre haverá uma luta muito grande entre as pessoas que veem o desenvolvimento do Brasil a longo prazo e aqueles que querem ter um lucro em curto prazo. Hoje, no congresso brasileiro existe uma tendência mais forte em favorecer o curto prazo.
Como o senhor vê a esquerda brasileira atual? Ainda existe esquerda?
Com os acontecimentos que surgiram e com a experiência que foi adquirida neste início de século, as tendências em dividir a sociedade entre direita e esquerda, podem ainda existir, porém não representam mais unanimidade. A sociedade atual, às vezes, aceita soluções de direita; às vezes, aceita soluções de esquerda no mesmo governo. Claro que a complexidade social é tamanha, que nenhuma das duas visões pode resolver sozinha a situação. Cada momento, cada problema, demanda uma análise e solução específica. Um dos parâmetros fundamentais da esquerda, que creio ter possibilidade ainda de avançar e obter maiores êxitos, é o fato de ela ser ou não democrática. Essa é uma linha divisória no interior da esquerda brasileira. As pessoas que acreditam que o processo deve ser democrático e que enxergam a democracia como um fim, e no processo contrário, as pessoas que enxergam a democracia como um meio para se promover uma ditadura. Este é um marco importante, que define duas visões de esquerda. Hoje, por exemplo, só uma minoria da esquerda brasileira rejeita o governo da Venezuela. Outros consideram que o Bolivarianismo é um governo legitimo, popular e progressista, quando na verdade ele não representa mais que uma tentativa de usar a democracia para implantar uma ditadura.
FAP entrevista: Jorge Caldeira
Caldeira é jornalista, cientista político e autor do livro que mexeu com o mundo acadêmico brasileiro em 2017, ao colocar em xeque dados tradicionais da história econômica brasileira
Por Germano Martiniano
A história da economia brasileira, lida e entendida por meio de clássicos como os do economista Celso Furtado e do historiador Caio Prado Júnior, que construíram narrativas aceitas e respeitadas pela academia e pelo público, sustentou, durante décadas, que o Brasil colonial foi um período marcado pelo monopólio de exportações dos latifúndios brasileiros para a metrópole portuguesa e que, desta forma, não havia no mercado interno diversidade comercial.
Jorge Caldeira, jornalista e cientista político, em seu livro, História da Riqueza no Brasil, põe em xeque esta leitura tradicional da história econômica brasileira. O novo livro de Caldeira, considerado pela critica um dos principais lançamentos de não ficção nacional em 2017 (Folha de São Paulo), sustenta que além da economia de subsistência e de exportações para metrópole, havia também um vigoroso mercado interno, movido à base de trocas informais de gêneros básicos e produtos artesanais.
Para Caldeira uma nova visão sobre os acontecimentos passados é possível devido a métodos mais sofisticados de pesquisa. “O historiador atual, devido ao computador e a internet, tem mais acesso, em poucas semanas, a documentos do que um grande erudito que estudou e pesquisou a vida inteira”, diz Caldeira, que se valeu da antropologia e da econometria, esta um método inovador capaz de medir quantitativamente dados econômicos passados, para realizar suas pesquisas.
Na entrevista abaixo, gravada em vídeo, durante o Seminário O Brasil no mundo em transformações, realizado neste sábado (3) em São Paulo, pela Fundação Astrojildo Pereira, Caldeira fala à FAP sobre os métodos inovadores usados em seu novo livro, como isso modificou o olhar sobre a história econômica brasileira e também sobre o atual momento econômico do país e o que esperar do novo presidente na área econômica a partir de 2019. Confira!
Parte I
https://youtube.com/_B1TQouvIo4
Parte II
https://youtu.be/HTa86gkWeiQ
Parte III
https://youtu.be/sOYisr9W4rw
FAP Entrevista: Marco Aurélio Nogueira
A renovação política não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias, acredita o cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira
Por Germano Martiniano
A partir deste domingo (25/2), a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) inicia uma série de entrevistas com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Milhões de brasileiros irão eleger um novo presidente, governadores, deputados e senadores e ter subsídios que os permitam fazer uma boa escolha é fundamental.
Basta lembrar que hoje o Brasil ainda vive um cenário político indefinido quanto aos possíveis concorrentes à Presidência da República, por exemplo, e isso a pouco menos de seis meses para o início das campanhas autorizadas pelo Tribunal Superior Eleitoal (TSE). Situação que tende a ser agravar, inclusive, por conta do clima de acirramento entre as diversas forças políticas existente hoje no país. Além disso, situações extraordinárias conturbam ainda mais o dia a dia dos brasileiros, como a que Estado enfrenta atualmente, em função da intervenção federal decretada no Rio de Janeiro, neste mês, por conta da insegurança que ameaça toda a população. E, em função da própria intervenção, reformas importantes para todos os brasileiros, como a da Previdência - que é uma Proposta de Emenda à Constituição (PAC) - estão suspensas, o que complica ainda mais o quadro geral.
É nesse cenário que pode impactar fortemente a opinião do eleitor brasileiro que a FAP conversou com o cientista social, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marco Aurélio Nogueira.
De acordo com Nogueira, a intervenção militar no Rio de Janeiro, prevista para ocorrer até o final de 2018, pode não ter o resultado esperado: “É muito pouco tempo para que se tenha uma política de segurança em termos ideais, ainda que possa ajudar a melhorar o clima de pânico que vive a população carioca", avalia. Sobre as eleições presidenciais e a esperança de renovação política, ele acredita que a questão do "novo" não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias.
Confira, a seguir, trechos da entrevista com Marco Aurélio Nogueira:
FAP - Seu último artigo publicado no Estado de S. Paulo foi sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro. O senhor acredita que ela é necessária? Quais seriam as soluções a longo prazo?
Marco Aurélio Nogueira: Penso que não dá para cravar que a intervenção será ou não um sucesso, se será ou não uma medida paliativa. Ao menos por enquanto. No curto e médio prazo, pode-se esperar algumas iniciativas que alcancem a organização das polícias (neutralizando seus focos de corrupção e ineficiência, por exemplo) e ponham um certo "freio" nas ações do crime organizado. Um aumento do policiamento ostensivo poderá ajudar a que se reponha um clima de menos pânico na população. O problema da segurança, porém, não será resolvido por essa via. Necessitará de uma política pública específica, bem articulada e vinculada em termos horizontais com outras políticas da área social, a educação, a saúde, a cultura, a habitação. Sem isso, não há como avançar. A intervenção irá se estender até o final de 2018. É muito pouco tempo para que se tenha uma política de segurança em termos ideais, mesmo que se saiba que existem boas propostas e diretrizes já apresentadas pelos estudiosos da questão. Tais propostas precisarão ser processadas politicamente, o que não é fácil de ser feito num ano eleitoral e no atual quadro político nacional.
No mesmo artigo o senhor cita que Temer poderia tirar certos benefícios desta intervenção, uma vez que a reforma da Previdência perdeu força. Acredita que Temer, mesmo diante de todas as dificuldades que seu governo enfrenta, possa se candidatar para presidência com chances de vitória?
Não acredito que o governo Temer possa adquirir prumo e força para definir um candidato que o represente nas eleições e tenha chances de vitória. É um governo fraco, que nasceu torto, com um ministério pouco qualificado e uma coordenação política marcada pelo fisiologismo. Pau que nasce torto, morre torto. O melhor que se pode imaginar e desejar é que o governo Temer conclua seu período sem ceder às suas alas mais problemáticas.
Quais os prejuízos com o arquivamento da reforma da Previdência?
Há um consenso de que a reforma da Previdência é importante para o futuro do país. Mesmo que não se tenha concordância total com os passos reformadores a serem dados, a maior parte dos gestores, políticos e estudiosos concorda que algo precisa ser feito. A dificuldade para se construir um "consenso total" esteve o tempo todo na dinâmica que levou à não aprovação de medidas reformadoras, que foram tentadas em governos anteriores. Temer procurou eleger a reforma como sua marca e não conseguiu, ainda que tenha se valido de táticas pouco republicanas e pouco democráticas para formar uma maioria. Isso ocorreu, em boa parte, porque lhe faltaram condições políticas e operacionais para agir como reformador num quadro político traumatizado pelo impeachment e mergulhado em crise. O arquivamento de agora é uma espécie de morte anunciada. É prejudicial, mas não creio que se deva exagerar no reconhecimento disso. Reformas previdenciárias só vingam quando forem realizadas em um tempo longo, incremental. O próximo governo, se sair das urnas com força e se for composto com qualidade técnica e política, terá condições muito melhores de enfrentar o tema.
O centro da política brasileira é um “espaço bastante amplo”, como o senhor citou, no caso das eleições presidenciais. Há chances de sair do Centro algum candidato que apresente algo novo para o país, ou teremos “mais do mesmo” nestas eleições?
Chances existem sempre e podem ser ou não aproveitadas pelos articuladores políticos (técnicos, intelectuais, candidatos). A situação atual é ruim no plano da articulação, mas tem como contraponto positivo a pressão social, a manifestação popular de descrença na política, a indignação contra a corrupção, os privilégios e a ineficiência dos políticos, e assim por diante. Será preciso, também, qualificar o que se entende por "novo". Estaríamos pensando em um "nome novo" ou em uma "nova proposta" e um "novo projeto"? Para mim, em política, a questão do "novo" não se resolve em torno de nomes, mas sim de forças organizadas e ideias. Desse ponto de vista, um nome "velho" poderá ser o eixo em torno do qual se organizem forças dispostas a sustentar uma iniciativa política de novo tipo. Se isso irá ou não sair do "centro político" é algo em aberto. Mas, certamente, não poderá sair nem dos extremos da direita e da esquerda, nem de um centro concebido como extensão passiva do governismo. Tenho pensado que um centro democrático consistente precisará estar "inclinado à esquerda" e aberto para a sociedade. Somente assim poderá representar um passo adiante.
Muitas pessoas acreditavam que a força do discurso extremista de Bolsonaro provinha do fato de ele ser uma oposição real a Lula. Com o petista, momentaneamente, fora das eleições, Bolsonaro é um candidato com reais chances de vitória?
Não consigo ver Bolsonaro como um candidato com chances de vitória. Creio que ele já bateu no teto e tenderá a retroceder na medida em que o debate eleitoral avançar. É um político despreparado demais e com pouca inteligência emocional para enfrentar as interpelações que um debate público apresentará. Seu discurso é pobre e monotemático, não consegue abraçar a multiplicidade de temas e problemas que uma sociedade complexa como a brasileira apresenta.
O senhor acredita que a força do discurso de Bolsonaro, de extrema direita, também se deve ao fato da esquerda brasileira atualmente não apresentar soluções para os problemas do país?
Bolsonaro não cresceu hoje: sua ascensão vem de alguns anos para cá. Políticos como ele sempre se beneficiam de espaços deixados vazios pelas forças democráticas, sobretudo em termos da apresentação de soluções e ideias inovadoras. A esquerda não contribuiu muito, nos últimos anos, para que isso aparecesse. Mas não foi somente ela, e sim o conjunto dos democratas.
A esquerda brasileira, hoje, enfrenta uma crise de identidade?
Acho que a crise da esquerda, que é de dimensão universal, não é só de identidade. É uma crise programática e organizacional também. A identidade de esquerda continua a ser reconhecível e a funcionar como critério de diferenciação na política. O que falta é uma visão abrangente do mundo em que vivemos e das reformas que precisam ser concebidas para que esse mundo contenha um futuro melhor. Falta uma ideia de como deve se organizar a esquerda, com suas várias correntes, se a forma continuará a ser o partido político ou não. Há muitas interrogações e lacunas nesse terreno. A reflexão crítica, teórica, está devendo.
O que o senhor espera do próximo presidente brasileiro a ser eleito em outubro?
Redução da desigualdade, educação de qualidade, saúde pública, respeito aos direitos humanos e combate à corrupção. Se conseguirmos avançar, nos próximos quatro anos, nesses pontos, o país mudará de patamar.