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Evandro Milet: Manifestações enchem as ruas pela educação no Brasil
Será um sonho? Um enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de "Ordem e Progresso" os dizeres "Educação é Progresso"
Evandro Milet / A Gazeta
Ao longo de toda a Avenida Paulista, na Avenida Atlântica em Copacabana, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, na Praça do Papa em Vitória e em centenas de cidades do país, via-se um mar de bandeiras verde-amarelas, vermelhas, azuis, verdes ou com as cores do arco-íris. Bonecos gigantes de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro desfilavam imponentes.
Cartazes eram erguidos pedindo mais ensino técnico, menos evasão nas escolas, salário maior para professores, fim da defasagem idade-série, uma nota maior no Pisa, fim da nomeação política de diretores de escola, capacitação de professores, ensino em tempo integral para todos os alunos com dedicação exclusiva de professores em apenas uma escola e meritocracia na avaliação de professores.
Cartazes sobre homeschooling e escolas militares apareceram, mas foram logo recolhidos pelos próprios cidadãos que os trouxeram, envergonhados pela desimportância dos temas frente aos verdadeiros problemas da educação. Além da falta de sintonia com a massa que acompanhava carros de som tocando alto “Vai Passar” do Chico, com o povo cantando mais alto as partes dos napoleões retintos e do sanatório geral.
Faixas pediam escolas de pobres iguais às escolas de ricos e igualdade de oportunidades para todos. Uma faixa, bem longa, menos do que merecia, dizia “Na pandemia, sem omissão no Ministério da Educação”.
Enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de Ordem e Progresso os dizeres Educação é Progresso. Cartazes erguidos pediam mais verbas para a Ciência e a Tecnologia e uma política para evitar o enorme êxodo de cérebros para fora do país.
Na linha de frente, em cidades diferentes, apareciam Cristovam Buarque, Priscila Cruz do Todos pela Educação, a ex-secretária Cláudia Costin, o ex-Prefeito de Sobral Veveu Arruda, Cláudio Moura Castro, Antônio Gois e representantes das várias ongs que investem muito em educação, replicando iniciativas de sucesso: Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Fundação Itaú, Ensina Brasil e Instituto Sonho Grande.
Professores de todos os níveis escolares se misturavam com mães e pais - uma aproximação fundamental -, reivindicando juntos a melhoria da educação.
A figura gigante de um computador simbolizava a necessidade de inclusão de todos os alunos no mundo digital e com acesso à internet na escola e também nas suas casas.
A organização das manifestações pediu que os participantes trouxessem livros que eram dados para as crianças que participavam aos milhares, afinal seriam os maiores beneficiados do movimento e nada melhor como símbolo da educação.
Na frente, milhares de motos, dessa vez em uma causa nobre, provocavam uma chuva de papel picado que vinha do alto de prédios em algumas cidades.
Pena, porém que isso tudo é apenas um delírio. Infelizmente, educação não mobiliza manifestações desse porte. A Pátria Mãe segue distraída com outras prioridades do Governo Federal, por mais absurdas, delirantes e desfocadas, e o povo ainda não se deu conta do que importa para o futuro. Quem sabe um dia.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/manifestacoes-enchem-as-ruas-pela-educacao-no-brasil-0821
Cristovam Buarque: Sequestradores sonsos e tolos
Convencionou-se dizer que “crianças abandonam a escola”, quando o certo seria dizer que elas são “arrancadas da escola”, por um conjunto de forças: pobreza da família, inospitalidade dos prédios, descontinuidade por interrupção das aulas, desmotivação familiar ou dos professores, equipamentos obsoletos, métodos ultrapassados, falta de perspectiva de futuro, merenda ruim, desincentivo ao estudo. Tudo se passa como se o Brasil conspirasse para sequestrar as crianças para fora da escola. Isto acontecia no século XIX, nos Estados Unidos, contra as crianças negras.
Por quase um século, aquele país foi dividido entre estados escravocratas no Sul e abolicionistas no Norte, com permanente fuga de escravos em busca da liberdade do outro lado da fronteira. Havia rede de apoio aos fugitivos, da mesma forma que havia redes de políticos, advogados, policiais, que agiam no sentido contrário, sequestrando afro-americanos no Norte para levá-los de volta ao Sul. O “Clube do Sequestro”, como ficou chamado o mecanismo que fazia este processo, tinha agentes que retiravam crianças negras das escolas, e as levavam para juízes que autorizavam o envio para seus senhores, no Sul.
Ao conhecer a maldade destes sequestradores organizados, percebe-se que isto é feito no século XXI com nossas crianças que abandonam a escola e caem na escravidão que aprisiona e devora os sem educação. No Brasil não é necessário “Clube de Sequestro”, porque as condições sociais e educacionais forçam as crianças a abandonar a escola. Agimos como o “Clube do Sequestro” norte-americano, levando estas crianças à escravidão do desemprego, baixos salários, despreparo para enfrentar e usufruir do mundo moderno.
Os sequestradores americanos eram movidos por ganhos pessoais, a recuperação do patrimônio do proprietário e os honorários aos membros do “clube”. No Brasil, somos sequestradores sonos, com a hipocrisia de ignorar o analfabetismo como uma algema mental e a falta de educação como escravidão; não tiramos a criança da escola com nossos braços, apenas assistimos que ela fuja da escola sem qualidade. Fecham-se os olhos, deixam-se que elas se condenem, escondendo que se tira proveito disto.
A parcela que concentra a renda e a educação usufrui do trabalho com baixos salários dos que não estudaram: pedreiros que fazem suas mansões, vendedores nas praias, cuidadores de carro, empregados domésticos. O abandono das crianças e das escolas se explica porque a má educação é uma trincheira da escravidão ainda não plenamente abolida.
Para que os ex-escravos não se libertem plenamente, não se assegura boas escolas para eles nem para seus filhos. Aqui não fogem para Estados abolicionistas no Norte, mergulham no mar da deseducação e continuam escravas, servindo aos seus sequestradores sonsos. Esta é a lógica da perversa desigualdade escolar, que condena nossas crianças a abandonarem a escola, como fazia o “Clube do Sequestro” nos Estados Unidos, no século XIX. No lugar de trazer de volta para antes de 1888, simplesmente fechamos os olhos à fuga das crianças em direção à escravidão moderna.
Mas além da perversidade sonsa, somos tolos, porque não medimos o custo do sequestro para todos os brasileiros. Cada criança que abandona a escola provoca uma perda para o país e, portanto, para cada brasileiro.
Comparando com países que cuidaram da educação de suas crianças, como a Coreia do Sul, pode-se estimar que o PIB brasileiro seria o dobro do atual se na infância nossos trabalhadores não tivessem sido sequestrados para fora da escola. Fazendo o Brasil mais pobre do que seu potencial permite, tanto quanto a escravidão nos amarrava no século XIX. Além desta perda, a falta de educação exige gastos gigantes com assistência social, porque os sequestrados na infância não são capazes de se manter na vida adulta. Sequestramos crianças negando-lhes futuro, e todos perdem o que elas poderiam oferecer ao Brasil se tivessem recebido boa educação.
Somos sequestradores sonsos individualmente, ao explorarmos as crianças sequestradas quando adultas, e tolos socialmente, ao impedi-las de se prepararem para construir um país moderno que beneficiaria a todos.
*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília