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El País: Câmara empurra mais mudanças para as eleições de 2022
Proposta também traz mudanças que limitam a Justiça Eleitoral e põem obstáculos à renovação política
A boiada segue passando na Câmara dos Deputados. Os parlamentares começaram a debater no plenário nesta quinta-feira, 2 de setembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, que institui um novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos e quase 400 páginas, e que pretende impor diversas mudanças já a partir das eleições de 2022. O plano é de que o texto seja votado e aprovado na próxima semana. A maior parte desses artigos consolida em leis resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a garantir mais segurança jurídica ao processo eleitoral. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O texto carrega mudanças controversas, como uma quarentena de cinco anos após deixarem os cargos para policiais, militares, membros do Ministério Público e juízes se candidatarem, ou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição. Mas a principal crítica entre analistas e parlamentares é a pressa do Parlamento para aprovar mudanças tão importantes.
Nenhuma eleição no Brasil é igual a outra desde 1988. A cada quatro anos o Congresso Nacional aprova alterações para os pleitos seguintes. A última ocorreu em 2017, quando os parlamentares acabaram com as coligações proporcionais e instituíram uma cláusula de barreira com o objetivo de enxugar o quadro partidário. Fruto de longos debates na sociedade civil, na imprensa e no próprio Congresso, essas mudanças constantes não são necessariamente ruins, porque podem significar evoluções e um amadurecimento do sistema eleitoral.
O problema é que, agora, num contexto de pandemia de coronavírus e com sessões sendo realizadas por videoconferência, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem imprimindo um ritmo de urgência a pautas delicadas, sem passar muitas vezes por comissões ou debates mais amplos. No início de agosto, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltou a implementar as coligações proporcionais para as eleições de 2022 quatro anos depois da mesma Câmara derrubá-las —como o fim delas só começaria a valer a partir do ano que vem, não deu tempo de o país sequer avaliar os resultados da mudança. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não pretende pautar a alteração.
Nesta semana, a Câmara votou a toque de caixa uma reforma tributária que, segundo analistas, geram problemas graves de arrecadação. Agora, a Casa dá mais um passo apressado para impor novas mudanças para as eleições. “Vejo com muita preocupação o fato de a Câmara estar aprovando com muita pressa. Tanto a PEC [da reforma política] como o Código Eleitoral são pontos sensíveis. Precisam de um debate mais demorado e envolvendo mais atores”, explica Leonardo Martins Barbosa, cientista político do IESP/UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
Freio na reforma
As criticas ao projeto geraram a campanha “Freio na Reforma”, que conta com mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas o Movimentos Transparência Partidária, ITS Rio, o Pacto Pela Democracia e o Movimento Livres. Em conjunto com cinco deputados federais e dois senadores, entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 31 de setembro, pedindo que fosse formada uma comissão especial para analisar o projeto.
“O regimento interno é muito expresso ao determinar que, para fazer qualquer tipo de mudança no código, é preciso constituir uma comissão especial”, explica o advogado Irapuã Santana, que assinou a petição ao Supremo. “Foi feito apenas um grupo de trabalho que o próprio Lira escolheu os membros, sem nenhuma representatividade, sendo que uma comissão especial deve guardar uma proporcionalidade, deve ser por votação... Uma série de regras do legislativo não foram cumpridas”, acrescenta. Os próprios deputados chamavam atenção nesta quinta para as surpresas que tinham a cada nova leitura do relatório.
O relator desse mandado de segurança, o ministro Antonio Dias Toffoli, deu 48 horas para que Lira desse explicações sobre o andamento do novo Código Eleitoral —algo que não ocorreu. Com receio de interferir em questões internas do legislativo, Toffoli indicou que enviará o caso para o plenário do Supremo. “O tribunal tem uma jurisprudência muito forte no sentido de que o devido processo legislativo precisa ser cumprido, senão ele precisa voltar. Portanto, já estamos estamos invocando um precedente”, explica Santana. Ele afirma que é preciso fazer audiências públicas e buscar estudos que demonstrem que determinadas mudanças ou manutenções de regras serão favoráveis à população. “Quando vemos que isso está sendo feito de uma maneira apressada, parece que esses objetivos não são tão republicanos”, argumenta o advogado, que acredita que o novo Código Eleitoral vai na “contramão do que a sociedade vem querendo”, ao colocar um empecilho no fluxo de renovação política no país.
Entre os pontos considerados mais problemáticos, ele afirma que foram deixados de lado regras que garantam recursos para negros e mulheres e uma representação proporcional no Congresso. Um dos pontos que está em discussão no projeto é que, ao distribuir os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sejam contados em dobro os votos dados a esses dois grupos para a Câmara. Na sessão desta quinta, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) enumerou outras críticas, como o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa (pela nova norma, um político condenado começaria a cumprir seu período de oito anos de inelegibilidade a partir da condenação, e não ao fim do cumprimento da pena, como ocorre hoje) e uma autoridade que renunciasse antes do fim de seu processo de cassação poderia manter seus direitos políticos.
O projeto também determina que os candidatos apresentem seus documentos por meio do sistema da Receita Federal, que é menos detalhado, e não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral —o que, segundo críticos, atrapalha as tabulações e cruzamentos. Outro tema considerado problemático é que os gastos de campanhas eleitorais poderão ser divulgados apenas depois de encerradas as votações —atualmente, os candidatos devem publicar seu patrimônio ao registrarem suas candidaturas, assim como fazer prestações parciais das despesas de seus comitês de campanha. O projeto também prevê a possibilidade de empresas privadas serem contratadas pelas siglas para auditarem a contabilidade partidária. Defensores afirmam que isso pode agilizar a apreciação do uso de dinheiro público pelos partidos, diminuindo o volume de trabalho da Justiça Eleitoral, mas os críticos temem que isso também diminua a fiscalização sobre os partidos.
A autora do projeto, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), defende que ele une em um só texto todas as regras —partidos, eleições, inelegibilidades, propaganda eleitoral, financiamento de partidos e de eleições, crimes eleitorais, entre outros— e busca superar divergências em decisões tomadas pela Justiça Eleitoral. O texto, argumenta ela, “encampa a crescente demanda dos especialistas da área por um corpo coerente e fechado de normas processuais”.
Ao contrário de outros temas, o novo Código Eleitoral não parece dividir Governo e oposição. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contrário à quarentena de cinco anos para policiais, militares, promotores e juízes. “Acaba por cercear ainda mais a ascensão política dessa categoria”, argumentou nesta quinta-feira o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP). Inicialmente, a quarentena já valeria para 2022 —o que foi interpretado como uma tentativa de evitar a participação do ex-juiz Sergio Moro no próximo pleito—, mas a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), alterou a vigência para 2026. “É preciso debater a exclusão dessa quarentena e trazer o princípio da isonomia a todos os cidadãos que pleiteiam o espaço político”, argumentou a deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Outro tema considerado importante por siglas pequenas ameaçadas pela cláusula de barreira, como o PCdoB, é a aprovação das federações partidárias e o uso das “sobras” em eleições proporcionais —isto é, votos remanescentes— por partidos menores.
Manutenção do status quo
De acordo com Barbosa, do Observatório do Legislativo Brasileiro, projetos que atendam aos interesses da classe política “não necessariamente são ruins”. Por exemplo, ele acha importante debater a diminuição do prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. O projeto diminui esse prazo de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Porém, o cientista político acredita que o Congresso tem se valido da pandemia para modificar regras eleitorais em um tempo curto. “O que está por trás é a intenção de manter o status quo e dificultar a renovação”, explica. “É importante construir um Código Eleitoral para dar mais transparência a essas leis. Isso é um movimento importante. O que não pode é ser unicamente motivado pelo interesse de manutenção do status quo”, completa.
O problema da pressa e da falta de debate, continua Barbosa, é que “matérias importantes acabam tendo um projeto de lei ruim”. Ele diz que a estratégia de Lira não é formar maiorias a partir de pontos de consenso, mas sim inserir vários pontos que atendam interesses miúdos —como a proibição de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, uma demanda da extrema direita bolsonarista.
Além disso, Barbosa não vê o Senado com a mesma disposição de aprovar a toque de caixa mudanças importantes. Uma demonstração disso ocorreu nesta quarta-feira, quando os senadores rejeitaram por ampla maioria um projeto que flexibilizava e precarizava ainda mais as relações de trabalho. Além disso, senadores vêm dedicando mais tempo para outros temas delicados aprovados pela Câmara, como as mudanças no licenciamento ambiental. Sobre o Código Eleitoral, ainda restam dúvidas de como se posicionará. “Quando o Senado discorda, a tendência é que esses temas sequer sejam pautados para votação. Ele já deu amostras de que não aceitará qualquer coisa que venha da Câmara”, explica Barbosa. É de se questionar, portanto, as prioridades estabelecidas pelos deputados, que têm gastado um bom tempo da legislatura dando atenção a projetos que não parecem ter futuro.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-03/camara-empurra-mais-mudancas-para-as-eleicoes-de-2022-escondidas-em-um-projeto-de-400-paginas.html
Como líderes evangélicos usam redes para apoiar ato pró-Bolsonaro
Um dos representantes é Silas Malafaia. Pastor afirma que evangélicos de todo o país estão se organizando para participar de manifestações
Vinícius Lemos / BBC News Brasil
Ele declara que as pessoas devem ir às ruas na próxima terça-feira (07/09) para lutar a favor do país, da família e dos princípios de Deus. Discursos semelhantes têm sido adotados por outros líderes evangélicos nas redes sociais para convocar os fiéis para a manifestação pró-Bolsonaro.
Um dos principais representantes do segmento é o pastor Silas Malafaia. Em 23 de agosto, ele compartilhou um vídeo no qual líderes evangélicos convocam os fiéis para o ato na Avenida Paulista.
"Eu estou capitaneando, sim. Estou na frente disso, chamando tudo que é líder. E nunca, na história desse país, os evangélicos se mobilizaram para um ato como esse", diz Malafaia à BBC News Brasil. Segundo ele, evangélicos de todo o país estão se organizando para participar de manifestações em suas cidades.
Os evangélicos, que segundo pesquisas recentes compõem cerca de 30% da população brasileira, representam um grupo significativo para Bolsonaro. Uma pesquisa Datafolha de maio deste ano apontou que 24% da população em geral considera o governo ótimo ou bom. Já apenas entre a população evangélica, esse número corresponde a 33%.
Em 2018, a pesquisa Datafolha na véspera do segundo turno projetou que sete em cada 10 eleitores evangélicos votariam em Bolsonaro contra o petista Fernando Haddad.
Em maio deste ano, a pesquisa Datafolha ilustrou um cenário diferente de 2018 entre o bolsonarismo e as igrejas evangélicas. O levantamento mostrou que 35% dos evangélicos escolheriam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um primeiro turno. Já Bolsonaro teria 34% dessa população. Conforme a pesquisa, cada candidato tem 45% das intenções de voto desses religiosos em um eventual segundo turno entre os dois.
"Existe um desembarque das forças em torno do bolsonarismo. Cada vez mais, o Bolsonaro está restrito ao que chamamos de bolsonarismo raiz, grupo do qual os evangélicos fazem parte", aponta Vinícius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).
"Mas os evangélicos representam um grupo muito heterogêneo no Brasil. Nas eleições de 2018, o Bolsonaro conseguiu certa hegemonia entre os evangélicos e manteve isso por muito tempo, mas hoje está em crise. Hoje a gente não vê a quantidade de pastores defendendo o Bolsonaro como antes da pandemia", acrescenta Valle, que há uma década estuda a relação entre política e as igrejas evangélicas.
No meio evangélico, há pastores que se manifestaram contra a presença de fiéis na manifestação de sete de setembro.
"Todo esse movimento tem por finalidade ameaçar as instituições do nosso país. Essas pessoas defendem o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal), essas pessoas defendem o fechamento do Congresso Nacional. Logo, essas pessoas agem contra a democracia, contra o estado democrático de direito", declara o pastor Rodrigo Coelho, do Rio de Janeiro, em um vídeo compartilhado nas redes sociais.
'Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua'
Os líderes religiosos estão organizando, segundo o pastor Malafaia, meios de transporte para os fiéis, bandeira e faixas para participarem de atos em São Paulo, Brasília ou em outras cidades pelo país.
"Isso vai ser em todo o Brasil. Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua. Não é só em São Paulo e no Rio de Janeiro. Vai ter caravana de tudo quanto é jeito no Brasil", afirma Malafaia.
"Aqui no Rio de Janeiro, estamos colocando um trio elétrico gigante. Mas isso não tem nome de igreja, porque igreja é acima disso. Nós, cidadãos, é que somos evangélicos, então não vai ter nome de igreja nenhuma", completa o pastor.
Malafaia argumenta que a convocação dos fiéis para os atos é fundamental porque, segundo ele, atualmente a liberdade de expressão está em jogo no país.
"Estamos vendo o STF rasgar a Constituição, uma das coisas mais vergonhosas, e com a conivência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e de grande parte da mídia", declara.
O "ataque à Constituição Federal" ao qual Malafaia e outros líderes evangélicos utilizam como argumento para a convocação aos atos é referente a decisões recentes do STF, que incomodaram Bolsonaro e seus aliados.
Entre essas decisões estão medidas como uma determinação do ministro do STF Alexandre Moraes, no início de agosto, para incluir o presidente Jair Bolsonaro entre os investigados no inquérito sobre divulgação de informações falsas.
Outro ponto criticado por religiosos bolsonaristas são as investigações da Polícia Federal sobre ataques de "milícias digitais". Segundo as apurações, são atos feitos para desestabilizar instituições como o STF e atentar contra a democracia. Em meados de agosto, o ex-deputado Roberto Jefferson foi preso após as investigações apontarem que ele é parte do núcleo político desse grupo.
Apesar de muitos pastores não citarem o presidente nas convocações dos fiéis nas redes sociais para os atos, o discurso desses líderes religiosos é totalmente alinhado ao de Bolsonaro. Outra pauta que eles defendem, a favor do presidente, é o voto impresso, derrotado na Câmara dos Deputados.
"Claro que sabemos que também é (ato) de apoio ao presidente. É evidente", afirma Malafaia.
"A igreja não apoia ninguém. Nós, evangélicos, apoiamos. Nós, evangélicos, não vamos participar de ato de partido político. Mas (ato) de apoio ao presidente, vamos participar. Não tenha dúvida nenhuma", acrescenta o pastor.
Malafaia destaca que uma das maiores movimentações entre evangélicos em sete de setembro deve ocorrer em Manaus (AM). O pastor afirma que os evangélicos da região esperam que 500 mil pessoas saiam às ruas da capital amazonense na manifestação pró-Bolsonaro.
O pastor Renê Terra Nova, de Manaus, também tem feito diversas publicações em suas redes sociais para convocar os fiéis para o ato na terça-feira.
Terra Nova afirma que está apoiando o Brasil, mas diz que no atual contexto isso significa que precisa estar ao lado de Bolsonaro.
"No atual cenário, o governo Bolsonaro está lutando pelo país, e esse é o sonho de qualquer cidadão sério. O Governo Bolsonaro está com nosso apoio, mas não estamos indo às ruas por causa de uma pessoa, mas por causa da plataforma que defendemos - Deus, Pátria e Família, e a nossa liberdade", diz Terra Nova à BBC News Brasil.
Para convencer os fiéis, o discurso dos líderes costuma ser extremo, como o de Munguba Júnior que afirma que aqueles que não participarem do ato querem ser escravizados.
"Quando falo sobre uma possível escravidão, estamos defendendo a liberdade do povo. Vamos fazer oração no local (do ato) pedindo para que Deus nos livre do comunismo. Se o comunismo for implantado, seguramente a liberdade vai embora", diz Munguba à BBC News Brasil.
A "ameaça comunista", segundo o pastor, se tornará real se um partido de esquerda como o PT for eleito para governar o país. Esse argumento é utilizado por religiosos bolsonaristas para reforçar a ideia de que a participação nos atos é uma espécie de "luta do bem contra o mal".
Munguba, que é de Fortaleza (CE), afirma que o vídeo que publicou para convocar para os atos vale para todo o país, pois argumenta que sua igreja, Seven Church, é acompanhada por fiéis de diferentes regiões do Brasil.
'Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem'
As convocações de Malafaia e seus aliados incomodaram pastores que compõem o Movimento Resistência Reformada, um grupo de lideranças evangélicas que se opõe às medidas de Bolsonaro.
"Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem, por isso nos posicionamos. Não queremos, de forma alguma, que o Brasil se torne uma teocracia, que é o que essas lideranças almejam. Isso tudo é lamentável", declara o pastor Rodrigo Coelho, líder do Resistência Reformada.
Quando notaram o crescente apelo de líderes como Malafaia para que os fiéis participassem das manifestações, os membros do movimento, cerca de 100 líderes religiosos no Brasil e alguns do exterior, publicaram um vídeo contrário a isso.
"Você, nesse lugar, é tão somente massa de manobra, tão somente uma pessoa sendo manipulada (por pastores bolsonaristas) para que essas pessoas possam permanecer no poder e permanecer com os seus privilégios. Não se permita isso. Não se permita ser cooptado por essa gente", diz Coelho, em trecho de vídeo compartilhado por ele nas redes sociais.
O pastor argumenta que o principal objetivo do movimento é defender os direitos humanos e se posicionar contra os "desmandos do Bolsonaro" e de seus aliados.
"O movimento nasce no contexto do governo Bolsonaro, mas vai além dele, porque a gente crê que o governo Bolsonaro vai passar. Decidimos nos posicionar (contra o ato de sete de setembro) porque é um absurdo o que acontece no Brasil, sobretudo o apoio de parte da igreja evangélica", declara Coelho.
"O Silas já apoiou toda a classe política, de direita ou esquerda, e me parece fazer qualquer coisa para estar no poder e ter privilégios de quem transita no Palácio (do Planalto). Mas na verdade, a gente entende que lugar de profeta é fora do Palácio, denunciando quem faz coisa errada", completa.
Os vídeos de religiosos convocando para os atos alcançaram mais de um milhão de visualizações nas diferentes redes sociais. Coelho não tem dados exatos sobre o alcance do vídeo feito por ele contra os chamados para esses atos, mas admite que a visualização foi muito menor.
"A gente faz isso de forma orgânica, enquanto esse pessoal (como Malafaia) patrocina os posts. Esse pessoal está desesperado porque o governo, a cada dia mais, enfrenta momentos ruins", declara.
"Porém, estamos satisfeitos em saber que chegamos em vários lugares com o nosso vídeo. Várias pessoas do Brasil têm entrado em contato para manifestar apoio. Isso prova que nas igrejas evangélicas há pessoas que não estão alinhadas a essas lideranças religiosas e a esse governo", completa o pastor.
Evangélicos e Bolsonaro
O racha entre evangélicos sobre o apoio a Bolsonaro não abala aqueles que têm convocado os atos a favor do presidente.
Pastores ligados ao presidente afirmam que o apoio ao governo segue em alta entre esses religiosos. Malafaia diz, apenas com base em experiência própria, que cerca de 80% dos evangélicos apoiam Bolsonaro.
"Conheço o mundo evangélico. Isso é uma piada (as pesquisas que indicam queda no apoio ao presidente entre os evangélicos). Tenho acompanhado o Bolsonaro em vários lugares. No mínimo, uns 50% das pessoas que estão em aeroportos e nos lugares em que o presidente está são evangélicos", declara Malafaia.
Especialistas ressaltam que a retórica de Bolsonaro de ser perseguido injustamente enquanto tenta combater um mal maior, que seria a esquerda ou uma "constante ameaça comunista", vai no sentido do que as igrejas evangélicas pregam entre os fiéis da luta do bem contra o mal.
No atual cenário, segundo o cientista político Vinícius do Valle, o presidente tenta resgatar o discurso de que se trata do bem contra o mal no Brasil para tentar reunir o maior número de apoiadores. "Ele diz que os bolsonaristas podem salvar o presidente do mal se forem contra o STF", diz o especialista.
"Os evangélicos surgem como uma das poucas forças que permanecem fiéis ao presidente, como os militares e muitos ruralistas, ainda que de forma reduzida atualmente", acrescenta Valle.
O especialista ressalta que as inúmeras convocações de líderes religiosos não significam a garantia de presença massiva dos evangélicos nos atos de sete de setembro.
"Os evangélicos não seguem à risca os posicionamentos dos pastores. Além disso, dentro da própria igreja há diferentes lideranças, que nem sempre seguem o mesmo posicionamento. O pastor que fala diretamente com o público nem sempre tem o mesmo discurso do pastor que é presidente da igreja", afirma Valle.
Além disso, fatores como a alta do desemprego, a crise econômica e o aumento dos preços de itens básicos têm feito, conforme os especialistas, com que muitos evangélicos abandonem o bolsonarismo.
O cientista Felipe Nunes, da Quaest, empresa de inteligência de dados, afirma que o eleitor brasileiro é mais pragmático do que ideológico. "O brasileiro avalia o seu bem-estar. No atual momento, com a qualidade de vida caindo, com o aumento da inflação, falta de crescimento econômico e a percepção de que as coisas não vão melhorar, isso tudo recai sobre a imagem do presidente", diz à BBC News Brasil.
Em razão disso, segundo ele, uma parcela dos mais pobres entre os evangélicos começou a se afastar do presidente. "Um resultado econômico ruim leva os evangélicos mais pobres a sofrer na carne com tudo o que está acontecendo e colocam na conta do presidente", explica Nunes.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58442769
Maria Cristina Fernandes: A boiada, agora, passa sobre o capital
Adiamento de manifesto empresarial foi crucial para Bolsonaro
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A unidade frustrada de entidades empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também o capital.
Por duas razões: o recuo das entidades acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração nas expectativas de retomada econômica.
O manifesto dos empresários, apesar de não fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.
Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.
O alvo de Bolsonaro é a capacidade de articulação empresarial para pôr na roda uma terceira via em condições de tirá-lo da reta final de 2022.
A boiada parecia longe quando o governo passou a faca na Previdência Social de 72 milhões de brasileiros, produziu recorde de informalidade no mercado de trabalho, patrocinou o pior orçamento da educação básica em uma década, registrou o menor número de inscritos no Enem nos últimos 16 anos, fez liberação recorde de agrotóxicos, promoveu a maior letalidade policial desde 2013 e paralisou a política habitacional para a faixa de mais baixa renda e a demarcação de terras indígenas.
A centralidade do debate ambiental na economia mundial fez tocar o alarme quando, no primeiro semestre de 2021, o país se deparou com o pior desmatamento em uma década. A boiada se aproximava.
O galope da inflação, do juro de longo prazo e do câmbio, a iminência da crise hídrica e, por fim, a queda do PIB no segundo trimestre do ano acabaram por dar alguma concretude à expressão “estouro da boiada”.
Nada, porém, alarmou mais as perspectivas do que a negociação em torno das dívidas da União, os chamados precatórios. Foi aí que se mostrou inútil a tentativa de fechar a cancela para resguardar os interesses empresariais.
A consultoria legislativa da Câmara dos Deputados e a IFI já mostraram os números. A proposta de parcelamento negociada pelo ministro da Economia com o TCU, o presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e do Senado, pode acumular esqueletos no armário no valor de até R$ 1,4 trilhão até 2037, quando acaba o teto de gastos.
Reclamar do salto nas despesas com precatórios é jogar por terra velha demanda nacional que é o aumento da produtividade do Judiciário. Enfurnada na pandemia, a magistratura esvaziou gavetas e multiplicou sentenças, devidamente anotadas pela AGU.
A instituição encarregada de defender a União de seus cobradores foi chefiada, em grande parte do governo Bolsonaro, por André Mendonça, candidato ao Supremo, instância máxima do cumprimento de sentenças judiciais.
A saída para honrar as dívidas e pagar um Auxílio Brasil turbinado sem derrubar o teto seria a redução das emendas de relator, mas isso é capaz de fazer tremer o país mais do que 7 de setembro bolsonarista.
O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) encantam suas plateias engravatadas apesar de não quererem nem ouvir falar em cortar emendas de relator, cuja execução condiciona sua autoridade.
Tem sido assim desde a PEC Emergencial, aprovada em março sem corte de gastos. A gastança prosseguiu com a privatização da Eletrobras, custeada pelo contribuinte, e agora esbarrou numa reforma do Imposto de Renda com risco de mais desembolsos da União.
Empresários e banqueiros despertaram da conivência ao concluir que apesar de toda a gastança, o país ainda não havia adquirido paz institucional, que dirá futuro para sua economia.
Se o manifesto “A Praça é dos Três Poderes” é uma reação a este estado de coisas, permanece uma incógnita por que, em determinado momento, seus signatários originais, entre os quais a Febraban, resolveram entregar o comando de um movimento que chegou a abrigar 250 entidades, para a Fiesp. Mais precisamente para Paulo Skaf.
A rigor, Skaf nem presidente da Fiesp é mais. Depois de 17 anos sob sua presidência, a Federação das Indústrias de São Paulo elegeu, há dois meses, Josué Gomes da Silva, da Coteminas, para seu lugar. Skaf permanece no cargo até dezembro para melhor definir seu futuro político. No presente faz política contra o interesse de seus representados.
Foi isso que aconteceu com o manifesto empresarial. Filiado ao MDB, Skaf move-se entre as pressões do governo sobre o Sistema S e uma brecha na palheta de opções à direita num Estado em que Bolsonaro ainda não tem um palanque para chamar de seu em 2022.
Parecia óbvio que havia vasos comunicantes e poluentes entre os interesses envolvidos. Apesar disso - ou por causa - conseguiu o mandato para comandar o manifesto. Seu maior feito até agora foi o de adiar a divulgação do documento para depois do 7 de setembro abrindo brechas para o governo desbaratar a iniciativa.
De maciça, a adesão da Febraban, por exemplo, que havia sido tomada pelo voto de 14 dos 18 integrantes do conselho da entidade, contra a vontade de dois (BB e Caixa) e a abstinência de outros dois, se transformou em um racha.
A anunciada saída dos dois bancos públicos da Febraban permanece como uma ameaça sem confirmação de um lado ou do outro. Seu maior patrocinador, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, nunca abandonou suas ambições políticas nem oportunidade de mostrar serviço ao chefe.
A Febraban contesta o recuo e mantém apoio ao documento. Na impossibilidade de unir a todos os signatários poderia ter tomado o mesmo rumo das entidades do agronegócio e encabeçado um documento à parte do setor financeiro.
Preferiu se manter sob a liderança de Skaf e aguardar a divulgação do documento no dia D e na hora H. Ponto pra Bolsonaro e sinal verde para a boiada.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/a-boiada-agora-passa-sobre-o-capital.ghtml
Bolsonaro veta punição para quem divulgar fake news
O presidente sancionou PL que revoga Lei de Segurança Nacional, mas vetou crime para quem praticar "comunicação enganosa em massa"
Thaís Paranhos / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, com vetos, nessa quarta-feira (1º/9), projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar.
Entre os vetos do mandatário da República, está o trecho que prevê punição para quem praticar “comunicação enganosa em massa”. O PL determinava reclusão de 1 a 5 anos mais multa para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
No veto, o chefe do Executivo diz que “a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objetivo da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que compartilhou”. O presidente questiona também se “haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico”.
Por fim, o presidente alega que a proposta tem “o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais”.
Inquérito das Fake News
Bolsonaro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Inquérito das Fake News, que apura a disseminação de notícias falsas. O relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, incluiu o mandatário do país na investigação no último dia 4 de agosto, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O STF vai apurar se o presidente cometeu crimes durante a tradicional live de quinta-feira, na qual afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018.
Outros vetos
O titular do Planalto também vetou trecho do PL que determinava punição para quem impedisse “o livre e pacífico exercício de manifestação” sob o argumento de que haveria dificuldade para definir “o que viria a ser manifestação pacífica”.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-veta-punicao-para-quem-divulgar-fake-news
Luiz Carlos Azedo: Estratégia do fracasso
A transformação do 7 de Setembro num Rubicão pode não ter sido uma boa ideia por parte de Bolsonaro, simplesmente porque as legiões não pretendem acompanhá-lo
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas /
Em 8 de março do ano passado, a caminho de Washington, onde se encontraria com o então presidente Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro fez uma escala em Roraima e foi recepcionado por 400 apoiadores, ocasião em que anunciou a convocação de seus partidários para uma grande manifestação em 15 de março. Objetivo: pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo, e o político que tem medo da rua não serve para ser político”, disse. Na verdade, nada era espontâneo, tudo estava sendo convocado pelas redes sociais, por um exército de robôs comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro, o seu filho 02, que exerce o mesmo papel até hoje.
Pretendia pressionar o Congresso a votar seus projetos de regulamentação da execução de emendas parlamentares e politizar a pandemia da covid-19 e o fracasso da sua política econômica, que havia resultado num crescimento de apenas 1,1% do PIB em 2019. Uma retrospectiva do que veio depois mostra que deu tudo errado. A pandemia não era uma “gripezinha”, já se aproxima de 600 mil mortos e ainda nos ronda; a pressão sobre o Congresso fracassou, resultou num acordo com o Centrão, no qual boa parte dos investimentos do Orçamento da União ficou sob controle do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o homem que tem na gaveta os pedidos de impeachment do presidente da República.
Mesmo assim, Bolsonaro insiste na estratégia fracassada. Ontem, chegou a Uberlândia montado num cavalo; depois, participou de uma motociata pelas ruas de cidade. “Vocês que devem dar o norte para todos nós que estamos em Brasília. E esse norte será dado com muito mais ênfase, com muito mais força no próximo dia 7”, disse o presidente da República, para quem os protestos do Dia da Independência, na semana que vem, serão um “momento ímpar”, no qual pretende dar “um recado para o Brasil e para o mundo, dizendo para onde este país irá”. O que será?
Cercado por apoiadores, com carros de som tocando jingles de campanha de 2018 (um crime eleitoral, que já custou os mandatos de muitos vereadores e prefeitos), disse que chegou a hora de “nos tornarmos independentes para valer”. Arrematou com a velha cantilena populista, que incendeia as manifestações, mas ignora o fato de que temos instituições políticas consolidadas e fortes, que atravessaram décadas e sobreviveram aos seus algozes eventuais: “Não aceitamos que uma ou outra pessoa em Brasília queira impor a sua vontade. A vontade que vale é a vontade de todos vocês”, afirmou. Obviamente, é uma alusão aos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Desmobilização
Após terminar o discurso em Uberlândia, seus apoiadores gritavam “eu autorizo”. Esse é o título de um abaixo-assinado que circula nas redes sociais, autorizando-o a fechar o Supremo e dar um golpe de Estado. Bolsonaro tem uma interpretação própria do artigo 142 da Constituição, na qual a atribuição de “comandante supremo das Forças Armadas” lhe daria o papel de suposto “Poder Moderador”. A ida a Uberlândia não foi por acaso: o Triângulo Mineiro é um importante centro de distribuição de mercadorias e grande mercado de carne bovina, para os quais convergem caminhoneiros de todas as regiões do país. A agenda de Uberlândia teve por objetivo convocar apoiadores para a manifestação que pretende realizar em Brasília no 7 de Setembro, que, desde ontem, dá sinais de desmobilização, segundo Polícia Rodoviária Federal (PRF), que monitora as estradas do país.
Não será surpresa outra incursão semelhante em São Paulo, onde enfrenta dois adversários figadais: o governador João Do- ria (PSDB) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em Brasília, o Congresso e o Supremo reagiram à mobilização, obrigando o presidente da República a reduzir a virulência de seu discurso. Em São Paulo, a tarefa coube aos agentes econômicos, principalmente à Fiesp, cujo prédio é um dos símbolos da Avenida Paulista, ao lado do Museu de Arte São Paulo (Masp), com seu espetacular vão central aberto ao público.
A transformação do 7 de Setembro num Rubicão pode não ter sido uma boa ideia por parte de Bolsonaro, simplesmente porque as legiões não pretendem acompanhá-lo nessa travessia, somente a extrema-direita, cujos líderes estão sendo investigados pela Polícia Federal no inquérito das “fake news”. Um deles, o ex- deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, teve sua prisão preventiva prorrogada. Quando fala em defesa da liberdade, Bolsonaro se refere exatamente a esses partidários que apostaram no golpe de Estado e, agora, estão enrolados com a Justiça.
A reação à transformação das comemorações do 7 de Setembro numa espécie de insurreição popular de direita foi muito forte não só nos meios políticos e econômicos, mas também nas Forças Armadas. O recado de que não tem apoio militar para dar um golpe de Estado chega por todos os canais, com o comentário de que as instituições são fortes e estão preparadas para garantir o Estado democrático de direito. Por isso, Bolsonaro faz um esforço danado para manter o ímpeto da mobilização.
Bolsonaro é aconselhado a deixar para 2022 definição do partido para reeleição
Popularidade em baixa é usada por Ciro Nogueira para adiamento. Interlocutores avaliam que ministro quer ganhar tempo no PP
Jussara Soares / O Globo
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro tem sido aconselhado a deixar para o início do ano que vem a definição do partido pelo qual vai disputar a reeleição. O principal defensor do adiamento é o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que chegou ao cargo há um mês com as missões de melhorar a articulação política em meio à crise institucional e organizar as bases para o projeto de um novo mandato.
O principal argumento é a popularidade em baixa do presidente: no início de julho, o Datafolha apontou que 51% dos brasileiros reprovavam a gestão, um recorde, e levantamentos internos recentes apontam um desgaste acentuado também fruto do discurso inflamado contra o Judiciário e a respeito de outros temas — na sexta, ele defendeu que todos os cidadãos comprassem um fuzil.
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A interlocutores, Nogueira também afirmou que o desempenho de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto será crucial para a definição da chapa. Em um cenário de recuperação, ficará livre para escolher um nome de confiança; caso contrário, será obrigado a fazer uma composição em que o partido do vice terá um peso muito relevante.
Bolsonaro, que está sem legenda desde que deixou o PSL, em outubro de 2019, havia estabelecido março como limite para a definição. O presidente dizia não querer repetir o que ocorreu em 2018, quando ingressou no PSL a sete meses da eleição. O projeto de controlar o Patriota, no entanto, esbarrou em desavenças internas na sigla, que hoje tem o senador Flávio Bolsonaro (RJ) em seus quadros. Também há conversas com PL, PTB e PMB.
Estratégia para aliviar pressão
Para políticos que acompanham as movimentações partidárias para 2022, Nogueira age também para diminuir a pressão para que o PP, partido do qual é presidente licenciado, receba Bolsonaro e seu grupo. Embora a legenda esteja no comando da Casa Civil, internamente há resistências ao presidente em razão dos atritos que ele provoca e por questões políticas locais, casos de estados como Bahia Maranhão, Pernambuco e Bahia. Na viagem que fez pelo Nordeste, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com nomes do partido, casos do deputado federal Dudu da Fonte (PE) e o vice-governador da Bahia, João Leão.
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— A ida do presidente para o PP vai depender da retomada da economia e da recuperação dele nas pesquisas. O ministro Ciro Nogueira e boa parte do partido estão empenhados nisso, mas se não acontecer (a melhora econômica e a reviravolta nas pesquisas), o Ciro vai consultar os diretórios estaduais, e será decidido pela maioria — resume o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP).
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/bolsonaro-aconselhado-deixar-para-2022-definicao-do-partido-para-disputar-reeleicao-25177903
Blog do Noblat: Bolsonaro é um fio desencapado que tem chances de se reeleger
Ainda faltam 14 tumultuados meses para a eleição de 2022, e tudo pode acontecer, inclusive nada
Blog do Noblat / Metrópoles
É um coquetel mortífero. Misture insônia crônica com remédios para males próprios da idade, medo de morrer ou de ser morto, receio que um ou mais dos seus filhos seja preso de repente, perfeita inadequação ao cargo e que ninguém que o conhece há muito tempo imaginou que fosse capaz de ocupar um dia.
Adicione a memória dos erros cometidos ao longo de uma epidemia que matou mais de 579 mil pessoas, inflação em disparada, desemprego em alta, apagão de energia devido à falta de chuva, e o fantasma de uma possível derrota eleitoral próxima. Resultado: um presidente da República em surto.
Jair Bolsonaro é um fio desencapado que ocasiona curtos circuitos e faíscas e pode produzir pequenos ou grandes incêndios. Na maioria das vezes, os produz deliberadamente, como esse marcado por ele para o dia 7 de setembro com o propósito de agravar a crise institucional que o país atravessa por sua inteira culpa.
Quando a palavra impeachment não era tão popular como é hoje, a teoria política ensinava que o governante tinha três alternativas: conciliar, renunciar ou ser deposto. Tradução literal: ou acaba derrubado, ou cai fora espontaneamente, ou enfia o rabo entre as pernas e vai tocando da melhor maneira que pode.
O presidente João Goulart foi derrubado pelo golpe militar de 64. Seu antecessor, Jânio Quadros, renunciou com o plano de voltar ao poder carregado pelo povo e mais forte. Não deu certo. Getúlio Vargas conformou-se com o golpe que o derrubou em 1945, mas não com o de 1954, e por isso matou-se com um tiro.
Bolsonaro disse que o futuro lhe reserva três alternativas: ser morto, ser preso ou a vitória. A morte é o destino de quem vive. No caso dele, vítima de uma facada, talvez queira dizer que poderá outra vez ser alvo de um atentado. Está sujeito a isso, sim, como, por exemplo, Lula também está a crer-se nas ameaças que recebe.
Quanto a ser preso, Bolsonaro descartou a hipótese porque faz “a coisa certa” e “nenhum homem aqui na Terra” o amedronta. A coisa certa não faz, se fizesse não teria com o que se preocupar. A inexistência de homem que o amedronte é retórica pura – o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, mete-lhe medo.
Entre as alternativas, Bolsonaro se esqueceu de citar a derrota. Deve ter sido aconselhado a não fazê-lo porque candidato algum, mesmo com grandes chances de ser derrotado, admite isso. “Ê, ê, Eymael, um democrata cristão” que disputou e perdeu quatro eleições presidenciais e será candidato de novo, nunca o fez.
De resto, Bolsonaro posa de mártir para não perder os votos que ainda tem e porque sabe que não está fora do jogo. Desde a redemocratização do país em 1985, duas variáveis se repetem e o favorecem: presidente da República, candidato à reeleição, sempre vence; e o PT tem lugar garantido no segundo turno.
Há uma terceira variável que poderá beneficiá-lo ou não: faltam 14 meses para a eleição. Em 1989, Fernando Collor só emergiu como favorito 5 meses antes do primeiro turno. Em 1984, o favorito era Lula a 5 meses no primeiro turno, e Fernando Henrique Cardoso se elegeu com folga e se reelegeu sem precisar de segundo turno.
Em 2005, a 1 ano da eleição, o presidente Lula foi dado como morto, atropelado pelo mensalão do PT. Ao impeachment, a oposição preferiu deixar que ele sangrasse até o fim, e Lula se reelegeu. A um ano da eleição de 2010, Dilma Rousseff era uma ilustre desconhecida, e se elegeu. E reelegeu-se. E foi derrubada.
Não sei se o acaso quer brincar ou se é a vida que escolhe, mas ele não pode ser desprezado.
O recado do STF via Lewandowski para os partidários do golpe
A quem interessar possa
O presidente Jair Bolsonaro detesta ler, gosta mais de figurinhas como já disse, mas alguém deve ler os jornais por ele, atento aos fatos mais importantes que possam despertar seu interesse.
Sendo assim, ele tomou conhecimento, quando nada por alto, do artigo publicado, ontem, na Folha de S. Paulo e assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.
O título do artigo diz tudo: “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível”. Seu autor é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Lewandowski lembra que na Roma antiga, para segurança do governo, existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão.
Mas em 49 a.C., à frente das legiões que comandava, o general romano Júlio César atravessou o rio pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”. Empalmou depois o poder político.
Em seguida, instaurou uma ditadura. Mas ao cabo de cinco anos foi assassinado “a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo, Marco Júnio Bruto”.
Segundo o ministro, o episódio revela “que distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força”.
A Constituição de 1988 estabeleceu que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
Por sua parte, o projeto de lei há pouco aprovado pelo Congresso, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal.
É criminosa a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Golpe de Estado para depor governo eleito é crime.
Ambos os ilícitos, como observa Lewandowski em seu artigo, “são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência”. E ele vai adiante:
“Cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da [Constituição], para a ‘defesa da lei e da ordem’, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes”.
Entendeu o recado, Bolsonaro? Ou prefere que o ministro desenhe?
Fonte: Blog do Noblat
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/bolsonaro-e-um-fio-desencapado-que-tem-chances-de-se-reeleger
Alon Feuerwerker: Equilíbrio instável
Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade
Alon Feuerwerker / Análise Política
Um exercício preliminar na análise deste momento é procurar quando e por que aconteceu o ponto de inflexão que transformou o equilíbrio estável em instável. Um objeto está em equilíbrio estável quando qualquer pequena perturbação nele tende a fazê-lo retornar para a situação de equilíbrio. E o instável é quando mesmo uma pequena perturbação tem o poder de desorganizar a situação.
Um exemplo clássico é o da bolinha numa bacia. Se a bacia está de boca para cima e a bolinha sofre um pequeno deslocamento, ela tende a retornar para o centro. Mas se a bacia está de boca para baixo e a bolinha é deslocada, ela tende a rolar e ir embora.
O governo Jair Bolsonaro atravessou seu primeiro período em equilíbrio estável por duas razões principais: maioria parlamentar sólida para o essencial de seu programa econômico -e para evitar um impeachment- e manutenção da expectativa de poder, da capacidade de reeleger-se. Quando, devido principalmente à condução na pandemia, em particular na vacinação, o segundo pilar entrou em corrosão, o primeiro também passou a sofrer.
Todos os sinais são de termos ingressado num período de equilíbrio instável. No qual aumenta a possibilidade de os desejos dos personagens serem tragados pelas circunstâncias. Um erro habitual na política é fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade. Quando a situação passa a ser de equilíbrio instável, aumenta bem o poder das circunstâncias. Em vez de os personagens conduzirem, tendem a ser conduzidos.
Na linguagem militar, a situação passa a ser de perda da capacidade de iniciativa.
E são conduzidos, no mais das vezes, pelas personas que criaram para si mesmos. Como é que o presidente da República vai poder, a certa hora, dizer que aceita qualquer resultado na eleição do ano que vem, com a urna eletrônica? Pois é disso que se trata. A única saída pacífica possível para o atual impasse é todos estarem de acordo em que todos disputem a eleição e quem ganhar, pelo atual sistema de coleta de votos, toma posse e governa.
O problema é que quase ninguém está confortável com assumir esse tipo de compromisso. Daí o superaquecimento conjuntural. Para baixar a temperatura, seria necessário um freio de arrumação. Faltam duas coisas para isso. Como dito acima, falta que todos aceitem não apenas o sistema de regras eleitorais, mas também os prováveis desfechos. E talvez falte alguém com liderança para fiar o acordo coletivo.
Entrementes, vamos de soluço em soluço, subindo um degrau de cada vez. 7 de setembro será um dia importante, em que Bolsonaro imagina reunir gente suficiente para dar uma demonstração de força. Mas, mesmo supondo que tudo corra pacificamente no feriado, e isso não é tão provável assim, e depois? Qual é a estratégia de saída de cada ator? Um dado decisivo ainda não suficientemente claro.
Pois nem a oposição tem força para fazer o impeachment, ou mesmo para a Câmara afastar o presidente em caso de denúncia por crime comum, nem Bolsonaro tem força, mantido íntegro o ordenamento jurídico, para impor os desejos dele sobre como vai acontecer a eleição. Um nó górdio à espera de que alguém o corte.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/equilibrio-instavel.html
Armínio Fraga: Golpe pra quê?
Está em risco o sistema de pesos e contrapesos, fundamental para a democracia
O mundo está cada vez mais complicado. A partir da guinada econômica de Deng Xiaoping na China nos anos 1970 e da queda do Muro de Berlim em 1989, parecíamos caminhar para um futuro de paz e prosperidade. E, de fato, houve muito progresso material e social, sem grandes guerras ou acidentes.
Mas não durou muito. Na virada do século veio um primeiro alerta, pelas mãos do terrorismo de origem religiosa, que mostrou sua força derrubando as Torres Gêmeas, episódio que completa 20 anos nos próximos dias.
Em outra frente, a mudança climática aponta para um desastre global de enormes proporções. Em que pese a solidez da base científica do diagnóstico, as respostas até agora parecem modestas.
Li recentemente que o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg considera um absurdo as metas chinesas de emissões de carbono mirarem em 2050. Ele tem toda razão. É muito longe. Ainda no front de nossa relação com a natureza, vivemos hoje uma catastrófica pandemia, que ameaça se transformar em endemia, também a despeito dos esplêndidos avanços da ciência.
Esses e outros desafios, como a estagnação do comércio internacional, as crescentes ameaças cibernéticas e a guerra modelo século 21 entre China e Estados Unidos, sugerem que a governança global do planeta anda mal.
Chama a atenção a guinada interna em andamento na China de Xi Jinping. O que parecia ser uma suave transição a um regime mais aberto passou a ser hoje uma grande reafirmação da ditadura do Partido Comunista, que visa se perpetuar no poder. Destacam-se a perenização de seu líder, a onipresença de seus membros nos conselhos das principais empresas, o amplo acesso a cada passo da vida das pessoas —enfim, um grande e repressivo mecanismo, fonte de incerteza.
Em outras partes, proliferam cada vez mais regimes políticos autoritários e populistas, turbinados pelo uso competente das redes sociais, que favorecem esse tipo de liderança. O custo da transmissão massiva de informações é hoje relativamente baixo e permite a ampla difusão de todo tipo de fake news, que criam uma enganosa “realidade” paralela.
Vivemos hoje no Brasil uma situação com essas características. No início, o atual governo parecia ter adotado “apenas” uma versão da estratégia desenvolvida por Steve Bannon para Trump: atacar as defesas da democracia.
O tema é objeto de Jonathan Rauch em seu brilhante e recém-lançado livro “The Constitution of Knowledge”, ainda não traduzido, que estende artigo de mesmo nome publicado há três anos.
Rauch usa o termo “constituição” no sentido de carta de princípios —no caso, de defesa do conhecimento, motor fundamental do progresso e antídoto contra as fake news. Ele defende ampla liberdade de expressão, acompanhada de um sistema livre, independente e rigoroso de crítica às ideias que são apresentadas, especialmente as que embasam decisões públicas.
O sistema de defesa é composto pela academia, pela imprensa e, cada vez mais, pelo terceiro setor, todos atuando a partir de filtros rigorosos de apuração, de informação e de análise. Inclui também o mundo artístico e cultural, que de forma lúdica representa anseios de liberdade e mais igualdade. Seria como um enorme funil por onde entram livremente muitas ideias, mas relativamente poucas sobrevivem à crítica e aos valores da sociedade.
No Brasil de hoje, o descaso com as consequências da pandemia e do desmatamento da Amazônia vem sendo objeto de resposta vigorosa da sociedade, felizmente. Os efeitos desse esforço ainda não se fizeram sentir, mas boas sementes estão sendo plantadas.
No entanto, e infelizmente, os ataques do governo têm ido além da agenda Bannon. Hoje está em risco o sistema de pesos e contrapesos, que é parte fundamental de nossa democracia.
DESMATAMENTO BRASIL
Acusações ocas e ameaças aos demais Poderes têm sido frequentes, sobretudo ao Judiciário, e em especial à higidez do sistema eleitoral. Não parece ser o caso hoje ainda, mas mais adiante a relação com o Legislativo pode azedar também, como ocorreu recentemente.
Um fator adicional de tensão advém da postura do presidente com relação a armamentos e a quem os porta. A noção de armar o povo para defender a liberdade não faz sentido algum, mas vem sendo repetida. Tampouco faz sentido qualquer tolerância com a existência de grupos informais armados operando à margem da lei.
Desde o início de seu mandato o presidente vem dando especial atenção às Forças Armadas e às polícias militares. Militares (inclusive da ativa) ocupam inúmeros postos-chave na administração pública, o que começa a comprometer a imagem das Forças Armadas.
Esse quadro geral é extremamente prejudicial à economia. Em tese, não faltam oportunidades de investimento ao Brasil, da infraestrutura à educação e à saúde. Mas a incerteza encurta os horizontes e inibe o investimento.
Não seria surpresa se pipocassem mais e mais focos de tensão, como se viu semana passada na Polícia Militar de São Paulo. Não é impossível imaginar cenários de violência à democracia.
Na medida em que as defesas da democracia se mostrem eficazes, aumentará a pressão sobre o governo atual, que vem fazendo água nas pesquisas. O presidente parece disposto a dobrar a aposta, pelo visto contando com o apoio de uma minoria agressiva.
No entanto, tenho convicção de que as lideranças das Forças Armadas e (espero) das polícias, além de defenderem a Constituição, entendem que estariam apoiando um projeto de desconstrução da nação.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/intervencao-armada-crime-inafiancavel-e-imprescritivel.shtml
Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível
Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto, avalia o ministro do STF Ricardo Lewandowski
Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão, que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e de partes da Alemanha e da Itália.
Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido curso d’água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”.
A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.
O episódio revela, com exemplar didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.
No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.
No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil recentemente aderiu e que criou o Tribunal Penal Internacional, tipificou como crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o “ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, mediante a prática de homicídio, tortura, prisão, desaparecimento forçado ou “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.
E aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a “defesa da lei e da ordem”, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes.
A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no artigo 38, parágrafo 2º, que “se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior”.
Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão.
*Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/intervencao-armada-crime-inafiancavel-e-imprescritivel.shtml
Ala do PT fala até em governar com aliados fora da esquerda
Aproximação com ex-opositores vira arma em ambiente de radicalização promovido por Bolsonaro
Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo
A derrota em 2018 e a radicalização de Jair Bolsonaro provocaram um ajuste na filosofia de alianças do PT. Embora o próprio ex-presidente Lula rejeite abrir mão de bandeiras tradicionais, como a regulação da mídia, alguns dirigentes insistem que uma aproximação com grupos fora da esquerda será determinante para vencer a eleição e até para governar.
Parte do movimento ocorre às claras, com divulgação oficial, como nos recentes encontros de Lula com os tucanos FHC e Tasso Jereissati. Para os petistas, esses gestos são um passo para reduzir a rejeição do que chamam de "elites" à candidatura do ex-presidente, abrindo a porta para atrair uma direita não bolsonarista.
A questão é matemática. "Para ganhar uma eleição, precisamos de mais do que os votos da esquerda e da centro-esquerda", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, há alguns meses. Embora Lula tenha disparado nas pesquisas e não veja um candidato de terceira via no páreo, a reativação de um antipetismo ainda pode dificultar sua vitória em 2022.
Uma aliança com setores da direita no primeiro turno é mais do que improvável, mas integrantes da legenda gostariam de costurar algo parecido com um pacto de não agressão. Os dois lados seriam oposição a Bolsonaro, mas evitariam ataques mútuos para não aumentar a rejeição a seus próprios candidatos.
Uma ala mais pragmática do PT entende que atravessar a fronteira da esquerda é importante até para um eventual novo governo Lula. “Não adianta ganhar a eleição como o Bolsonaro, apostando na polarização, porque ela costuma permanecer no pós-eleição”, disse à coluna o governador da Bahia, Rui Costa. “É difícil governar se você não tiver minimamente uma aproximação.”
O governador fala em buscar lideranças partidárias que já fizeram oposição ao PT, empresários e setores do agronegócio. "É fundamental, não somente como tática eleitoral, mas uma concertação com a sociedade", diz. "Para ter um país viável, precisamos buscar caminhos mais consensuais e menos polêmicos."
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/08/ala-do-pt-fala-ate-em-governar-com-aliados-fora-da-esquerda.shtml
Elio Gaspari: A briga pueril do ministro da Saúde Marcelo Queiroga
Ministro da Saúde condenou o que chama de 'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço
Elio Gaspari / O Globo
Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar vacina “na casa da tua mãe”.
Aborrecido porque Doria anunciou que ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas. Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.
A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)
Queiroga condenou o que chamou de “demagogia vacinal”, praticando uma forma de obscurantismo oral. O doutor pode não ter percebido, mas entrou para um governo cujo titular já chamou a Covid de “gripezinha“ e a segunda onda de “conversinha”. Isso, fazendo-se de conta de que não aconteceram as traficâncias reveladas pela CPI.
Macumba eleitoral
Quem acha que Jair Bolsonaro não terá fôlego para chegar ao segundo turno da eleição do ano que vem baseia-se numa projeção do que se denomina de “efeito Covid”.
Nessa conta, cada morte irradiou-se, afetando cem adultos entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho. Isso resulta no comprometimento de 57 milhões de votos.
Cenas fantásticas
Um ministro de Bolsonaro imaginou uma cena catastrófica, ao estilo dos pelotões palacianos:
“Se um mandado de busca contra o presidente é expedido pelo STF, a Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. O que acontece? A PF vai retirar o solados?”
A construção é improvável, mas, ficando-se no campo da fantasia, pode-se refrasear a questão:
A Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. Ela volta nos dias seguintes. O que acontece? O Exército ficará cercando o palácio para descumprir uma ordem judicial?
Nem Woody Allen no seu filme Bananas imaginou uma cena tão ridícula.
Bolsonaro e André Mendonça
Bolsonaro combinou uma rotina de convivência com André Mendonça, caso ele venha a ser confirmado para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal: os dois manteriam uma agenda de almoços semanais, para sincronizar suas posições.
Ao lado da cloroquina, do nióbio, do grafeno e da soma de -4 com +5 resultando num +9, essa é uma de suas ideias estapafúrdias.
Primeiro, porque avacalha o ministro do Supremo, seja ele quem for.
Segundo, porque o capitão desconfiará do comensal antes do terceiro almoço.
Má ideia
No escurinho de Brasília, circula a lenda de que Bolsonaro fez chegar ao Supremo Tribunal Federal o desconforto que lhe causa a possibilidade de sair do Judiciário uma notícia desagradável para seu círculo familiar.
Se for verdade, errou três vezes.
Primeiro, porque revela vulnerabilidade. Depois, porque bateu no gabinete errado. Finalmente, porque ele não tem cartas para jogar baralho com o ministro Alexandre de Moraes.
O capitão e Pacheco
Com um pouco de empenho, Jair Bolsonaro poderia ter sabido que o senador Rodrigo Pacheco mandaria ao arquivo seu pedido de impedimento do ministro Alexandre de Moraes.
De duas uma:
A assessoria parlamentar de Bolsonaro não presta.
Ela presta, e ele queria criar um caso com o presidente do Senado.
A sombra atrás de Biden
Joe Biden está mais perdido que americano em Cabul ao lidar com a crise do Afeganistão. Noves fora os fiascos, ele deu entrevistas na Casa Branca tendo às costas um quadro que retrata um cavaleiro fardado.
É Theodore Roosevelt, com o uniforme do regimento de voluntários que formou em 1898 para ir combater em Cuba contra os espanhóis. A roupa foi cortada na loja Brooks Brothers. Ele já havia ido a caçadas com uma faca feita pelos prateiros da Tiffany's. Seu desempenho na guerra de Cuba deu-lhe fama, elegeu-se governador de Nova York e presidiu os Estados Unidos de 1901 a 1909.
Na quinta-feira, Biden teve a boa ideia de não falar com Teddy Roosevelt às costas. Para o bem ou para o mal, resoluto, ele foi tudo o que Biden gostaria de ser.
O quadro, ruinzinho, é de um pintor de dondocas.
Madame Natasha
Madame Natasha não entende nada que o doutor Paulo Guedes diz, mas admite que isso se deve à sabedoria que nele abunda e nela escasseia.
Pela segunda vez em poucas semanas, Guedes reclamou de que “tudo o que eu falo é tirado do contexto”. Assim foi com as empregadas domésticas que iam para a Disney e com o filho do porteiro que entrou para a faculdade. Sua última batatada foi a seguinte: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”
O problema é que a energia, o óleo de soja e o prato feito ficaram mais caros, e o salário (quando existe) continua o mesmo.
Natasha sabe que não se pode impedir Guedes de produzir frases. Mesmo assim, sugere ao doutor que se livre da praga que o persegue valendo-se de um método simples:
Primeiro, ele avisa qual é o contexto. Depois, fala o que bem entender.
Bolsonaro acordou
Bolsonaro acordou para a crise hídrica com pelo menos três meses de atraso.
Em junho, sem se referir a ele, o professor Adilson de Oliveira, da UFRJ, escreveu um artigo com o seguinte título:
“É a água, estúpido.”
Agora o capitão reconheceu:
“Em grande parte dessas represas já estamos na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo.”
Para quem assumiu no dia 1º de janeiro de 2019 e duas semanas depois acordou com o desastre de Brumadinho, ele deveria ter procurado uma benzedeira.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-briga-pueril-de-queiroga-25175376