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Evandro Milet: O rei da confusão sem máscara em um domingo no parque

O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus

Evandro Milet / A Gazeta

O senhor está sem máscara. Aqui no Parque Manolo Cabral (também conhecido como Parque da Petrobras em Vitória) a regra exige o uso de máscara, avisava educadamente o funcionário a um senhor com a mulher, a filha e netinho no carrinho(todos sem máscara) em um belo domingo de sol ao meio-dia.

Isso é uma imbecilidade desse prefeito do PT, isso é coisa do PT, coisa de comunista, gritava o senhor. Não vou colocar máscara e quero ver o macho que vai me tirar daqui.

Desculpe, dizia o funcionário, mas meu papel é fazer cumprir o que é determinado.

Não vou colocar e está errado. Eu sou médico do Ministério da Saúde, continuava o senhor em altos brados.

A sua mulher rapidamente se afastou, certamente envergonhada, em direção à saída, enquanto a gritaria continuava. Ele foi atrás dela, chamando para voltar, sem sucesso.

Regra é regra, disse ela, incomodada e continuou indo embora enquanto ele andando mais rápido a alcançou com a filha e o carrinho.
Passaram por mim, já calados, sem máscara, em direção a um almoço em algum lugar, segundo o que ouvi enquanto, de máscara, eu continuava minha caminhada.

Várias conclusões se pode tirar do episódio. O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus. Até hoje o Governo Federal não lançou uma campanha incentivando as atitudes que o mundo inteiro adotou sobre isso, até porque o governante principal discorda, como o senhor do parque, e nem dá o exemplo.

Certamente teríamos menos milhares de mortos a essa altura, mesmo que não se fizesse lockdown, como muitos outros países fizeram com sucesso.

O episódio serve também para esclarecer porque as pesquisas de opinião para Presidente em 2022 apresentam uma diferença significativa entre o percentual de apoio masculino ao candidato incumbente e o apoio feminino, muito menor. A truculência é um hábito mais popular no universo masculino.

Outra conclusão é a ignorância ideológica que, aliás, grassa nos sites negacionistas. O Prefeito Pazolini, de Vitória, não tem nada a ver com PT. Nesses sites, quem não apoiar as teses negacionistas é de esquerda, comprado pela China e partidário de Cuba e Venezuela. Teorias da conspiração populares ali ignoram a realidade, como um delírio paranoico estacionado em 1989, antes da queda do muro de Berlim.

As pessoas ali se autodenominam conservadores, porém o conservadorismo moderno foi movimento surgido na Inglaterra para se contrapor às práticas da Revolução Francesa. Significa basicamente evoluir preservando as instituições democráticas. A democracia tem mecanismos de pesos e contrapesos para corrigir eventuais excessos dos poderes ao longo do tempo. Não se pode chamar de conservador quem defende intervenção militar, fechamento do Congresso ou do STF embora, surpreendentemente, digam que lutam pela democracia. Serão apenas golpistas.

Interessante observar que Brasil e Venezuela são os únicos países da América do Sul onde existe ainda um movimento envolvendo militares na política. Onde políticos fazem romaria aos quartéis para perguntar se vai haver golpe. Onde tanques fumacentos tentam meter medo nas instituições democráticas.

Não estamos em boa companhia. Porém, tranquilizador é ver o Presidente usando máscara e ouvindo discurso de defesa das instituições proferido pelo Comandante do Exército na sua presença. Menos mal. Melhor obedecer as regras para passear no parque.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-rei-da-confusao-sem-mascara-em-um-domingo-no-parque-0921


A democracia digital e a apropriação da data da Independência

Ideia era que as redes sociais conduziriam a uma democracia digital. Sob Bolsonaro, fazem parte de um projeto de regressão do regime democrático

José Eduardo Faria / Jornal da USP

Ao criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal de impedir que recursos públicos sejam usados para financiar sites bolsonaristas, alegando que com essa medida a corte desrespeitou a liberdade de expressão assegurada pela Constituição, e ao apoiar a apropriação com fins políticos do feriado da Independência pelo presidente Jair Bolsonaro, o patético manifesto de alguns empresários mineiros recolocou na ordem do dia o impacto, na democracia, da disseminação de mentiras e informações falsas.

Quando essa discussão começou, há alguns anos, a ideia era que as redes sociais conduziriam a uma democracia digital, ampliando a participação cidadã no espaço público da palavra e da ação. Hoje, contudo, o que se vê é preocupante, uma vez que as técnicas de comunicação on-line simplificaram os debates, levaram à substituição da reflexão por reações emotivas e permitiram a desqualificação recíproca de adversários na vida política brasileira. Em vez de diálogos consequentes, debates construtivos e acordos capazes de assegurar a vontade da maioria sem desrespeitar os direitos da minoria, episódios como o do desfile de blindados em Brasília, em agosto, e agora o da convocação da população para apoiar Bolsonaro numa data cívica, fazem parte de um projeto de regressão do regime democrático.

Ao contrário do que se imaginava, a chamada democracia digital revelou-se perigosamente corrosiva. Ela é uma falsa democracia, uma vez que a comunicação em tempo real ampliou a irracionalidade das massas, estimuladas por manifestações de ódio e intolerância emanadas do entorno familiar do presidente da República. A volatilidade das informações transmitidas pela internet não apenas passou a propiciar desordem, como também criou as condições de instabilidade que alimentam crises de governabilidade.

Na democracia digital, tudo dura pouco, o que abre caminho para improvisações e falsas promessas, declarações insensatas e mentiras. E quanto maior é a velocidade com que esse lixo eletrônico é disseminado, mais a lógica da ação política é corrompida. Afinal se por um lado as redes sociais extravasam ira e indignação, por outro não são capazes de viabilizar políticas proativas. Nos espaços digitais, tudo é efêmero, o que acaba exigindo, como num círculo vicioso, atos cada vez mais performáticos e discursos cada vez mais insensatos, como se tem visto com os espetáculos circenses protagonizados por parlamentares bolsonaristas. Graças à sua conectividade, as redes sociais muitas vezes disseminam uma perigosa ideia de autogoverno e auto-organização, caminhando em linha contrária à verticalidade das instituições do Estado de Direito, nas quais as relações entre governantes e governados são mediadas por via parlamentar. Outras vezes, disseminam uma não menos perigosa ideia de que comandantes militares podem “pôr ordem no país”.

Além de não pensar, a internet e as redes sociais são parasitárias, na medida em que espalham os vírus das propostas autocráticas no ambiente que deveria ser o das liberdades públicas. Longe de ser o desdobramento evolutivo da democracia representativa, a democracia digital favorece a demagogia de políticos populistas, o que fica evidenciado pela forte semelhança das manifestações públicas – a começar pelas “motociatas” – do presidente Bolsonaro com as que eram feitas por Mussolini, na Itália, durante primeira metade do século 20.

A internet propicia a expressão da opinião pública em tempo real, mas é incompatível como práticas democráticas deliberativas, que operam em tempo diferido, ou seja, de etapas que vão se sucedendo, uma a uma, até se chegar a uma decisão legítima final. A internet também não elimina as relações de poder, mas tende a transformá-las para pior. Ela pode ajudar a minar regimes autoritários, é certo, mas não é suficientemente eficaz para manter uma democracia consolidada. Ela derruba, mas não constrói, como tem dito o filósofo basco Daniel Innerarity. Pelo modo como permite a disseminação de críticas inconsequentes, de falas irresponsáveis e de narrativas mentirosas, o que se tornou corriqueiro entre nós após a ascensão de Bolsonaro ao poder, a internet gera expectativas infundadas. E também exagera possibilidades, expondo cidadãos a um sem-número de riscos e permitindo a ascensão ao poder pelo voto direto de ditadores que se valem das regras da democracia para miná-las, desgastá-las e revogá-las.

Num período histórico em que é difícil exercer uma cidadania crítica e responsável em meio à multiplicação de lixo informático, não podemos jamais esquecer que o funcionamento do Estado democrático de direito é vital para a preservação das garantias fundamentais e das liberdades públicas – dentre elas a liberdade de expressão. Mas em hipótese alguma se pode aceitar aventuras bizarras, como é o caso, sob a justificativa de pedir que a população vá às ruas “em favor do Brasil”, da apropriação das comemorações do feriado da Independência com o objetivo de convertê-las numa antessala para o golpe.

José Eduardo Faria é professor da Faculdade de Direito da USP

Fonte: Jornal da USP
https://jornal.usp.br/?p=451105


Merval Pereira: Vice-presidente Hamilton Mourão, terceira via?

Merval Pereira / O Globo

O presidente Bolsonaro acrescentou nos últimos dias mais uma preocupação às suas desditas. Além do receio de que um dos seus filhos, ou alguns deles, sejam presos em decorrência dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) devido aos desvios de dinheiro público (peculato) com as “rachadinhas” dos salários de servidores nos seus gabinetes parlamentares, ele teme que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o torne inelegível para a eleição do ano que vem.

Não é por acaso que escolheu como alvos preferenciais os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Este é no momento presidente do TSE, o outro o será durante a eleição presidencial. No Supremo, Bolsonaro acha que está resguardado, pois uma eventual punição depende de denúncia do Procurador-Geral da República, e não há indicação de que a renovação de seu mandato o tornou mais independente.

Ao contrário, como quer ir para o Supremo, Augusto Aras depende da reeleição de Bolsonaro. A próxima vaga será em maio de 2023, com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, e em outubro do mesmo ano, com a saída da ministra Rosa Weber. Mesmo que, como tudo indica, o escolhido André Mendonça não venha a ser confirmado agora pelo Senado na vaga do ministro Marco Aurélio Mello, dificilmente Bolsonaro abrirá mão do apoio certo de Aras ao duvidoso de um novo Procurador-Geral.

A possibilidade de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão pelo TSE é bastante difícil, depois que o tribunal deixou de cassar a chapa Dilma/Temer por “excesso de provas”. Mas há também hoje “excesso de provas” contra a campanha de Bolsonaro, por abuso do poder econômico. Se por alguma manobra política/jurídica chegar-se ao ponto de um consenso em torno do afastamento de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão assumiria a presidência sem nenhum problema, segundo avaliação de militares, e poderia se candidatar à reeleição em 2022.


O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão.  Foto: Alan Santos/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
O vice-presidente da República Hamilton Mourão. Foto: Secom/PR
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Seria, por caminhos transversos, uma terceira via com apoio militar, depois de idealmente ter colocado ordem na bagunça institucional em que vivemos. O destino de Mourão está atrelado a essas variáveis, pois ele prefere continuar morando em Brasília. Uma candidatura a senador, no Rio, onde morava, ou Rio Grande do Sul, onde nasceu, teria preferência à possibilidade de vir a ser candidato ao governo do Rio de Janeiro. Mesmo que apareça neste momento à frente do deputado federal Marcelo Freixo nas pesquisas de opinião, é uma hipótese que está descartada pelo momento.

Ao mesmo tempo há um trabalho no Palácio do Planalto, que envolve ministros militares e o Chefe do Gabinete Civil Ciro Nogueira, para reaproxima-lo de Bolsonaro, o que vem se demonstrando difícil. Mesmo distanciado, está convencido de que não haverá arruaças nas manifestações marcadas para o Sete de Setembro, mesmo que Bolsonaro esteja esticando a corda ao máximo às vésperas da data, como se ela significasse a arrancada final para sua tomada do poder pela força, com apoio popular.

Bolsonaro tem vivido nos dias recentes em um mundo paralelo, e finge estar certo de que montam contra ele uma armadilha para impedi-lo de competir, ou então uma apuração fraudada para derrotá-lo. Seriam pretextos para um contragolpe, como classifica suas ações antidemocráticas.

Nada indica que terá sucesso, mas é capaz de provocar grandes confusões em Brasília e em São Paulo, onde discursará para seus seguidores. O discurso na Capital deve ter um tom mais contido, porque de nada adiantará tentar estimular, à la Trump, a invasão do Congresso ou do Supremo. O esquema de segurança na Praça dos Três Poderes estará reforçado, e a multidão contida à distância.

Mas, na Avenida Paulista, território de seu arqui-inimigo João Doria, Bolsonaro pode ficar tentado a insuflar seus seguidores à radicalização, o que, dependendo do que acontecer, pode acelerar as medidas judiciais contra ele. Quando escolheu o General Hamilton Mourão para seu vice, um dos zeros de Bolsonaro comemorou, dizendo que a oposição pensaria duas vezes antes de tentar impedi-lo. O feitiço virou contra o feiticeiro, e Mourão passou a ser visto por setores militares e políticos como possível solução para o problema em que Bolsonaro se tornou.  


Paulo Fábio Dantas Neto: Alfabeto político para desarmar golpe

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo

O 7 de setembro de 2021 já está sendo vivido há semanas, como se algo de impactante, quem sabe decisivo, esteja para nos acontecer. A agitação e propaganda bolsonaristas enfatizam a data não para nos lembrar dela como a do parto consumado de um país e sim para brandi-la como ameaça de vir a ser a do ato inaugural de seu apocalipse. Como aves de mau agouro, nada cavalheirescas, militares sem honra e vivandeiras civis atiçam uma besta-fera que imaginam habitar o seu (lá deles) Brasil profundo. O bolsonarismo quer nos fazer crer que será um dia D, prenúncio de uma hora H. Ultimato é a palavra mais recente, proferida na Bahia para reiterar uma ameaça terrorista que se tornou rotina.

Saberemos, em três dias, se o 7 de setembro desse ano será dia de batalha decisiva, ou se será de mais uma, rumo ao assalto ao nosso Capitólio ou à desmoralização dos assaltantes. Mas desde já sabemos que haverá batalha, não apenas porque o palácio trabalha nisso obstinadamente, mas também porque não falta, na oposição, quem a queira travar na hora e lugar escolhidos pelo adversário, mesmo sabendo que tipo de armas ele se dispõe a usar.

Paciência! Imprudentes fazem parte de qualquer conjuntura crítica e seu voluntarismo, embora aumente os perigos, não deve nublar a visão geral do processo, que segue seu compasso. Inexoravelmente, chegará a hora do basta, o ponto G da cidadania reencontrando o seu país. Ele, o processo, mostra que Bolsonaro perde o jogo na política. Está difícil ao incumbente reverter a situação dentro das regras. Sua rejeição não parece reversível a ponto de voltar a ser candidato competitivo numa eleição presidencial em dois turnos. Mas ainda não podemos afirmar que Bolsonaro ficará fora do segundo turno. Essa é a tendência, mas até se tornar realidade há muita política por fazer.


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Bolsonaro previamente eliminado da competição, seja por cometer subversão das regras, seja por não conseguir classificação, é um horizonte institucionalmente tranquilizador. Sua presença no segundo turno é risco dobrado para a República e para a Democracia. No primeiro turno, eleições concomitantes para o Congresso introduzem uma complexidade que, de certa forma, é aliada de alguma moderação. Bolsonaro não poderá ignorar totalmente as eleições parlamentares. Arrisca-se a perder mais rápido se tentar melar um jogo eleitoral que interessa a seus aliados também. Mas chegando ao segundo turno, ainda que sem chance de vencer (ou talvez justamente por isso), restaria o embate direto com o presidenciável adversário e com governadores inimigos. Aí sim, cessaria qualquer limite.

Virtualmente derrotado pelos dedos inclementes dos eleitores, não terá motivo para adiar o confronto final para depois das eleições, como tentou Trump. Com outras armas que não urnas, ele já o prepara como se fosse acontecer agora.

É com essa contingência que democratas devem se preocupar, para ela devem se preparar. O ideal seria que tirar Bolsonaro do segundo turno fosse uma preocupação de todos eles. Mas, como sabemos, o ideal não existe, por definição. Para a esquerda petista, o melhor é Bolsonaro chegar ao segundo turno ensanguentado pela rejeição para levar uma surra eleitoral histórica. Com ela, a extrema-direita seria exorcizada e a esquerda redimida de seus próprios pecados. Mas como exorcismo e pecado não são figuras apropriadas à política, essas não são expectativas realistas. A primeira menos ainda, pois, mesmo que o eleitorado promova a suposta remissão, é, no mínimo, duvidoso que uma derrota acachapante tire o bolsonarismo da cena pública. É previsível que se consolide como movimento subversivo, que não ganha eleição, mas é capaz de promover desordem.

Desse modo, o acordo possível entre democratas de direita, centro e esquerda é o de não agressão mútua. Mas tirar Bolsonaro do segundo turno é missão precípua dos partidos do centro político, de boa parte do centrão e dos que já são (ou ainda serão) ex-aliados de Bolsonaro dispostos a consertarem o erro de 2018. Para evitar mal-entendido esclareço: erro cometido no primeiro turno - quando essas forças se dispersaram, em atenção aos seus próprios umbigos, em vez de se unirem para falarem ao país - e não no segundo turno, quando a Inês já era morta.

Há sinais de que essa agregação é hoje mais possível do que era há semanas atrás. Com variações, a depender do instituto de pesquisa, a soma de intenções de voto em pré-candidatos do centro já pode mirar a marca de Bolsonaro e torna mais remota a hipótese de vitória de Lula no primeiro turno. Para não se prender a quantitativos a mais de um ano da eleição, a análise deve reparar no sentido geral dos movimentos dos vários atores políticos no plano das articulações, que é o sentido da unidade interna ao campo. Mas ainda é um desafio o alargamento dessa ideia a ponto de sensibilizar o eleitorado. A entrada do presidente do Senado no rol das cogitações e sua pontuação em pesquisas, ombreado aos demais nomes postos bem antes do dele, indicam que não existe apenas um, mas pelo menos dois espaços de passagem à atitude unitária e a um discurso pacificador.

O primeiro espaço é oposicionista, de atores que lutam em seus partidos para cercarem o governo, não lhe darem passagem, contestando-o a partir de fora. Quem mais tem perseverado nesse caminho é o ex-ministro Mandetta. Há outros nomes no dito centro, até mais expostos que o dele. Mas não é missão fácil convencer que Ciro Gomes, ou João Dória, possam se conduzir fluentemente como pombas, perante os eleitores.

O outro espaço ao discurso pacificador começa dentro do campo governista e anexa, à sua identidade, a etiqueta de terceira via, que é apelo antigo do espaço oposicionista de centro. Nas últimas semanas o alargamento desse segundo espaço tem se mostrado mais plausível, pelo estilo e sentido dos movimentos de Rodrigo Pacheco e, também, porque os desacordos entre o PIB e o governo começam a passar do sussurro à fala sem, contudo, mostrarem inclinação ao grito. Assim, o ponto de equilíbrio do discurso tende a ser morno e reforçar, em atores e partidos, uma atitude mais conservadora, ao talhe de Pacheco.


Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Enquanto isso a impaciência assola o bolsonarismo e o faz atuar para elevar muito a temperatura política exortando seguidores a acertos de contas análogos a um juízo final. Em que exemplos da História se miram? A que momento da trajetória desejam retroceder? Diz-se que ao regime militar de 1964, mas quando se olha para lá vê-se autocracia cerceadora das instituições políticas e da sociedade civil combinada à construção institucional de instâncias gerenciais do Estado. Recuemos à ditadura do Estado Novo, à oligarquia da nossa Primeira República ou à elite construtora do Estado Nacional durante a monarquia. Não vemos nada que se assemelhe à dinamite ora em uso por essa estupidez bolsonarista. Ignorância inédita, em sua vulgaridade e boçalidade. É como se filtros civilizatórios estivessem sempre presentes em nossa história política e nos protegessem desse tipo de apocalipse.

Que o dia 7 passe em paz, com um grito de independência contra as pulsões de morte. Sem nada de dia D, nem de hora H. Nas eleições, a nação encontrará o seu ponto G

*Cientista político e professor da UFBa

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/paulo-fabio-dantas-neto-alfabeto.html


George Gurgel: O 7/9 - A afirmação da República e da democracia

Quais são a bandeiras a serem defendidas que nos levem à afirmação e à comemoração da democracia duramente conquistada no próximo 7 de setembro?

George Gurgel / Democracia Política e novo Reformismo

O que acontecerá no Brasil, no próximo dia 7 de setembro, quando estaremos comemorando os 199 anos de independência do Brasil. O que temos a comemorar? Quais são os nossos desafios históricos e atuais no caminho de uma sociedade democrática e sustentável?

O que está acontecendo no Brasil e com o Brasil a partir da vitória de Bolsonaro, sua chegada à Presidência da República e como tem sido o exercício do mandato bolsonarista e quais são as forças políticas que viabilizaram sua chegada ao poder e ainda o apóiam hoje neste cenário preocupante da vida política, econômica e social brasileira, às vésperas do 7 de setembro?

No Brasil, a polarização da cena política, acentuada de uma maneira contundente nas últimas eleições presidenciais, levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018. As forças conservadoras chegaram ao poder pelo voto, com apoio dos militares, através de uma liderança que foi menosprezada até às eleições pelos partidos hegemônicos da política brasileira que venceram a maioria das eleições, desde a Constituição democrática e cidadã de 1988.

Assim, a vitória de Bolsonaro foi uma consagradora vitória das forças conservadoras, do discurso econômico neoliberal, de uma participação efetiva dos militares que voltam à cena política e a derrota daquelas forças políticas fiadoras da transição democrática e que estiveram de maneira alternada no centro do poder no Brasil, nos últimos 30 anos. Foi principalmente a derrota do PSDB e do PT, de como agiram e exerceram o poder durante os mandatos na Presidência da República, antes da eleição de Bolsonaro.

O que ainda está por vir neste cenário de discursos extremados que dominam o cenário político brasileiro em plena pandemia?

Quais são as alternativas e as bandeiras a serem defendidas que nos levem à afirmação e à comemoração da democracia tão duramente conquistada pela sociedade brasileira no próximo 7 de setembro?

O Governo Bolsonaro

Desde os primeiros dias do mandato de Jair Messias inaugura-se uma maneira de governar pautada em uma agenda presidencial espetacularizada e centrada na pessoa do próprio presidente.

A maneira de ser dele, desde o exercício do seu primeiro mandato de deputado federal, durante a campanha de 2018 e no exercício da Presidência, era, de certa forma, conhecida. Portanto, a sociedade brasileira sabia quem era Bolsonaro, que vem causando sérios problemas à governabilidade do País nas suas relações com os outros poderes republicanos, de uma maneira mais beligerante com o Judiciário. Amplia-se, em plena pandemia, as crises política, sanitária, social e econômica que se acumulam, com conflitos e transtornos cotidianos que impactam a sociedade, levando à perplexidade e ao incômodo as relações do atual governo brasileiro com a própria sociedade brasileira e a comunidade internacional.


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A defesa da democracia e da República

O imperativo de defesa e ampliação da democracia, assim como o caminho para a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais centradas na preservação da vida, da própria natureza e de uma cultura de paz, continuam sendo os principais desafios da sociedade brasileira e mundial durante e pós pandemia.

A pactuação desta perspectiva sustentável é o desafio colocado às dificuldades que estamos vivendo no Brasil, ampliadas com a maneira de ser e governar do presidente Bolsonaro. A pandemia desafia a sociedade brasileira e mundial na construção de novas relações centradas no que nos faz humanidade e dá sentido às nossas vidas: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, liberdade e fraternidade. Coloca nas ruas e nas redes sociais do Brasil e do mundo a tragédia de milhões de pessoas, excluídas das conquistas elementares: trabalho, alimentação, moradia, saúde e saneamento básico.

Portanto, em relação ao Governo Bolsonaro, a sociedade brasileira continua desafiada ao enfrentamento da beligerância e da imprevisibilidade do próprio presidente que desgovernando afronta o funcionamento do Estado de Direito, da Constituição e dos valores republicanos. 

Jair Messias, na sua anterior atividade parlamentar e agora no exercício do mandato presidencial, traz para a cena política um ativismo beligerante do conservadorismo, parte integrante da história brasileira, ao longo da vida republicana. Ameaça e despreza as conquistas do Estado de Direito e da Constituição de 1988. Está recolhido ao seu labirinto familiar, com apoio de lideranças civis e militares conservadoras e ainda de uma parcela significativa da sociedade brasileira.

A política para o presidente Jair Bolsonaro é o confronto. Confronto cotidiano – mesmo quando tenha que recuar no dia seguinte.  É o modo dele de ser e de agir.

Antes, durante o próximo 7 de setembro e depois, a sociedade brasileira e as suas representações devem de maneira contundente manifestar-se defendendo o Estado de Direito e a Democracia, apontando alternativas democráticas ao Bolsonarismo no caminho de superação da nossa difícil realidade econômica, social e ambiental que exclui a maioria da cidadania brasileira dos seus direitos constitucionais, impactados pelo aumento da inflação, da gasolina e dos alimentos de primeira necessidade.

Como enfrentar essa realidade?

O Governo Bolsonaro movimenta-se para o confronto no dia 7 de setembro.  A crise e a perda de apoio que vem sofrendo nas próprias forças armadas, na área política e empresarial, tornam-no mais inconsequente e agressivo. As sucessivas hospitalizações a partir do episódio da facada, o estado de instabilidade da saúde, as denúncias de envolvimento da família com as milícias e as rachadinhas agravam ainda mais o seu comportamento beligerante, traço da personalidade do capitão Bolsonaro, desde quando servia ao Exército. Governa olhando para o retrovisor, com um saudosismo anacrônico da última ditadura militar, desafiando a sociedade, os poderes da República, insinuando-se como comandante supremo das Forças Armadas. Blefa o tempo todo. Apela para a população, para as Forças Armadas e para as polícias militares querendo demonstrar uma liderança que já não exerce entre os seus eleitores que o levaram ao Palácio do Planalto.


Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Neste contexto, o próximo 7 de setembro é o nosso rubicão. Vai ser um momento importante de avaliação de quem ainda apoia o presidente Bolsonaro entre os militares e a sociedade em geral.

A independência conquistada em 7 de setembro de 1822 está, mais uma vez, na berlinda. O futuro da Sociedade e da Democracia deve ser, e vai ser, mais generoso para todos os brasileiros e brasileiras. O momento nos coloca a necessidade de refletir e de agir.

A sociedade brasileira está demandada à construção de uma alternativa democrática ao bolsonarismo. A tecelagem de uma alternativa democrática às crises política, econômica, social e sanitária é o desafio de trabalhar a unidade das forças democráticas, dialogando com a cidadania, com o mundo do trabalho e da cultura para a mobilização de uma frente ampla que garanta o Estado de Direito, a defesa da Constituição e a as reformas, garantindo a melhoria de vida da população brasileira.            

As opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. A democracia venceu os grandes embates no século XX. É um processo em construção.  A questão democrática se impõe como um valor para a sociedade nas suas relações entre si e com a própria natureza.

Portanto, a mobilização e as bandeiras a serem desfraldadas no próximo 7 de Setembro devem ser a de defesa da Constituição, do Estado de Direito e da Democracia.

Estamos desafiados.    

Salve o 7 de Setembro!

Salve a República e a Democracia! 

*Professor da UFBA e do Instituto Politécnico da Bahia

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/george-gurgel-de-oliveira-o-7-de.html


Elimar Pinheiro: Duas ou três ideias antes do 7 de Setembro

Elimar Pinheiro do Nascimento / Democracia Política e novo Reformismo

Especialistas, amigos ou conhecidos, têm-me dito que não há qualquer possibilidade de golpe militar no Brasil nos dias de hoje. Como já vivi um bom tempo, desconfio. Nas vésperas do golpe de 1964, ainda garoto, escutava a conversa dos mais velhos de que não havia possibilidade de golpe porque Jango tinha um esquema militar. Alguns anos depois, já estudante universitário, pensei ir viver no Chile e consultando amigos que conheciam o país, todos me disseram, em 1972, que não havia possibilidade de golpe, Chile não tinha esta tradição e os seus generais eram constitucionalistas. Se os especialistas de ontem falharam porque os de hoje não falharão?

Os argumentos em favor da impossibilidade de golpe hoje são outros. O que é normal, afinal, a sociedade brasileira é mais complexa e mais moderna, e o contexto internacional, com o fim da guerra fria, é melhor acolhedora de um processo de ruptura com a democracia. Não haveria, hoje, motivos de golpe, nem apoio social ou internacional. Será?

No plano internacional os apoios, imediatamente, não virão da América do Norte ou da Europa, mas da Rússia, por interesse geopolítico, e da China, sobretudo por interesse econômico. Um e outro país não tem qualquer apreço pela democracia ocidental, e suas relações internacionais, como é de hábito, são absolutamente pragmáticas. A resistência das democracias ocidentais duraria quanto tempo? E como se expressaria?

Internamente há um apoio social relevante, embora não mensurável. Parte do empresariado, das classes médias e dos setores populares é autoritária, racista e homofóbica. Ou seja, um golpe não estará de todo despido de apoio social.

O argumento de que o líder do movimento golpista é alguém despreparado e imprevisível não corresponde ao que a história nos tem ensinado. Tanto Hitler quanto Mussolini eram figuras medíocres.

Há condições outras que contam a favor de um golpe. O desgaste de instituições democráticas, como o STF e o Congresso Nacional, alimenta os sentimentos golpistas. São duas instituições com imagens absolutamente desgastadas entre os brasileiros.

Um outro fator favorável é o fato de que o regime democrático no Brasil tem se mostrado incapaz em assegurar a prosperidade e a segurança da população.

No âmbito das FFAA não há consenso sobre o gesto, mas há dois fatores favoráveis. O primeiro é a recusa ao PT, que já havia antes de 2002, mas foi incrementado com a corrupção constatada no Mensalão e na Lava Jato, desde o governo Lula e a instalação da Comissão da Verdade, no governo Dilma. Persiste, portanto, um sentimento de recusa ao retorno do PT ao poder, e particularmente a Lula. O segundo está relacionado às políticas identitárias do PT e das esquerdas, que vão contra o conservadorismo dos costumes de grande parte dos dirigentes militares.

A questão é saber o quanto os ganhos compensam as perdas, pois um golpe militar, pelo menos a curto prazo, irá impactar negativamente nossas relações comerciais, os investimentos e as iniciativas locais, sem nenhuma garantia de que a nova condução conseguirá responder às demandas da população por emprego, renda e segurança, com acesso à educação e, sobretudo, à saúde.

Um golpe militar tem algo em comum com uma CPI: sabemos como começa, mas não como termina, ou melhor, como prossegue. Em 1964, os militares pensavam deixar o poder dois ou três anos depois. E vários políticos que os acompanharam acabaram sendo perseguidos, podendo o mesmo ocorrer com algumas personalidades ligadas, hoje, ao Centrão. Não se sabe de antemão quais os vencedores e quais os perdedores em um movimento dessa natureza a médio prazo.

Em circunstâncias similares nem sempre prevalece a racionalidade. Por vezes, o que vence é a emoção da recusa do outro. Portanto, o golpe é possível, não sei o quanto de provável.

Há dois caminhos para evitá-lo. Um é o impeachment, que a maioria do Congresso não quer, o PT inclusive. O outro é ter uma alternativa política que possa chegar ao segundo turno e vencer quem lá estiver, Bolsonaro ou Lula. Claro, se o golpe não ocorrer antes.

A conclamação para que os candidatos, fora da polarização, se unam em torno de uma só candidatura, é inútil. É pregar no deserto. Possibilidade perto de zero de ocorrer. Quem convencerá Lula, Ciro ou Doria, se ganhar a escolha interna no PSDB, de não serem candidatos?

A única possibilidade é que um dos candidatos fora da polarização, que começam a se apresentar, como Rodrigo Pacheco, Eduardo Leite, Alessandro Vieira, Simone Tebet ou outro, consiga ganhar visibilidade e apoio ao ponto de inibir outros, cacifando-se para o segundo turno. E se um desses chegar terá todas as chances de vencer.

*Sociólogo político e socioambiental, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/elimar-pinheiro-do-nascimento-duas-ou.html


CNBB pede respeito à democracia e às instituições

Dom Walmor afirmou na mensagem que o país "está sendo contaminado por sentimento de raiva e de intolerância"

Correio Braziliense

Em vídeo sobre o 7 de Setembro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou os brasileiros a não se deixarem convencer por “quem agride os poderes Legislativo e Judiciário”, num recado ao presidente Jair Bolsonaro. “A existência de três Poderes impede totalitarismos, fortalecendo a liberdade de cada pessoa”, afirmou o presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo. “Independentemente de suas convicções político-partidárias, não aceite agressões às instituições que sustentam a democracia.”

Dom Walmor afirmou na mensagem que o país “está sendo contaminado por sentimento de raiva e de intolerância” e se opôs a uma série de bandeiras e políticas de Bolsonaro, entre as quais o incentivo e a facilitação da compra de armas de fogo por civis.

“Muitos, em nome de ideologias, dedicam-se a agressões e ofensas, chegando ao absurdo de defender o armamento da população. Quem se diz cristã ou cristão deve ser agente da paz, e a paz não se constrói com armas”, disse.

Bolsonaro e apoiadores apelaram ao discurso de viés religioso para conclamar cristãos a aderirem às manifestações a favor do Planalto. Isoladamente, padres haviam incentivado católicos a participarem dos protestos em defesa de Bolsonaro.

Além do apoio ao presidente, a pauta tem dois assuntos já superados no Congresso: voto impresso e impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Parte dos bolsonaristas também clama por uma intervenção militar. Pastores de igrejas evangélicas engrossaram as convocações do movimento bolsonarista, alegando a defesa da liberdade de expressão e de culto, e prometeram uma mobilização sem precedentes.

Por meio de seu presidente, a cúpula da principal entidade da Igreja Católica no país demonstrou preocupação com atos violentos e pediu respeito à vida durante as manifestações de rua no Dia da Independência, diante do agendamento de protestos contra e a favor do governo federal. O mote da campanha da CNBB é “somos todos irmãos”.
“Respeite a vida e a liberdade de seu semelhante. Aquele com quem você não concorda é também amado e tem uma família que aguarda o seu retorno com segurança”, apelou dom Walmor. “As desavenças não podem justificar a violência, a intolerância nos distancia da Justiça e da paz, afasta-nos de Deus.”

Excluídos

O presidente da CNBB também defendeu uma série de posições contrárias à gestão Bolsonaro. Ele lembrou da alta da inflação e do desemprego, da fome e da miséria, pautas que o governo evita comentar. “Não podemos ficar indiferentes a essa realidade, que mistura o desemprego e a alta inflação, acentuando gravemente exclusões sociais. São urgentes políticas públicas para a retomada da economia, e a inclusão dos mais pobres no mercado de trabalho”, disse.

O líder dos bispos católicos afirmou que a pandemia da covid-19 “é mal que ainda nos ameaça”, sugeriu respeito às medidas de distanciamento social e definiu a vacinação como uma “tarefa cristã”.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947685-cnbb-pede-respeito-a-democracia-e-as-instituicoes.html


Ricardo Noblat: À medida que se enfraquece, mais perigoso Bolsonaro se torna

Até que melhore, a situação ainda vai piorar muito

Blog do Noblat / Metrópoles

Quanto mais isolado fica, mais perigoso se torna Jair Bolsonaro. Quanto mais votos ele perde como candidato à reeleição, mais dobra sua aposta no golpe que o manteria no poder.

Se não há consenso político para derrubá-lo, também não haverá para fazê-lo ditador caso seja derrotado na eleição do ano que vem – mas isso não o impedirá de continuar tentando até lá.

“A situação ainda vai piorar muito antes que possa começar a melhorar”, disse, ontem, a este blog um ministro do Supremo Tribunal Federal. Com ele concordam políticos de todas as cores.

Como atravessar os 16 meses que restam ao governo se Bolsonaro seguir esticando a corda na esperança de rompê-la a seu favor? Por ora, ninguém em Brasília ou fora daqui tem a resposta.

Ninguém acredita também numa súbita conversão de Bolsonaro à democracia. Presidente não pode tudo, mas pode muito. E o muito que pode basta para causar severos estragos ao país, como se vê.

Fernando Collor montou um ministério de notáveis imaginando com isso driblar o risco de impeachment – não adiantou. Eleito presidente com forte apoio militar, nem por isso apelou à farda.

Dilma se elegeu e se reelegeu contra a vontade dos militares. Acabou derrubada com o discreto apoio deles. Michel Temer salvou-se do impeachment apelando aos políticos, não às armas.

A única boa notícia do momento é a resistência cada vez maior da Justiça, do Congresso e de setores amplos da sociedade à ideia de trocar a democracia pela ditadura.

Para alguma coisa, afinal, serviria um presidente insano.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/a-medida-que-se-enfraquece-mais-perigoso-bolsonaro-se-torna


Fernando Schüler: A polarização como vício

Para um bom número de pessoas, ajudar a pôr fogo no circo se tornou um bom negócio. Mas um certo cansaço da gritaria já começa a se fazer sentir

Fernando Schüler / Revista Veja

A polarização está em toda parte. Os grupos de WhatsApp se tornaram uma empreitada difícil. Você entra em um grupo para discutir a obra de Santo Agostinho e uma semana depois passa a receber, de hora em hora, figurinhas, vídeos e “alertas” sobre Lula ou Bolsonaro. Nada contra, é um direito das pessoas. De certo modo, direito ao trivial. As coxas do Lula, o fumacê dos tanques em Brasília, o último golpe dado por não sei quem, tudo isso que parece divertir nosso cotidiano político, mas talvez não devesse.

Há um lado mais complicado nisso tudo. Além de explodir amizades e partidos (o Novo está aí para mostrar), a polarização obsessiva traz um problema à governabilidade do país. Gera um clima de incerteza que desestimula investimentos, prejudica a formação de consensos mínimos para reformas e, o mais importante, afeta o funcionamento das instituições, gerando incentivos para que seus titulares entrem em um tipo de jogo que jamais deveriam entrar. Nem aí para essas coisas, nos preparamos para assistir a mais dois dias de comícios, um “em defesa das liberdades” e outro “contra o fascismo”, num exercício de grandiloquência a gosto pela toxina política poucas vezes visto por estas bandas.

A polarização atende a um tipo de mercado. Diante do avanço dos meios digitais, parte da mídia abre mão do distanciamento jornalístico e passa a atender nichos de opinião que lhe garantam uma audiência fiel. Ganha espaço o jornalista-militante, o blogueiro, o youtuber, em múltiplas plataformas digitais. A regra é simples, como li por esses dias: “se você não causar”, se não for capaz de atiçar os instintos de uma tribo política, “não terá audiência”. Vale o mesmo para políticos, em busca de repercussão fácil. E em menor escala para magistrados, policiais ou promotores, alçados a líderes de opinião. Criou-se uma economia da polarização. Para um bom número de pessoas, ajudar a pôr fogo no circo se tornou um bom negócio.

Algumas coisas já sabemos sobre a hiperpolarização. Uma delas é que ela sempre transborda, fazendo com que a lógica da política inunde as demais áreas da vida. As salas de aula, exposições de arte, o mercado de trabalho. E as amizades, por óbvio, que começam a balançar porque o João vai à Paulista no dia 7 e a Catarina, no dia 12. Vem daí o traço do exagero. O debate feito à moda do espantalho. A ideia de que o outro lado é “inadmissível” e nós somos a “própria democracia”, como ouvi, curiosamente, de dois tipos, um governista, outro antigovernista, e ambos bastante autoconfiantes, dias atrás.

Outra coisa que sabemos é que a polarização aguda está longe de ser um fenômeno da base da sociedade. Seu ecossistema é o da minoria barulhenta, que dá o tom do debate público, em especial na internet. A democracia digital se tornou um gigantesco mecanismo de seleção adversa. Em vez de selecionar gente ponderada para liderar, disposta a gerar consensos e resolver problemas (pasmem: é para isso que a política foi inventada), ela tende a premiar o bufão ou o “grande moralista”. O senador que lacra na CPI, o deputado que bomba detonando o STF (supondo que não irá preso), e assim por diante.

O resultado disso é a mediocrização do debate público. A maioria dos temas importantes da vida pública não se encaixa na lógica do tudo ou nada, e só ao pequeno mundo político interessa ir contra ou a favor de alguma coisa apenas porque ajuda ou atrapalha o governo. Há, em regra, boas razões a favor e contra qualquer política relevante. Há ajustes a fazer e gente diferente a ser escutada. É uma perfeita bobagem tratar essas coisas como religião. Havia, pasmem, prós e contras no tema do voto impresso, tanto quanto há na ideia da renda básica de cidadania. A polarização doentia expulsa a sutileza e a atenção a efeitos adversos de qualquer decisão. E de quebra torna boa parte da imprensa acrítica, ao confundir senso crítico com a adoção de uma agenda política, que em geral se resume a variações sem fim dos mesmos xingamentos.

A polarização obsessiva tenciona as instituições, mas é essencialmente um tema da cultura política de nossas democracias. Vivemos em paz, mas é a estética da guerra que parece dar o tom de nosso mundo político. Daí o interesse renovado pela obra de Carl Schmitt. Suas construções sombrias, feitas nos anos difíceis que assistiram ao fim da República de Weimar, parecem pairar sobre a política atual. A ideia de que a vida política “é a vida essencial”, a descrença na suavidade e nas abstrações da democracia liberal. E a partir daí a ideia de que é a inimizade, e não o diálogo, que define o sentido da política. Nada das palavras doces de Joe Biden sobre converter inimigos em adversários. O elemento natural da política é a relação amigo-­inimigo. Nos definimos, como comunidade política, precisamente sabendo quem é nosso “outro”, e o limite disso tudo é a guerra, não o direito.

“Há uma cultura que joga pelo ralo valores da tradição liberal”

A democracia liberal, nessa visão, com seu respeito ao pluralismo, direitos individuais e toda a parafernália de freios e contrapesos, se torna algo como uma fantasia. É evidente que não estamos nesse ponto, entre outras razões porque não estamos na Alemanha dos anos 30. Mas há nuvens no horizonte. Andamos namorando com uma cultura que joga pelo ralo valores importantes da tradição liberal.

Meio século depois da adesão de Schmitt ao nazismo, Norberto Bobbio fazia uma conferência em Milão sobre a Mitezza. A serenidade ou “moderação” como a virtude desejável na democracia. Bobbio era o sábio europeu. Ao menos eu o via assim em minha juventude. Havia passado por tudo, pelo fascismo, pela reconstrução, e ninguém fez mais do que ele pela cultura da democracia, naquele quase fim de século. Seu argumento, depois transformado em livro, prefaciava um tempo em que não há mais tiroteios pelas ruas, mas os modos da guerra, seus jeitos e sua intolerância, pareciam sobreviver. E isso não era bom.

Daí sua pregação algo utópica sobre a Mitezza. A virtude das pessoas simples que não desejam o poder pelo poder. A virtude horizontal, das pessoas que se miram na altura dos olhos, como iguais em legitimidade e direitos. A virtude “fraca”, diz Bobbio, por definição “impolítica”, novamente contrastando com Schmitt, nos lembrando que a política não é tudo, que ela tem limites e que o poder não pertence aos homens, mas ao direito. E, por fim, uma virtude estética: a suavidade ao invés da arrogância. A Mitezza não exclui a crítica, o contraditório, mas aprecia dizer as coisas no subjuntivo, como um dia escutei de Richard Sennett, oferecendo espaço para a aproximação com o outro. Não como o inimigo que me define, mas como a possibilidade de um encontro sempre renovado.

Andamos longe disso, e nada indica que o suave liberalismo de Bobbio, no ambiente turvo de nossas democracias polarizadas, vai vencer a sombra implacável de Carl Schmitt. De qualquer modo, não trato de uma batalha de curto prazo. Um certo cansaço da gritaria já começa a se fazer sentir. Escuto vozes falando em moderação e bom senso. A infração a direitos, praticada por instituições de Estado, começa a gerar algum desconforto. Cada um pode escolher como agir, e fazer alguma diferença. De todo modo as lições da história estão aí, ao nosso dispor, e não tenho dúvidas de que, devagar, vamos aprendendo.

*Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754

Fonte: Veja
https://veja.abril.com.br/blog/fernando-schuler/a-polarizacao-como-vicio/


Ascânio Seleme: A terceira via ou o lunático

Ato em 7 de setembro pode ser gigante, pode ser barulhento, mas não vai funcionar; Bolsonaro nunca esteve tão solitário

Ascanio Seleme / O Globo

O resultado da maior mobilização popular já convocada em favor de Jair Bolsonaro e contra a democracia, marcada para o 7 de setembro, servirá paradoxalmente para isolar ainda mais o presidente com os seus radicais e o que resta do grupo parlamentar fisiológico que ainda lhe dá sustentação. Dois terços da população brasileira já disseram não aos seus atos criminosos reiterados. As pesquisas mostram que sua degradação se mede na casa de dois pontos ou mais por levantamento (no último, PoderData de 1º de setembro, perdeu cinco pontos para Lula). Agora, Bolsonaro viu empresários e banqueiros lhe virarem as costas através dos manifestos de diversos setores em favor da democracia e contra a aventura golpista do presidente.

Pode ser gigante, pode ser barulhenta. Mas não vai funcionar. Bolsonaro nunca esteve tão solitário. Todo governante começa a perder apoio no dia seguinte à sua posse. Alguns se recuperam e voltam a crescer, como ocorreu com os três presidentes que se reelegeram, com destaque para Lula que saiu mais forte do que entrou. Nenhum dos três, contudo, dinamitou pontes antes da reeleição. FHC queimou seu capital político no segundo mandato. Dilma, que maquiou os números da economia no primeiro mandato, foi descoberta no segundo e deu no que deu. Bolsonaro desmilinguiu-se antes de completar três anos de governo.

Com o desembarque do PIB nacional da aventura, o capitão terá que seguir com parlamentares fisiológicos, que se fingem de patriotas e que dizem pensar na nação quando defendem uma solução com Bolsonaro, com os radicais organizados, com os ignorantes políticos e com os antipetistas que só enxergam corrupção e comunismo quando miram a estrela vermelha. Mais grave para o presidente é que os manifestos em favor da democracia assinados pela Febraban, por sete entidades do agronegócios e outros setores organizados da economia apontam para uma fadiga que vai alimentar de maneira vigorosa daqui em diante a busca pela terceira via. Por um candidato que possa enfrentar Lula em condições de ganhar a eleição presidencial.

Sim, porque quem quer que seja este candidato, ele não entrará em campo para tirar Lula do segundo turno, mas sim para afastar Bolsonaro. A ideia de buscar um nome que pudesse substituir o petista no segundo turno vem se dissipando na medida em que Lula consolida seu poder eleitoral. Com as seguidas quedas de popularidade do presidente, e com este grito antidemocrático e golpista armado para o 7 de setembro, o objetivo agora é expurgar o atual ocupante da cadeira presidencial da disputa derradeira de 2022. Bolsonaro virou alvo porque é estúpido. Ele mesmo construiu o caminho que o trouxe até aqui.

Os candidatos lançados para ocupar este espaço (Ciro Gomes, João Doria, Eduardo Leite, Luiz Mandetta e agora Alessandro Vieira e Datena) terão um trabalho difícil pela frente, mas não impossível. Não é fácil derrotar um candidato à reeleição, ainda mais no primeiro turno. Nos Estados Unidos, apenas 11 dos 45 presidentes não conseguiram um segundo mandato. No Brasil nunca ocorreu. Os pré-candidatos de direita, centro-direita e centro-esquerda vão precisar formar uma ampla aliança em torno de projetos que sejam distintos dos do PT, embora da mesma forma inclusivos. Até Ciro pode ocupar este espaço, embora as concessões que terá de fazer acabarão por desfigurar sua candidatura.

A chance desta terceira via ter sucesso defenestrando Bolsonaro aumentou muito com a convocação para a parada golpista, e é aí que reside o paradoxo. Ela trouxe para o campo de jogo o capital nacional. Sem este apoio, Bolsonaro fica obviamente muito mais fraco. Os parlamentares que ainda o acompanham saberão medir de que lado será melhor se situar num futuro muito breve. E os conservadores e liberais brasileiros, muitos deles marcharão no 7 de setembro em apoio a Bolsonaro, terão uma opção fora do PT para seguir. Aí, poderão esclarecer se querem mesmo construir um país democrático ou preferem seguir um lunático.

Bom pai

Primeiro foram as rachadinhas, que começaram no gabinete de Jair e se espalharam pelos escritórios dos filhos parlamentares. Depois do Zerinho senador, agora o Zerinho vereador foi apanhado em flagrante delito. Não bastasse isso, aquela vontade de levar vantagem em tudo, como desviar dinheiro do auxílio moradia “para comer gente”, se esparrama entre todos os entes da família Bolsonaro. O filhote Jairzinho foi outro que entendeu bem a aula paterna, a ponto de se alinhar a um lobista investigado pela CPI da Covid (Marconny Albernaz, aquele que inventou uma doença e depois se escondeu para não depor) para abrir uma empresa de eventos e fazer tretas. Este também, como o primogênito da família, arrumou uma mansão para chamar de sua em Brasília. Não se pode negar que o presidente seja um “bom” pai. Tudo o que sabe, passou para os filhos. Dos métodos políticos ultradireitistas até as pequenas falcatruas do dia a dia.

Cara de bobo 1

O que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal têm contra a democracia? Ao tentar sem sucesso dinamitar o manifesto em favor da harmonia entre os Poderes, o torpedeador-chefe, Pedro Guimarães, presidente da CEF, ameaçou bancos privados com retaliações se o manifesto, já redigido e conhecido, fosse publicado. Guimarães é o mais frequente papagaio de pirata das lives presidenciais. Fica sempre ali, ao lado de Bolsonaro, rindo com aquela cara de bobo e aplaudindo todas as barbaridades proferidas pelo chefe. Quer ser seu vice na chapa de 2022. Naufragando, como tudo indica, imagina-se que vai buscar emprego no mercado financeiro, este mesmo que ele ameaçou por assinar o manifesto democrático.

Cara de bobo 2

André Esteves, do BTG, mostrou que se pela de medo de retaliações governamentais. Por que? Não sei. Segundo a jornalista Malu Gaspar, ele tentou “desfazer” a adesão da Febraban ao manifesto em favor da democracia. Agiu internamente contra o manifesto quando CEF e BB ameaçaram deixar a entidade se o documento saísse. Depois que o documento saiu, os bancos oficiais recuaram e Esteves ficou com o mico na mão. Pode dar emprego para seu amigo Pedro em 2022.

Momento pub

Não deixe para amanhã, compre hoje ainda mais uma arma para a sua defesa e segurança. Aproveite a legislação em vigor e amplie seu arsenal. Atenção, uma hora esta lei vai mudar. Compre agora o seu fuzil e tenha certeza que um dia ele vai estar sendo usado em Araçatuba. Ou na Rocinha.

Vossa senhoria

O brasileiro da camada de cima, por mais cordial que seja, trata de maneira desigual seus conterrâneos. Os mais abastados merecem salamaleques. Os mais humildes ganham no máximo um respeito condescendente. Isso ocorre por toda parte. Vejam o caso do motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva, na CPI da Covid. O tratamento dispensado a todos os depoentes sem cargo público foi de “vossa senhoria”. Alguns senadores até se enganavam, mas para cima, chamando o depoente sem função de “vossa excelência”. Aí chegou o Ivanildo. Ele foi tratado de “senhor” por todos os senadores. Diversos se enganaram, mas para baixo, tratando o motoboy por “você”. Agora, me diga, qual a diferença entre Carlos Wizard e Ivanildo Gonçalves da Silva, além de um ser branco e rico e o outro preto e pobre?

Espanhol obrigatório

A deputada estadual Juliana Brizola (PDT) pediu e o Ministério Público do Rio Grande do Sul instaurou inquérito para investigar o governador e pré-candidato a presidente Eduardo Leite por descumprimento de preceito da constituição estadual estabelecido por emenda da deputada em 2018. Pela emenda, as escolas públicas gaúchas são obrigadas a oferecer aulas de língua espanhola aos alunos, determinação que Leite não efetivou. O argumento é simples e faz sentido. O estado tem extensa fronteira com Uruguai e Argentina, são 1774 quilômetros e 27 cidades nas divisas.

Brasil no passado

Brasileiro que vive no exterior e precisa de serviços consulares, como registrar nascimentos, casamentos e óbitos, tem que fazê-lo pessoalmente. Na era da informação, nenhum atendimento, a não ser consultas, pode ser feito de maneira remota, via internet. Não é tão difícil para quem mora em cidades estrangeiras em que haja base consular brasileira. O problema são as outras cidades, como Darwin, na Austrália. Se um brasileiro vier a morar lá e precisar de um serviço consular, terá de viajar 4.400 quilômetros até Perth. Se pudesse, com certeza este nacional pegaria um voo até Dili, no Timor Leste, 720 quilômetros ao norte, para resolver seu problema.

Greve geral

Já tem gente pensando na melhor forma de dar o troco ao 7 de setembro antidemocrático. Convocar uma greve geral em favor da democracia e contra o golpismo instalado no Palácio do Planalto. Tarefa difícil, mas levando-se em conta que os partidos de esquerda ainda mandam na maioria dos sindicatos e das federações sindicais, vai que cola.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-terceira-via-ou-lunatico-25184684


Marcus Pestana: Pátria minha

Neste 7 de setembro estaremos sitiados pelo radicalismo político, de intolerância ideológica e esgarçamento do tecido social e institucional

Marcus Pestana / O Tempo

O grande poeta Vinicius de Moraes, no exílio, durante os obscuros anos de ditadura, rascunhou carinhosa homenagem em forma de poema ao seu país. “A minha pátria é como se não fosse, é intima. Doçura e vontade de chorar, uma criança dormindo. É minha pátria. Por isso, no exilio, assistindo dormir meu filho, choro de saudades da minha pátria”. “Não te direi o nome, pátria minha. Teu nome é pátria amada, é patriazinha, não rima com mãe gentil. Vives em mim como filha, que és. Uma ilha de ternura, A ilha Brasil, talvez”.

Aproxima-se o 7 de setembro. No próximo ano, completaremos 200 anos de Independência. Infelizmente, em 2021, estamos envoltos numa névoa de temores, rancores e ameaças.  O 4 de julho, nos Estados Unidos, é estuário do sentimento de patriotismo do povo americano, independente de convicções políticas ou ideológicas. Assim também é a comemoração da Queda da Bastilha, no 14 de julho. Esse feriado de 2021 seria um bom momento de pausa para reflexão sobre nossa trajetória como povo e Nação, nossas virtudes e mazelas, nossos avanços e desafios. Mas o país estará dividido.

O Brasil era uma país colonial, exportador de produtos primários como pau-brasil, cana de açúcar, ouro e diamantes com base em relações de trabalho escravistas. Por um acidente, acossada por Napoleão, em 1808, a Corte portuguesa aportou no Rio de Janeiro. Avanços foram introduzidos até o retorno de D. João VI a Lisboa. Assumiu Dom Pedro I. Houve a tentativa de recolonização. O Dia do Fico representou a opção de Pedro I por governar o país. Mudanças ministeriais sinalizaram a ruptura. Pedro I vai a Minas e de lá’ para São Paulo, angariando a simpatia da população. Na volta de Santos, diante do ultimato português que retornasse à Corte, na beira do Córrego do Ipiranga, no topo de uma colina verde, de espada em punho, bradou “É tempo! Laço fora! Independência ou Morte!”, para a emoção das tropas e o espanto do camponês que aparece solitário no canto da famosa tela de Pedro Américo, “O GRITO DO PRÍNCIPE”, que se encontra exposta no Museu do Ipiranga. As convicções nacionalistas de Pedro I, após longo processo de consolidação do Primeiro Reinado, não foram bastantes para evitar que, em 1931, abdicasse o trono e retornasse à Portugal, na esperança de se tornar o Rei Dom Pedro IV.

Cento e noventa e nove anos se passaram. O Brasil se industrializou, o agronegócio se modernizou, a população se urbanizou, a integridade territorial foi mantida, assim como a língua e a unidade política.

Neste 7 de setembro, estaremos marcados pelas centenas de milhares de mortes na pandemia, pelo desemprego alarmante, pelo retorno da inflação, pelo aprofundamento da pobreza, pela armadilha do baixo crescimento. Mas estaremos principalmente sitiados por um ambiente inédito de radicalismo político, de intolerância ideológica e esgarçamento do tecido social e institucional.

Os desafios colocados no caminho de uma Nação justa, soberana, democrática e fraterna exigem capacidade de negociação e diálogo, serenidade e prudência, equilíbrio e sabedoria, firmeza, mas capacidade de ouvir os diferentes.

Podemos nos xingar de fascistas e comunistas, de genocidas e ladrões a esmo sem acrescentar uma linha positiva na história brasileira. Que no 7 de setembro prevaleça a união dos brasileiros em torno de nossos valores mais profundos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)

Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2536893


Pablo Ortellado: O que temer no 7 de Setembro?

Há muita expectativa quanto à dimensão e às consequências da manifestação em apoio a Bolsonaro no 7 de Setembro

Pablo Ortellado / O Globo

O principal temor é que o 7 de Setembro possa ser uma espécie de 6 de janeiro brasileiro — manifestantes pró-Trump invadiram o prédio do Congresso nos Estados Unidos naquele dia para tumultuar a sessão que confirmaria a vitória eleitoral de Joe Biden. Cinco pessoas morreram, e 138 policiais ficaram feridos.

Mas há diferenças importantes entre o 6 de janeiro americano e o 7 de Setembro brasileiro. A principal delas é que a invasão do Capitólio foi um movimento ousado, que tomou as autoridades de surpresa.

Aqui, todos os piores cenários foram antecipados pelas autoridades: a participação na manifestação de policiais militares armados, o bloqueio de estradas por caminhoneiros e uma invasão ao prédio do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso. Pode ser que as precauções tomadas não sejam suficientes, mas a Justiça e os governadores tomaram medidas para monitorar e impedir essas ações.

Outra diferença importante é que o 6 de janeiro americano foi um gesto desesperado do trumpismo, que havia sido derrotado eleitoralmente. Aqui, embora as pesquisas indiquem que o apoio a Bolsonaro está caindo, ainda falta mais de um ano para as eleições.

Os bolsonaristas têm feito um grande esforço de mobilização — provavelmente o maior desde que o presidente tomou posse. Esse esforço se justifica. Bolsonaro tem perdido apoio mês a mês, e as perspectivas da economia e o avanço da variante Delta não sugerem uma inversão de rumo.

As aspirações golpistas de Bolsonaro precisam de respaldo popular ou pelo menos de uma imagem de respaldo popular. Seu discurso é que ele, na condição de chefe supremo das Forças Armadas, vai fazer “o que o povo pedir”.

No entanto, até agora, o saldo da mobilização de rua tem sido amplamente favorável à esquerda. As manifestações contra Bolsonaro em maio, junho e julho foram muito grandes, e a maior manifestação bolsonarista até agora, no 1º de Maio, deve ter sido pelo menos três vezes menor.

Talvez a opção pelas motociatas tenha sido uma maneira de mascarar essa diferença, seja porque motociata é um gênero de mobilização não diretamente comparável com uma passeata ou comício, seja porque a reunião de motos amplifica a sensação de multidão. A concentração das manifestações do 7 de Setembro em apenas duas cidades, São Paulo e Brasília, compõe essa estratégia de aumentar artificialmente a sensação de apoio.

Além disso, Bolsonaro recebeu um presente da esquerda. A tradicional manifestação do Grito dos Excluídos, que acontece todo 7 de Setembro, neste ano foi convocada sem muito empenho e organização, e a expectativa é que seja pequena.

É absolutamente certo que o bolsonarismo vai comparar registros fotográficos das duas manifestações para desmentir os institutos de pesquisa, “provar” a popularidade do presidente e dizer que “o povo” o está autorizando a agir.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-7-de-setembro-pode-ser-nossa-invasao-do-capitolio.html