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FAP Entrevista: Rogério Baptistini Mendes
A tarefa do centro político é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições, avalia Baptistini
Por Germano Martiniano
Faltando apenas três dias para as eleições, as chances de se modificar um quadro marcado pela forte polarização política são quase mínimas, segundo as pesquisas eleitorais do Ibope e Datafolha. Tudo indica que teremos um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, ou até uma vitória do candidato da direita no primeiro turno. Essa tendência de que há pouquíssimas chances para o centro político se confirmou por meio da debandada da bancada ruralista, que até então apoiava Alckmin, para o lado de Bolsonaro.
Diante desta nova realidade, muitos analistas já começam a conjecturar qual deverá ser o papel do centro político brasileiro e da esquerda democrática diante dessas duas possibilidades que se apresentam. Para Rogério Baptistini Mendes, doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e dirigente da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), o centro político deverá ser “responsável e propositivo” em um possível segundo turno e também nos próximos quatros de governo de Bolsonaro ou Haddad. “A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições”, acredita o sociólogo, entrevistado da série FAP Entrevista.
A FAP Entrevista é uma série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras (excepcionalmente estamos publicando nesta sexta-feira, 05/10), com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Tudo indica um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Entre os dois, qual seria o melhor ou o menos pior para o Brasil?
Rogério Baptistini Mendes - Considero a polarização entre Bolsonaro e Fernando Haddad ruim para o país. Ela aponta para o esgotamento do sistema partidário competitivo surgido com a transição democrática e para a persistência de uma cultura política autoritária e messiânica, o que torna ainda mais dramática a conjuntura que enfrentamos. É pouco provável que o resultado das urnas apazigue a sociedade e seja capaz de produzir consensos em torno das reformas necessárias para que o Brasil reencontre o caminho do desenvolvimento econômico, supere os males herdados e se projete vigoroso rumo ao futuro, com democracia e justiça social.
E quanto ao centro político, que posição deveria ter em um eventual segundo turno?
Nós, do centro, caso se confirme o quadro atual, devemos nos manter neutros no segundo turno. A nossa tarefa é garantir a democracia, a agenda reformista e um padrão civilizado de governabilidade no após eleições. Temos história, experiência, responsabilidade e visão pública dos problemas. Num ambiente fissurado, teremos de conduzir nossa energia para produzir a justa medida, o equilíbrio, e impedir que o aventureirismo oportunista desgrace o destino dos brasileiros.
Do ponto de vista das reformas que o Brasil necessita, qual destes dois governantes têm mais capacidade de realizá-las e qual deve ser a prioridade do próximo governo?
Em se tratando da pauta das reformas, Bolsonaro e Haddad parecem igualmente incompetentes para realizá-las. O primeiro por estar descolado dos partidos e do sistema político, restando como um deputado marginal, afastado do grande debate; o segundo por atuar como preposto de Lula e representar um partido de vocação nitidamente exclusivista e reacionária.
Em um próximo governo, independentemente de quem seja o vencedor destas eleições, qual deverá ser o papel do centro político?
Conforme afirmei antes, o centro deve ser responsável e propositivo. Deve, também, atuar fortemente no sentido educativo, qualificando a sociedade para democratização da democracia. O Brasil precisa de uma cultura pública robusta, capaz de conduzir ao consenso e reduzir a algaravia que deprime e rouba o ânimo. Os partidos e as forças que compõe o centro devem, para usar termos datados, produzir uma hegemonia cultural a partir da ação cotidiana e resgatar a ideia moderna e civilizada de que a oposição política é um direito democrático e deve ser exercida para o aprimoramento das vontades políticas.
O senhor é doutor em sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), portanto conhece bem a realidade de São Paulo. O estado é o mais desenvolvido do Brasil, ainda que com todas suas mazelas. Por que Alckmin, que foi governador várias vezes, não consegue cair nas graças da população brasileira?
Creio que o eleitor perdeu a confiança no sistema de partidos saído da redemocratização. O PT, um dos maiores partidos, contribuiu muito para isso. Desde sempre fez a campanha da acusação e da desqualificação do sistema do qual ele próprio faz parte. Hoje, candidatos ligados aos partidos tradicionais, considerados pelos eleitores como “políticos profissionais”, estão sem prestígio, são vistos com desconfiança e desprezo. E o moralismo de setores da mídia e do judiciário só piora as coisas!
O Governador Alckmin, com sua trajetória, apoiado por partidos de expressão e lideranças inquestionáveis, é vítima de um fenômeno paradoxal: o público não partilha uma convicção política, pública, do maior dos problemas públicos, que é o governo da sociedade política. Ao contrário, o público está atormentado por questões morais e visões particularistas e excludentes acerca do destino comum.
O movimento #EleNão, ainda que embutido de todo um sentido ético de valorização da mulher e contra o machismo, não impediu que Bolsonaro crescesse nas pesquisas. Ocorre no Brasil o mesmo que ocorreu nos EUA com Trump: o eleitor em sua maioria está mais preocupado com quem fale de segurança, economia, emprego, po r exemplo, do que com pautas identitárias?
O #EleNão fez o que poderia ter feito. E recebeu a resposta que era esperada da parte contrária. Os grandes problemas estruturais, nesta eleição, estão emaranhados e confundidos com os temas comportamentais e de costumes. E este é um dos motivos que reforça ainda mais a nossa responsabilidade. O centro político terá de garantir o pluralismo e a tolerância como bases de uma democracia democrática. E quando digo “democracia democrática”, quero dizer que as regras do jogo reclamam uma cultura política que as sustente.
O PT, ainda que com todas as críticas que se possa fazer, é um partido que sabe fazer política. Onde se vai, de sindicatos à universidades, se vê um “braço” petista. Por que outros partidos no Brasil não conseguem fazer o mesmo?
Nós também sabemos fazer política. E, tenho convicção de que fazemos a grande política. Não a política pequena, dos particularismos, do atraso, dos vícios privados. Esta política não nos interessa, mas interessou ao PT e ajudou a consumar o estado de coisas atual.
O senhor acredita na tese do fatalismo, que o Brasil está jurado à ditadura de esquerda ou de direita, com Haddad ou Bolsonaro? Ou já temos instituições consolidadas o bastante? Temos um Congresso efetivo e uma população mais participava que possam impedir um governo autoritário?
O Brasil será uma grande nação. Em menos de um século, transformamos com o trabalho de nossa gente um país rural e exportador numa grande sociedade urbana e industrial. Ocupamos o território, formamos um só povo. Hoje, estamos prestes a completar 30 anos sob uma constituição democrática, com a rotina das eleições, uma cidadania ativa e o respeito ao ordenamento jurídico. Há muito trabalho a ser feito. O acerto de contas com o passado e as reformas que nos insiram no futuro. Mas estamos preparados. Há que se manter o otimismo e a disposição.
FAP Entrevista: Ana Stela Lima
A máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, impede que o discurso do centro ganhe aderência nacional, avalia Stela
Por Germano Martiniano
Faltando exatos sete dias para as eleições brasileiras, o Datafolha, na última sexta-feira (28), publicou que Bolsonaro e Haddad seguem na liderança da corrida presidencial e fariam hoje o segundo turno. Ciro estacionou e Alckmin subiu de 8 para 10 pontos percentuais.
Como descreveu Demétrio Magnoli, sociólogo, nesta semana para o jornal A Folha de São Paulo, este quadro em que Haddad enfrentaria Bolsonaro no segundo turno é tudo o que petista quer para desfilar seu discurso a favor da democracia, do multiculturalismo e do assistencialismo aos mais pobres.
Mesmo a sete dias das eleições, Ana Stela Alves de Lima, bancária, presidente do Sindicato dos Bancários de Campinas e dirigente da FAP, ainda acredita que pode haver uma mudança deste quadro polarizado. Stela também disse em entrevista para FAP que o não sucesso do centro político, por enquanto, se dá por conta da propaganda do PT, que faz uma campanha mentirosa.
“A máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, sempre é mais eficiente para apontar problemas e culpados no governo dos outros, vide a questão educação em São Paulo”, disse Stela para FAP Entrevista.
A FAP Entrevista é uma série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Após essa última pesquisa do Datafolha, pode-se dizer que as chances do centro político chegaram ao fim?
Ana Stela Lima - Não, em uma semana ainda é possível que as coisas mudem, já temos situações como esta em várias eleições.
Demétrio Magnoli, sociólogo, escreveu em seu último artigo que um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro é tudo o que o petista quer, pois poderá usar o discurso da democracia, do multiculturalismo, dos representantes do pobres, por exemplo. Haddad contra Bolsonaro no segundo turno é vitória certa para o PT?
Com esta situação no segundo turno, Haddad e Bolsonaro, a decisão será entre o ruim e o pior. Bolsonaro não é alternativa, o PT é o PT, mas ainda será possível que os partidos de centro exijam compromissos que deem a eles governabilidade em troca da não venezuelizacao.
No que o centro político errou e como reconstruí-lo?
O centro político que está na disputa fez a política certa, mas a máquina de propaganda do PT, mentirosa e populista, sempre é mais eficiente para apontar problemas e culpados no governo dos outros, vide a questão educação em São Paulo.
Haddad prometeu, caso ganhe a eleição, diminuir os spreads bancários. A proposta faz parte do pacote de medidas populistas do governo petista, no entanto, pode levar à redução dos créditos bancários. Como bancária e sindicalista, qual sua visão sobre essa proposta e do modelo assistencialista do PT?
O período de ouro para os banqueiros foi no governo Lula. Nunca o sistema financeiro nacional tinha ganho tanto dinheiro até então. Dilma tentou aumentar a concorrência bancária dando gás aos bancos públicos para oferecerem credito mais barato. Os bancos privados seguraram o crédito e aguardaram acabar o fôlego dos bancos públicos e então tudo voltou ao normal para eles. Pelo que temos visto, os bancos vão baixar os juros e diminuir o spreed bancário por conta da concorrência com as fintechs, das cooperativas de crédito, da retomada econômica, que diminui o risco para eles e da queda da taxa de juros Selic, que os obriga a emprestar para seus clientes ao invés de comprar títulos do governo que são seguros, rentáveis e não exigem esforço.
Como a senhora avalia o modelo nacional desenvolvimentista do PT e do plano econômico de Paulo Guedes para o Brasil?
Modelo desenvolvimentista todo mundo gosta, precisa explicar melhor como não vão continuar quebrando o país. O Paulo Guedes também tem ideias que todos querem para equilibrar as contas do estado. Precisa explicar o que fazer com o povo.
Hoje temos uma vertente da esquerda que se aproxima do liberalismo econômico, que é a favor de um estado regulador e não provedor. O Brasil, com todas suas mazelas sociais, necessita de estado assistencialista?
O estado não pode perpetuar a dependência dos cidadãos. Também neste quesito reformas, que realmente são necessárias, há de se levar em conta os interesses que estão em jogo. A reforma da previdência, por exemplo, se faz necessária porque, entre muitas outras coisas, aumentou a expectativa de vida da população, mas não se pode dar a previdência para os banqueiros cuidarem.
O que a senhora espera do Brasil, como um todo, cidadãos, classe política, empresas e todas nossas organizações para os próximos quatro anos?
Seja como for, tudo está certo. A população terá que aprender a pensar em política de forma mais consciente. Os políticos já estão vendo consequências de mau uso do dinheiro público como nunca se viu. A sociedade enfim está mostrando realmente o que pensa e com isso também vemos o seu lado egoísta e preguiçoso, buscando algum super herói que lhe resolva os problemas. Mas tudo isso já estava aí, faltava escancarar. Acho que podemos sair melhores de tudo isso.
FAP Entrevista: Miguel Arcangelo Ribeiro
Na política, o resultado só se revela após a abertura das urnas, avalia Ribeiro
Por Germano Martiniano
O cenário político brasileiro se afunila a cada dia a caminho da polarização. Na última pesquisa realizada pelo Ibope, Bolsonaro subiu dois pontos, chegando aos 28%, enquanto Haddad foi para os 22%. Ciro se manteve com 11% e Alckmin subiu de 7% para 8%, um crescimento fraco para o candidato do PSDB, que agora tenta sua última “cartada” na rejeição de Bolsonaro, que perderia para o PT no segundo turno. A avaliação da equipe do tucano é: quem quiser evitar o PT deve ir de Alckmin, pois Bolsonaro não tem condições de vencer Haddad.
Mediante este quadro polarizado, quem perde é o centro político que não conseguiu emplacar ainda nenhuma candidatura. Há tempo hábil para mudar essa configuração? Quem nos responde é o advogado e atual presidente da Fundação de Arte e Cultura da cidade de Nova Iguaçu (RJ), Miguel Arcangelo Ribeiro, entrevistado da FAP Entrevista, série que está sendo publicada aos domingos e, agora, às quartas-feiras (excepcionalmente será publicada hoje, quinta-feira ), com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano, que são as eleições.
“A pesquisa citada revela que o candidato da extrema direita pode estar em uma encruzilhada. No Sul está em tendência de queda. Sua rejeição aumentou. No segundo turno perde para o candidato da extrema esquerda”, avalia Miguel Ribeiro. "Alckmin ainda pode crescer se valendo da forte rejeição que Bolsonaro possui", acredita.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Como o senhor avalia essa última pesquisa Ibope, que traz Bolsonaro com 28% das intenções de voto e Haddad com 22%?
Miguel Arcangelo Ribeiro - Avalio com muita preocupação. As duas candidaturas representam lados extremos da política, lados avessos ao diálogo. Os índices de rejeição das duas candidaturas apontam que, no caso de vitória de qualquer um dos extremos, o país permanecerá dividido.
O senhor crê que ainda existe alguma chance do chamado centro político reverter este quadro?
Em política, o resultado só se revela após a abertura das urnas. A pesquisa citada revela que o candidato da extrema direita pode estar em uma encruzilhada. No Sul está em tendência de queda. Sua rejeição aumentou. No segundo turno perde para o candidato da extrema esquerda. Vejo que há possibilidade de revertermos esse quadro levando um nome do centro democrático para o segundo turno. Não há facilidades para isso. Mas é possível!
Analistas políticos dizem que a candidatura de Alckmin não decolou devido a fatores como ter subestimado Bolsonaro, nunca ter sido unanimidade no PSDB; a fragilidade do PSDB frente às acusações de corrupção a vários de seus dirigentes, entre eles, Aécio Neves e por fim, por acreditar demasiadamente no “latifúndio” de televisão em tempos de redes sociais. O senhor concorda?
São argumentos válidos para uma análise depois dos fatos ocorridos. Essa eleição, até o momento, está marcada por situações bem peculiares. Quem imaginaria que um candidato sofreria um ataque de arma branca numa caminhada? Entendo que, diante fatos como este, a discussão política sobre o país que desejamos construir foi deixada de lado. Essa era a estratégia da candidatura Alckmin. Ele não conseguiu que sua pauta sobressaísse, o que os dois extremistas, através do marketing eleitoral, conseguiram.
Uma das apostas remanescentes para Alckmin é alertar o eleitorado anti-petista que, se quer evitar o retorno do PT ao poder, não devem votar em Bolsonaro, pois o candidato do PSL perde para todos em um possível segundo turno. Essa aposta pode dar certo?
Espero que essa aposta tenha êxito. Entendo que a candidatura de Geraldo Alckmin é o melhor caminho para o país.
Lideranças como Fernando Henrique Cardoso, Marcus Pestana, Cristovam Buarque, entre outros, criaram o Ato do Polo Democrático e Reformista com intuito de se evitar a polarização política no país. Esse Ato, no entanto, não teve aderência social. O que faltou?
Em camadas da população há uma descrença na política. De um lado, os mais abastados, que querem do Estado a segurança. Do outro lado, grande contingente da população que necessita de apoio do Estado para as questões mais básicas. A construção política pelo centro é mais complexa. Exige responsabilidade com a coisa pública. Nossa opção não permite bravatas como os dois candidatos extremistas jogam nas suas campanhas. De qualquer maneira, se os extremistas forem para o segundo turno, haverá necessidade de que façam uma guinada ao centro. A rejeição aos extremos é proporcional aos seus percentuais. É por isso que ainda vejo a possibilidade de Alckmin alcançar a votação necessária para levar o centro democrático ao segundo turno.
Muitas críticas foram feitas ao Alckmin por se aliar ao Centrão. Em sua visão, este foi um erro ou qualquer que seja o candidato no segundo turno - e até o vencedor das eleições - terão de buscar ess apoio para ter governabilidade?
Acho que respondi na pergunta anterior uma boa parte dessa questão. Na maioria dos Estados as coligações pragmáticas estão na frente. A conjuntura nacional é mais complexa. Qual seria a opção do Alckmin se não optasse pelo pragmatismo político?
Muitas pessoas esperavam renovação nessas eleições. Entretanto, temos o PT novamente e um candidato conservador de extrema direita. O que aconteceu no Brasil para chegarmos à esta situação?
Vou tentar responder, inicialmente, com uma pergunta. Será que o quadro atual não demonstra as insatisfações difusas das manifestações de 2013? A negativa dos governos de Dilma e de Temer em responder às questões de 2013 nos levou ao precipício atual.
O que seria uma renovação política atualmente no Brasil e como ela se daria?
A mudança em algumas das regras eleitorais é fundamental. O modelo francês muito me atrai. Seriam eleições próximas, mas descasadas. Inicialmente os cargos do executivo, presidente e governador. Depois, 45 dias após o resultado final, a eleição para os legislativos, Senado, Câmara Federal e Assembleias Estaduais. Seria uma luz nas discussões sobre o país e sobre as responsabilidades dos Executivos e Legislativos, algo ainda muito de difícil compreensão na nossa democracia.
FAP Entrevista: Luzia Maria Ferreira
Polarização política no país impediu que o centro-democrático e suas propostas tivessem aderência nacional, avalia Luzia
Por Germano Martiniano
A 14 dias das eleições presidenciais, as pesquisas eleitorais têm se afunilado e apontam um possível segundo turno entre os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Diante deste cenário, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin têm traçado suas últimas estratégias de combate para evitar que o candidatos da extrema direita e o da esquerda se consolidem como as opções dos brasileiros em um segundo turno das eleições. Ciro tentar frear Haddad no Nordeste, no seu campo eleitoral. Alckmin, por sua vez, combate duramente os líderes de pesquisa mostrando que ambos seriam o retrocesso para política brasileira: o candidato da direita, um ditador; e o do PT, a representação da velha política e da corrupção.
Integrando a série de entrevistas que estão sendo publicadas aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano, que são as eleições, a FAP entrevista desta semana é com a bióloga, professora, ex-deputada de Minas Gerais pelo Partido Popular Socialista (PPS) e dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, Luzia Maria Ferreira. Questionada sobre o desempenho da centro-esquerda nesta eleição, Luzia atribui a questão à polarização política que atualmente impera no país, que impede o debate de ideias. “Acredito que não foi uma questão de falha do centro democrático, de não ter um discurso que convença a sociedade. Acredito que a polarização política instalada no país não deixou que o debate plural e de aprofundamento das propostas ocorresse”, avalia.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A senhora acredita que ainda existe possibilidade de reação para o o candidato Geraldo Alckmin?
Eu acho que a polarização já ocorreu entre a extrema direita e a esquerda. Acho que isso fez mal ao debate político. Tirou o foco de discutir os reais problemas do Brasil, que são graves. Porém, eu creio que, acima dessa polarização, a realidade tem mostrado também que nos últimos dias, especialmente na última semana, pode haver ainda deslocamento de eleitores ou um reposicionamento, pois muita gente está votando no Bolsonaro para evitar o PT. No segundo turno, as pesquisas têm mostrado que, em vários cenários, Bolsonaro perderia, devido a sua tamanha rejeição. Essa pode ser a última chance de Alckmin. É um fato relevante para que o eleitor possa repensar seu voto, afinal ainda faltam 15 dias para as eleições e não considero esse quadro Bolsonaro e Haddad já consolidado, ainda que a polarização já tenha ocorrido.
Com a possibilidade de um segundo turno Haddad x Bolsonaro, não seria mais razoável o centro democrático apoiar Ciro Gomes (PDF) para evitar os extremos?
Isso é um dilema, pois de fato o Ciro tem mostrado muita resiliência de voto e não sabemos ainda o impacto da candidatura dele com a ascensão do Haddad, principalmente no Nordeste, onde Ciro tem muita influência. Porém, creio que o centro tem muito mais dificuldade de se aliar ao Ciro, pois o próprio candidato tem feito uma campanha que não agrega e até rejeita o apoio de vários partidos que estão no centro político. Portanto, acredito que a dificuldade de se aliar ao Ciro é própria postura dele de não dar abertura para se fazer este diálogo mais ao centro!
E se partisse de Ciro Gomes o desejo de se unir ao centro?
O próprio Fernando Henrique Cardoso fez um aceno aos partidos de centro para que se unissem, porém não teve adesão. Essa união no sentido de se retirar candidaturas no primeiro turno creio que seja inviável. Então, acho que o que vale para o Alckmin vale para o Ciro: retirar candidaturas neste momento, para se identificar um candidato mais viável não tem viabilidade prática. Essa prerrogativa de escolher os candidatos para o segundo turno está na mão do eleitor, por meio do voto!
A senhora citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não faltou a ele mais firmeza no apoio a Geraldo Alckmin, para evitar um segundo turno Haddad x Bolsonaro?
Creio que isso teria sido muito difícil, mesmo com o peso do Fernando Henrique como ex-presidente. Promover este encontro já no primeiro turno, no sentido de indicar um candidato mais de centro, é uma tarefa árdua. A pulverização foi inevitável, em função do fim de um ciclo político, dos 13 anos de PT e do desgaste das instituições no governo Temer. Diante disse, todo mundo quis se aventurar e apresentar suas propostas. Essa pulverização é fruto do momento que estamos vivendo.
Por que o centro democrático não conseguiu, até agora, aderência da sociedade em seu discurso?
Penso que o PT no poder, o impeachment de Dilma, a condenação do Lula, a narrativa petista vitimista e de se eximir de seus erros, conseguiram recuperar um eleitorado que estava perdido, devido aos próprios desacertos do PT, seja no campo da política, do governo, seja nas questões éticas. Desta forma, o PT recuperou o diálogo com seu eleitorado tradicional e, inclusive, o ampliou. Em contrapartida, os 13 anos de governo de PT criaram o sentimento anti-PT, das pessoas que abominam esse tipo de política e por isso tivemos o crescimento do Bolsonaro, representando algo “novo” e contra todas essas políticas petistas. Acredito assim, que não foi uma questão de falha no centro democrático de não ter um discurso que convença a sociedade, mas que essa polarização não deixou que o debate plural - e de aprofundamento nas propostas - ocorressem. Eu te pergunto: qual a proposta que Bolsonaro tem para saúde, habitação, etc.? Qual a proposta que o PT tem para resolver os problemas que ele mesmo gerou nesses 13 anos de governo? Os dois também não possuem as respostas que o Brasil carece. De uma lado temos um discurso messiânico de Bolsonaro e, do lado do PT, é a volta do passado usando a figura mítica de Lula.
A radicalização, na visão da senhora, não deixou o debate acontecer. O que a centro-esquerda pode fazer para mudar essa realidade de polarização, levando em conta não apenas essas eleições, mas o futuro do país a partir do novo presidente?
Creio que a primeira coisa a se fazer para acabar com essa polarização é se construir uma grande concertação entre as forças de centro-esquerda em cima de plataforma mínima que possa uni-las e também incluir a sociedade. Desde lideranças não partidárias, oriundas da área da cultura e das universidades, até às entidades populares, sindicatos e movimentos não verticalizados.
Caso realmente se confirme um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, o que podemos esperar?
Eu acho que é a pior solução. Qualquer um que ganhar vai ter um país dividido com o espirito de guerra. É bom lembrar que a radicalização não é apenas dos candidatos, são também dos apoiadores dessas duas candidaturas. É assustador o nível de radicalismo que foge da política e atinge a esfera pessoal. Portanto, eu não espero muito, penso que será um dos momentos mais difíceis da história do país.
Perante nosso cenário nacional marcado pelo radicalismo, qual o papel da FAP para o futuro, em sua avaliação?
É contribuir com propostas, com o debate critico, com a reflexão sobre a penosa realidade que o Brasil se meteu e levar este debate para a sociedade, tanto no nível das lideranças partidárias do PPS, quanto no conjunto da sociedade. Acho que este é um papel relevante: ajudar a construir um polo crítico, democrático, reformista e que possa resistir aos extremos.
FAP Entrevista: Mauricio Huertas
"Autismo político" do centro democrático brasileiro poderá custar uma derrota já no primeiro turno, avalia Maurício Huertas
Por Germano Martiniano
Nesta semana, Fernando Haddad foi oficialmente lançado pelo PT para substituir Lula na disputa presidencial. A pouco menos de um mês das eleições, a entrada do petista deixa uma questão: qual será a capacidade de transferência de votos de Lula para o atual candidato?
A última pesquisa publicada pelo Datafolha trouxe Bolsonaro na liderança, com 26% das intenções de voto; Ciro e Haddad com 13%, Marina com 9% e Alckmin com 8%. Esses dados deixaram os eleitores de Marina e Alckmin preocupados, uma vez que seus candidatos, considerados de centro, não decolam nas pesquisas.
Neste contexto, a série FAP Entrevista traz o jornalista, secretário de Comunicação do PPS/SP e também dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, Mauricio Huertas, como o entrevistado desta semana. Questionado sobre as razões que levam as eleições se afunilarem em torno de candidatos extremistas, à direita ou à esquerda, Huertas foi enfático sobre o centro democrático. “A culpa é de líderes e partidos desgastados e dissociados do mundo real das ruas e das redes. O autismo político poderá nos custar uma derrota já no 1º turno."
A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pelo portal da FAP, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - A última pesquisa presidencial trouxe Bolsonaro na liderança e Haddad e Ciro empatados tecnicamente. Marina caiu três pontos e Alckmin vem atrás. Por que Alckmin, mesmo com o apoio do Centrão, não decolou?
Maurício Huertas - Primeiro, é importante ressaltar que a 20 dias da eleição tudo ainda pode mudar. O que temos são indicativos, tendências, movimentos pontuais captados pelas pesquisas de intenção de voto - mas que podem mudar de uma hora para outra com qualquer novo fato político. De todo modo, o que os números indicam, hoje, é quase a certeza de Bolsonaro no 2º turno e uma briga no escuro de quem vai conseguir chegar em segundo lugar para enfrentá-lo e supostamente vencê-lo com facilidade, o que é outro equívoco.
Desde o início a estratégia de Alckmin foi criticar o extremismo, à direita e à esquerda, e pregar uma saída mais racional e moderada. A aposta dos tucanos e partidos coligados, verbalizada pelo próprio Alckmin em todas as entrevistas que lhe cobravam números mais expressivos nas pesquisas de intenção de voto, era que o crescimento se daria a partir do início do horário eleitoral no rádio e na TV. Portanto, calculou-se que o bônus de ter mais tempo na propaganda oficial valia o ônus de se aliar aos partidos do Centrão, todos claramente identificados pela população como beneficiários dos esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava Jato.
Porém, havia ao menos três sérios riscos nessa estratégia. Primeiro, ter acreditado que a coligação frankenstein do Alckmin e seu tempo monopolizado de TV bastariam para convencer ou cativar um eleitor arredio, indignado, revoltado com as formas tradicionais de fazer política. Segundo, achar que a razão e o bom senso do eleitorado prevaleceriam sobre o apelo mais radical, emotivo e extremado da campanha. Por fim, em terceiro, julgar que a maior tendência desta eleição seria repetir a polarização PT x PSDB que assistimos desde 1994. Esses estrategistas davam como certa a "desidratação" da candidatura do Bolsonaro, possibilidade que se houvesse uma visão mais isenta e realista do atual momento da política teria se mostrado improvável, como de fato os números de hoje indicam.
Analistas das eleições acreditam que a última chance de Alckmin para subir nas pesquisas seria contar exatamente com o voto útil, ou seja, atrair os votos de Amoedo, Henrique Meirelles, Álvaro Dias e até Marina, com intuito de se evitar um confronto entre PT e Bolsonaro. O senhor acredita que isso pode dar certo ou disputa será entre Bolsonaro x Ciro ou Haddad?
É certo que vai se acentuar nesta reta final o discurso do "voto útil". De fato parece ser a última esperança de Alckmin e dos seus apoiadores, dentro deste movimento que se convencionou chamar de "centro democrático e reformista", ou seja, a esperança de reunir o voto de todos aqueles que não desejam um 2º turno entre Bolsonaro e Haddad. Será intensificado esse último apelo para atrair tanto o eleitor anti-Bolsonaro quanto o anti-PT. Eu realmente acho que o voto útil é que vai definir o resultado desta eleição. O problema, indicado aqui pelas pesquisas mais recentes, é que o voto útil não está migrando para aqueles candidatos que imaginávamos e desejávamos, seja Alckmin ou Marina. O que estamos vendo é o voto útil anti-petista se encaminhar para Bolsonaro. E, por outro lado, o voto anti-Bolsonaro se mobilizando em torno de Haddad e de Ciro.
E nós, do chamado centro democrático, eleitores de Alckmin, Marina, Álvaro, Amoêdo e Meirelles, corremos o risco iminente de assistir do lado de fora, todos de mãos dadas, o 2º turno entre esses dois extremos que até o momento fomos incompetentes de neutralizar e de mostrar ao eleitorado quão nocivos podem ser às nossas jovens e frágeis instituições democráticas e republicanas.
Dos candidatos considerados de centro, apenas Ciro desponta. Por que a população brasileira tem preferido opções mais extremistas? Onde o centro errou?
A dúvida que fica é exatamente esta: Por que o eleitorado não identifica em Alckmin ou em Marina a melhor opção para a Presidência? Por que a maioria enxerga uma realidade diferente de nós? Será que nós estamos sempre certos e os outros supostamente estão errados? Ou será que nós é que não entendemos que o eleitor procura algo diferente? Obviamente, nossa tarefa e desejo, para o bem do Brasil e da democracia, é não ter um 2º turno entre Bolsonaro e Haddad. Aí entra o apelo ao voto útil. Mas a "culpa" não é do eleitor que não concentra o voto em um único candidato e se dispersa entre Alckmin, Marina, Álvaro, Meirelles ou mesmo Ciro. A culpa é de líderes e partidos desgastados e dissociados do mundo real das ruas e das redes. O autismo político poderá nos custar uma derrota já no 1º turno.
Por outro lado, a sobrevida da liderança de Lula e o crescimento de Haddad se devem à narrativa da vitimização que colou. Qual a mensagem que eles conseguiram transmitir? “Todos são corruptos, mas ao menos Lula governou para os pobres, melhorou a vida das pessoas”. É a reedição do rouba mas faz, atrelada à cultura e tradição nacionais. Fora a fé cega no lulismo, que é uma religião.
Caso a disputa se afunile entre Bolsonaro e Haddad, o que significa para o Brasil ter um destes dois governos no poder?
A preocupação legítima de todo democrata com essas duas candidaturas marcadas pelo radicalismo, pelo ódio e pelo revanchismo é vermos o Brasil retroceder várias décadas no dia 7 de outubro. Podemos odiar, podemos discordar, podemos não aceitar, achar ambos toscos, mas é inegável que diante de todos os indícios, pesquisas de intenção de voto, reação das pessoas nas ruas e nas redes, as chances de um 2º turno entre Haddad e Bolsonaro são enormes.Devemos concentrar nossos últimos esforços para combater esses nossos dois adversários nas suas fragilidades, em vez de reforçarmos involuntariamente o que está muito além da razão nessa motivação puramente subjetiva e emocional que leva a maioria do eleitorado a escolher seu candidato. Do contrário, estaremos ajudando a eleger algum destes extremistas de tanto que insistimos em fazer uma política que não existe mais.
Haddad e Bolsonaro não são os melhores candidatos para o Brasil, longe disso. Mas talvez sejam aqueles que tiveram até o momento mais competência e sensibilidade para entender e atender a demanda da maioria da população - que não necessariamente faz a melhor escolha. E esse é um efeito colateral da democracia, já devíamos ter aprendido. Temos 20 dias para abrir os olhos e viabilizar rapidamente alguma opção anti-PT e anti-Bolsonaro, se não quisermos lamentar pelos próximos quatro anos, no mínimo. Qual é a saída? Este é o nosso desafio. Resta pouquíssimo tempo para uma resposta.
O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
O que precisamos é conscientizar e mobilizar os brasileiros para a criação e a manutenção de um ambiente social saudável, com um presidente que lidere as reformas estruturais necessárias e que governe para todos, com sensibilidade e responsabilidade. Também deve ser papel do novo presidente, fechadas as urnas, chamar as lideranças sociais e políticas para a construção de um país mais humano, justo, ético e solidário. Que sinalize para uma gestão com políticas públicas e parcerias sociais que possibilitem mais rapidamente a inserção dos excluídos, a radicalização da democracia, a plena transparência e independência dos poderes, a diminuição de privilégios e a construção mais sólida e eficaz das bases da cidadania.
Que não nos faça reféns de um bando de políticos corruptos, desqualificados e incompetentes, muitos deles eleitos exatamente com a bandeira da mudança. Mas, sobretudo, que atue com ética, moral, sensatez e com o desafio de construirmos uma verdadeira Nação, que respeite a nossa história, fortaleça democraticamente as estruturas republicanas e apresente um programa viável para conquistarmos mais dignidade, igualdade e justiça social. Enfim, que nos dê motivos reais e concretos para acreditarmos em dias melhores.
Como surgiu a ideia de criar a TV FAP?
A Fundação Astrojildo Pereira já era uma instituição respeitada no meio político, acadêmico e cultural, justamente pelas suas publicações, atividades, estudos e debates das questões da atualidade, além de reunir um grupo suprapartidário altamente qualificado intelectualmente. Faltava algo para arejar, amplificar e trazer um público novo para este trabalho da FAP na difusão dos ideais democráticos e dos princípios republicanos, da ideia de liberdade com responsabilidade, da igualdade de oportunidades, da cidadania plena e da justiça social.
Nada mais atual, portanto, do que criar um canal de TV na internet para atingir de forma direta, eficaz e objetiva um grande número de pessoas, numa quantidade até então impossível com as excelentes publicações editoriais da FAP, e dialogar tanto com aqueles que já transitam por esse meio político e acadêmico, quanto poder atrair para as ações da FAP essa nova geração, ou os chamados nativos digitais, que começam a tomar conhecimento daquilo que fazemos e desejamos para o Brasil e para o mundo, que não é muito diferente do que eles também buscam: um mundo melhor, mais tolerante, pacífico e conectado, com menos desigualdades, que respeite a diversidade e priorize a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia.
Como funciona a TV FAP? Como é possível assistir os programas? Quais dias são veiculados e como são selecionados os temas?
Como indica o próprio nome, a TVFAP.net pode ser acessada neste endereço eletrônico de batismo. O principal produto é o "Programa Diferente", que pode ser assistido no Portal da FAP, nos endereços TVFAP.net e ProgramaDiferente.com, ou facilmente encontrado no Google, no Youtube e nas redes sociais pela hashtag #ProgramaDiferente.
Estamos fechando a quarta temporada com uma fórmula bem simples e objetiva: apresentamos semanalmente um programa temático de meia hora, além de matérias jornalísticas, entrevistas, debates, notícias e prestação de serviços, sempre amparados por um conteúdo abrangente e bem apurado que nos garante respeito, credibilidade e quase 5 milhões de views nas mais variadas plataformas, tudo isso escorado por um olhar isento, informativo, crítico, colaborativo e alternativo ao da imprensa tradicional.
Nestes quatro anos, a TVFAP.net vem se destacando por um jornalismo qualificado, com pautas diferenciadas e uma abordagem leve, plural e democrática, ouvindo diversas personalidades das mais diversas áreas: política, artes, cultura, direito, educação, esportes, meio ambiente, urbanismo, tecnologia, comunicação, redes sociais etc.
O foco da nossa programação é ajudar a debater a crise do país e a buscar saídas e soluções criativas para os problemas políticos, sociais e econômicos. Dentro das nossas possibilidades, o objetivo também é discutir e promover a cidadania, a qualidade de vida, a diversidade, a justiça social, a igualdade de direitos e de oportunidades, e a chamada governança democrática, acima de preconceitos e de divisões partidárias e ideológicas, além de valorizar ações sustentáveis, empreendedoras e responsáveis, através de iniciativas culturais, comportamentais, políticas, acadêmicas e tecnológicas que apontem para cidades inteligentes, modernas e inclusivas.
Como o senhor analisa atualmente o papel da imprensa, em que as mídias sociais estão "substituindo" o jornalismo tradicional? O jornalismo responsivo poderá sobreviver a este processo?
É natural que essa revolução tecnológica que estamos vivendo cause profundas transformações. Vemos isso na política, nas relações pessoais, na comunicação de modo geral. O jornalismo não passaria incólume. O imediatismo da notícia e o fato de cada cidadão ter se tornado ao mesmo tempo emissor e receptor de informação online com seus smartphones muda totalmente a visão que havia do jornalista profissional da imprensa escrita, do rádio e da TV. O que não deve mudar é a busca pela informação de qualidade. Estão aí as "fake news" que reforçam essa preocupação. É incrível como até pessoas instruídas acreditam em qualquer bobagem que se publica nas redes sociais. Portanto, o bom jornalismo, que traz a informação bem apurada, não pode morrer em nome dessa facilidade de se noticiar tudo o tempo todo. Dá para fazer um paralelo com a medicina: podemos buscar informações sobre qualquer doença na internet, mas o “Dr. Google” jamais substituirá uma consulta presencial, convencional, com um bom médico. Espero que com o jornalismo também seja assim.
FAP Entrevista: Amilcar Baiardi
Candidatos do centro não decolam porque o passado deles não inspira confiança de uma mudança radical, avalia Baiardi
Por Germano Martiniano
A série FAP Entrevista traz, neste domingo, o professor em Ciências Humanas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Amilcar Baiardi. Graduado em Agronomia pela Universidade Federal da Bahia e também dirigente da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Amilcar acredita que os candidatos do chamado centro brasileiro não decolam, pois seus discursos não estão alinhados com aquilo que o “povo gostaria de ouvir”.
“Se candidatos do centro não decolam é porque não dizem o que o povo quer ouvir e porque o passado deles não inspira confiança de uma mudança radical”, disse Baiardi à FAP. A entrevista faz parte da série publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O que representa, para a sociedade brasileira, a facada que Bolsonaro levou em comício em Juiz de Fora (MG)?
Representa a barbárie, a incapacidade de conviver com a diversidade.
De onde vem essa raiva que está presente no discurso de boa parte da população brasileira?
A gênese do ódio, muito pior que a raiva, tem forte nexo com o discurso de nós e eles, introduzido no Brasil pelo PT.
O senhor acha que atos como esse colocam em risco nossa democracia?
É óbvio que a democracia é colocada em risco porque a intolerância cresce com atos como este. Felizmente que o general Mourão, vice de Bolsonaro, está empenhado em estabelecer um clima de concórdia.
Lula está inelegível e Haddad vem para disputa. O PT conseguirá fazer a transferência de votos esperada? Quem ganha com a inelegibilidade de Lula?
Interesso-me muito pouco pelo que possa acontecer com os votos que deveriam ir para o Lula. Em minha opinião, Lula é um criminoso e o PT uma organização criminosa. Com inelegibilidade do Capo mafioso e a derrota do PT, ganha o Brasil.
Muitas pessoas começam a crer que possa dar em um segundo turno, Haddad versus Bolsonaro. Por que nenhum candidato do centro parece “decolar”?
Se candidatos do centro não decolam é porque não dizem o que o povo quer ouvir e porque o passado deles não inspira confiança de uma mudança radical. Poucos se dissociam da política tradicional que está estigmatizada por grande parcela do eleitorado e associada com corrupção. Imagino que se Doria fosse o candidato do PSDB e do Centrão, o quadro poderia ser outro. De outro modo, se Amoedo contasse com um amplo arco partidário o quadro também poderia ser diferente.
O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Espero um choque radical de capitalismo que sepulte o que resta de patrimonialismo e patriarcalismo e que enfrente com determinação o corporativismo. Mais mercado e sociedade organizada e menos Estado.
FAP Entrevista: Cláudio Oliveira
O humor é uma ferramenta para formação do espírito crítico da população, avalia Cláudio Oliveira
Por Germano Martiniano
O humor é uma característica do povo brasileiro, algumas expressões como o “Brasil é o país da piada pronta”, “Aqui tudo acaba em pizza”, “O brasileiro faz piada da própria tragédia” e outras são constantemente ouvidas no vocabulário popular. Hoje, com as redes sociais a quantidade de “memes”, conceito de imagens, vídeos e GIFs relacionados ao humor crescem a cada dia, ainda mais diante de um “prato cheio” como às eleições 2018.
Quem faz piada de nossa vida política, porém de maneira profissional, é o chargista Cláudio Oliveira, jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca e o entrevistado deste domingo da série FAP Entrevista. A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pela FAP com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Com um humor inteligente e critico de nossa situação política, Cláudio procura através de suas charges passar ao povo brasileiro os perigos de figuras radicais que a direita ou à esquerda prometem soluções fáceis ao nosso país, porém sem compromisso real com a democracia. As charges são uma boa maneira politizar a população, avalia: “Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo."
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Para o senhor, o Brasil é o país da piada pronta?
Sim, mas não só o Brasil. A Itália de Berlusconi e os EUA de Trump, por exemplo, são duas tragicomédias. Apesar dos avanços desde a Constituição de 1988, o nosso país ainda tem muitas mazelas. Portanto, material para a crítica do humor. Hoje temos um descompasso entre uma representação politica majoritariamente atrasada e uma sociedade civil que avançou. O Brasil é 90% urbano, a escolaridade do brasileiro aumentou, nunca tivemos tantos universitários, vivemos numa sociedade de informação em um planeta interconectado. E tem gente que acha que pode fazer política do tempo de Getúlio Vargas e Adhemar de Barros, o autor do “rouba, mas faz”. E é triste ver que as causas do nosso declínio econômico na década atual parecem com as da década perdida de 1980.
De onde veio essa ideia e como transformar assuntos tão sérios em sátiras políticas?
Desde criança leio quadrinhos e humor. Aos 13 anos, em 1976, passei a publicar na imprensa do Rio Grande Norte. Nesse ano, Henfil, então um dos mais consagrados cartunistas do país, foi morar em Natal. Por influência dele passei a fazer charges políticas e a colaborar com o Pasquim. O humor, desde os tempos das comedias gregas clássicas, sempre fez reflexões bem-humoradas sobre a condição humana e a vida em sociedade. Acho o humor uma boa ferramenta para a formação do espírito crítico, importante para melhorar o mundo.
Os momentos políticos mais conturbados são os mais inspiradores?
Acho que o humor pode se sobressair nos momentos conturbados. A saída da crise exige reflexão e debate. O humor pode contribuir nesse sentido. Mas, nos momentos de calmaria e bonança, ele é tão ou mais importante, pois não perde o olhar crítico, fugindo do oba-oba e da propaganda oficial.
Quais foram as charges mais marcantes que o senhor fez?
Como há um candidato dizendo que o regime ditatorial de 1964 foi bom, resolvi organizar um livro eletrônico (1) com as charges que publiquei de 1977 a 1985 no Pasquim e na Voz da Unidade, o jornal do antigo PCB, do qual fui militante até 1989. Na capa, coloquei uma charge do tempo do governo do general Ernesto Geisel, que definiu o regime como “democracia relativa”. Nela, uma opulenta dama da alta sociedade pergunta: querida, que regime você tem que é tão magra. E uma pobre senhora responde: “democracia relativa”. A charge teve a felicidade de sintetizar a questão que considero fundamental: só com instituições sólidas, bem organizadas e democráticas, os cidadãos farão com que o Estado brasileiro venha a representar os interesses da maioria e, portanto, estabelecer políticas para melhorar a vida de todos.
Uma de suas últimas sátiras foi “Pizzaria do Brasil, da Abertura à Reeleição de Lula”. O senhor acredita que no Brasil tudo sempre acabará em “pizza”, que é um estigma da cultura política brasileira?
O livro é de 2007. Mas, parece que pelo menos desde as manifestações de 2013, a tolerância de boa parte dos brasileiros com a pizza na política diminuiu bastante. Um exemplo foi a campanha eleitoral de Dilma em 2014. Ela negou a crise em que o país já estava, com a produção industrial em queda, um processo inflacionário crescente e as contas públicas arrebentadas. Passado o pleito, revelaram-se a recessão que, segundo a Comissão de Datação dos Ciclos Econômicos da Fundação Getúlio Vargas, começou no segundo trimestre de 2014, e a necessidade de um ajuste, iniciado pelos ministros de Dilma, Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Sentindo-se enganada, mais as denúncias da corrupção na Petrobras, multidões tomaram as ruas nas maiores manifestações de nossa história. Tempos depois, desenhei uma charge em que o presidente do Congresso, no papel de motoboy, diz ao presidente da República que estava difícil fazer entregas de pizza.
Como o senhor analisa a insistência do ex-presidente Lula para ser candidato a presidente?
Fiz uma seleção das melhores charges da era Lula, de 2002 a 2018, e publiquei em sete livros eletrônicos (2). O leitor perceberá que o eixo da crítica do meu trabalho é a “questão democrática”. A cúpula do PT é legatária do pensamento de uma esquerda autoritária. Seus líderes foram politicamente educados nas organizações marxista-leninistas dos anos 1960 e 1970. Elas tinham uma cultura política economicista e colocavam a luta de classes acima da democracia. Se achavam uma vanguarda que conduziria as massas para realizar as transformações sociais. Tais organizações imporiam a sua hegemonia em nome dos trabalhadores. Com essa visão subsistente, foi fácil aos líderes petistas, uma vez no poder, abraçar um populismo de esquerda, desvalorizando os partidos e o Congresso, incentivando o culto à personalidade do líder que fala diretamente ao povo. O programa do governo não foi o programa comum adotado consensualmente pelos partidos da coalizão governista, mas o do PT, ao qual os demais tiveram que se subordinar, fazendo lembrar na forma o stalinismo do Leste europeu. Para tanto, os principais aliados do governo Lula no Congresso foram partidos cooptáveis, não só o MDB de Sarney, como também partidos atrasados e fisiológicos, como o PP de Maluf, o PSD de Kassab, formado principalmente por egressos do antigo PFL. Não à toa, partidos da centro-esquerda como o PDT da época de Brizola e o PPS romperam com o governo Lula ainda antes da explosão do mensalão, em 2005. Achei equivocado José Dirceu definir como principal inimigo a combater o PSDB, um partido do centro democrático e reformista. O desvio do dinheiro público para corromper aliados e financiar a atividade partidária, sem falar em enriquecimento pessoal, somado ao desprestígio das instituições, a meu ver, é corolário dessa visão autoritária de “revolução pelo alto”.
Outras charges que o senhor tem explorado é sobre o candidato a presidente Jair Bolsolnaro e seu perfil radical. Por que esse radicalismo tem atraído tantos brasileiros? Bolsonaro é uma ameaça a democracia e aos meios de comunicação brasileiro?
A visão de uma esquerda autoritária, o desprestígio dos partidos e do Congresso, a cooptação dos sindicatos e dos movimentos sociais, o discurso salvacionista centrado no culto à personalidade de Lula, nada disso contribuiu para uma boa politização da sociedade brasileira. Somados aos escândalos de corrupção, à crise econômica e social e uma pauta centrada em questões identitárias, tudo isso, ao meu ver, abriu espaço para o salvacionismo de uma direita autoritária. Acho uma ameaça a uma democratização mais ampla das instituições e sobretudo um retrocesso. Como cartunista e jornalista me sinto na obrigação de questionar todo e qualquer candidato e promover o debate.
O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Se fizer o que fez Itamar Franco, um governo de coalizão democrática, de diálogo com a sociedade, de uma postura ética, que tire o país da crise e aponte para a retomada do crescimento, sem descuidar do social, terá feito muito.
O jornal satírico francês Charlie Hebdo sofreu um ataque terrorista em 2015. O que motivou os terroristas foi uma charge do jornal com a figura de Maomé. O senhor acredita que o humor deve ter “portas abertas” para se fazer piada com qualquer tema? Muitos humoristas reclamam de uma “onda do politicamente correto”, que estaria dificultando fazer humor. O senhor concorda?
Acho que o jornal tem o direito de fazer a crítica que quiser e responder judicialmente por elas. O jornal já foi processado muitas vezes e em vários casos foi condenado. Pessoalmente, evito fazer humor com figuras religiosas em respeito aos sentimentos religiosos dos leitores. Não faço humor “politicamente correto”. Aprendi com Henfil a fazer “humor consequente”: o alvo da crítica deve ser os poderosos de plantão, pois são eles que têm os instrumentos para melhorar a vida das pessoas. Assento a crítica do meu trabalho em valores democráticos, republicanos e sociais.
*Cláudio de Oliveira é jornalista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com especialização em artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais de Praga, República Tcheca. Atualmente é chargista do jornal Agora São Paulo, do Grupo Folha. Ganhador do Prêmio Vladimir Herzog, de 1996, na categoria Artes, e do troféu HQ Mix, de 1998, com o livro de charges Pittadas de Maluf.
(1) Ditadura Nunca Mais. Charges do fracasso econômico do regime militar - 1977/1985.
https://www.amazon.com.br/dp/B07GV1R3GW
(2) Coleção Humor da Era Lula:
1 - Como estou dirigindo? O primeiro governo da presidente Dilma Rousseff.
https://www.amazon.com.br/dp/B00QXF5MJK
2- Mensalão, rir pra não chorar.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BQ84PF1
3- Humor do Impeachment.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BT4BG58
4- O Cara e a Coroa. Seleção de charges sobre o governo Lula e a eleição de Dilma.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BR9RYVC
5- Pau e Circo. Crítica das relações fisiológicas entre governo e Congresso.
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDZVB4
6- Dura Lex no Tríplex. Os melhores cartuns sobre a Lava Jato
https://www.amazon.com.br/dp/B07BTDQMGL
7- Temeridades. O humor da crise econômica.
https://www.amazon.com.br/dp/B07F1XXZMB
FAP Entrevista: Ivanir dos Santos
O racismo no Brasil é a base da estruturação das nossas relações políticas e sociais, avalia Ivanir do Santos
Por Germano Martiniano
O Brasil é mundialmente conhecido como um país multicultural, miscigenado e que transparece ser um lugar onde as diferenças sociais são bem aceitas. Ainda que, o multiculturalismo seja um fato, em terras brasileiras o racismo, o machismo, a homofobia e outras formas de preconceito são bem presentes no convívio social. É o que afirma o Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivanir dos Santos. “No Brasil o racismo é sutil e, muitas vezes, camuflado como 'opinião pessoal'. Aqui o racismo é a base da estruturação das nossas relações políticas e sociais”, disse o historiador.
Ivanir que também é babalawô, guia espiritual do candomblé de Keto e militante político, salienta que o Brasil foi o último país que erradicou o trabalho escravo e que não foi capaz de criar políticas inclusivas para negros e negras recém-libertos. “O sistema de cotas, por exemplo, faz parte das políticas de reparação às minorias representativas da nossa sociedade e que tem como alicerce as políticas de ações afirmativas inclusivas fomentadas pelos movimentos negros brasileiros”, avalia.
Temas como a situação dos negros no país, eleições 2018 e questão da intolerância religiosa foram alguns dos assuntos tratados com Ivanir, o entrevistado da semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pela FAP com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Como o senhor se sente depois que teve sua candidatura para o senado barrada?
Ivanir dos Santos - Particularmente me sinto muito tranquilo. Claro que obviamente tínhamos uma grande expectativa quanto a possibilidade da minha candidatura! Pois ela foi construída sobre um movimento orgânico popular de massa, por pessoas que verdadeiramente se envolveram e se sentiram representadas pelo projeto que estávamos desenhando a várias mãos. Prova disso, foi que recebi muitas manifestações de carinho, apoio e solidariedade depois que tornou público que a nossa candidatura não foi registrada. Isso mostra que o nosso projeto além de ser suprapartidário teve uma grande mobilização dos setores sociais. Por isso, o não registro da candidatura barra todos os anseios que tínhamos em prol da construção de um projeto que pudesse "dar vozes" às minorias marginalizadas em âmbito social e político. E essa não é a primeira candidatura negra que é descartada, pois nem todos os partidos têm o "interesse" em investir nas candidaturas negras. E por isso precisamos pensar e conversar sobre a possibilidade de candidaturas independentes sem a chancela partidária. Pois a própria idéia de partido político nasce na reforma eleitoral promovida na Inglaterra em 1832, e hoje nada melhor do que Gramsci para nos ajudar a compreender como esses organismos políticos funcionam sobre as questões macro e micro sociais.
Quais são seus objetivos a partir de agora para continuar atuando em suas causas?
Sim, claro! Até porque as minhas atuações frente as 'causas' que escolhi lutar são suprapartidárias. Estou a mais de 40 anos essa jornada. Sou ex-interno na FUNAEM, fui tirado dos braços da minha mãe aos seis anos de idade. Passei por todas as adversidades possíveis até chegar aqui hoje, recém-titulado como Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. As bandeiras que trago e as que fui levando e encontrando durante as minhas construções são pautas sociais, em grande medida pautas da "gente comum", que nem sempre tem reverberações dentro dos nichos "das grandes políticas". Continuaremos firmes no combate à intolerância religiosa, na luta antirracismo e em prol das diversidades, pluralidades e liberdades.
O Brasil é um país conhecido por seu multiculturalismo, pela miscigenação, entre outros. Mas, o Brasil é um país racista?
Sim, sem sombra de dúvidas. Mas, ao contrario de países como os Estados Unidos em que o racismo é uma forma de demarcação social segregacionista, política e religiosa, no Brasil o racismo é sutil e muitas vezes camuflado como "opinião pessoal". Aqui o racismo é a base da estruturação das nossas relações políticas e sociais. Ora, o racismo é real, é latente e serviu de justificativa para o tráfico de milhares de homens e mulheres negros africanos na condição de escravos para as Américas e principalmente para o Brasil.
Como o senhor avalia as cotas para negros nas universidades, assim como outras medidas que tentam atenuar a desigualdade de oportunidades existentes?
Longe de ser um privilégio, precisamos refletir que a Lei de Cotas é fruto dos processos de resistências e lutas dos movimentos negros em busca de equidade e igualdade na sociedade brasileira. Ingressar em uma universidade pública gratuita, para muitos alunos negros, indígenas e/ou de redes públicas de ensino é um grande sonho. Mas, diante das configurações sociais, em que muitos desses alunos são arrimos de família e dividem suas horas de estudos com intensas jornadas de trabalho, esse sonho pode ficar no meio do caminho. Caminho esse construído com dificuldades num país que foi o último a erradicar o trabalho escravo e que não foi capaz de fomentar política inclusiva para negros e negras recém-libertos. Assim, precisamos compreender que o sistema de cotas, somado à lei 11.645, que institui a obrigatoriedade do ensino das histórias e das culturas africanas, indígenas e afro-brasileiras, contribuindo para visibilidade histórica das populações marginalizadas, faz parte das políticas de reparação às minorias representativas da nossa sociedade e que tem como alicerce as políticas de ações afirmativas inclusivas fomentadas pelos movimentos negros brasileiros.
O senhor é uma referência na luta pela liberdade religiosa. Este é um tema pouco falado. Se ouve muito sobre racismo, machismo e homofobia, por exemplo. Como é a intolerância religiosa no Brasil?
Bom, primeiramente precisamos pontuar que as manifestações contra o racismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia etc... são verdadeiramente legítimas e estão em sintonias com as lutas e manifestações contra a intolerância religiosa. Prova disso é que a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, que anualmente acontece no terceiro domingo do mês de setembro na cidade do Rio de Janeiro, vem se colocando como uma grande manifestação social contra todos os tipos de intolerâncias que pairam sobre a sociedade brasileira. Em síntese, a bandeira das intolerâncias "unificou" todas as lutas contra os retrocessos e cerceamentos imputados à sociedade civil. Um breve panorama histórico, sobre as tramas de construção dos Estados, nos mostra que a intolerância religiosa foi durante a Idade Média um dos motivos de Caça às Bruxas, na Era Moderna e Contemporânea um dos motivos de perseguições aos judeus, muçulmanos, cristãos ortodoxos, grupos Ciganos e grupos religiosos afro-brasileiros etc. Entretanto, decorre o fato que no Brasil há um íntimo namoro, regado pelas pétalas do preconceito, entre intolerância religiosa e racismo, o machismo, a xenofobia etc.
A bancada evangélica no Congresso Nacional cresce a cada eleição e, normalmente, está ao lado de pautas conservadoras. Como o senhor analisa esse processo e qual sua opinião sobre o Estado laico brasileiro?
Primeiramente precisamos compreender que o Estado é laico, mas as pessoas que compõe o Estado não são. E não são porque imputam sobre a "administração" do Estado as suas experiências religiosas. Recentemente tive o prazer de ler o livro “Nós somos a mudança que buscamos", que reúne 27 discursos do Barak Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, e o tema sobre a laicidade do Estado também é uma pauta de discussão mesmo em países que aparentemente parece não discutir sobre religião e política de forma direta. É fundamental ponderarmos que o Estado pode ser laico e religioso desde que respeite as liberdades e diversidades religiosas.
Mark Lilla, cientista político norte-americano, apontou que Hillary Clinton perdeu as eleições para Trump por focar o discurso nas questões minoritárias. Em sua visão, falta na esquerda brasileira um projeto de poder macro?
Li o artigo do Mark Lilla no ano passado para dar uma palestra, e achei muito interessante porque a análise feita pelo cientista político sobre os ditos grupos de esquerda se encaixa também para outros grupos. Mas preciso pontuar que é uma observação feita sobre a sociedade norte americana que acabou de passar pela experiência de ter um homem negro sentado por oito anos na cadeira de chefe de Estado. O Brasil é o segundo país com o maior número de homens e mulheres negros fora do continente africano e é o país que menos investe em representações negras na política. Dados recentes publicados do site do Estadão nos mostram que "candidatos negros arrecadaram um total de R$ 55 milhões, com investimento de R$ 78 mil por candidatura". Enquanto isso, um candidato branco recebeu em média mais de três vezes o valor que um político negro dispôs em 2014. E a mesma pesquisa nos revela que são os partidos de esquerda, atuais como PSOL, PCdoB e o PT são os quem mais elegem e investem em representantes negros na política, enquanto partido de direita como o PMDB elegem apenas com 1,6% de representantes negros. Então o foco da pauta identitária ainda se faz necessário no Brasil a partir do momento em que constatamos que existe um "problema" social (o racismo estrutural, a homofobia, a transfobia, o machismo, a xenofobia) e que é relegado como problema de segunda ou terceira instância.
O que o senhor espera do novo presidente do Brasil?
Não vou dizer que espero, mas sim que desejo que o novo ou a nova representante possa estar mais em sintonia com as demandas sociais e não com questões que são construídas como "causas" sociais. Desejo que possamos juntos construir e desenvolver projetos em que as liberdades, diversidades e pluralidades possam, realmente, ser evidenciadas e valorizadas. E quero ir um pouco mais além e pontuar que precisamos colocar e evidenciar os desafios que precisam ser ultrapassados, tais como o racismo e todas as formas de preconceitos e intolerâncias.
FAP Entrevista: Lenise Loureiro
A Lei Maria da Penha foi um avanço, mas ainda é necessário mais ações de combate à violência contra a mulher, acredita Lenise
Por Germano Martiniano
Esta semana foram celebrados os 12 anos da implantação da Lei Maria da Penha, criada com o objetivo principal de dar proteção legal às mulheres vítimas da violência doméstica. O nome da lei é uma referência à farmacêutica Maria da Penha que, por duas vezes, foi vítima de duas tentativas de assassinato perpetradas por seu então marido ― que acabou por deixá-la paraplégica.
Apesar de avanços como a Lei Maria da Penha, a violência doméstica ainda persiste, como se pôde ver em recentes episódios ocorridos em todo o país e que ganharam destaque nacional, no quais maridos agrediram ou mataram suas mulheres de forma trágica. Em função do tema, a entrevistada desta semana da série FAP Entrevista é a advogada e candidata a deputada federal, Lenise Loureiro.
Lenise, que também é dirigente da FAP e foi secretária de Desenvolvimento da Cidade, em Vitória (ES), na atual gestão de Luciano Rezende, acredita que apesar da sua importância, a Lei Maria da Penha não é suficiente para a proteção das mulheres. “Ainda que a lei seja nova, o caminho é de mais ações que surtam efeito aqui no Estado do Espírito Santo e no país”, avalia.
Além da violência contra a mulher, Lenise Loureiro conversou sobre temas como a participação feminina na política e a gestão compartilhada nas cidades, por exemplo. A entrevista faz parte da série publicada aos domingos pela FAP com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - Há 12 anos foi sancionada a Lei Maria da Penha. A senhora acredita que houve avanços no Brasil no combate à violência contra a mulher?
Lenise Loureiro - Acredito que sim, porque a consciência em relação a essa prática tão perversa que é a violência doméstica aumentou muito. Temos que avançar em políticas que promovam a reflexão de homens, da família e da sociedade. Temos muito a melhorar.
O que falta nas cidades brasileiras, em geral, em termos de políticas públicas para reduzir a violência contra a mulher?
Em Vitória, por exemplo, temos muitas ações de acolhimento dessas mulheres, como abrigos – que são muito importantes -, botão do pânico concedido em medidas protetivas judiciais e o tratamento de homens agressores em grupos de auto-ajuda com psicólogos. São medidas de enfrentamento à essa situação. Ainda que a Lei Maria da Penha seja nova, o caminho é de mais ações que surtam efeito aqui no Estado Santo e no país.
Em Vitória (ES) foi implantado o botão de pânico para que as mulheres, por meio do celular, acionem a polícia quando vítimas de algum tipo de violência. Como funciona?
É mais uma medida a ser colocada à disposição das mulheres em situação de risco. Temos que fazer uma reflexão para que a sociedade perceba a realidade agressora, vizinha a sua residência. Penso que a notificação deve ser obrigatória por todo órgão público para tomar conhecimento dessa violência. Da forma como está hoje, não são suficientes as ações. Temos que agir com combate à violência o tempo inteiro.
A senhora fazia parte da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade, em Vitória (ES). O município se tornou referência no Brasil devido aos grandes avanços realizados, baseados na gestão compartilhada. Qual a diferença da gestão privada?
A gestão compartilhada busca, o tempo inteiro, a percepção pelo cidadão de que ele não deve esperar tudo do poder público, mas que ele é parte da solução dos problemas. A partir do momento em que ele busca junto, com o olhar de colaboração, tudo fica mais fácil. O poder público tem tido dificuldades em atender todas as demandas da sociedade. É colocar todos na posição de prefeitos e não só recebedores do serviço público. Na limpeza pública, por exemplo, é colaborar ao colocar o lixo no local e na hora certa, nunca lançá-lo em pontos próximos à rede de drenagem. A gestão é mais eficaz na medida em que percebemos que podemos ter melhores resultados públicos. Buscamos juntos o bem-estar da cidade e das pessoas.
O que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras?
Podemos colocar mais serviços de inteligência. Por exemplo, implantamos recentemente o agendamento de consultas médicas online, que pode ser feito do conforto de casa ou do trabalho. Além disso, o profissional não fica ocioso por esquecimento do cidadão, porque temos a confirmação online também. Com isso otimizamos o serviço público, oportunizando mais atendimentos. Com pontos de internet grátis nos espaços públicos, damos às pessoas a oportunidade de acesso, de conhecimento, a momentos de lazer, a buscar emprego, entre outros.
A senhora é candidata a deputada federal pelo PPS. Trinta por cento das vagas dos partidos têm de ser voltadas para as mulheres. Falta interesse pela política ou a política é espaço que impede a participação feminina?
As duas coisas têm um pouco de verdade. Falta interesse da mulher na política porque é uma área tradicionalmente hostil na busca de espaços. A mulher é muito mais de colaboração do que de competição.
O que a senhora espera do novo presidente do Brasil?
Espero que traga confiança na retomada da economia, que estabilize o sentimento de todos no país.
FAP Entrevista: Marcus Vinicius Oliveira
Aliança de Alckmin com o “Centrão” é ambígua por não trazer mudanças significativas para o país, apesar de criar governabilidade, avalia Oliveira
Por Germano Martiniano
Marcus Vinicius Oliveira faz parte de uma nova onda de jovens intelectuais ligados à centro-esquerda. Graduado em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é autor do livro Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. A obra, uma revisão de sua dissertação de mestrado, foi baseada na trajetória política do poeta ex-militante do PCB. Também dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, o historiador é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, série publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Com o período eleitoral prestes a começar, os partidos políticos e candidatos correm para fechar suas alianças até 15 de agosto. Uma das mais comentadas dos últimos dias foi o acordo do presidenciável Alckmin com o chamado “Centrão”. Para Marcus Vinicius Oliveira, que também é doutorando em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), este acordo é ambíguo, pois, se por um lado cria governabilidade, por outro, parece ser mais do mesmo na política brasileira.
“Essa aproximação é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. No entanto, a formação desse Centro traz riscos históricos à política brasileira, como à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política”, avalia Oliveira.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista - As sabatinas de entrevistas com os pré-candidatos já fora iniciadas por diversas emissoras de televisão, como a TV Cultura com o Roda Viva e, por último, a GloboNews. O senhor chegou a assistir a algumas delas? Quais pontos e candidatos mais lhe chamaram atenção?
Marcus Vinicius Oliveira - Não acompanhei exatamente as entrevista da GloboNews, mas venho acompanhando outras entrevistas em outros canais. Dentre os candidatos que são mostrados à frente nas pesquisas, Ciro Gomes demonstra uma boa capacidade retórica para os debates que, em termos de redes sociais, tem o auxiliado a subir nas pesquisas. Contudo, isso não implica em um projeto sólido e sustentável para o Brasil. Em determinados momentos, Ciro ainda parece muito ligado a um projeto desenvolvimentista para o Brasil, marcado por uma forte presença do Estado. É um modelo histórico no país, mas que demonstrou também suas falhas e riscos.
Jair Bolsonaro, por outro lado, procura um caminho para o liberalismo a partir daquilo que chama de um casamento com o liberal Paulo Guedes. Esse caminho não parece convencer. A postura autoritária e fortemente nacionalista de Bolsonaro conflitam duramente com uma matriz liberal. É um liberalismo puramente instrumental que visa conquistar votos em virtude do crescimento das ideias liberais nos últimos anos. Além disso, é o candidato de um polo anti-democrático, grave para os rumos de nossa política, alimentando-se da profundidade de nossa crise, bem como da rejeição à política que também cresceu nos últimos anos.
Por fim, Geraldo Alckimin estabelece um itinerário rumo ao centro político, procurando apoios que possam sustentar a governabilidade brasileira diante da crise. Frente à polarização da política, a recomposição do centro é fundamental, uma vez que contribui para garantir uma estabilidade política em torno de um consenso, de determinadas propostas para o avanço do país. Contudo, há sempre o risco dessa adesão perder-se em meio aos escombros da velha política brasileira.
O cenário de 2018 é áspero e há muito o que acontecer até outubro. Sem pensar especificamente um candidato, acredito que uma das saídas de nossa crise passam pelo aprofundamento de nossa democracia, rumo à elaboração de reformas políticas que permitam não somente a retomada do crescimento, mas a revalorização da política.
Como o senhor avalia o apoio do Centrão a Geraldo Alckmin?
Essa aproximação com o centro guarda suas ambiguidades. Por um lado, é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. Por outro lado, a formação desse centro traz riscos históricos à política brasileira. Tais riscos dizem respeito à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política, em virtude dos vários interesses dispostos nessa ampla aliança que compõe esse “centrão”. Portanto, recompor o centro é importante e garante uma saída democrática para o Brasil. Contudo, fora de uma reforma política o estabelecimento desse centro não garante nenhum caminho para fora da crise. Nesses pactos, o velho não deve conduzir o novo, como de costume em nossa história.
Como avalia a participação da juventude na política, especialmente nas próximas eleições?
Minha experiência enquanto jovem e professor tem mostrado certa descrença da política por parte da juventude brasileira atual. Crescendo em um país em crise e assistindo à inúmeras denúncias de corrupção, me parece que os jovens, nascidos entre os últimos anos da década de 1990 e os primeiros de 2000, não nutrem, em geral, uma expectativa positiva em relação aos rumos do país. Por outro lado, é possível também notar um movimento de aproximação em relação à política. Percebo que o acesso às informações e ideias acerca da política cresceu incrivelmente. A internet contribui decisivamente para isso. Vejo, hoje, meus alunos discutindo política intensamente nas redes sociais. Nesse sentido, acho que há um aprendizado da política e da democracia por parte dos jovens. Estão começando a se politizar, a avaliar ideias e projetos políticos.
Muitas pessoas têm procurado movimentos apartidários, como o MBL, Acredito, Mulheres do Brasil, entre outros. O senhor avalia que existe uma rejeição à política tradicional?
Apartidarismo não significa necessariamente apolítico ou rejeição da política. Tais movimentos citados, apesar de apartidários, são essencialmente políticos. Essa procura por movimentos apartidários, creio, começou a aparecer com maior evidência a partir das manifestações de junho de 2013. Contudo, em determinados momentos, esse apartidarismo revelou uma desvalorização e até uma rejeição da política como foi citado. Essa rejeição é bastante perigosa para os rumos da democracia, porque a política é aquilo que garante a expressão dos interesses da sociedade civil na esfera pública.
É possível mudança fora da política?
As mudanças operadas fora da política são fortemente anti-democráticas, pois em momentos de crise, o espaço da política diminui, uma vez que a sensação de medo, caos e insegurança, faz com que a sociedade deseje um poder capaz de reordenar a sociedade. Nesse sentido, a crise dá margem a discursos anti-políticos, que rompem com o espaço de diálogo e expressão característicos da política. Portanto, valorizar a política é um dos fundamentos básicos de um regime democrático saudável, capaz de permitir os diálogos e as expressões de ideias e projetos dos mais diversos grupos presentes na sociedade civil.
Existem pensadores de centro-esquerda que se aproximam dos liberais, admitindo assim um Estado menos interventor e mais regulador. Como o senhor avalia um governo de esquerda na economia?
Essa aproximação da esquerda do liberalismo me agrada bastante. Contudo, é preciso pensar qual liberalismo estamos falando. Assim como a esquerda, o pensamento liberal possui diversas vertentes, tanto políticas quanto econômicas. Penso que um governo de esquerda precisa estar aberto à dinamicidade econômica própria ao liberalismo, capacitando o Brasil para assumir um outro lugar no mundo, sem, contudo, abandonar as perspectivas basilares da esquerda, a saber, a busca pela igualdade e justiça social. Uma esquerda democrática e contemporânea precisa conciliar a busca pela igualdade com a realização da liberdade e a prosperidade econômica.
Luiz Werneck Vianna, sociólogo, disse no Ato do Polo Democrático e Reformista realizado no mês passado no Rio de Janeiro que, apesar de todas nossas dificuldades, vê o futuro com esperança, que o importante é fortalecer, cada vez mais, nossas instituições democráticas. O senhor imagina um futuro com esperança?
Luiz Werneck Vianna é um dos intelectuais que mais admiro. Seu ensaio “A revolução passiva no Brasil” me acompanha durante toda minha trajetória de pesquisa, bem como é um norte para minhas aulas de história do Brasil. Sobre a pergunta, não sou exatamente a pessoa mais otimista. Mas, vejo alguns brilhos despontando no horizonte. Somos uma jovem democracia e estamos em constate aprendizado democrático. De certo modo, os problemas surgidos ao longo dos anos últimos anos geraram um amplo debate político no país. Claro, esse debate em diversos momentos perpassa pela rejeição da própria política. Contudo, é possível contornar esses problemas, rumo à uma revalorização da política. Para tanto, para que esse brilho possa se realizar efetivamente, as eleições e os próximos anos são essenciais. Não há garantias, há apenas possibilidades dentro de uma intrincada rede de relações de forças políticas. Como afirmou o saudoso Ferreira Gullar, “caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão.”
FAP Entrevista: Maria Alice Rezende
"Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político no encaminhamento de soluções para a crise política e social do país", diz Maria Alice Rezende
Por Germano Martiniano
Nesta segunda-feira (30) será lançado, no Rio de Janeiro, o livro “Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual”, de Luiz Werneck Vianna, que é uma coletânea de entrevistas realizadas com o sociólogo desde o inicio do governo Lula, em 2003, até os dias atuais. O prefácio da obra ficou a cargo da também socióloga Maria Alice Rezende, a entrevistada deste deste domingo da série FAP Entrevista, que a Fundação Astrojildo Pereira está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, tem o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Licenciada em História pela PUC do Rio de Janeiro (1975), Mestre em História Social pela UNICAMP (1983) e Doutora em Sociologia pelo IUPERJ, Maria Alice escreveu, em conjunto com Werneck Vianna, há vinte anos, o livro “Corpo e alma da magistratura brasileira”. Questionada na entrevista à FAP sobre o atual momento do judiciário brasileiro, ela foi enfática: “Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político”.
Em relação ao livro de Werneck, Maria Alicia considera que o autor, apesar do momento político brasileiro e todas as dificuldades inerentes a ele, valoriza a democracia como uma conquista superior da sociedade brasileira. “Werneck Vianna aponta para o fato de que nesse cenário político brasileiro, aparentemente desolador, há algo que a sociedade conquistou irreversivelmente: a democracia política”, destacou a socióloga.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Maria Alice Rezende de Carvalho:
FAP Entrevista - Werneck tem se consolidado como uma referência clássica dos estudos sociais no nosso país e é também um intelectual público. Por que este tipo de intelectual parece ausente no Brasil de hoje?
Maria Alice Rezende - A reflexão social no Brasil obedeceu a um processo de institucionalização universitária, que conhece permanente e crescente especialização. Tal fato parece estar na origem disso que você identifica como uma diminuição da presença do intelectual público no Brasil. De fato, o intelectual público singular, como Werneck Vianna, capaz de intervir na vida nacional, escasseia. Mas esse tipo de intelectual vem sendo substituído por intelectuais coletivos, por agências intelectuais que, inclusive, extrapolam o ambiente universitário, tendo como objeto o país, suas vicissitudes, suas potencialidades.
As entrevistas de Werneck, agora reunidas em livro, que lugar ocupam na obra deste intelectual?
Penso que o livro "Diálogos gramscianos ..." é particularmente interessante para a divulgação do pensamento de Werneck Vianna, pois ele combina a erudição do autor, a perspectiva histórica de que sempre faz uso em suas análises, com a sensibilidade dos grandes analistas de conjuntura. Além disso, as entrevistas resumem a original combinação que Werneck instituiu entre Antonio Gramsci e Alexis de Tocqueville, sobretudo na valorização das associações da sociedade civil - os chamados grupos intermediários, em Tocqueville, e as agências privadas de hegemonia, em Gramsci.
Quais respostas o livro de Werneck poderia dar para o atual momento político brasileiro?
Uma resposta abrangente - a democracia como forma superior de luta e como via nobre para a construção de uma sociedade cada vez mais justa e livre, que mire o socialismo. Penso que nesse livro, Werneck Vianna aponta para o fato de que nesse cenário político brasileiro, aparentemente desolador, há algo que a sociedade conquistou irreversivelmente: a democracia política.
A linha de estudos sobre o Judiciário, da qual a senhora também participou junto com Werneck, credencia muito a ambos na cena atual. Estamos, afinal, diante de uma “revolução dos santos” protagonizado pelos operadores do Direito? Em que medida há abusos e interferências em outras esferas?
Há vinte anos, o livro "Corpo e alma da magistratura brasileira", de autoria dele e minha, cumpriu o importante papel de apresentar um novo ator da democracia: o juiz de Direito. A análise que empreendemos naquele contexto nos credenciou a produzir, agora, uma outra pesquisa, novamente a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, sobre o perfil da magistratura atual, em que alguns de seus quadros se comportam orientados por uma perspectiva ativista e salvacionista. Estamos tentando traçar um quadro mais preciso dessa nova geração de magistrados, respeitando sua diversidade e os elementos constitutivos da identidade daquele grupo profissional.
Terá avançado a partidarização do Judiciário além de um ponto tolerável?
Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político no encaminhamento de soluções para a crise política e social do país.
A senhora é uma grande estudiosa do fenômeno histórico das cidades brasileiras. O Brasil urbano que se construiu a partir do século XX é um bom lugar para se viver ou necessita de reformas profundas dentro do contexto de democratização? Quais seriam as reformas?
É claro que as cidades brasileiras necessitam de profundas e urgentes reformas, principalmente aquelas voltadas à superação da imensa desigualdade reinante no mundo urbano brasileiro. As cidades em que vivemos expõem a tragédia de uma história de exclusão e de subjugação das classes subalternas. É ali que se joga o futuro da democracia brasileira.
Por que o comunismo democrático brasileiro das décadas de 60, 70 e 80 esgotou-se, não conseguindo ser um vetor para as instituições brasileiras? E qual o destino daquilo que se chama pós-comunismo?
Penso que a experiência do "comunismo democrático" não se esgotou simplesmente. Houve, por parte dos setores dogmáticos do PCB, um alijamento das vanguardas que lutavam pela democracia política. Mas o que se pode dizer é que há consenso na esquerda moderna quanto à necessidade de deslocamento do horizonte do comunismo, pois o que se impõe à cena contemporânea é a luta anti-capitalista, socialista. Fica para a história a resolução dos dilemas para a construção de uma sociedade comunista...
Sobre os movimentos sociais, por que eles foram se despolitizando e se afastando da política, assim como, a política se afastou deles?
Sob a égide dos governos do PT, os movimentos sociais, tal como aponta Weneck Vianna em suas entrevistas, foram estatalizados, perderam sua autonomia e luz própria.
FAP Entrevista: Naura Schneider
Atriz e produtora de cinema, Naura Schneider avalia que, para haver uma sociedade mais igulatária em relação ao gênero, é necessário um processo educacional permanente que enfrente a questão
Por Germano Martiniano
Atualmente a violência contra as mulheres no Brasil está presente em todas as classes sociais e regiões brasileiras, não se restringindo apenas a agressão física, mas também ao assédio, pornografia, desigualdade de salários e funções, entre outros tipos. Recém-nomeada diretora da Secretaria de Políticas para Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos, a atriz e produtora de cinema Naura Shneider trata desses temas na entrevista da semana da FAP Entrevista, série que a Fundação Astrojildo Pereira está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, tem o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Formada em jornalismo, Naura atuou por muito tempo como atriz da TV Globo, onde fez novelas de sucesso como O Clone (2002), Mulheres Apaixonadas (2003) e Senhora do Destino (2004). No cinema, seu último trabalho foi no longa Vidas Partidas (2016), mas já havia produzido os documentários Flores de Pilão e Silêncio das Inocentes. Todos estes trabalhos abordaram a questão da violência contra a mulher e do empoderamento feminino.
Para a atriz, a melhor forma de se combater este tipo de violência e alcançar uma sociedade mais igualitária na questão de gênero é por meio da educação. “A Educação é fundamental para uma solução consistente e permanente”, acredita Naura.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Naura Schneider:
FAP Entrevista - O filme Vidas Partidas não foi a primeira vez que a senhora se envolveu em um projeto sobre violência contra a mulher. O que a levou a tratar desse tema?
Naura Schneider- Tenho procurado através do cinema mostrar as varias formas de violência contra as mulheres e a importância de uma mudança de posicionamento e do comportamento da sociedade em relação a esta dramática questão.
A senhora acaba de ser nomeada diretora da Secretaria de Política para Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos. Qual seu principal objetivo nesta nova função?
Penso que por meio da Educação poderemos atingir um nível melhor na direção dessa mudança de comportamento. Ou melhor, por meio de processos educacionais em todos os níveis. Portanto, a Educação é fundamental para uma solução consistente e permanente, ao mesmo tempo, reconheço que iniciativas importantes têm sido implementadas por entidades, organizações sociais e por diversas esferas de governo.
Em Vitória (ES), o prefeito Luciano Resende implantou o “botão do pânico” para mulheres que sofrem violência doméstica. Esta medida reduziu significativamente o problema na cidade. O que falta no poder público, em geral, do municipal ao federal, para dar mais apoio as mulheres?
Nosso país tem uma das legislações mais adequadas no sentido da repressão à violência contra as mulheres, que é a lei Maria da Penha, entretanto como trata-se de uma questão complexa, que ocorre no âmbito das famílias, as políticas públicas devem ter o cuidado de construir condições favoráveis a essa mudança de comportamento.
Em relação ao empoderamento da mulher, como fazer uma sociedade mais igulatária?
A questão do empoderamento da mulher como agente econômico e social, em igualdade de condições, também se revela complexa, uma vez que transpor as barreiras da discriminação, do assédio moral e do constrangimento sexual, e da desigualdade de salários no mercado de trabalho, também dependem de uma evolução cultural. Assim, as mudanças só serão consistentes na medida em que decorrer de um processo educacional permanente, que enfrente essas questões de maneira equilibrada e promova um engajamento crescente de jovens e adultos, homens e mulheres.
O que a senhora espera do próximo presidente brasileiro, quanto a questão de políticas públicas voltadas às mulheres?
Tenho convicção que políticas públicas de combate à violência e ações concretas para sua prevenção e repressão devem constar da agenda de todos os governantes e das plataformas eleitorais dos candidatos a presidente da República.