Fake News

Marcelo Madureira | Fotos: acervo pessoal

Revista online | Marcelo Madureira: “Não tenho ilusão em relação ao governo Lula”

Comunicação FAP, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição) 

O ator e humorista Marcelo Madureira, que ficou conhecido por integrar o programa Casseta & Planeta, diz que as “artes não têm componente ideológico de estímulo ao ódio” e afirma que o “humor é uma espécie de crítica humorada sobre fatos e pessoas”. Ele, que também  é empresário de comunicação digital, posiciona-se contra o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, que está em discussão no governo e no Congresso, e defende a autorregulação das mídias digitais.

“Regimes autoritários tendem a fazer esse tipo de controle, com o qual é preciso ter muito cuidado”, afirmou Madureira, em entrevista à 52ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em Brasília. A entidade é vinculada ao Cidadania. Ele acredita que o desenvolvimento da inteligência artificial e de várias ferramentas tecnológicas poderão reduzir o impacto das notícias falsas na sociedade.

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Apesar de ter declarado voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Madureira diz ser favorável à formação de uma ampla frente democrática. “Sou contra o autoritarismo de extrema direita ou de extrema esquerda. Não tenho qualquer ilusão em relação a esse governo, fora de que ele garanta a existência do regime democrático”, afirmou. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

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Política Democrática (PD): Existe um impasse entre pessoas que criticam o que chamam de “politicamente correto” e os que entendem que é preciso, sim, usar a linguagem de forma responsável em qualquer situação. Qual a sua opinião sobre a crítica ao que parte da sociedade classifica como politicamente correto no Brasil?

Marcelo Madureira (MM): Acho que existe um certo exagero com relação a essa política do politicamente correto, que acaba criando uma espécie de censura não institucionalizada sobre os conteúdos das pessoas, porque, muitas vezes, certas colocações, certas coisas gravadas, ditas ou escritas, são colocadas fora de contexto e acabam gerando uma enorme distorção, como as políticas de cancelamento, junto a essas políticas identitárias que existem hoje em dia. Não que eu seja contra política identitária, mas acho que elas tendem a ser mais políticas autoritárias que identitárias. Então, as pessoas defensoras do politicamente correto partem do pressuposto – por exemplo, no nosso caso dos humoristas – de como se não tivéssemos nenhum princípio de ética e profissional, o que faz [pensar] que a gente fala qualquer coisa ou ofenda qualquer tipo de pessoa ou de conjunto de pessoas que se possa imaginar – étnicos, políticos, religiosos – gratuitamente. Na verdade, o humor não quer ofender ninguém; ele quer fazer as pessoas rirem. O humor é uma coisa que o ser humano inventou para rir de si mesmo, rir das nossas idiossincrasias, das nossas limitações, da nossa arrogância, da nossa hipocrisia. O humor sempre teve uma certa. Aqueles que são objeto do riso, do humor, da piada se dizem ofendidos, quando, na verdade, você apontou que o rei está nu, uma realidade que todo mundo vê, mas não tem os canais - digamos assim, um canal humorístico - para falar sobre aquilo. Não digo nem denunciar, mas comentar aquilo, e aquilo tem um impacto na sociedade, uma repercussão. O humor é uma espécie de crítica humorada sobre fatos e pessoas, e isso só tem sentido se essas coisas, de fato, acontecerem. Por isso, eu, pelo menos, como humorista, sempre tive o cuidado de fazer piadas e não criar fatos falsos – fazer piadas sobre coisas que não são verdade, que não estão acontecendo. A grande preocupação que a gente tem é saber o que as pessoas estão falando, comentando, e fazer piada sobre isso.

Sempre tive o cuidado de fazer piadas e não criar fatos falsos

PD: Então, o senhor não considera que parte de humoristas – ou de pessoas que se dizem humoristas –, de alguma maneira, pode reforçar, por exemplo, questões contra a comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras? O senhor fez uma ressalva, dizendo que não é contra as políticas identitárias, mas, considerando esse mercado, algumas pessoas que se apresentam como humoristas não se atropelam?

MM: Já que você falou em termos de mercado, vamos tratar a questão economicamente. Achei muito correta essa sua colocação. Do lado da oferta, hoje você tem, de fato, uma quantidade de humoristas – de pessoas que se dizem humoristas, se dizem engraçadas – que falam as maiores barbaridades, inclusive de forma chula, uma coisa gratuita, com uma agressividade. Não sou moralista, muito pelo contrário, mas, usando palavras chulas, inadequadas, achando que são engraçadas. Não que você não deva usar, eventualmente, palavrão. O que consagra o humorista é a qualidade do trabalho dele. Qualquer um pode se autointitular humorista, falar coisas que lhe pareçam engraçadas ou mesmo usá-las de má-fé, em um pretenso humor para ofender, ridicularizar e avacalhar pessoas, instituições, grupos. Isso ocorre. Não é que não possa ocorrer, mas acho que o grande filtro para isso é justamente a opinião pública. Confio muito no receptor, na chamada opinião pública. Temos uma visão muito soberba do público, achamos que o nosso público, de maneira geral, não sabe distinguir as coisas. No humor, se sabe quem são os grandes humoristas, que são realmente bons, e aqueles que são apenas ofensivos ou que estão a soldo, por receberem dinheiro de A, B ou C, para fazer humor chapa branca, humor oficial, que não tem nada a ver com humor. Isso está do lado da oferta. Do lado da demanda, existem muitas pessoas que se acham ofendidas, se acham ridicularizadas, mas isso fica a critério de cada um. Por exemplo, posso chegar para você e falar "bom dia", e você ficar ofendido com isso, achando que estou sendo irônico, zombando da sua cara, porque sei que você teve um péssimo dia ou está atravessando um momento difícil. Então, tem má-fé também. Estou tentando relativizar as coisas para não cair, justamente, na polarização, já que, no Brasil e no mundo, tudo é polarizado, de maneira geral. Existem questões e reivindicações que são pertinentes, e outras que são absolutamente impertinentes, que não têm nada a ver. Por isso, acredito no bom senso do público. Então, o politicamente correto me parece um exagero porque eu, pelo menos, no meu trabalho de humorista, tomo cuidado de tentar ser engraçado. Jamais tive a intenção de ofender qualquer segmento da sociedade – políticos, antropólogos ou feministas, por exemplo –, com o objetivo de apenas ofender. Isso não tem, isso é discurso de ódio, discurso ofensivo. Isso não é trabalho de humorista. Isso é uma atitude indigna. Eu tento fazer graça. 

O artista de verdade nunca se deixa intimidar, principalmente em regimes totalitários, em ditaduras

PD: O senhor citou trabalho de humorista. Qual é o papel de um profissional que trabalha com arte do humor em uma democracia e em relação aos governos? Como o humor sobrevive mesmo em casos de governos autoritários de extrema-direita, como ocorreu durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro?

MM: O papel de todo artista, primeiro, é realizar a sua arte, avançar em relação aos limites estéticos e éticos da sociedade, propor novidades, surpreender. O artista é aquele que surpreende a sua plateia, de maneira agradável, lúdica, divertida ou crítica, no caso do humor. Isso é muito importante em todos os regimes. Eu mesmo e vários outros humoristas, durante o regime militar, jamais abrimos mão do papel crítico, aliás, com muita coragem e risco físico. Muitos foram presos, espancados, tiveram limitação ao realizar seu trabalho e fazer seu ganha-pão, mas o artista de verdade nunca se deixa intimidar, principalmente em regimes totalitários, em ditaduras. Sempre os humoristas nunca se intimidaram. É óbvio que existe o medo, como disse Millôr Fernandes. O medo sempre existe, mas também existe aquela necessidade de você, por meio de sua arte, mostrar o que você pensa, o que está errado. Não só em uma democracia, mas em qualquer tipo de regime, sobretudo nos regimes autoritários, é fundamental o exercício das artes. Em uma democracia, é preciso realmente entender o que é liberdade de expressão, mas, ao mesmo tempo, como criador, tem que saber que a própria liberdade de expressão tem limites. Artista não faz apologia de genocídio ou de perseguições raciais, preconceitos de maneira geral, de qualquer natureza, ou mesmo declarações que estimulem o ódio. Isso não é a ideia das artes. As artes não têm esse componente ideológico de estímulo ao ódio, bem pelo contrário. Há estímulo às liberdades, mas por meio da criatividade, para agregar massa crítica, conteúdo relevante para o conjunto da sociedade, e isso vale para todo tipo de artista, do palhaço de circo ao diretor de cinema. Em uma democracia, isso é muito bom e só estimula o ambiente democrático. 

PD: Considerando justamente esse ambiente democrático e que o senhor tem empresa de comunicação digital, qual a sua avaliação sobre a proposta batizada como PL das Fake News? Qual é o limite entre o combate à desinformação, praticada por meio de mentiras ou informações fora de seu contexto, e o cerceamento à liberdade de expressão? 

MM: Nós precisamos, em qualquer tipo de regime, ter muito cuidado com as legislações, porque elas podem virar não um instrumento de Estado, e, sim, um instrumento de governo. Usa-se legislação para perseguir A, B ou C, enquadrando essas pessoas na legislação que estabelece as normas de registro do que é aceitável e do que não é. Regimes autoritários tendem a fazer esse tipo de controle, com o qual é preciso ter muito cuidado. A princípio, sou contrário a esse tipo de proposta. Acredito muito no bom senso e no caráter das pessoas. Por outro lado, as fake news sempre existiram, antes como boato, mentira. Com a revolução tecnológica, em nosso mundo, todo digitalmente conectado, as notícias falsas correm muito mais rápido do que as verdadeiras. Esse é um dos grandes desafios. Como a sociedade pode ficar protegida da difusão de notícias falsas? Não tenho resposta ainda. Acredito que, com o desenvolvimento da inteligência artificial e de várias ferramentas ao longo do tempo, conseguiremos não acabar com fake news, mentiras, mas fazer com que elas não afetem tanto a opinião pública, nem sejam aceitas de forma gratuita. Com o avanço da tecnologia e acesso cada vez maior, as pessoas ficam sujeitas a fake news, mas também à educação, ao aprendizado. Elas tendem a ter um preparo intelectual maior, capaz de distinguir o falso do verdadeiro - aquilo que é crível daquilo que não é crível. Sempre desconfio das coisas. O interesse do conjunto da sociedade é que a internet seja um meio de troca de ideias, e não de ataques e mentiras. Acredito que, com o tempo, isso vai melhorar. Não vai acabar, mas vai melhorar bastante. 

Acredito muito na autorregulação das mídias digitais.

PD: Parte da sociedade diz que haverá risco de retrocesso se a proposta for discutida em comissão especial, como defendem as empresas do setor de publicidade digital. O senhor acredita que o caminho é a autorregulação das plataformas de mídias digitais, que também já foi sinalizada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes?

MM: Acredito muito na autorregulação das mídias digitais. No próprio escopo da publicidade no Brasil, há órgãos que não são de Estado, mas que são autorregulatórios, assim como há os conselhos de medicina, a OAB e vários conselhos profissionais que, de certa forma, protegem e regulam a atividade dos respectivos trabalhadores e, eventualmente, punem. Na área da publicidade, por exemplo, existem várias limitações. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) age com muita ênfase e tem muita credibilidade. Praticamente, anúncios de tabaco não existem mais. Anúncios de bebidas alcoólicas são extremamente controlados. É autorregulação. São os profissionais de cada área, sérios e de boa-fé, que têm muito cuidado naquilo que estão fazendo. Por isso, prefiro realmente acreditar nesse caminho, na autorregulação, porque quando um negócio vem de cima para baixo, de fora para dentro, há o risco de ser transformado em instrumento de governo, instrumento de política, inclusive, de política econômica, de competição, que pode ser muito danoso, por favorecer os grandes.

PD: Caso o Estado regule as mídias digitais no Brasil, o senhor também vê risco de essa prática se estender para a regulação dos meios de comunicação?

MM: Exatamente. A princípio, a autorregulação é o melhor caminho, porque pressupõe que o cidadão tem direitos e deveres. Aqui no Brasil, as pessoas, quando se fala de cidadania, ficam muito preocupadas com a questão dos seus direitos, mas se esquecem um pouco dos seus deveres. Um cidadão tem que ser responsável, deve ter consciência de seus deveres para com o conjunto da sociedade, inclusive deveres no exercício da sua profissão, do seu trabalho. Acredito muito que, a princípio, a maior parte das pessoas têm senso de responsabilidade. 

Os desafios da miséria do povo brasileiro, da falta de educação, da falta de saúde, da falta de infraestrutura, da falta de transporte, da falta de segurança, são imensos, e não tem soluções fáceis ou triviais

PD: Na avaliação do senhor, neste momento, qual é o principal desafio do país, que derrotou nas urnas um candidato de extrema direita e que elegeu um presidente que promete ser mais progressista? Até que ponto o novo governo, na sua avaliação, de fato já está conseguindo governar?

MM: O meu medo é as pessoas ficarem decepcionadas ao verem entrevista com um humorista falando de coisas muito sérias e importantíssimas. Sou cria do antigo Partidão, do glorioso PCB, e isso muito me orgulha. Fui educado politicamente pelo Partidão e, por isso, tenho muito sintonia com o Cidadania, porque o vejo como o herdeiro político do antigo Partidão, com todos os seus defeitos e virtudes. Somos todos humanos. Tenho muitos amigos. Hoje sou liberal de esquerda, ou um social-democrata de esquerda, para ser mais claro - de que costumo ter uma visão da história como um todo. No Brasil, 5% da população vive parasitariamente de 95% do resto dos brasileiros, que sobrevivem em condições cada vez mais difíceis. Isso é uma questão histórica que precisa ser rompida. Desses 5%, inclusive não é uma questão ideológica, dois terços deles são funcionários públicos municipais, estaduais ou federais. Para se ter uma ideia, grande parte do empresariado brasileiro é dependente do Estado. No total, 40% do PIB brasileiro vêm do Estado. Esse sistema, que no Brasil já é secular, precisa ser rompido, porque é uma sociedade que não vai dar certo, principalmente dadas as mudanças que o mundo vem atravessando. Hoje o ser humano se confronta com uma questão fundamental, que se retroalimenta. É a questão da concentração de renda, cada vez maior e mais aguda. Outra questão preocupante é o desequilíbrio ambiental. A concentração de renda e o desequilíbrio ambiental se alimentam, e isso está colocando em risco, agora, a humanidade. É preciso romper com isso e inventar uma nova forma de viver, um novo modus vivendi, que eu não sei qual é. O socialismo real se mostrou disfuncional, o capitalismo também não responde às demandas da sociedade. Não tenho resposta para essa pergunta hoje. Essa é a pergunta que se coloca para a humanidade. O Brasil está inserido nesse contexto. Só que, como tudo no Brasil, as coisas são mais arraigadas. O Brasil é um dos países que têm a maior concentração de renda do mundo. Tem uma população enorme, imensa, que cada vez mais vive à margem da economia, à margem de tudo, e sobrevive com grande dificuldade. Em um país como o nosso, que tem dimensão continental, com recursos naturais enormes, isso é um despautério, um contrassenso. É preciso que a gente entenda e compreenda a necessidade de mudança, de modernização do Brasil. Cito sempre a obra de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, escrita em 1958. É um livro enfadonho, difícil de ler, mas quem consegue ler consegue realmente compreender o Brasil de hoje em dia. Porque o Brasil de hoje não tem nenhuma diferença do Brasil do Império, da República Velha ou de Getúlio Vargas. É um país injusto e excludente, onde a miséria de grande parte da população é cada vez maior. Se continuar a se repetir esse modelo, esse estado de coisas, não consigo ver nenhum final feliz para essa história. Pelo contrário, vejo possibilidade de desmantelamento, de colapso geral muito grande, haja vista, por exemplo, as manifestações de 2013. Chega-se à anomia, que é o desmantelamento, a ruptura, o tecido social se desmancha, mergulhando a sociedade num caos, e caos começa e não tem data para acabar. Lembro o exemplo do Haiti, que é o único país em que aconteceu exatamente isso no século 18 e até hoje, no século 21, não conseguiu se recuperar do caos social. Evidentemente, o Brasil é um país enorme, de dimensões continentais, e tem papel extremamente importante no mundo, mas isso não nos salva dessa perspectiva. O problema do Brasil é justamente isso. Brasileiros mais privilegiados têm que pensar sobre isso, meditar sobre isso profundamente e, como digo, é a obrigação do cidadão participar da vida política, da vida social, da vida comunitária, e perceber que, se a gente não fizer mudanças estruturais relevantes no país, isso tudo pode inviabilizar a própria nação brasileira. Isso é um problema grave. E é preciso que se debata isso, se examine esse assunto, porque eles não se limitam só às fronteiras brasileiras. Essas questões se impõem hoje para o mundo inteiro, para os povos da África, da Ásia, da Europa, do resto das Américas. A humanidade hoje tem desafios imensos, e a impressão que tenho do Brasil, principalmente da nossa classe dirigente, política, é que ela tem postura meio alienada dessas questões. Eles não conseguem, ou não querem, ver a complexidade e a profundidade dessas questões e ficam nas questões cotidianas menores, que não são nada frente aos desafios que temos que enfrentar. Os desafios da miséria do povo brasileiro, da falta de educação, da falta de saúde, da falta de infraestrutura, da falta de transporte, da falta de segurança, são imensos, e não tem soluções fáceis ou triviais. No Executivo, no Legislativo e no Judiciário, vejo limitação intelectual e falta de visão, de perspectiva histórica. Há um despreparo mesmo para enfrentar. Nem sequer passa pela cabeça deles. Não tenho ilusão em relação ao governo Lula - e votei no Lula. Mais que isso: fiz campanha para o Lula, apesar de ser um severo crítico de Lula e do PT. No entanto, sei compreender o movimento histórico. Nas últimas eleições, o que estava em jogo era a democracia. Fora da democracia, não temos salvação. Então, por isso, não só votei no Lula, como fiz campanha para o Lula. A batalha pelas instituições democráticas não é jogo jogado, não é caso encerrado. Ela se coloca ainda, na medida em que há hoje, no Brasil, uma extrema-direita muito maior do que imaginávamos, organizada, estruturada, que é muito maior do que a família Bolsonaro, infelizmente. Por isso, sou favorável à formação de uma ampla frente democrática. Sou contra o autoritarismo de extrema direita ou de extrema esquerda. Não tenho qualquer ilusão com relação a esse governo, fora de que ele garanta a existência do regime democrático. Do ponto de vista tático e estratégico, a luta pela democracia só vai ser feita por meio de uma ampla frente que abranja o maior número possível de pessoas, com diferentes pensamentos, mas que sejam efetivamente a favor do regime democrático. Meu grande temor é que o Brasil fique oscilando entre um governo não de esquerda, mas esquerdista, e um regime de extrema direita, fascista, totalitário, como o de Bolsonaro. Percebo que o caminho está no centro, a virtude está no centro, no equilíbrio, em romper essa polarização que existe não só no Brasil, mas no mundo inteiro, com ódio recíproco muito grande, e isso não é solução para nada. 

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Imagem: Site JoeFino

A Era da Desinformação Infinita, nas asas da Inteligência Artificial?

Por Gary Marcus* em The Atlantic | Tradução: Maurício Ayer

Novos sistemas de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, o mecanismo de pesquisa revisado do Microsoft Bing e o GPT-4, que segundo anunciado está prestes a chegar, capturaram totalmente a imaginação pública. O ChatGPT é o aplicativo on-line que cresceu mais rápido em todos os tempos, e não é de se admirar. Digite algum texto e, em vez de links da internet, você receberá respostas bem elaboradas, como em uma conversa, sobre qualquer tópico selecionado – a proposta é inegavelmente sedutora.

Mas não são apenas o público e os gigantes da tecnologia que ficaram encantados com essa tecnologia baseada em Big Data, conhecida como “modelo de linguagem grande”. Os delinquentes também tomaram conhecimento da tecnologia. No extremo, está Andrew Torba, CEO da rede social de extrema-direita Gab, que disse recentemente que sua empresa está desenvolvendo ativamente ferramentas de IA para “defender uma visão de mundo cristã” e combater “as ferramentas de censura do Regime”. Mas mesmo os usuários que não são motivados por uma ideologia sofrerão o impacto. A Clarkesworld, uma editora de contos de ficção científica, parou temporariamente de aceitar envios no mês passado, porque estava sendo alvo de spam de histórias geradas por IA – resultado de influenciadores que passaram a sugerir maneiras de usar a tecnologia para “ficar rico rapidamente”, conforme contou o editor da revista para The Guardian.

Este é um momento tremendamente perigoso: as empresas de tecnologia estão correndo para lançar novos produtos de IA, mesmo depois dos problemas com esses produtos terem sido tão bem documentados por anos a fio. Sou um cientista cognitivo e tenho como foco aplicar o que aprendo sobre a mente humana ao estudo da inteligência artificial. Também fundei algumas empresas de IA e estou pensando em fundar outra. Em 2001, escrevi um livro chamado The Algebraic Mind [A mente algébrica] no qual analiso em detalhe como as redes neurais – um tipo de tecnologia vagamente semelhante ao cérebro sobre a qual se assentam alguns produtos de IA – tendiam a generalizar demais, aplicando características de indivíduos a grupos maiores. Se eu contasse a uma IA naquela época que minha tia Esther havia ganhado na loteria, ela poderia concluir que todas as tias, ou todas as Esthers, também haviam ganhado na loteria.

A tecnologia avançou bastante desde então, mas o problema de base persiste. Na verdade, a integração da tecnologia e a escala dos dados que ela utiliza a tornaram pior em muitos sentidos. Esqueça a tia Esther: em novembro, Galactica, um modelo de linguagem grande lançado pela Meta – e rapidamente colocado offline – teria falado que Elon Musk morreu em um acidente de carro da Tesla em 2018. Mais uma vez, a IA parece ter generalizado demais um conceito que era verdadeiro em um nível individual (alguém morreu em um acidente de carro da Tesla em 2018) e o aplicou erroneamente a outro indivíduo que compartilha alguns atributos pessoais, como sexo, estado de residência na época e vínculo com a montadora.

Esse tipo de erro, que ficou conhecido como “alucinação”, ocorre desenfreadamente. Seja qual for o motivo pelo qual a IA cometeu esse erro específico, é uma demonstração clara da capacidade desses sistemas de escrever uma prosa fluente que está claramente em desacordo com a realidade. Você não precisa imaginar o que acontece quando tais associações falhas e problemáticas são desenhadas em cenários do mundo real: Meredith Broussard da NYU e Safiya Noble da UCLA estão entre os pesquisadores que têm repetidamente mostrado como diferentes tipos de IA replicam e reforçam preconceitos raciais em uma variedade de situações do mundo real, incluindo nos serviços de saúde. Modelos de linguagem grandes como o Chat GPT apresentaram vieses semelhantes em alguns casos.

No entanto, as empresas pressionam para desenvolver e lançar novos sistemas de IA sem muita transparência e, em muitos casos, sem verificação suficiente. Os pesquisadores que vasculham esses modelos mais novos descobriram todo tipo de coisas perturbadoras. Antes da Galactica ser tirada do ar, o jornalista Tristan Greene descobriu que dava para usá-la para criar minuciosos artigos em estilo científico sobre tópicos como os benefícios do antissemitismo e de comer vidro moído, inclusive com referências a estudos fabricados. Outros observaram que o programa gerou respostas racistas e imprecisas. (Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, argumentou que a Galactica não tornaria a disseminação online de desinformação mais fácil do que já é; em novembro, o porta-voz da Meta disse ao site CNET que a “Galactica não é uma fonte de verdade, é um experimento de pesquisa usando sistemas [de aprendizado de máquina] para aprender e resumir informações.”)

Mais recentemente, o professor da Wharton Ethan Mollick conseguiu que o novo Bing escrevesse cinco parágrafos detalhados e totalmente falsos sobre a “civilização avançada” dos dinossauros, cheios de fragmentos que soavam autoritários, incluindo: “Por exemplo, alguns pesquisadores afirmaram que as pirâmides do Egito, as linhas de Nazca do Peru, e as estátuas da Ilha de Páscoa do Chile foram realmente construídas por dinossauros, ou por seus descendentes ou aliados.” Apenas neste fim de semana, Dileep George, pesquisador de IA da DeepMind, disse que conseguiu fazer o Bing criar um parágrafo de texto falso afirmando que o OpenAI e um inexistente GPT-5 tiveram um papel no colapso do Silicon Valley Bank. Solicitada a comentar esses episódios, a Microsoft não respondeu imediatamente; no mês passado, um porta-voz da empresa disse que, “considerando que esta é uma prévia, [o novo Bing] às vezes pode apresentar respostas inesperadas ou imprecisas… estamos ajustando suas respostas para criar respostas coerentes, relevantes e positivas.”

Alguns observadores, como LeCun, dizem que esses exemplos isolados não são surpreendentes nem preocupantes: entre com um material ruim em uma máquina e ela produzirá um resultado ruim. Mas o exemplo do acidente de carro de Elon Musk deixa claro que esses sistemas podem criar alucinações que não aparecem em nenhum lugar nos dados de treinamento. Além disso, a potencial escala deste problema é motivo de preocupação. Podemos só começar a imaginar o que as fazendas de trolls patrocinadas pelo Estado, com grandes orçamentos e modelos de linguagem grandes personalizados podem produzir. Delinquentes poderiam facilmente usar essas ferramentas, ou outras parecidas, para gerar desinformação prejudicial, em escala gigantesca e sem precedentes. Em 2020, Renée DiResta, gerente de pesquisa do Stanford Internet Observatory, alertava que a “fornecimento de desinformação em breve será infinito”. Esse momento chegou.

Cada dia nos aproxima um pouco mais de um tipo de desastre na esfera da informação, no qual os delinquentes armam modelos de linguagem grandes, distribuindo seus ganhos ilícitos por meio de exércitos de bots cada vez mais sofisticados. O GPT-3 produz respostas mais plausíveis que o GPT-2, e o GPT-4 será mais poderoso que o GPT-3. E nenhum dos sistemas automatizados projetados para discriminar os textos gerados por humanos dos textos gerados por máquinas provou ser particularmente eficaz.

Já enfrentamos um problema assim com as câmaras de eco que polarizam nossas mentes. A produção automatizada em grande escala de desinformação ajudará na transformação dessas câmaras de eco em armas de guerra e provavelmente nos levará ainda mais longe nos extremos. O objetivo do modelo russo “Lança-chamas de falsidades” é criar uma atmosfera de desconfiança, favorecendo a entrada em cena de agentes autoritários; é nessa linha que o estrategista político Steve Bannon almejava, durante o governo Trump, “inundar a zona com merda”. É urgente descobrir como a democracia pode ser preservada em um mundo em que a desinformação pode ser criada tão rapidamente e em tal escala.

Uma sugestão, que vale a pena explorar, mesmo que provavelmente seja insuficiente, é colocar uma “marca d’água” ou rastrear o conteúdo produzido por modelos de linguagem grandes. O OpenAI pode, por exemplo, marcar qualquer coisa gerada pelo GPT-4, a próxima geração da tecnologia que alimenta o ChatGPT; o problema é que os delinquentes podem simplesmente usar outros modelos de linguagem grandes e criar o que quiserem, sem marcas d’água.

Uma segunda abordagem é penalizar a desinformação quando ela é produzida em larga escala. Atualmente, a maioria das pessoas é livre para mentir a maior parte do tempo sem consequências, a menos que estejam, por exemplo, falando sob juramento. Os fundadores dos EUA simplesmente não imaginaram um mundo em que alguém pudesse criar uma fazenda de trolls e divulgar um bilhão de inverdades em um único dia, disseminadas por um exército de bots pela Internet. Podemos precisar de novas leis para lidar com esse tipo de cenário.

Uma terceira abordagem seria construir uma nova forma de IA que pudesse detectar desinformação, em vez de simplesmente gerá-la. Modelos de linguagem grandes não são por si sós adequados para isso; eles não controlam bem as fontes de informação que usam e carecem de meios de validar diretamente o que dizem. Mesmo em um sistema como o do Bing, onde as informações são obtidas na internet, podem surgir inverdades quando os dados são alimentados pela máquina. Validar a saída de modelos de linguagem grandes exigirá o desenvolvimento de novas abordagens para a IA que centralizem o raciocínio e o conhecimento, ideias que já foram mais valorizadas, mas atualmente estão fora de moda.

A partir de agora, será uma corrida armamentista contínua de movimentos e contra-ataques. Assim como os spammers mudam suas táticas quando os anti-spammers mudam as suas, podemos esperar uma batalha constante entre os delinquentes que se esforçam para usar modelos de linguagem grandes para produzir grandes quantidades de desinformação e os governos e corporações privadas tentando contra-atacar. Se não começarmos a lutar agora, a democracia pode ser dominada pela desinformação e consequente polarização – e isso pode acontecer muito em breve. As eleições de 2024 podem ser diferentes de tudo o que já vimos.

*Gary Marcus é um cientista, escritor e empresário. Seu livro mais recente é Rebooting AI. Este texto foi publicado em português no portal Outras Palavras.


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF

TSE cria grupo de trabalho com as plataformas digitais 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, se reuniu nesta quarta-feira (1º) com representantes de plataformas digitais e redes sociais para agradecer o trabalho desenvolvido nas Eleições 2022 e ressaltar a importância de uma atuação conjunta para o combate à desinformação. As empresas são parceiras do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação.

Ao final do encontro, por sugestão de Moraes, será criado um grupo de trabalho conjunto para apresentação de propostas de melhoria da autorregulação e para o encaminhamento de sugestões de regulamentação ao Congresso Nacional.

Participaram da reunião realizada no edifício sede do TSE, em Brasília, representantes das plataformas digitais Tik Tok,  Twitter, Meta (WhatsApp, Facebook e Instagram), Telegram, YouTube, Google e Kwai. O grupo aproveitou para informar ao ministro sobre as ações das mídias para impedir a replicação de notícias falsas pela internet, as ações de controle das plataformas e reafirmar o compromisso na construção de iniciativas em conjunto com a Justiça Eleitoral.

Moraes destacou a importância de as empresas atuarem no sentido de prevenir e coibir a disseminação de discursos de ódio, incitação à violência e atentados contra a democracia e as instituições na internet.

Segundo ele, a vivência durante o período eleitoral no combate à desinformação possibilitou, tanto da parte das plataformas quanto da Justiça Eleitoral, a certeza de há necessidade de uma cooperação maior, “uma via de mão dupla”. “Precisamos aproveitar a experiência nessa intensidade vivida, uma vez que nenhum país teve a intensidade de ataques pelas redes que o Brasil teve nas eleições e depois no dia 8 de janeiro, que foi o ápice de ataques ao Estado Democrático de Direito”, destacou Moraes.

O presidente do TSE afirmou que o objetivo do encontro é construir dois planos distintos: o primeiro em torno de uma melhoria na autorregulação das plataformas, e o segundo visando a apresentação de proposta conjunta de pontos importantes como contribuição à regulação que está sendo definida pelo Congresso Nacional.

“Não tenho dúvidas de que, se não for algo construído em conjunto e, principalmente, com base na autorregulação das próprias plataformas, a chance de ser eficiente é muito pequena”, ressaltou.

Filtros

De acordo com o presidente do TSE, duas questões são importantes dentro dessa definição, que deve sempre garantir a liberdade de expressão. A primeira é aproveitar o que as próprias plataformas têm de mecanismos e ferramentas para a realização do autocontrole em alguns temas, como por exemplo pedofilia, pornografia infantil, e ampliar para o controle de discurso de ódio e atentados antidemocráticos.

O segundo ponto importante é fixar o nível de responsabilidade das plataformas, principalmente para os conteúdos onde há monetização e impulsionamento pelos algoritmos.

Participantes

Além do presidente do TSE, representaram a Justiça Eleitoral na reunião o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, as ministras Isabel Gallotti e Maria Claudia Bucchianeri e o ministro André Ramos Tavares, além do secretário-geral da Presidência do TSE, José Levi, e assessores diretos do presidente.

O Programa

O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do TSE conta atualmente com mais de 150 parceiros, como redes sociais e plataformas digitais, instituições públicas e privadas, entidades profissionais, entre outras entidades. Criado em agosto de 2019, o programa tem como finalidade prevenir e combater a disseminação de notícias falsas e desinformação sobre o processo eleitoral, principalmente na internet.

Em agosto de 2021, o programa se tornou uma ação permanente do TSE. Os parceiros dividem com a Justiça Eleitoral as seguintes atribuições: monitorar notícias falsas, combatendo a desinformação com informação correta sobre a questão abordada; ampliar o alcance de informações verdadeiras e de qualidade sobre o processo eleitoral; e capacitar a sociedade para que saiba identificar e denunciar conteúdos enganosos.

Fonte: TSE


Fernando Cerimedo durante sua participação na audiência pública | Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Bolsonaristas usam Senado para reciclar mentiras e atacar urnas, STF e TSE

Maiquel Rosauro*, Lupa

Bolsonaristas transformaram uma audiência pública no Senado, na quarta-feira (30), em palco para espalhar desinformação e pedir, abertamente, um golpe de estado. Lideranças ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL) usaram uma reunião da Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), supostamente para discutir a fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais, para renovar ataques às instituições, mentir sobre o processo eleitoral e pedir às Forças Armadas para que inviabilizem a diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A audiência foi conduzida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que propôs a realização do encontro. Apesar do tema bastante específico — e alvo de uma ação malsucedida da campanha de Bolsonaro na reta final do segundo turno —, o senador cearense aproveitou a ocasião para dar espaço a parlamentares e influenciadores que buscavam atacar as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um dos participantes foi o argentino Fernando Cerimedo, que ingressou de forma virtual. Ele voltou a mentir que nem todos os modelos de urna foram auditados. Essa informação é flagrantemente falsa e já foi desmentida em detalhes pela Justiça Eleitoral.

O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, defendeu o relatório produzido para o Partido Liberal (PL) que apontou falha nas urnas. O estudo diz que parte das urnas teria gerado arquivos de log (registros de atividade do sistema) em que não constam seus próprios códigos identificadores. Contudo, a falha não impacta a votação, já que as urnas, além do log, também contam com o Registro Digital do Voto (RDV) e o Boletim de Urna (BU).

Vários deputados aproveitaram a ocasião para afirmar, sem nenhum embasamento, que os resultados das urnas podem ter sido fraudados. Marcelo Moraes (PL-RS), por exemplo, disse que o relatório produzido pelas Forças Armadas mostra que "sim, é possível alterar o resultado nas urnas" e que o TSE não entregou o código-fonte dos aparelhos. Ambas as informações são falsas. 

O relatório das Forças Armadas, entregue após o segundo turno, diz que “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento” (página 1), mas não apontou nenhuma evidência de fraude. Já o código-fonte foi analisado pelas Forças Armadas. Os deputados federais Gilson Fahur (PSD-PR) e Ubiratan Sanderson (PL-RS) também fizeram alegações falsas sobre supostas irregularidades nas urnas.

A audiência pública serviu, também, para atacar o TSE. O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) defendeu a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, na qual ele próprio é um dos autores, que visa investigar o STF e o TSE. O objetivo é tornar o processo uma CPI mista (ou seja, uma CPMI), para que as duas casas legislativas atuem na investigação.

Já o deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) acusou o TSE de parcialidade durante as eleições. Ele disse, por exemplo, que adversários do presidente puderam dizer que Bolsonaro era pedófilo e canibal. Contudo, o exemplo não é verdadeiro, já que o tribunal proibiu o uso eleitoral de vídeo que associa Bolsonaro ao canibalismo e mandou remover vídeo do PT que ligava Bolsonaro à pedofilia.

Inserções publicitárias

O ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal, Fábio Wajngarten, tratou do ‘radiolão’ – alegação da campanha de Bolsonaro sobre a não inserção de mídia do candidato em rádios do Nordeste. Ele disse que sua equipe foi profissional e que não houve falha no envio dos materiais, o que já foi contestado pelas rádios que afirmaram não ter recebido a propaganda

Wajngarten afirmou que a suposta falha ocorreu porque o TSE não fiscaliza se as rádios baixam os arquivos junto ao pool de emissoras. A legislação, contudo, é explícita ao dizer que a fiscalização é responsabilidade dos partidos e das coligações.

Chamou atenção dos parlamentares a ausência do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que foi convidado e respondeu ao colegiado que não participaria da audiência. No final do mês passado, ele disse que se arrependeu de ter feito a denúncia sobre as inserções nas rádios.

Golpismo declarado

Após mais de nove horas de audiência pública, a deputada federal Aline Sleutjes (PROS-PR), que tentou sem sucesso eleger-se senadora em 2022, sugeriu uma intervenção do Legislativo, sugerindo que a diplomação do presidente eleito, marcada para o próximo dia 12, não seja realizada. "Precisamos agir rápido, dia 12 tem uma diplomação que eles querem que aconteça. Nós não podemos deixar as coisas acontecerem até o dia 12 porque dia 12 já foi. Nós só temos 11 dias, senador, para vocês, aqui no Senado, fazerem a parte de vocês, para nós, na Câmara, fazermos a nossa parte e para as Forças Armadas fazerem a parte dela", declarou a deputada.

Outro lado

Lupa entrou em contato com Fernando Cerimedo, Marcelo Moraes e Gustavo Gayer. Os dois primeiros não retornaram, e a reportagem será atualizada se houver resposta. Gayer se limitou a enviar uma receita e não comentou sobre a audiência.

Texto publicado originalmente no portal Lupa.


Ação do PL contra urnas dá fôlego a protestos e fortalece fake news

Daniela Santos e Raphael Veleda*, Metrópoles

Quase um mês após as eleições, a desinformação continua a circular nas redes sociais e alimenta a atmosfera golpista de manifestantes que ocupam rodovias e portas dos quartéis das Forças Armadas. O relatório do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro, que contesta a confiabilidade de milhares de urnas eletrônicas virou combustível para a máquina de fake news e mantém viva a chama dos protestos.

Para o futuro, especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que o combate ao quadro de desinformação que preponderou nas eleições deste ano impõe um grande desafio à democracia brasileira.

A iniciativa recente da sigla de Bolsonaro – de ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontar supostos problemas na apuração do segundo turno – serviu para manter a mobilização de apoiadores que não aceitam o resultado da eleição e se reúnem nas ruas ou em grupos de aplicativos de mensagens.

A ação encabeçada pelo PL chegou aos bolsonaristas em um momento crítico, no qual as lideranças – e o próprio Bolsonaro – temiam que o início da Copa do Mundo desmobilizasse os atos de contestação da eleição.

Desde que a nova tática teve início, a produção de conteúdo nas redes sociais foi sustentada pelo assunto. Até com mais intensidade que a ação em si, a resposta dura do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, foi o que mais acendeu a chama dos bolsonaristas que não aceitam a derrota.

A multa de R$ 22,9 milhões, estipulada em resposta à ação, e a acusação de que houve “litigância de má-fé” por parte da coligação de Bolsonaro revoltaram a militância. Assim, os manifestantes passaram a madrugada de quarta (23/11) para quinta-feira (24/11) amaldiçoando Moraes; nesta data, eles também esperavam por uma reação do presidente ou das Forças Armadas.

Na manhã de quinta, a reunião fora da agenda do atual mandatário com os chefes das Forças Armadas ajudou a reforçar a esperança dos militantes e também a produzir muitas novas notícias falsas sobre intervenção militar.

Fluxo de desinformação

A situação atual mantém um fluxo ativo antes e depois das eleições. Um exemplo disso aconteceu no último domingo (20/11), quando bolsonaristas bombardearam as redes sociais com vídeos de urnas sendo retiradas do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). A narrativa era que a Justiça Eleitoral estaria “escondendo provas”. No entanto, o órgão informou que os equipamentos nem sequer foram usados no pleito.

O problema mostra que a praga da desinformação, que tomou conta das eleições de 2018 e se repetiu neste ano, não apresenta sinais de trégua para o futuro. Entre junho e outubro deste ano, o TSE encaminhou 22.667 alertas às plataformas digitais para que providências fossem tomadas. O número representa uma média de 170 publicações por dia.

Guerra informacional

O problema escalonou durante o segundo turno, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) travaram uma guerra que envolveu desinformação sobre fechamento de igrejas, maçonaria e até canibalismo. Ao mesmo tempo, os presidenciáveis tentavam, na Justiça, estancar o estrago causado pelas fake news.

Na reta final da eleição, o TSE ampliou o próprio poder de polícia para combater a circulação de informações prejudiciais ao processo eleitoral. Com a medida, a Corte passou a ter mais autonomia para agir e, entre outras determinações, obrigou as plataformas a removerem imediatamente as URLs, URIs ou URNs consideradas irregulares, sob pena de R$ 100 mil por hora.

Para os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, as eleições deste ano sinalizam a consolidação da desinformação como uma estratégia, o que deve se manter nos próximos pleitos.

A pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas Clara Almeida aponta que, embora haja avanços nos mecanismos de combate, o problema ainda é mais grave. Como parte dessas ferramentas, a especialista cita a Resolução TSE nº 23.671/2021, que incluiu a veiculação de notícias falsas ou descontextualizadas como conduta ilícita na campanha eleitoral, e o acordo com as plataformas. No entanto, o impacto dessas iniciativas ainda é incerto.

“É difícil a gente sentir o quanto essas medidas trouxeram de benefício, porque a desinformação continua ocorrendo em todas as plataformas. O TikTok, por exemplo, fez uma parceria com o TSE, mas, se você pesquisar ‘fraude’ no aplicativo, o primeiro resultado é sobre fraude nas urnas. Então, eu não acredito que a gente tenha tido um resultado muito positivo”, pontua a pesquisadora.

Otávio Catelano, cientista político e pesquisador da Unicamp, destaca que, em 2022, uma das principais novidades no campo da desinformação foi a entrada de grupos de esquerda nesse tipo de estratégia, que é dominada pela extrema direita.

“A gente teve algumas figuras da esquerda, do centro, ou mesmo da direita que chegaram a apoiar a candidatura do Lula e tentaram fazer campanhas coordenadas. Não necessariamente com base em notícias falsas, mas com coisas que deixavam aquela pulga atrás da orelha do eleitor do Bolsonaro”, explica. Como exemplo, ele menciona o vídeo de Bolsonaro em uma loja maçônica; a gravação viralizou e tinha o objetivo de desgastar a imagem do então candidato à reeleição com o público evangélico.

“Eles conseguiram atingir a campanha do Bolsonaro de maneira que ele precisou precisou fazer toda uma organização para superar essa barreira dentro da eleição. Diferentemente do que aconteceu em 2018, quando Bolsonaro atacou o tempo todo e com notícias obviamente falsas: a madeira erótica foi o grande símbolo da eleição de 2018. Agora tentaram emplacar o banheiro unissex, mas também passaram mais tempo tentando recuperar a imagem do que tentando desgastar oponente.”

“Foi uma forma que os candidatos de esquerda tiveram para tentar, digamos, ‘jogar de igual para igual’ com o adversário”, avalia a pesquisadora da FGV Clara Almeida. “O que eu, particularmente, não acho nem um pouco benéfico ao sistema democrático” completa.

Catelano corrobora a tese: “A esquerda desenvolveu uma forma de não perder tão feio nas redes sociais”.

Futuro

Os especialistas apontam que a desinformação continua sendo um desafio a ser enfrentado nas próximas eleições. O professor da Unicamp ressalta que, por mais que a Justiça Eleitoral tenha buscado respostas para o problema, é preciso um esforço maior das plataformas. Além disso, a questão também abrange a forma como as pessoas consomem conteúdo nas redes sociais.

“As pessoas não acreditam nem mudam de opinião a partir de uma notícia descaradamente falsa. Elas tendem a acreditar em notícias que reforçam suas posições políticas anteriores”, esclarece.

“O TSE fez o que estava ao seu alcance durante o período eleitoral, mas isso não compete à Corte, compete à informação, à educação digital. É algo que está fora do alcance. Isso pode fazer com que, nessas tentativas de combater, o TSE desgaste ainda mais sua imagem”, avalia.

A pesquisadora da FGV sustenta que um caminho possível é a regulação das plataformas para impedir os algoritmos de recomendar conteúdos prejudiciais. “Enquanto a gente não tiver uma regulação que alinhe esses incentivos das plataformas com o interesse público, com o sistema democrático, isso vai continuar acontecendo”, afirma.

Ao mesmo tempo, Catelano acredita que a mudança nas plataformas deve vir acompanhada de um processo educativo da população. “O esforço mais possível e necessário é a educação e o letramento digital. A população deve aprender como a gente pode usar a internet de forma consciente e menos pautada pelo ódio”, defende.

*Texto publicado originalmente no site Metrópoles


O QG lulista contra as fake news

Folha UOL*

Ao assumir a assessoria jurídica da campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, este ano, o advogado Cristiano Zanin, que também defendeu Lula nos processos da Lava Jato, tinha uma preocupação: como enfrentar e brecar os ataques das redes digitais do presidente Jair Bolsonaro contra o candidato petista. A experiência de 2018 deixara clara a eficiência das redes bolsonaristas. Zanin, portanto, não tinha dúvida de que as redes seriam uma grande ameaça a Lula, pois era claro que os adversários usariam perfis espalhados por várias plataformas para propagar notícias falsas, criar terror entre os eleitores e, principalmente, reforçar o fato de o ex-presidente ter sido condenado e preso, embora o advogado tivesse conseguido reverter todas as 26 condenações.

Zanin estava convicto de que somente o trabalho jurídico não daria conta de vencer o ataque digital. Para enfrentar a guerra em condições de igualdade era preciso mais: montar um contra-ataque mais eficiente do que a ação do adversário.

Discretamente, como é do seu feitio, o advogado foi buscar para essa tarefa aquele que não apenas tinha um grande conhecimento em estratégia de redes sociais mas, ainda por cima, conhecia o modus operandi do adversário, por ter trabalhado com ele na eleição anterior. Tratava-se de Marcos Carvalho, estrategista em marketing digital e presidente da agência AM4, responsável pela bem-sucedida campanha digital de Bolsonaro em 2018. Logo após a eleição, contudo, Carvalho foi defenestrado pelo então presidente que ajudara a eleger em razão do ciúme que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, tinha do profissional.

Carvalho entrou para a campanha de Lula logo no começo de agosto. Após conversas com Zanin, os dois decidiram montar uma sala de monitoramento de redes sociais. Zanin e Carvalho passaram a trabalhar em permanente parceria. O advogado sabia que, para poder agir, entrando com ações rápidas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra os ataques digitais das redes bolsonaristas, teria que estar muito bem amparado por informações que comprovassem a disseminação de conteúdos falsos – algo que já vinha ocorrendo antes mesmo do início da campanha.

O quartel-general petista contra fake news foi instalado numa sala no terceiro andar de um prédio na Rua Padre João Manuel, nos Jardins, em São Paulo, onde, coincidentemente, funcionam tanto o escritório do advogado quanto o do marqueteiro. Na sala havia apenas uma grande mesa retangular ao centro e cinquenta monitores cobrindo uma parede inteira. Por meio deles, dez analistas da empresa de Carvalho acompanhavam, minuto a minuto, o que era disseminado em páginas e perfis de seguidores do presidente na internet. “Essa tela fazia o raio X das redes para entender o que estava acontecendo”, contou Zanin, por telefone, no dia 28 de outubro, enquanto seguia de carro para o estúdio da Globo, no Rio de Janeiro, onde se daria o último debate entre Bolsonaro e Lula.

Zanin acabara de chegar de Brasília para acompanhar o debate, após passar a madrugada e a manhã daquele dia entrando com os últimos recursos no TSE para barrar nova leva de postagens de notícias falsas contra Lula. E contou, entusiasmado, como se deu o trabalho para enfrentar o exército digital do adversário.

 “Montamos uma sala de altíssima tecnologia com expertise de quem tinha passado pela eleição de 2018”, disse. “Toda essa experiência se somou a outros profissionais que também nos deram suporte relevante.” E detalhou: “Foi um conjunto de advogados e experts na área de estratégia digital que nos permitiu ter a compreensão de como funcionava esse sistema e contra-atacá-lo na sua essência, notadamente na produção de material falso.”

Monitorando o que estava bombando nas redes adversárias, os advogados entravam com pedido de liminar junto ao TSE e com ações junto às plataformas denunciando a disseminação de fake news. Com base nas liminares concedidas pelo TSE, a equipe jurídica conseguia a desmonetização nas plataformas, como Twitter, YouTube, TikTok e Instagram – ou seja, cortavam os recursos financeiros –, das páginas que distribuíam conteúdo falso. “Ao se desmonetizar esses canais, cortou-se na raiz boa parte da produção de fake news”, disse Zanin. “Elas não deixaram de existir, mas foi uma providência muito importante que teve um impacto significativo nesse ecossistema de desinformação.” 

Proibidos de receber remuneração pela reprodução de material falso, para serem difundidos por vários perfis, os produtores desse tipo de conteúdo viram seu financiamento secar, principalmente no YouTube. Financeiramente, já não compensava seguir adiante com as fake news.

Os escritórios de Cristiano Zanin e de Eugênio Aragão entraram com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra propagadores de informações falsas. A decisão do TSE puniu perfis como os de Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro, filhos do presidente; Kim Paim, youtuber bolsonarista; Nikolas Ferreira, vereador por Belo Horizonte e deputado federal eleito; Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e candidato a deputado federal; o influenciador Leandro Ruschel; o youtuber Bernardo Küster; o jornal Gazeta do Povo; Filipe Martins, assessor internacional do presidente; Terra Brasil Notícias; o perfil @Patriotas; as deputadas Carla Zambelli e Bia Kicis. De acordo com a ação, esses perfis acumulavam milhões de seguidores apenas no Twitter, sem considerar as demais plataformas. O monitoramento mostrou que só em julho esses perfis publicaram 434 tuítes associando o PT ao PCC e à morte de Celso Daniel. Em agosto foram 103; em setembro 101, caindo para 34 em outubro graças às ações dos analistas e advogados da campanha de Lula.

O quartel-general petista antifake news foi instalado em São Paulo. Dez analistas acompanhavam, minuto a minuto, o que era disseminado em páginas e perfis de seguidores de Lula na internet

De acordo com Zanin, a narrativa de associar Lula ao crime não nasceu organicamente, mas fez parte da estratégia final da campanha de Bolsonaro. Entre o dia do debate e a véspera do primeiro turno, segundo apurou o site de checagem Aos Fatos, Bolsonaro atribuiu a Lula a pecha de criminoso em ao menos 34 ocasiões. Antes dos conteúdos serem retirados, a desinformação já havia chegado a 1,7 milhão de pessoas apenas no YouTube da Jovem Pan e alcançado 38 grupos de WhatsApp e Telegram monitorados.

Zanin explicou que o trabalho conjunto do seu escritório – que trabalhou na defesa de Lula desde o início da Lava Jato – e o de Aragão, que já tinha tido experiência com o enfrentamento de fake news nas eleições de 2018, ajudou muito no contra-ataque deste ano. “Essa visão multidisciplinar que usamos na defesa de Lula na Lava Jato foi levada para essa equipe conjunta”, disse. “Um dos aspectos que sempre nos intrigou foi como fazer um combate às fake news, que foi um problema em 2018 e que seria também nestas eleições.” O TSE, disse ele, já tinha sinalizado que essa era uma grande preocupação para a campanha de 2022.

O que mudou em relação a 2018 foi que os advogados perceberam que, além da parte jurídica, precisariam de suporte da parte digital, o que não ocorreu na eleição passada. Era necessário que tivessem com eles uma expertise em redes sociais. “Conversando com o Marcos Carvalho, surgiu esse trabalho comum”, disse Zanin. “Ele nos subsidiou com muitos dados das redes que foram importantes para ganharmos essa guerra.” A equipe de Carvalho, segundo Zanin, acompanhava com precisão não só o que circulava de notícias falsas e desinformação. Mas permitiu traçar um caminho de como essas fake news estavam se reproduzindo e quais os perfis que estavam sendo relevantes na produção e disseminação da desinformação. “A gente tinha ali movimento permanente, desde o início da campanha. Era um trabalho multidisciplinar para se acompanhar o caminho de circulação das fake news e, dessa forma, nortear uma atuação estratégica para combatê-las.”

Explicou que esse norteamento era importante porque não adiantava levar ao tribunal qualquer assunto e qualquer perfil. Precisava estar tudo muito comprovado. “Na reta final, o resultado desse trabalho com o Marcos e outros profissionais nos permitiu mapear a cadeia organizada de perfis que produzem e disseminam fake news montando, assim, o ecossistema de desinformação que serviu para a ação de investigação eleitoral.” Com esse mapa da desinformação, o TSE mandou desmonetizar vários sites que atuavam na produção de conteúdo falso.

O dia a dia da caça às fake news era tenso. Os escritórios recebiam as informações dos analistas e entravam imediatamente com representação no tribunal para derrubar o material falso. Descobriram que vários perfis tinham os mesmos atores envolvidos, e isso chamava a atenção. Perceberam, assim, que não era algo casual e circunstancial. Era, na verdade, um modelo de operação, produção e divulgação de notícias falsas, que resultou na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida pelos escritórios de advocacia contra a campanha de Bolsonaro. De acordo com Zanin, a campanha de Lula ganhou dezenas de ações que derrubaram um número infindável de links e perfis do presidente, de seus filhos e apoiadores. Levantou-se um conjunto de teses bolsonaristas que foram declaradas falsas pelo TSE, tais como ligações com o crime organizado, aborto, banheiro unissex. Todas elas eram replicadas da mesma forma por uma rede de apoio a Bolsonaro.

Essa estratégia por parte da campanha petista falhou em 2018 porque havia dificuldade de se fazer uma cadeia probatória. Havia uma certa limitação tecnológica para se compreender o modelo e atacá-lo com uma ação mais potente, que é essa AIJE. “A somatória de análises jurídicas junto com análise de estratégia digital ajudou na compreensão plena e na elaboração dessa ação que culminou na desmonetização dos perfis e das páginas.”

Zanin diz que é fundamental a modernização da advocacia. “Para ter ações na justiça com resultados é preciso uma cadeia probatória robusta. Se na parte digital não houver experts que deem um suporte para advocacia é muito difícil fazer frente e descobrir os ilícitos no mundo digital.” Para ele, cada vez mais a advocacia precisará ter uma visão multidisciplinar, contemplando vários ramos de direito, além de buscar suporte tecnológico.

O advogado está seguro de que o trabalho de rastrear o ecossistema das fake news, que teve a colaboração da pesquisadora Fernanda Sarkis, foi fundamental para desarmar Bolsonaro. Disse que houve uma reação grande da campanha adversária em razão da vitória que a campanha de Lula obteve nesse universo digital e que serviu para derrubar muito material espalhado pela rede que sustentava essas teses bolsonaristas baseadas na desinformação. “Eu não tenho dúvida de que as ações abalaram bastante a estrutura dessa rede de notícias falsas que sustentaram a campanha bolsonarista em 2018.”

O marqueteiro e estrategista digital Marcos Carvalho não esconde seu entusiasmo com o resultado da campanha. Não apenas por ter desmontado, em parte, a estrutura bolsonarista nas redes. Mas também por entender que, com isso, fez justiça de alguma forma ao amigo Gustavo Bebianno – personagem chave da campanha de Bolsonaro em 2018 que, após “ter dado o sangue” para eleger o capitão, foi escorraçado pelo presidente menos de dois meses após a eleição. Carvalho não esconde sua decepção: “Bolsonaro não é líder de nada. Para mim, ele é um mistério. Eu até entendo que uma pessoa com pouca instrução e baixa escolaridade virasse massa de manobra dele nas redes. Mas ver médicos, advogados, liderados por esse sujeito, isso é incompreensível para mim.”

Carvalho estava exultante também com o fato de ter trabalhado em duas campanhas vitoriosas seguidas: a de Bolsonaro em 2018, e a de Lula agora. Diz que a eleição de 2022 foi ganha no detalhe e cita alguns exemplos. “Os adversários não conseguiram emplacar nada muito forte nas redes porque nós conseguimos desarmar antes. A história da perseguição às igrejas foi forte. Mas não se sabe se em função das redes ou das igrejas evangélicas, que trabalharam dentro dos templos”, disse. “Eles não tiveram grande êxito porque desarmamos muitas bombas.”

Outro exemplo citado por ele foi a prisão de Roberto Jefferson, ponto de desgaste para Bolsonaro. Para tirar a notícia do foco, a campanha bolsonarista tentou criar um fato novo, o das rádios que não veiculam a propaganda eleitoral gratuita bolsonarista, mas cuja tese não se sustentou.

Outra iniciativa das redes bolsonaristas – que foi percebida e imediatamente comunicada a Zanin – foi a visita de Lula ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas na Zona Norte carioca. Logo as telas da sala de “situação”, como ele se refere à sala de monitoramento de rede, captaram a mentira que vinha sendo espalhada nas redes: a de que Lula tinha tido apoio de traficantes para organizar o evento. Os advogados imediatamente entraram com ação no TSE. “Nós monitorávamos todo o tempo o que estava sendo mais difundido. Identificávamos a falsidade do material e avisávamos o Cristiano, que logo tomava uma medida judicial. Era assim que funcionávamos. Operamos de forma conjunta e muito ágil”, conta.

Outro caso captado pelo sistema de monitoramento foi o dos padres expulsos da Nicarágua – notícia utilizada pelas redes bolsonaristas para dizer que Lula faria o mesmo no Brasil. “Eles queriam induzir o eleitor ao erro. Percebemos o impulsionamento nas redes e nos perfis bolsonaristas, e os advogados trataram de desmontar judicialmente.” Junto a isso, as plataformas eram notificadas pela Justiça e orientadas a desmonetizar essas redes. Assim, elas perdiam a força na produção de conteúdo falso. Um momento tenso na sala de monitoramento foi a entrevista de Lula no Jornal Nacional chamando parte do agronegócio de fascista. “Os bolsonaristas se aproveitaram demais dessa fala. Foi muito ruim para a campanha petista”.

As cinquenta telas da sala de situação, de acordo com Carvalho, monitoravam várias personalidades políticas por estado e por região – tanto aliados e eleitores de Lula como os do campo adversário. Os influenciadores de direita, políticos e youtubers bolsonaristas eram permanentemente analisados. Na sala havia cinco sistemas diferentes combinados e, com essas plataformas, os analistas catalogavam os influenciadores e verificavam o peso e a influência social de cada um para saber quais precisavam ser mais acompanhados. Também monitoravam os vários influenciadores que estavam abaixo desses, mas que ajudavam a difundir a informação mais rapidamente.

Através dos monitores, eles também classificavam os assuntos mais difundidos nas redes bolsonaristas dentro de alguns campos temáticos e regionais, como os influenciadores de educação, economia, meio ambiente, religião. A internet não tem fronteiras, mas tem um tipo de impacto diferente se o influenciador está no Centro-Oeste, no Sul, no Nordeste. “A direita faz isso muito bem. Ela sabe como utilizar o assunto que interessa mais a cada região”, explicou. Além disso, asseverou, toda vez que havia alguém da família Bolsonaro republicando algo que o influenciador falava, a proporção da mensagem e seu alcance cresciam exponencialmente, além de ratificar a informação. Assim, era fundamental agir imediatamente para bloquear a disseminação do conteúdo.

Carvalho contou que a campanha deste ano foi muito mais desafiadora que a de 2018, quando ele atuou ao lado de Bolsonaro. “Diferente de 2018, não havia TikTok nem Kwai. O Kwai, inclusive, tem um perfil de consumo curioso: 70% do público dessas plataformas está no Nordeste.” Com isso, a campanha bolsonarista tentou, através delas, furar a bolha petista na região. “Talvez o trabalho mais importante foi criar um muro de contenção para evitar que furassem nossa bolha.” Mas o trabalho foi árduo. De acordo com Carvalho, o Auxílio Brasil ajudou muito a furar bolha petista no Nordeste porque havia muito conteúdo circulando por essas duas plataformas. O Kwai, explicou o marqueteiro, é semelhante ao TikTok, só que com um público mais popular. Por isso, o poder de penetração dessa plataforma na bolha petista era muito forte.

Através do Kwai, os bolsonaristas traziam para a realidade dessa população, basicamente preocupada com economia popular, temas como a ameaça de o Brasil virar uma Venezuela, comunismo, fechamento de igrejas e o clássico tema ideologia de gênero de Bolsonaro. “Eles passaram a circular essas informações falsas numa rede popular com penetração enorme nas classes menos favorecidas”, informou.

De acordo com Carvalho, a ação do Judiciário em conjunto com o trabalho dos especialistas em rede e mais a desmonetização dos sites que produzem conteúdo falso foram um importante antídoto contra a difusão das fake news. “A internet não é um mundo sem lei, um mundo do anonimato, embora as pessoas acreditem nisso”, afirmou. “O erro das campanhas em 2018 foi achar que só poderiam combater a desinformação na própria rede. Mas não é assim. Somos regidos pela Constituição do mesmo jeito que todos os outros serviços.” O pulo do gato do Cristiano Zanin, afirma Carvalho, foi juntar inteligência, monitoramento de rede e ação jurídica veloz. “Foi com esse tripé que ele derrotou o exército digital de Bolsonaro.”

Texto publicado originalmente na Folha UOL.


Os bolsonaristas não tem mais nada a perder, nós temos | Foto: Gomez

A fossa bolsonarista

Suprapartidário*

Como avisamos desde sempre, mas agora está comprovado: o bolsonarismo é um esgoto a céu aberto. A eleição de Bolsonaro, em 2018, fez transbordar o que corria no Brasil subterrâneo desde a redemocratização, empoderando todo tipo de fanático e lunático, mas também muito cafajeste, oportunista, doente e mau caráter saudoso da ditadura.

Porque nem todos são idiotas, ignorantes ou desinformados nessa escória. Mais perigosos são os bandidos que criam deliberadamente as fake news, as mentiras e as teorias conspiratórias como estratégia criminosa para alimentar as milícias digitais. Há manipulados e manipuladores, e estes devem ser penalizados exemplarmente para que não se instaure o caos.

O presidente demente, agora derrotado nas urnas, é só um instrumento do ódio e da podridão moral e de caráter dessa direita mais tosca, tirana e golpista. O papel do Supremo Tribunal Federal na tentativa de atenuar o efeito deletério desse ataque kamikaze do bolsonarismo merece todo o respaldo da sociedade organizada e do mundo civilizado contra a barbárie.

Os bolsonaristas não tem mais nada a perder, nós temos. As nossas instituições democráticas, os preceitos republicanos e todo o ordenamento jurídico do estado de direito estão sendo colocados à prova pelo ataque orquestrado de um novo tipo de terrorismo ideológico canalha que se propaga pelas redes sociais e provoca surtos até então inimagináveis de histeria coletiva.

Veja o que acontece diariamente na Jovem Pan, por exemplo, para citar um desses núcleos terroristas da (des)informação. É uma sandice completa que se disfarça de “jornalismo” para influenciar o maior número de pessoas, que crêem nas mentiras respaldadas por “analistas” e políticos chapa-branca escalados para escamotear os fatos reais.

Como conter essas correntes de teses e notícias absolutamente fantasiosas, mentirosas, absurdas, insensatas e delirantes que se espalham pela bolha bolsonarista? Da reza perversa de Cassia Kis contra uma suposta ameaça comunista, das postagens de Regina Duarte e Silvia Abravanel contra o que elas chamam de satanismo esquerdista, da deputada pistoleira, do ex-deputado que joga granadas contra a polícia ou até mesmo do atentado fake ao candidato usado para sensibilizar a população?

Qual o limite disso tudo? Das manifestações (meio esquizofrênicas, meio circenses) que pedem “intervenção militar” para garantir a “democracia” e a “liberdade” do “povo brasileiro”? Dos ataques que não são mais a quem pensa diferente, mas a quem pensa, simplesmente. Raciocinar, refletir, pensar já é intolerável para o exército de zumbis bolsonaristas. Inimigos do bom senso, da inteligência e da vida. Cadeia neles!

Texto publicado originalmente no portal Surprapartidário.


Foto: reprodução

Fake news: entenda como funciona a fábrica de desinformação política no Brasil

Marina Pinhoni,* g1

Você sabe como as notícias falsas de política são criadas e qual caminho elas percorrem até viralizar nas redes sociais?

Um estudo realizado pelo NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que a campanha de desinformação no país está cada vez mais complexa e sofisticada, e conta com uma estrutura permanente de produção de conteúdo que é anterior ao período eleitoral.

"O que a gente está vendo em 2022 é bem diferente do que a gente viu em 2018, em termos de complexidade e de estratégia. É lógico que a desinformação sempre foi comum em qualquer eleição, mas com as plataformas, com as redes sociais, isso tem outra escala. Uma capacidade de segmentação", diz a coordenadora do estudo, Marie Santini.

Os pesquisadores apontam que, antes de ser disseminada para um número maior de pessoas, as fakes são testadas em grupos fechados e de nicho. A repetição da narrativa também é capaz de atingir as pessoas além das "bolhas" das redes sociais.

"A desinformação hoje funciona através de uma campanha permanente, onde você vai reduzindo a resistência das pessoas a determinadas narrativas e aumentando a resistência à checagem. A pessoa começa a ser bombardeada por diferentes fontes. Uma narrativa repetida muitas vezes tem o efeito de começar a gerar dúvida em outro público que não seria o segmento principal de uma estratégia de desinformação.”

Veja como funciona a fábrica de fake news:

Caminho das Fake News — Foto: Wagner Magalhães/g1
  1. Produção da narrativa: Os primeiros conteúdos geralmente são divulgados nos chamados sites de conteúdo duvidoso, chamados "junk news", e em vídeos do YouTube de canais com poucos seguidores.
  2. Teste de receptividade: A próxima etapa consiste em testar a aderência do discurso em grupos fechados de WhatsApp e Telegram.
  3. Bolhas e segmentos: O passo seguinte é distribuir o conteúdo em nichos por meio de grupos do Facebook e anúncios segmentados. Uma fake pode ser enviada para um grupo só de religiosos, por exemplo, e outra diferente para um grupo só com mulheres.
  4. Desinformação audiovisual: Na sequência, a informação falsa é transformada em uma peça audiovisual um pouco mais elaborada. Pode ser um vídeo curto ou mais longo, que será divulgado no InstagramTikTok e canais médios e grandes do YouTube.
  5. Campanha "Firehose": Depois que o conteúdo foi testado em diferentes contextos, começa a campanha massiva de distribuição multiplataforma. Ela é caracterizada pelo grande volume, rapidez, continuidade e repetição.

Texto publicado originalmente no portal do g1.


Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Censura? As decisões polêmicas do TSE sobre eleições, fake news e Jovem Pan

Shin Suzuki*, BBC News Brasil

Nesta quinta-feira (20/10), foi aprovada uma resolução afirmando que, em casos de fake news que já tenham sido consideradas irregulares pelos integrantes do tribunal, em decisão colegiada, a determinação de retiada do ar vale também para conteúdos idênticos que sejam replicados na internet.

Ou seja, se uma fake news idêntica a uma já julgada pelo TSE começar a circular, o presidente do tribunal pode ordenar que ela saia do ar sem a necessidade de uma nova ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial pedindo isso. 

O TSE também deu direitos de resposta a Lula em razão de falas ofensivas feitas por comentaristas da Jovem Pan contra o petista. O canal paulista, que dedica boa parte de sua programação diária a críticas ao ex-presidente, disse que foi censurado e orientou que não sejam ditos no ar termos como "ex-presidiário" e "ladrão" em referência a Lula.

Outra decisão que provocou discussão se refere a uma frase do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello que seria usada em uma peça eleitoral do presidente e candidato do PL Jair Bolsonaro e foi suprimida.

Veja abaixo pontos dessas decisões do TSE e o que falam especialistas em direito eleitoral e constitucional sobre o teor delas.

1. Mais poderes para o TSE retirar fake news

O TSE, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, não aguardará pedidos de solicitação de partes atingidas ou do Ministério Público para a retirada de desinformação da internet que já tenha sido alvo de decisão colegiada do tribunal e que esteja sendo replicada por outras pessoas e plataformas.

"Verificando que aquele conteúdo foi repetido, não haverá necessidade de uma nova representação ou decisão judicial, haverá extensão e imediata retirada dessas notícias fraudulentas", disse Alexandre de Moraes.

A resolução também reduziu o prazo para as plataformas retirarem conteúdo considerado enganoso do ar. Ao julgar um conteúdo problemático, a corte determinará sua remoção às plataformas no prazo máximo de duas horas. Esse prazo cai para uma hora de dois dias antes da eleição (que é no dia 30/10) a três dias depois.

Segundo Moraes, o objetivo é reduzir o tempo de informações inverídicas no ar. "Uma vez verificado pelo TSE que aquele conteúdo é difamatório, é injurioso, é discurso de ódio ou notícia fraudulenta, não pode ser perpetuado na rede", destacou o presidente do TSE.

Cada hora de descumprimento acarretará multa entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Se o mesmo conteúdo reaparecer em outros links e posts, sua derrubada deverá ser feita sem a necessidade de uma nova tramitação judicial.

Segundo a resolução, o "descumprimento reiterado de determinações" poderá levar à suspensão do acesso aos serviços da plataforma.

Sessão Plenária do TSE nesta quinta (20/10)
Sessão Plenária do TSE nesta quinta (20/10)

"Acho que isso mostra uma preocupação extrema do TSE nessa última semana de campanha. O TSE vê que daqui para frente vai ser na base do tudo ou nada. É elogiável querer proteger o eleitor contra fake news", afirma o advogado Alberto Rollo, especializado em direito eleitoral.

"Mas é discutível mudar a regra do jogo aos 40 minutos do segundo tempo."

Outro ponto que Rollo vê com reservas é a interpretação de que o TSE agirá "de ofício".

"Normalmente o juiz age quando é provocado pelo Ministério Público ou por alguém ofendido. A Justiça tem que agir só quando ela é provocada. Ela não pode tomar a dianteira", diz.

Vera Chemim, especialista em direito constitucional, estranha o "poder de polícia" da corte. "Qual é a função típica do Judiciário? É julgar. O poder policial é inerente ao Poder Executivo."

Mas ela vê responsabilidade do Legislativo sobre essa situação. "Deveria ter sido feita uma lei anteriormente disciplinando o tema. E quem cria a lei é o Legislativo, não o Judiciário."

Projetos que tratam de fake news e desinformação ainda estão sob análise no Congresso.

Amplamente usados na eleição de 2022 na disputa eleitoral, os anúncios políticos pagos para veiculação em redes sociais e sites deverão ser suspensos no período de 48 horas antes do dia da votação até 24 horas depois.

2. Decisão sobre a Jovem Pan

Na última segunda-feira (17/10), sessão do TSE concedeu mais três direitos de resposta à campanha de Lula após comentários considerados ofensivos ou distorcidos sobre ele proferidos na rede Jovem Pan.

Os comentaristas da emissora não poderão repetir que o ex-presidente mente e que não foi inocentado no processo da Lava Jato — sob pena de multa de R$ 25 mil. O pedido da coligação de Lula cita que foi falado no ar durante um dos programas que "o petismo é uma escória".

Além disso, foi também determinado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, investigar se há falta de isonomia da Jovem Pan em sua cobertura, com favorecimento a Bolsonaro.

A emissora divulgou comunicado interno proibindo que seus comentaristas usem termos como "descondenado" e "chefe de organização criminosa" em referência ao candidato petista.

Na quarta-feira (19/10), a Jovem Pan veiculou um editorial afirmando que "justamente aqueles que deveriam ser um dos pilares mais sólidos da defesa da democracia estão hoje atuando para enfraquecê-la e fazem isso por meio da relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, promovendo o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões".

"Não há outra forma de encarar a questão: a Jovem Pan está, desde a segunda-feira, 17, sob censura instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral."

A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) emitiu nota afirmando que vê receio de interferência na programação das emissoras por parte do TSE.

Alberto Rollo afirma que "rádios e TVs são concessões públicas e têm que cumprir a lei. Não é falar o que quer porque 'a TV é minha, a rádio é minha'. Concessão você tem regras, e a lei eleitoral diz que rádio e televisão não podem dar tratamento privilegiado em época de eleição. Ou seja, não pode falar só bem de um e só mal de outro".

Sobre as expressões proferidas pelos comentaristas da emissora, o advogado considera que "se algum dia eu fosse condenado por alguma coisa pela qual eu pudesse ser chamado de ladrão e o meu processo fosse anulado, estaria errado me chamar de ladrão empiricamente. Ladrão é aquele que foi condenado em transitado em julgado [quando não há mais possibilidade de recursos]."

"A mesma coisa a expressão 'ex-presidiário'. Juridicamente está errado porque Lula esteve preso preventivamente, não cumpriu pena de prisão."

Já Vera Chemim considera que a decisão "fere o direito à liberdade de expressão, de pensamento e de opinião. A Constituição garante esses direitos plenamente fundamentais. Ela atropelara o direito constitucional de comunicação".

"A despeito das críticas serem extremamente duras, ácidas e até grosseiras, elas se inserem no exercício da liberdade de expressão, ainda mais quando se trata da liberdade de comunicação social."

A especialista em direito constitucional vê censura na decisão. "A Constituição garante, posteriormente a uma ofensa, um direito de resposta e uma indenização por danos materiais e morais ou pessoal. Se aconteceu, existe esse mecanismo".

3. Decisão sobre fala de Marco Aurélio

O ministro Marco Aurélio Mello
O ministro Marco Aurélio Mello

Um trecho de 7 segundos de uma entrevista com o ex-ministro do STF Marco Aurélio, que seria veiculado em uma propaganda eleitoral de Bolsonaro na quarta (19), foi substituído por um QR Code que levava a um canal de tira-dúvidas eleitorais no WhatsApp e uma frase em que se lia "suspenso por infração eleitoral".

Na entrevista, concedida à Band, Marco Aurélio dizia: "O Supremo não o inocentou [Lula]. O Supremo assentou a nulidade dos processos-crime, o que implica o retorno à fase anterior, à fase inicial".

O corte do trecho foi feito com base em uma decisão do ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino proibindo que Lula fosse mencionado como "verdadeiro ladrão" e "corrupto" pelo locutor do programa de Bolsonaro, palavras que não foram usadas pelo ex-STF.

"Acho que aí o TSE errou, foi um exagero", diz Rollo.

"Lula realmente não foi absolvido. A Justiça analisa se tem prova ou não para condenar alguém ou decidir se foi absolvido. O caso da anulação da condenação foi porque a vara competente não era Curitiba, essa foi a questão."

Chemim afirma que a anulação da condenação diz respeito a "normas de caráter processual e não sobre o mérito" e também criticou a decisão do TSE sobre o spot eleitoral.

Marco Aurélio, ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que "os tempos são estranhos. Não podemos permitir censura a quem quer que seja".

À Folha de S. Paulo, o TSE informou que "a corte não pratica censura e que todas as decisões são avaliadas em casos concretos".

4. A situação do TSE nesta eleição

O ministro Alexandre de Moraes, que conduz o processo eleitoral à frente do TSE, declarou que houve um crescimento de 1.671% na divulgação de conteúdo considerado falso se comparado com a votação de 2020 e uma alta de 436% nos episódios de violência política via redes sociais em relação a 2018.

O tribunal vem tendo que lidar com desafios como a propagação de fake news sobre as urnas eletrônicas, a necessidade de garantir segurança ao eleitor em meio à votação mais tensa em décadas e a ameaça de violência na contestação do resultado das eleições.

"É um papel extremamente ingrato [para o TSE] nesse momento político que o Brasil vive, dividido meio a meio, em que se eu não concordo com a outra metade, acham que eu não presto, sou uma pessoa ruim", afirma Rollo.

"É um papel complicado, principalmente porque no processo do direito eleitoral não se pode decidir daqui a um ano, quando as coisas estiverem mais calmas. Tem que ser na hora e às vezes acaba errando."

O advogado recorda o caso do festival Lollapalooza, de março deste ano, em que o TSE proibiu expressão política após manifestações das cantoras Pabllo Vittar e Marina (antiga Marina and The Diamonds) durante os shows.

"Decidiu na hora, decidiu errado, voltou atrás depois. Mas a decisão tem que ser na hora."

O ministro Raul Araújo, autor da decisão, acabou por derrubar a própria liminar em que mandou censurar os atos no festival dois dias depois.

"Há agora um ambiente de tensão, tanto institucional quanto no que diz respeito a cidadão de maneira geral", diz Chemim.

"Mas acho que o TSE anda pesando a mão. Acho perigoso, na minha opinião, porque agilizar a remoção de notícias falsas para dar uma resposta rápida e repentina pode levar em algum contexto a uma sugestão de caráter antidemocrático."

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Foto: Pedro França/Agência Senado)

Globonews destaca que Lula busca apoio de Eliziane Gama para tentar conter fake news entre evangélicos

A jornalista Camila Bomfim, da Globonews, destacou nesta quinta-feira (06) que a campanha do ex-presidente Lula (PT) quer o apoio da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) para tentar combater a disseminação de fake news contra o petista entre os evangélicos no segundo turno da eleição presidencial.

“Integrantes do comitê petista avaliam que Eliziane Gama, evangélica e filha de pastor, pode atuar como uma “ponte” entre Lula e os evangélicos”, descata a reportagem.

Lula busca apoio da senadora Eliziane Gama para tentar conter fake news entre evangélicos

Senadora é evangélica e filha de pastor. Aliados de Bolsonaro têm disseminado fake news contra Lula entre evangélicos; TSE já determinou que conteúdo seja retirado do ar.

Camila Bomfim – GloboNews

A campanha do ex-presidente Lula (PT) buscará apoio da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) para tentar combater a disseminação de fake news contra o petista entre os evangélicos.

Integrantes do comitê petista avaliam que Eliziane Gama, evangélica e filha de pastor, pode atuar como uma “ponte” entre Lula e os evangélicos.

Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, têm disseminado fake news contra Lula entre evangélicos. Na última terça (4), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que o conteúdo seja retirado do ar.

O colunista do G1 Valdo Cruz informou que Bolsonaro tem como estratégia a chamada “guerra santa” para ganhar apoio entre os evangélicos.

Lula quer atuação ‘intensa’ da senadora

Diante desse cenário, o próprio ex-presidente Lula quer uma atuação “intensa” de Eliziane Gama entre os evangélicos.

A senadora deu declarações críticas a Bolsonaro durante todo a campanha eleitoral deste ano. Mas Lula quer colocar de pé é um plano estratégico para se fazer mais presente entre este público.

Segundo interlocutores do petista, Lula telefonou para Eliziane, e a senadora respondeu que gostaria de atuar como “ponte” entre ele e o eleitorado evangélico, mas que precisa “pactuar” esse plano, com compromissos do presidente e com as pautas das quais não abre mão.

Parlamentares evangélicos avaliam que o desempenho de Bolsonaro nesse segmento se deu porque, antes dele, os políticos tinham pouca ou nenhuma aproximação com os evangélicos.

E que ele ocupou esse espaço vazio, encampando a pauta de costumes, que é tão cara aos evangélicos e, principalmente, se fazendo muito presente e também por meio de Michelle Bolsonaro, evangélica atuante e forte cabo eleitoral do presidente nesse segmento.

Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


'Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos', diz pesquisadora

Eleições 2022: fake news sobre perseguição a evangélicos chegam a milhões via filhos e aliados de Bolsonaro

Julia Braun*, BBC News Brasil

As mensagens — compartilhadas não apenas por políticos influentes como também por usuários comuns — associam candidatos de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a falsos projetos para proibir pregação de pastores, criminalizar a fé evangélica e até retirar o nome de Jesus da Bíblia.

Outras fazem referência a casos reais de violência contra comunidades religiosas em países da América Latina, Ásia e África e alardeiam que isso pode ocorrer no Brasil.

"No cenário eleitoral e político brasileiro atual, isso se traduz em uma representação de Lula como um anticristão, enquanto que o Jair Bolsonaro é representado como um grande Messias", afirma Débora Salles, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e uma das pesquisadoras do NetLab responsável pelo relatório 'Evangélicos nas redes'.

O relatório monitorou perfis de influenciadores com grande alcance no segmento evangélico entre janeiro e agosto de 2022 e identificou os macro-influenciadores e perfis mais relevantes no terreno da desinformação de fundo religioso.

Entre eles, personalidades com ampla base de seguidores nas redes como o senador Flávio Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL); os deputados Marco Feliciano (PL) e Carla Zambelli (PL); e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

A BBC News Brasil analisou as redes sociais dessas seis figuras expoentes entre 6 de agosto e 6 de setembro e encontrou pelo menos 85 mensagens que usavam o temor de perseguição para "demonizar" adversários como Lula e Ciro Gomes.

Foram identificadas 14 postagens nas páginas do senador Flávio Bolsonaro, 11 nas do deputado Eduardo Bolsonaro, 2 na do vereador Carlos Bolsonaro, 8 nas de Carla Zambelli e 3 na do pastor Silas Malafaia no período. O campeão de postagens, porém, foi Marco Feliciano, com um total de 47 em apenas um mês.

Desse total, três mensagens chegaram a ser proibidas pelo TSE por "deturpar e descontextualizar" notícias a fim de gerar a "falsa conclusão no eleitor".

"Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos", diz a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais.

"As pessoas estão mais informadas em relação ao perigo das fake news do que estavam em 2018, quando muitos foram pegos de surpresa. Mas certamente esse tipo de desinformação com fundo religioso terá grande impacto no resultado", diz Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, especializado em checagem de notícias falsas com teor religioso.

Segundo pesquisadora, responsáveis pela produção e disseminação de desinformação com fundo religioso se aproveitam do crescimento da população evangélica para angariar votos

'Banir a religião cristã'

Uma das fake news compartilhadas nos perfis monitorados pela BBC News Brasil afirma que Lula editou um decreto para "banir a religião cristã" em 2010.

Trata-se de um vídeo que combina reportagens da Band e da TV Globo sobre o decreto conhecido pela sigla PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009.

Antes do vídeo, uma narração faz a seguinte pergunta: "Você sabia que em 2010 o presidente Lula assinou o decreto PNDH-3 para censurar a imprensa e banir a religião cristã e dar direito de posse da terra a invasores? Mas o projeto foi barrado pelo Congresso. Acha que se ganhar a eleição, ele não vai tentar novamente?".

A alegação é falsa. O documento assinado por Lula não cita qualquer tipo de banimento da religião cristã. O decreto, que ainda está em vigor, propõe justamente o inverso: incentivar a liberdade religiosa e combater a discriminação.

O documento também não prevê censura à imprensa ou dar o direito de posse de terra a invasores. O vídeo foi compartilhado em diversas redes sociais. No TikTok, uma das postagens tem quase 100 mil visualizações.

Ele também foi compartilhado pelo senador Flávio Bolsonaro em suas páginas no Facebook e Instagram no dia 19 de agosto e retuitado pelo deputado Eduardo Bolsonaro a partir de outro perfil no Twitter em 25 de agosto.

A BBC News Brasil entrou em contato com os dois filhos do presidente, mas eles não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta reportagem.

Nas postagens do senador Flavio Bolsonaro, entre comentários de 'Lula nunca mais' e '#bolsonaro2022', uma usuária escreveu: "Isso precisa ser divulgado em todas redes sociais". Uma outra versão da mesma notícia falsa foi postada pelo deputado Marco Feliciano no Facebook e Instagram em 20 de agosto.

Em 19 de agosto, Eduardo publicou no Twitter, Facebook e Instagram uma montagem afirmando que "Lula e PT apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos". Na mesma imagem, há recortes de notícias sobre a perseguição de religiosos na Nicarágua e de declarações do PT e de Lula sobre o presidente Daniel Ortega.

Após um pedido da campanha do petista, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou no início de setembro a remoção das publicações, que não estão mais no ar, por "deturpar e descontextualizar quatro notícias a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invasão de igrejas e a perseguição de cristãos".

A reportagem entrou em contato com a campanha de Lula, mas não obteve resposta.

Eduardo Bolsonaro já tinha recebido ordens do TSE para tirar do ar um vídeo que, segundo o tribunal, apresentava de forma descontextualizada e editada um material cujo objetivo era dizer que Ciro Gomes, candidato à presidência do PDT, prega a desarmonia entre as religiões.

A postagem afirma, entre outras coisas, que Ciro "comparou igrejas com o narcotráfico em 2018". "Os recortes são manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contrário à fé católica e odioso aos cristãos", escreveu o ministro Raul Araújo, do TSE, na decisão.

'Discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas'

As mensagens que fazem referência a uma ameaça de perseguição aos cristãos não estão apenas no Facebook, Instagram e Twitter. São compartilhadas também por usuários desconhecidos em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram, com muito menos controle das autoridades.

Segundo levantamento feito pelo Monitor de WhatsApp da UFMG a pedido da BBC News Brasil, a mensagem mais compartilhada nos mais de mil grupos públicos acompanhados na rede social desde o começo do ano e que contém expressões como 'cristofobia', 'destruir as igrejas' e 'intolerância religiosa' é também de ataque ao ex-presidente Lula.

A postagem diz, entre outras coisas, que o candidato "não tem apreço por pastores e militares, faz um verdadeiro discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas" e foi enviada um total de 19 vezes por 6 usuários distintos em 15 dos grupos monitorados pelos pesquisadores.

A segunda mais repostada, porém, também contém distorções, mas contra o presidente Jair Bolsonaro.

"O povo de Deus abandonou Bolsonaro e suas mentiras, ele é o enviado da morte, fome, desgraça e desemprego, que veio para destruir as igrejas evangélicas com política, e jogar irmão contra irmão", diz o texto, enviado 18 vezes por 3 usuários distintos em 10 grupos.

Fake news difundida no WhatsApp se refere a lei que proibiria a pregação religiosa

Entre as mensagens detectadas pela UFMG há ainda uma que se refere a uma suposta "lei de proteção doméstica" em debate no Senado Federal que proibiria a pregação religiosa. Ela foi enviada um total de 68 vezes por 49 usuários distintos e apareceu em 63 grupos.

A mensagem cita uma iniciativa debatida no Senado que teria como objetivo, entre outras coisas, determinar a prisão religiosa por pregações em horários impróprios e a sanção de congregações e fiéis. Segundo o coletivo Bereia, trata-se de uma notícia falsa, e não existe Projeto de Lei em discussão denominado "Proteção Doméstica".

O texto em tramitação mais próximo ao citado é o PL 524/2015, que está parado no Senado Federal e prevê estabelecer limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos, sem menção à prisão religiosa, proibição de pregações ou limitação da liberdade religiosa.

'Um alerta à igreja'

Mas nem todos os posts identificados pela reportagem são imediatamente reconhecidos como fake news. Enquanto alguns usam notícias ou declarações tirados do contexto com o objetivo de desinformar, outros simplesmente reproduzem o discurso que explora o temor de restrição à liberdade religiosa.

Um vídeo em que o ex-presidente Lula aparece falando justamente do crescimento das fake news religiosas e acusa algumas pessoas de "fazer da Igreja um palanque político" foi compartilhado com frequência no final de semana de 20 e 21 de agosto e associado a um ataque a pastores e igrejas.

"Tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem demônio sendo chamado de Deus e gente honesta sendo chamada de demônio", diz o petista na gravação feita durante um comício. Em seguida, ele afirma que, em um eventual novo governo seu, o Estado será laico. "Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo Estado laico, o Estado não tem que ter religião, todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado", diz

"Igreja não deve ter partido político, tem que cuidar da fé, não de fariseus e falsos profetas que estão enganando o povo de Deus. Falo isso com a tranquilidade de um homem que crê em Deus."

Ao ser compartilhado nas redes sociais, porém, o vídeo foi descrito como uma demonstração de ódio ou zombaria. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã. Desta vez, atacando o sacerdócio e a honra de padres e pastores. INACEITÁVEL!", escreveu a deputada Carla Zambelli.

A BBC News Brasil procurou Zambelli, que afirmou em nota que "existe, sim, uma ameaça à liberdade do Cristianismo no Brasil, e não podemos ignorar isso tão somente argumentando que vivemos em um país majoritariamente cristão".

"Os ataques ocorrem não apenas a templos e igrejas, mas a valores cristãos. A censura à manifestação religiosa é uma tática antiga de ideologias de esquerda, como no regime soviético, que taxou igrejas, proibiu a venda e circulação da Bíblia Sagrada e praticou diversas campanhas antirreligiosas", disse ainda a deputada, que é autora de um projeto de lei para ampliar a legislação sobre crimes contra a liberdade religiosa.

O vídeo também foi repostado por Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro e pelo deputado Marco Feliciano.

Carlos Bolsonaro não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem. Em nota, Feliciano afirmou que suas postagens não se tratam de fake news e que parte de "premissas incontestes" quando faz alertas sobre a ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.

"Desavisados, manipuladores e as esquerdas atribuem às ideias conservadoras como fake news. Numa narrativa rasa dos assuntos que não lhes convém! Quando eu publico um alerta ao povo que me elegeu, cristãos evangélicos e conservadores, eu parto de premissas incontestes!", disse Marco Feliciano em nota enviada à BBC News Brasil.

"Em todos os países em que a esquerda socialista-comunista tomou o poder à força ou pela urnas, quando não conseguiu uma Igreja subserviente, partiu para a mais atroz perseguição, como estamos assistindo na Nicarágua, que persegue a Igreja Católica expulsando freiras e fechando as emissoras de rádio cristãs, regime que tem muitos amigos por aqui (Brasil). Completo: não se trata de falso temor, mas da sabedoria popular: 'o seguro morreu de velho'".

Postagem na página no Instagram do deputado e pastor Marco Feliciano

Mas a professora Marie Santini, da UFRJ, afirma que mensagens como as postadas pelos filhos e aliados de Bolsonaro geram desinformação e alardeiam pânico sem apresentar evidências que justifiquem esse temor.

"Entendemos fake news como algo que parece jornalismo, mas na verdade é só propaganda. A desinformação é algo mais amplo, inclui teorias da conspiração, distorção de fatos, discursos de ódio e que citam a intolerância e o ódio, por exemplo", diz Santini.

Em alguns dos vídeos compartilhados pelo pastor Silas Malafaia, a reportagem também identificou o discurso classificado como desinformativo pelos especialistas e que trata, por vezes de forma implícita, da ameaça de perseguição aos cristãos.

Em um vídeo postado em seu canal no YouTube em 4 de setembro e compartilhado também em suas páginas no Facebook, Instagram e Twitter, o pastor faz um "alerta" à sua igreja e fala sobre um avanço "com toda força" contra os evangélicos.

"Ficamos chocados quando comunistas e ímpios rasgam a Bíblia e tacam fogo nela. E quando os crentes rasgam a Bíblia do seu coração apoiando gente que nos odeia e odeia nossos fundamentos e princípios?", diz Malafaia, no vídeo de cerca de 11 minutos.

"Eu estou dando um alerta, depois não chora. Porque meu irmão, vão vir em cima da igreja com toda força (...), porque nós somos o último guardião contra aquilo que eles creem e acreditam."

O vídeo tem mais de 150 mil visualizações no YouTube. Um trecho compartilhado no perfil de Malafaia no Instagram tem 84 mil curtidas.

A reportagem procurou o pastor Silas Malafaia, que afirmou que suas postagens não são fake news e que suas manifestações fazem parte de seu direito de expressão. "A minha fala não tem relação com perseguição. O que estou dizendo é que não podemos apoiar um candidato que é contra nossas crenças, valores e fundamentos", disse.

Como exemplos de medidas que corroboram sua visão, Malafaia citou a PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, como um projeto cujo objetivo era "botar padre e pastor na cadeia que impedisse que gays dessem beijo no pátio da igreja" e que foi apoiado pelo PT.

Em sua redação final aprovada na Câmara dos Deputados, antes de ser enviado ao Senado, a proposta citada pelo pastor não mencionava padres ou pastores. Um dos artigos previa pena de reclusão de dois a cinco anos para quem impedisse ou restringisse a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O projeto, porém, foi arquivado.

Malafaia disse ainda que, durante seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff "promoveu através do secretário Rachid da Receita Federal perseguição às igrejas". "Eu sou um que sofreu perseguição e multas violentas, de pura maldade", disse à BBC News Brasil.

'Cristofobia'

O uso do tema da perseguição a cristãos pela esquerda, porém, não é novo. O discurso remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez e apoiadores de Fernando Collor de Mello usaram o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que ele fecharia as igrejas para apoiar sua campanha.

A narrativa foi retomada com mais força mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo "cristofobia". Dentro das esferas evangélicas, o termo tem sido usado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente em locais onde eles são minoria. Bolsonaro usou a expressão em discurso na ONU naquele ano.

"Há alguns anos, eram mais comuns as postagens que identificavam casos de perseguição a cristãos no Oriente Médio, na China e em países ligados ao comunismo. As mensagens criavam um certo pânico em torno disso e chamavam os cristãos brasileiros para que tivessem solidariedade", afirma Magali Cunha.

"Mas de 2020 para cá, temos observado que se está trazendo para a realidade do Brasil esse tipo de abordagem."

Postagem do vereador Carlos Bolsonaro em seu canal no Telegram

O antropólogo Flávio Conrado é assessor de campanhas do grupo de pesquisa Casa Galileia e coordena um projeto de monitoramento de perfis cristãos nas redes sociais.

Segundo ele, a narrativa de perseguição religiosa tem objetivo de atingir especialmente os grupos evangélicos, mas em muitos momentos também acaba por chamar a atenção de católicos mais conservadores.

"Algumas das vozes por trás das postagens usam uma estratégia de se associar aos católicos e passam a falar em nome dos cristãos como um todo", diz. Para Conrado, o objetivo por trás da campanha de desinformação é usar o temor de um ambiente de perseguição para atrair votos.

De acordo com Débora Salles, o discurso de ameaça à liberdade religiosa dos cristãos também se mistura de forma intensa com uma outra narrativa que vem sendo difundida com frequência nas redes sociais — a de que existe uma "guerra" de valores morais entre evangélicos e a esquerda.

"Essas narrativas se baseiam em uma lógica populista em que tenta se criar a ideia de que há uma guerra político cultural em que os evangélicos deveriam se juntar pela defesa dos seus valores, que estão ameaçados por uma esquerda associada a instituições democráticas, à mídia tradicional e a figuras importantes do cenário cultural", explica a pesquisadora

Em alguns de seus vídeos para as redes sociais, o vereador mineiro Nikolas Ferreira (PL-BH) dá voz a esse discurso.

"Esse vídeo é um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo", diz ele em um vídeo de março, em que fala sobre uma "doutrinação" nas escolas e universidades e cita a criação de um exército pelo que define como "o inimigo" dos cristãos.

Em outra postagem, associa a campanha do ex-presidente Lula à ditadura da Nicarágua e à invasão de igrejas. "Essa galerinha de esquerda gosta de invadir uma igreja né? Imagina quantas igrejas não serão invadidas se o Lula estiver no poder?", diz no vídeo, que tem mais de 500 mil curtidas.

O vereador de 26 anos tem uma grande comunidade de fãs nas redes, com 3,1 milhões de seguidores no Instagram e 1,4 milhão no TikTok.

Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota à reportagem: "Eu não me baseei em achismo ou levantei meras suposições, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos países da América Latina. A perseguição já existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, está fechando rádios católicas e perseguindo fiéis na Nicarágua. Desinformar é dizer o contrário."

Segundo o antropólogo Flávio Conrado, também são comuns os conteúdos desinformativos que, por exemplo, associam o PLC 122/2006, projeto de lei chamado informalmente de "projeto anti-homofobia", apresentado em 2001 para punir criminalmente discriminação de gênero e de orientação sexual, com a perseguição a pastores e o fechamento de igrejas.

A proposta foi arquivada no final de 2014, mas em junho de 2019 o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989).

Em um vídeo compartilhado no início de agosto, o deputado Marco Feliciano afirma que pastores de todo o Brasil estão sendo perseguidos e processados por se recusarem a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo. "A liberdade de consciência e crença está em jogo. A Igreja precisa resistir!!!", escreveu na legenda.

Mas há ou não perseguição a cristãos no Brasil?

Todos os anos, a ONG internacional Portas Abertas, que auxilia cristãos que sofrem opressão por conta de sua religião, produz um ranking dos 50 países onde seguidores do cristianismo são mais perseguidos por causa de sua fé.

O estudo é feito a partir de relatos de incidentes de violência. Na edição de 2022 do ranking, os únicos países da América Latina citados como localidades onde há perseguição severa são Colômbia (30ª posição), Cuba (37ª) e México (43ª).

Há ainda uma lista de países em observação, que engloba outras 26 nações — entre elas estão Nicarágua (61°), Venezuela (65°), Honduras (68°) e El Salvador (70°). O ranking é elaborado anualmente e a edição atual foi feita entre setembro de 2020 e outubro de 2021, o que significa que a classificação de alguns países pode mudar na próxima publicação.

O governo da Nicarágua, citado em muitos dos conteúdos desinformativos identificados pela reportagem, tem sido, de fato, denunciado por repressão à Igreja Católica no país. A tensão entre o Executivo do presidente Daniel Ortega e a instituição cresceu desde que o clero forneceu abrigo a estudantes envolvidos nos protestos de 2018.

Mas desde que a lista do Portas Abertas começou a ser feita, há quase 30 anos, o Brasil não aparece no ranking e é classificado como livre de perseguição.

Segundo o sociólogo Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e pastor da Igreja Batista, o discurso em torno da cristofobia sequer faz sentido em um país como o Brasil, onde 86,8% da população se identifica como cristã, entre católicos e evangélicos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

"Não é possível falar de perseguição a um grupo que não só é majoritário numericamente, como também tem grande representação nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e na cultura brasileira", diz.

Ainda de acordo com o pesquisador, o ambiente de confiança criado em torno das igrejas evangélicas e os laços formados entre os fiéis facilita a difusão dos conteúdos falsos nesse ambiente.

"Muitas pessoas podem julgar as informações passadas nos grupos evangélicos como verdadeiras porque não verificam a sua veracidade, mas também porque elas foram repassadas por irmãos de fé", diz Clemir Fernandes.

Pastor Silas Malafaia e outras lideranças evangélicas rezam ao redor do presidente Jair Bolsonaro e da primeira-dama Michelle Bolsonaro na Marcha para Jesus no Rio de Janeiro

Mas há preconceito?

Embora não haja evidências de perseguição concreta a cristãos no Brasil, pesquisadores afirmam que há "arrogância" e "preconceito", especialmente por parte da elite de esquerda, ao falar sobre evangélicos.

No segundo turno da eleição de 2018, o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, chamou o pastor Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, de "representante do fundamentalismo charlatão".

Para o historiador e antropólogo Juliano Spyer, isso custou votos a Haddad e deu munição a segmentos evangélicos que defendiam um apoio formal de suas igrejas a Bolsonaro.

"As camadas médias e altas do Brasil têm uma visão fora de foco do Brasil popular e ignoram esse fenômeno [evangélico]. Isso é problemático, porque generaliza a imagem de um grupo de brasileiros com imensa importância cultural, econômica e política", diz Spyer, que é autor do livro O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam.

"Ao tratar os evangélicos de forma desrespeitosa, arrogante, desinformada e com uma série de críticas por serem religiosos, estamos abrindo mão do diálogo com as pessoas que têm valores conservadores".

'Realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil'

Luciana Casa Grande, de 40 anos, frequenta uma Igreja Batista em São José dos Campos, São Paulo. Assim como muitos outros evangélicos no país, ela vem sendo exposta nas redes sociais a conteúdos que alardeiam uma ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.

"Leio com frequência postagens e notícias nas redes sociais que falam sobre invasões, incêndios e atentados em igrejas ou assassinatos de cristãos na África e em outros lugares", afirmou a arquiteta à BBC News Brasil. "Pela intolerância que vejo, principalmente dos partidos de esquerda ou daqueles que se autodenominam socialistas ou comunistas, realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil."

Luciana afirma acompanhar com frequência o perfil de alguns dos aliados de Jair Bolsonaro citados pela reportagem, como Nikolas Ferreira e a vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), outra aliada de Jair Bolsonaro que dá voz ao discurso desinformativo de perseguição religiosa.

Em um post na página do Instagram de Fernandes, em que a vereadora que se autodenomina cristã fala sobre a possibilidade de ataques ao cristianismo no Brasil a partir de um vídeo de uma homilia de um bispo católico, Luciana expressou sua apreensão: "Deus é maior! É hora dos cristãos se posicionarem e se colocarem à disposição de Nosso Senhor Jesus Cristo!", escreveu a paulista nos comentários.

Em nota enviada à reportagem, a vereadora Sonaira Fernandes disse que é cristã "antes de ser qualquer outra coisa, e tenho todo direito de expressar minhas convicções religiosas, conforme prevê a Constituição".

"Diz o filósofo Luiz Felipe Pondé que o único preconceito ainda socialmente aceito no Brasil é contra evangélicos e católicos. Isso fica evidente quando uma declaração minha, que reflete minha cosmovisão cristã, é demonizada e criminalizada", afirma.

Luciana já tem seu candidato à presidência definido: "Vou votar no Bolsonaro, principalmente porque ele defende as coisas em que eu acredito", diz.

"Gosto da defesa que ele faz pelo fim da sexualização das crianças. A questão do aborto também, eu sou contra o aborto".

Algumas informações que circulam nas redes sociais sobre o ex-presidente Lula também influenciaram Luciana no momento de escolher seu candidato. "Temos ouvido falar que o Lula vai colocar os padres e os pastores em seu devido lugar. Sempre faz um ataque nesse sentido", diz a arquiteta.

"Vi na internet e em cortes de vídeos, mas não me lembro onde exatamente. Leio muita coisa, não fico catalogando."

*Texto publicado originalmente no portal da BBC News Brasil.


Projeção feita por ativistas da US Network for Democracy in Brazil | Foto: divulgação/Manuela Lourenço

Projeção em prédio da ONU em Nova York chama Bolsonaro de 'vergonha brasileira'

Fernanda Mena*, Folha de São Paulo

Horas antes de o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) chegar à sede da ONU em Nova York para o discurso de abertura da 77ª Assembleia-Geral, era possível ver imagens gigantescas suas projetadas na lateral do prédio ladeadas por expressões como "Brazilian shame" (vergonha brasileira).

A intervenção no edifício das Nações Unidas, de 39 andares e 155 metros de altura, foi iniciativa da US Network for Democracy in Brazil (Rede nos Estados Unidos pela Democracia no Brasil), que reúne acadêmicos de mais de 50 universidades americanas, ativistas e organizações da sociedade civil, como a Coalizão Negra por Direitos e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras.

As imagens projetadas nas primeiras horas desta terça (20) trazem palavras como "vergonha", "desgraça" e "mentira" em quatro das línguas oficiais da ONU —inglês, francês, espanhol e mandarim—, além do português.

"Somos opositores ferrenhos desse governo brasileiro por todas as atrocidades que ele representa", diz Mariana Adams, organizadora nacional do US Network for Democracy in Brazil. "Nossa ação comunica ao mundo que Bolsonaro está apoiado em um sistema de fake news para avançar seu projeto pessoal de poder e de enriquecimento, não um projeto nacional de desenvolvimento do Brasil."

Segundo ela, as aparições internacionais de Bolsonaro "desmantelaram, de maneira sistemática, a imagem do Brasil no exterior, seja pela desastrosa política externa brasileira, seja pelas aparições internacionais que visam benefícios políticos eleitorais".

Exemplo recente, afirma ela, foi a passagem do presidente pelo Reino Unido para participar do funeral da rainha Elizabeth 2ª. Em meio às cerimônias solenes, o brasileiro usou a viagem para fazer campanha eleitoral, discursando a apoiadores.

"A ideia é retomar e subverter o palanque de que ele tem feito as instituições internacionais. Para nós, isso é vergonhoso", diz Adams, que afirma que os integrantes da rede atuam de forma voluntária e não são ligados a partidos políticos ou a ONGs. O grupo coletou fundos para a ação a partir da doação coletiva de seus membros.

Relembre as passagens de Bolsonaro pela Assembleia-Geral da ONU

Os ativistas elaboraram as combinações de imagens com palavras e contrataram um projetor capaz de lançá-las na empena cega do edifício a cerca de 1 quilômetro de distância.

"No momento em que o Brasil está sendo discutido de maneira tão fervorosa no cenário internacional, queremos que a comunidade internacional e os brasileiros que vivem fora do país não sejam enganados pelas tentativas de legitimação que Bolsonaro faz de seu projeto, que não é de país."

A menos de duas semanas das eleições presidenciais, em um momento em que aparece em segundo lugar nas pesquisas, Bolsonaro passará menos de 24 horas em Nova York. Ele chegou à cidade pouco antes das 20h, no horário local (21h em Brasília), desta segunda (19).

Nesta terça, o presidente abre os discursos da Assembleia-Geral antes de almoçar, em uma churrascaria brasileira, com apoiadores que viajaram em esquema de caravana de outras cidades americanas.

Além da intervenção desta madrugada, os arredores do prédio da ONU —projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer e pelo franco-suíço Le Corbusier e inaugurado em 1952—, podem virar campo de batalha entre bolsonaristas e ativistas, que devem protestar contra a passagem e o discurso de Bolsonaro.

Passagens anteriores de Bolsonaro por Nova York para o evento das Nações Unidas também contaram com intervenções com críticas ao presidente. No ano passado, um caminhão com telões o chamou de criminoso climático.

*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.