falta de transparência
Congresso quer alterar todo o sistema político e eleitoral do país
São seis frentes que tramitam separadamente e tratam de temas como pesquisas eleitorais, voto impresso, cotas e distritão
Ranier Bragon e Danielle Brant / Folha de S. Paulo
Com a volta esta semana dos trabalhos no Congresso, a Câmara dos Deputados pretende votar propostas que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.
O Senado já aprovou antes do recesso um minipacote que, agora, aguarda análise dos deputados.
Entenda os principais pontos de cada uma das seis frentes de debate no Congresso, o estágio da tramitação de cada uma delas e o que pode mudar em relação ao que vigora hoje em dia.
1 - REVOGAÇÃO DE TODA A LEGISLAÇÃO ELEITORAL ORDINÁRIA E CONSOLIDAÇÃO DAS REGRAS EM UM ÚNICO CÓDIGO
O que é: projeto de lei complementar debatido por um grupo de parlamentares e relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas de Lira
Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado no plenário da Câmara
Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no Senado. Para valer nas eleições de 2022, tem que estar aprovado e sancionado pelo presidente da República até o início de outubro, a um ano da disputa
Alguns dos principais pontos:
2 - ALTERAÇÕES NAS REGRAS ELEITORAIS ESTABELECIDAS NA CONSTITUIÇÃO
O que é: proposta de emenda à Constituição relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP)
Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara
Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa
Alguns dos principais pontos:
3 - VOTO IMPRESSO
O que é: proposta de emenda à Constituição relatada pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR)
Estágio de tramitação: texto está pronto para ser votado na comissão especial da Câmara
Próximos passos: caso seja aprovado, segue para votação no plenário, onde precisa do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados. Para valer nas eleições de 2022, tem que passar ainda pelo Senado e ser ser promulgado até o início de outubro, a um ano da disputa
Principal ponto:
Estabelece a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica. O projeto obriga a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, que seriam depositadas em uma urna, de forma automática e sem contato manual
4 - MINIRREFORMA ELEITORAL DO SENADO
O que é: projetos sobre temas eleitorais, já aprovados pelo Senado
Estágio de tramitação: Aguardam votação pela Câmara
Próximos passos: caso sejam aprovados pelos deputados sem alteração, vão à sanção presidencial. Caso sejam alterados, voltam para análise do Senado. Para valer nas eleições de 2022, têm que estar sancionados até o início de outubro, a um ano da disputa
Alguns dos principais pontos:
5 - FUNDO ELEITORAL
O que é: previsão de gasto de dinheiro público na campanha de 2022, inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias
Estágio de tramitação: Aguarda sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro
Próximos passos: independentemente da decisão de Bolsonaro agora, valor final só será definido na discussão pelo Congresso do Orçamento-2022, a partir de setembro.
Principal ponto:
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Deputados e senadores aprovaram a LDO com dispositivo que quase triplica o valor do Fundo Eleitoral para as eleições de 2022, indo para R$ 5,7 bilhões. O fundo é a principal fonte de financiamento dos candidatos. Há tentativa de acordo para que o valor fique em torno de R$ 4 bilhões
6 - SEMIPRESIDENCIALISMO
O que é: texto ainda indefinido
Estágio de tramitação: nova proposta de emenda à Constituição pode ser apresentada ou pode ser usado texto já protocolado no ano passado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
Próximos passos: medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado em dois turnos de votação em cada Casa, com o apoio de ao menos 60% dos parlamentares.
Principal ponto:
Espécie de parlamentarismo, mas com a manutenção de mais poder na mão do presidente. O presidente da República, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado, comandante Supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver o Congresso Nacional em casos extremos, convocando novas eleições, entre outras funções. Ele é responsável por indicar o primeiro-ministro, que é quem governará, de fato, juntamente com o Conselho de Ministros. O gabinete cai e é substituído caso perca apoio no Congresso.
O modelo é defendido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), manifestou inclinação favorável à medida, para valer a partir de 2026. Oposição no Congresso é contra.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/congresso-quer-alterar-todo-o-sistema-politico-e-eleitoral-do-pais-entenda-principais-pontos.shtml
Ranier Bragon: Avesso a jornalistas, Lira quer concretizar antigo projeto de encastelar presidentes da Câmara
Obra blinda políticos de passar pelo palco de marcantes acontecimentos históricos da política nacional
A decisão de Arthur Lira (PP-AL) de mudar de lugar o seu gabinete tem efeitos que vão além dos obstáculos ao trabalho diário de jornalistas. A obra-relâmpago materializa um antigo projeto de encastelar presidentes da Câmara em uma arquitetura distante dos olhos da imprensa e do escrutínio público.
Ao levar o gabinete para um local que fica ao lado e com acesso direto ao plenário —onde funciona hoje a sala usada por repórteres de vários veículos que fazem a cobertura jornalística da Câmara—, Lira e seus sucessores ficarão a salvo, em prejuízo da transparência, de uma rotina que está no centro de alguns dos acontecimentos mais marcantes da história do país.
Em suma, nem ele nem os vários políticos e outros integrantes da sociedade que orbitam ao redor dos presidentes da Câmara precisarão mais passar diante das câmeras, microfones, gravadores e perguntas de jornalistas ao transitar entre o gabinete e o plenário, durante as votações.
E a depender da obra —cujos custos e detalhes ainda permanecem sob sigilo—, nem mesmo quando entrar ou sair da Câmara.
Cheguei à Sucursal de Brasília da Folha em fevereiro de 2003, sendo deslocado diretamente para ser setorista da Câmara —no jargão jornalístico, o repórter responsável pela cobertura diária de determinada instituição.[ x ]
Com isso, em vez da Redação, o meu posto fixo de trabalho por vários anos seguintes foram os salões, corredores, gabinetes e plenários da Câmara, tendo no comitê de imprensa —o local que Lira quer transformar em seu gabinete— o ponto de apoio para escrever as reportagens.
Um local sem mesa ou cadeira, amplo e todo acarpetado em tom verde, porém, sempre foi mais especial e marcante, para o trabalho de jornalistas e para a história.
Situado no coração da Câmara, com de cerca de 2.000 metros quadrados, o Salão Verde é exatamente o local a ser evitado por quem quer se esconder do escrutínio público.
É um dos espaços de maior circulação da Casa, por onde passam deputados, assessores, funcionários, visitantes, lobistas, jornalistas, entre vários outros, e que se transforma em um formigueiro humano no dia de votações importantes.
O vaivém se explica porque no salão estão as entradas do plenário onde ocorrem as votações, além de ser ponto de passagem para quem entra e sai da Câmara.
Em uma das extremidades opostas à das entradas do plenário está o corredor que leva às salas da presidência da Câmara. Ou seja, o principal caminho para chegar ao gabinete pela manhã, para sair à noite, e para ir ao plenário e voltar durante as votações passa, necessariamente, pelo Salão Verde. E por jornalistas que lá fazem plantão em busca de informações.
Foi exatamente no Salão Verde que momentos cruciais da história do país se desenrolaram. Foi lá, por exemplo, que o então presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ) anunciou à imprensa, em dezembro de 2015, a deflagração do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Foi lá também que, meses antes, Cunha foi alvo de protesto com uma chuva de notas falsas de dólar jogadas em sua direção quando ele dava entrevista à imprensa. E foi lá que, por diversas e diversas vezes, foi questionado por jornalistas, ao chegar ou sair da Câmara, ao transitar entre seu gabinete e o plenário, sobre as contas que tinha na Suíça —com a insistência e a firmeza que exigem o jornalismo independente e o interesse público.
Foi no Salão Verde, também, que Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente em 2005, teve que explicar por várias vezes as acusações de que recebeu um mensalinho de um fornecedor da Casa, escândalo que lhe custou o cargo.
Para além dos casos de corrupção, os presidentes da Câmara são abordados principalmente sobre assuntos que estão na ordem do dia no país, já que ocupam um dos cargos dos mais importantes —o que define a pauta de votações da Casa, sendo o segundo na linha sucessória da Presidência da República.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, teve que ali dar explicações e ouvir pressões em uma infinidade de ocasiões nos seus quatro anos e seis meses como presidente da Casa, em votações importantes que conduziu, como a da reforma da Previdência.
O desejo de se esconder dos holofotes e de só responder a perguntas em ambiente controlado, no momento em que julgar conveniente, é um desejo antigo na Câmara, que remonta, pelo menos, à gestão de João Paulo Cunha (PT), que comandou a Casa a partir do momento em que me tornei setorista da Folha no local, em 2003.
Sob o argumento da comodidade, de ter um espaço mais amplo para trabalhar e alocar assessores, de ter a rapidez de entrar e sair do gabinete durante as votações, e por alegadas questões de segurança, vários presidentes desde João Paulo acalentaram a proposta que, agora, Lira desengaveta.
Na hora H, porém, nenhum deles tocou o projeto pra frente, até pelas restrições históricas e legais, já que a área atualmente usada por profissionais da imprensa foi projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012).
Falei com alguns deles. "Eu aconselharia o presidente Arthur Lira a não fazer a mudança, a não alterar uma tradição da Casa. Poderia parecer retaliação contra a imprensa, o que não seria bom para o início de sua presidência em um momento tão difícil do país", afirmou Aldo Rebelo (SP), que comandou a Câmara pelo PC do B em 2005 e 2006.
Embora diga considerar essa uma decisão exclusiva do presidente da Casa e que veja como natural a reorganização de espaços, Marco Maia (PT-RS), que presidiu a Câmara em 2011 e 2012, afirmou ser contra qualquer encastelamento.
"O presidente da Câmara precisa falar, dizer o que ele está pensando e ouvir o que a sociedade está pensando sobre os mais variados temas, afinal de contas o Parlamento é uma representação da sociedade. Quanto mais contato, mais próximo, mais ouvir a sociedade, menos ele vai errar na condução do processo legislativo."
A Câmara afirma que a obra não irá afetar o tombamento histórico, a arquitetura e os conceitos elaborados por Niemayer porque, em suma, não serão feitas alterações estruturais de monta —serão movidas apenas divisórias, além de mudanças elétricas e hidráulicas e no sistema de ar-condicionado.
Apesar de possivelmente haver aquisição de mobiliário novo, pretende-se usar como mão de obra contratos atuais de manutenção predial. A expectativa é que o novo gabinete da presidência da Câmara esteja pronto em meados de 2021, afirmam assessores.
Lira sempre foi um político de bastidores, avesso não só a discursos em plenário como ao contato com jornalistas —até esta quarta-feira (10), por exemplo, o novo presidente da Câmara não deu nenhuma entrevista coletiva, fez apenas pronunciamentos em que perguntas não foram permitidas.
Um dos maiores símbolos históricos da necessidade de extrema transparência por parte dos detentores de cargo público se materializou nas palavras do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis (1856-1941), segundo quem a luz do sol é o melhor desinfetante.
Brasília tem um pôr do sol que inunda diariamente as redes sociais. Como esse abaixo, visto a partir do comitê de imprensa da Câmara. O exato lugar que Lira quer ocupar com objetivos que destoam da célebre frase do juiz norte-americano, dita há mais de cem anos.