Fachin

Foto: Reprodução/Agência Senado

Suspensão de decretos de armas de Bolsonaro evita escalada ainda maior da violência política, diz Eliziane Gama

A líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA), disse na rede social, nesta segunda-feira (05), que a restrição sobre o número de armas e munições que podem ser obtidas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) determinada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin vai evitar a escalda da violência durante o período eleitoral.

“A suspensão de trechos do decreto de armas é benéfica para evitarmos a escalada ainda maior da violência política, em tempos de eleições tão polarizadas. As disputas precisam se ater ao campo das ideias. A eleição é o grande momento da democracia e precisa transcorrer em paz”, escreveu a senadora.

A suspensão determinada por Fachin atinge trechos de decretos em que o presidente Jair Bolsonaro facilitou a compra e o porte de armas de fogo e munição.

Além disso, o magistrado restringiu os efeitos de uma portaria conjunta em que os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Defesa liberam a compra mensal de até 300 unidades de munição esportiva calibre 22 de fogo circular, 200 unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm, e 50 unidades das demais munições de calibres permitidos.

“Conquanto seja recomendável aguardar as contribuições, sempre cuidadosas, decorrentes dos pedidos de vista, passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar a fim de resguardar o próprio objeto de deliberação desta Corte. Noutras palavras, o risco de violência política torna de extrema e excepcional urgência a necessidade de se conceder o provimento cautelar”, diz trecho de uma das decisões.

Os pedidos de suspensão dos decretos foram feitos pelo PT e PSB. As ações aguardam julgamento pelo plenário virtual da Corte desde 2021, após pedido de vista do ministro Nunes Marques, mas Fachin decidiu nos processos paralelos em razão da urgência das eleições.

*Texto publicado originalmente no portal do Cidadania23


Merval Pereira: Reserva de mercado

O ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), levou à luz uma discussão jurídica que os criminalistas que defendem condenados na operação não gostariam de reabrir. O “Prerrogativas”, ou “Prerro” para os íntimos, formado por advogados criminalistas que se julgam proprietários da verdade jurídica, reagiu com rispidez a uma entrevista que Fachin deu à revista Veja, como se ele anunciasse “uma manobra com objetivos políticos”.

O que disse Fachin na entrevista? “O caso ainda não terminou”, referindo-se ao julgamento da próxima quarta-feira sobre sua decisão de enviar para a Justiça Federal em Brasília os processos do ex-presidente Lula. A medida cancelou as condenações já havidas, mas manteve íntegras as investigações e as provas coletadas na 13ª Vara de Curitiba.

Para ele, o plenário do Supremo pode rever a decisão da 2ª Turma que aprovou a suspeição de Moro por 3 a 2. Como relator, Fachin havia determinado que o processo de suspeição perdera o objeto, mas o ministro Gilmar Mendes, presidente da Turma, decidiu dar prosseguimento, com o apoio de 4 dos 5 ministros que a compõem. Diz Fachin: “Não seria inusual o plenário derrubar a suspeição da Turma”.
Ele lembra que vinha sendo constantemente derrotado, e que nos últimos anos “consolidou-se uma relatoria mais restrita da Lava-Jato no Supremo”. Por isso, levando em conta a maioria já fixada, considerou que deveria dar ao ex-presidente Lula o mesmo tratamento dado pela maioria a outros acusados em situação análoga.

A possibilidade de que o ex-juiz Sérgio Moro venha a ser reconhecido insuspeito pela maioria do plenário do Supremo parece assustar esses advogados, mas o coordenador do grupo acrescenta um comentário estranho: “Eleições devem ser disputadas nas urnas”. A que estaria se referindo? Já que o caso nada tem a ver com Lula, pois mesmo que Moro seja insuspeito, ele continuará elegível, quer impedir que Moro venha a ser candidato à presidência? Nesse caso, quem estaria pressionando o relator da Lava-Jato com fins políticos seria o próprio grupo “Prerrô”.

Outro dia escrevi uma coluna com o título “11 cabeças, uma sentença” na qual explorava algumas possibilidades da decisão do plenário, sobretudo sobre a de a maioria reverter a decisão de Fachin, levando de volta para a 13ª Vara de Curitiba os processos. O ministro Fachin pensa de outra maneira, de acordo com sua entrevista, e considera possível que a suspeição seja anulada se a maioria concordar com ele e decidir que Moro era incompetente para julgar os processos. Incompetente porque o foro natural seria o Distrito Federal, não Curitiba, mas não suspeito, como decidiu a 2ª Turma.

Na sequência da coluna, especulei sobre a possibilidade de o próprio Fachin votar contra seu relatório, já que disse na sua decisão que a tomava para obedecer à maioria, mas que divergia pessoalmente. Não sabia, como não sei, o que o ministro Fachin fará, apenas tratei de uma possibilidade. Foi o bastante para que os mesmos criminalistas vissem ridiculamente nessa especulação uma tentativa de pressionar ministros do STF, especialmente Fachin.

Ao aventarem tal possibilidade, estavam, eles sim, tentando pressionar ministros para que não mudem de posição, o que é mais comum do que fazem supor na sua falsa indignação. O que temem é perder a reserva de mercado, e que seus clientes, especialmente o ex-presidente Lula, percam vantagens que podem ter se o ex-juiz Sérgio Moro for considerado suspeito. Todos entrarão com recursos querendo anular suas condenações com a mesma base de suspeição de Moro. E prescrições de penas acontecerão.

Relembrarei um caso emblemático. A ministra Rosa Weber votou sempre contra a possibilidade de prisão em segunda instância mas, derrotada, passou a adotar a decisão da maioria em suas sentenças.

Quando houve novo julgamento no pleno do Supremo sobre o mesmo tema, ela voltou à posição anterior, explicando que acompanhara a maioria até ali, mas que sua posição pessoal sempre foi a favor da prisão apenas após o trânsito em julgado.

Com sua mudança, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a jurisprudência, e o ex-presidente Lula foi solto. Não vi esses criminalistas protestarem.


Míriam Leitão: A falha dos poderes é ameaça perigosa

A democracia brasileira, nos últimos dias, deu mais alguns passos na perigosa trilha em que entrou. O Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou a insegurança jurídica, ao dar vários sinais de que os ministros tomam decisões que mudam a vida do país seguindo a lógica das brigas internas da corte. A Câmara entregou a Comissão de Constituição e Justiça a uma deputada que esteve em atos que propuseram rasgar a Carta e a Comissão do Meio Ambiente a quem faz parte da tropa antiambiental. O presidente mais uma vez ameaçou o país com a ditadura, contando para isso com o silêncio dos generais.

A decisão do ministro Edson Fachin obedece à lógica de que se o caso não é relativo à Petrobras não tem que ficar na 13ª Vara Federal em Curitiba. A dúvida que permanece é por que levar tantos anos para descobrir a procedência da tese sempre apresentada pelos advogados do ex-presidente. Fachin explicou em entrevista a Aguirre Talento e Bela Megale do GLOBO que o assunto havia sido mencionado, mas que ele não recebeu pedido direto da defesa de Lula até novembro de 2020. O ministro disse que a Justiça tem que ser imparcial e apartidária. É verdade. Mas também precisa ser tempestiva. A intempestividade pareceu mais um lance da briga entre duas das onze ilhas da corte

O ministro Gilmar Mendes afirma que é insuspeito. E explicou por quê: “ao contrário da ministra Cármen, dos ministros Lewandowski e Fachin, não cheguei aqui pelas mãos do Partido dos Trabalhadores.” Isso quer dizer que os outros três ministros são suspeitos em ações do PT? Ou que ele é suspeito para julgar os casos do PSDB? Ele acusa o ex-juiz Sergio Moro de ter se tornado inimigo do réu, quando ele próprio dá demonstrações constantes desse sentimento em relação ao ex-juiz e aos procuradores.

Depois do duelo jurídico entre Fachin e Gilmar para saber quem tem a última palavra no destino de um ex-presidente da República, outro conflito emergiu no plenário virtual do STF. Na quinta-feira, o ministro Marco Aurélio chamou o ministro Luiz Fux de autoritário e o ministro Alexandre de Moraes de xerife. Foi mais um sinal ruim. Não é a primeira vez que as divisões na mais alta corte são expostas, mas esta semana houve um concentrado de votos idiossincráticos e falas pontiagudas. Quem acredita na democracia defende o STF dos ataques bolsonaristas, mas, na devastação institucional em que vivemos, certos ministros deveriam entender que seus ombros envergam as togas não a título pessoal, mas em nosso nome.

A Câmara enfraqueceu o sistema de check and balances ao fazer duas escolhas para as comissões. Não é uma questão partidária que torna a deputada Bia Kicis (PSL-DF) a pessoa errada para presidir a Comissão de Constituição e Justiça. São as suas manifestações em rede, ou nas ruas. Ela é uma radical e por isso não terá o equilíbrio necessário. Kicis esteve em atos que pediram um novo AI-5, o Ato Institucional que fechou o Congresso e cassou deputados na ditadura. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) fará o oposto do que se espera de uma presidente da Comissão de Meio Ambiente. O governo está fazendo uma demolição do aparato legal que protege o meio ambiente. O legislativo precisava ser o freio e o contrapeso dessa ação de passar a boiada pela cerca das leis.

O executivo trabalha contra a democracia. Isso já virou rotina. Basta ouvir o que o presidente diz. Sua visão distorcida do artigo 142 da Constituição, sobre o papel das Forças Armadas, é sempre jogada na cara do país como ameaça. Ele está tentando mudar o que quis dizer com “o meu Exército”, afirmando que se referia aos seus seguidores, mas a Arma nada fez para lembrar que ela pertence ao país.

Bolsonaro mostrou no Sebrae, no seu habitual tom colérico, que continua prisioneiro da visão conspiratória. Mentiu que o país está há um ano em lockdown e afirmou que isso está sendo feito para atingi-lo. “Até quando aguentaremos a irresponsabilidade do lockdown?” E tudo “só consegue atingir o presidente da República”. Bolsonaro chamou de “estado de sítio” as medidas protetivas tomadas em todos os países do mundo. Houve quem se iludisse, achando que a elegibilidade de Lula iria convencê-lo a mudar. Exceto por aceitar, enfim, a forma esférica da Terra, no resto Bolsonaro continua sendo negacionista. Ele ameaça a saúde dos brasileiros e a democracia. Quando os outros poderes falham, o país fica ainda mais vulnerável ao candidato a tirano que nos governa.


Ruy Castro: Aos biógrafos de Bolsonaro

O trabalho deveria começar por seus antepassados: Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu

Sempre achei um risco biografar gente viva. Não por medo do biografado ou de sofrer um processo, mas por motivo mais sério: como contar uma história que ainda não terminou? Imagine se, no dia seguinte ao lançamento de uma biografia, o biografado comete algo terrível, como estrangular seu papagaio ou fugir com a mãe de sua mulher. Em um segundo lá se vai o trabalho de anos do biógrafo —por que ele não previu que seu biografado seria capaz daquilo? Donde o certo é esperar que o fulano abotoe naturalmente o paletó, para só então mergulhar na investigação de sua vida.

Mas, com Jair Bolsonaro, não se pode mais esperar que ele vá para o diabo que o carregue. É urgente começar a biografá-lo porque, pela velocidade de sua trajetória —não passa um dia sem praticar um crime contra a democracia, a saúde, a educação, a ciência, a cultura, a economia, a ecologia, a diplomacia, a Justiça, os direitos humanos e a vida—, em breve ela não caberá em um volume. E isso apenas desde que assumiu a Presidência.

Ai está. Uma biografia de Bolsonaro deveria recuar aos seus antepassados, como Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu; explorar suas origens em Glicério (SP), burgo de 2.000 habitantes em 1955, onde depositaram o ovo do qual ele nasceu— e chegar à sua infame carreira militar e ascensão política. Vai-se revelar o seu longo e meticuloso processo de corrupção de colegas, servidores, generais, policiais e juízes, e, de passagem, descobrir como construiu seu patrimônio imobiliário e transferiu esse know-how para filhos e mulheres.

O importante é que, em alguma etapa, surja algo que explique o seu grau de desumanidade estudada, demência, crueldade e ódio.

Pelo que sei, já há profissionais biografando Bolsonaro. Só garanto que não sou um deles. Há um limite para a náusea, e basta-me ter ânsias de vômito quando o vejo na televisão.


Bruno Boghossian: Decantação da pandemia no eleitor deve definir novo presidente

Divisão entre medidas de saúde e efeitos na economia pode permanecer até 2022

Quando os americanos foram às urnas em novembro do ano passado, as mortes por Covid-19 voltavam a se aproximar de 1.000 por dia nos EUA. O coronavírus foi um dos temas mais presentes da eleição presidencial, com uma característica que se tornou a marca política da pandemia: a divisão entre as mortes e seus impactos sobre a economia.

A atuação de Donald Trump e os efeitos da doença no mercado de trabalho racharam o país. Entre os eleitores que consideravam a economia uma prioridade, 78% votaram no republicano, segundo pesquisas de boca de urna. Para aqueles que diziam que o importante era conter o vírus, 79% escolheram Joe Biden.

O democrata ficou em vantagem porque mais americanos achavam importante salvar vidas (52%) do que recuperar a atividade econômica (42%). No Brasil, a escalada da doença e a decantação da crise no humor do eleitorado podem definir o próximo presidente.

A questão central é se a pandemia e seus efeitos serão tópicos relevantes até lá. A depender do cenário do país, o eleitorado pode usar o voto para julgar a conduta de Jair Bolsonaro, pode ir às urnas para escolher outro rumo na administração da crise ou pode ignorar a doença em nome de outros interesses.

Bolsonaro desdenhou da morte de milhares de brasileiros porque acreditava que seus efeitos políticos seriam limitados. Em sua matemática, faria mais sentido oferecer a bandeira da defesa da economia a qualquer custo, em contraponto a personagens como João Doria e Luiz Henrique Mandetta.

O resultado dependerá da situação econômica e de quanta responsabilidade o eleitor atribuirá ao governo. Bolsonaro só será beneficiado se o eleitor enxergá-lo como um nome capaz de liderar a recuperação.

volta de Lula bagunça o jogo porque o petista tenta aliar o discurso da saúde a uma pauta de proteção aos mais pobres e de enfrentamento das dificuldades econômicas. Se a plataforma vingar, ele será um rival de Bolsonaro em duas frentes.


Janio de Freitas: Justiça com injustiça é impostura

O que já é conhecido na conduta de Moro não suscita suspeita, induz certeza

As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.

Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.

O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial.

Nessa delinquência de cinco anos, do princípio de 2014 ao fim de 2018, a ação julgada por Edson Fachin refere-se à preliminar de quatro inquéritos contra Lula, entre eles os do apartamento de Guarujá e do sítio de Atibaia. Quando se vê a razão de Fachin para anular essas condenações, fica quase impossível acreditar que tais processos tramitassem por anos. Dessem em condenações por SergioMoro. Até em aumento das penas pelo Tribunal Federal Regional do Rio Grande do Sul, o TRF-4, com base em relatório pouco menos do que ininteligível de um desembargador idem, João Gebran.
Quisesse, ou não, dar uma sentença que preservasse Sergio Moro do processo sobre a suspeição que é certeza, Edson Fachin viu-se com uma constatação indescartável: “não restou provado vínculo” entre os benefícios atribuídos a Lula, tanto na acusação como na condenação, e negócios ou desvios na Petrobras.

Logo, esses processos foram criados e receberam sentença ilegalmente em juízo restrito a desvios na estatal. Convém enfim realçar: a anulação das condenações de Lula por Moro não decorreu, portanto, apenas de incompetência geográfica da 13ª Vara Criminal do Paraná, como tem parecido. Procedeu, também, da violação deliberada de Moro às leis processuais e penais. Com o fim de fazer a prisão de um candidato à Presidência, o que daria a vantagem a outro. Crime, pois não?

Nada se deu sob sigilo nessa delinquência contra as instituições do Estado de Direito e a eleição legal. Muito ao contrário, a construção do escândalo era um componente planejado da operação.Gilmar falou, a propósito, em conluio e consórcio Lava Jato-“mídia”. Não dispensou nem as orientações de um repórter aos dallagnóis. Incontestável, como mais um capítulo eleitoral da imprensa/TV. Mas uma ressalva é de justiça: em meio à enorme pressão pró-Lava Jato, a Folha pode ter pecado de corpo, mas não renegou a velha alma. Os poucos juristas, advogados e comentaristas da casa que apontaram a delinquência e as arbitrariedades da Lava Jato tiveram espaço e liberdade assegurados nestas páginas.

Não é menos justo, em sentido oposto, dizer que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, souberam sempre o que se passava na Lava Jato. Por experiência no Judiciário e no MP, por informações, por muitos recursos processuais de advogados e pelos poucos trabalhos da “mídia” fora da moda. Ao seu dever fiscalizador preferiram o silêncio e a inação, traindo-se e traindo a Justiça e o Estado de Direito.

Se tudo precisar de recomeço, que seja. Importante é que a Justiça está se despindo de uma impostura, ao tempo mesmo em que se reergue na defesa dos cidadãos e do país sob ataque da doença e do governo, ambos letais.


Luiz Werneck Vianna: 'Desertificação da política é o legado da Lava Jato',

Para cientista político, operação ‘morre’ pelos próprios erros, como ações 'messiânicas' e querer 'salvar o País'

Wilson Tosta, O Estado de S. Paulo

RIO - Depois que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e considerou a 13.ª Vara Federal em Curitiba incompetente para julgá-lo, o cientista político Luiz Werneck Vianna afirmou ao Estadão que a Lava Jato "morreu de morte morrida". Para o professor da PUC-Rio, a ação dos procuradores da força-tarefa e do então juiz Sérgio Moro tinha objetivo "messiânico" – mudar o País pelo Código Penal –, durou demais e deu errado. Vianna descartou ainda a possibilidade de Moro ser candidato à Presidência, e disse que o combate à corrupção será tema "lateral" em 2022.

Que balanço faz desse processo, com a decisão de Fachin?

 Demorou muito. Não é a primeira vez que a Justiça tarda e falha. Mas o fato é que a decisão é inatacável do ponto de vista jurídico. A Lava Jato não podia assimilar todos os casos de corrupção que estavam ocorrendo no País. Desde o começo, foi um erro monumental, em que juízes e procuradores jovens, eu diria provincianos, assumiram o papel de salvadores do País. Andaram estudando a operação que transcorreu na Itália (Mãos Limpas) e aplicaram aqui. Fizeram uma leitura descontextualizada da situação italiana. E mobilizaram a mídia como peça de sustentação. Acho que foi um erro.

Mas tudo que o STF está revendo foi aprovado pelo próprio STF. Por que a mudança agora?

Não creio que tenha sido uma manobra conspiratória. A Lava Jato… ela durou demais. Nasceu de uma concepção abstrusa, em que um pequeno núcleo de procuradores e juízes assumiu um papel messiânico, de salvação da política. Querer fazer política pelo Judiciário é um caminho ruim. E foi o que a “República de Curitiba” tentou. Pelo processo formal, os processos não deveriam ser vinculados a Curitiba, mas à Justiça Federal. Houve um erro humano. Desqualificou-se a política, os partidos, e ficamos em um deserto. O legado da “República da Lava Jato” é a desertificação da política.

Qual foi o ponto de virada, no qual se notou que a Lava Jato estava indo além do que poderia?

Foi um processo. Começa com a revisão da política da chamada condução coercitiva. Havia as prisões demoradas, a que eram submetidos os indiciados nas ações, ações cercadas de espetaculosidade. A mídia participou disso, de uma forma inteiramente franca e aberta. Não existiria "República de Curitiba" sem a mídia.

Essas prisões prolongadas muitas vezes foram confirmadas pelo Supremo…

Mas de outras vezes, não. A sociedade também não estava atenta ao que se passava, na medida em que a luta contra a corrupção encontrou guarida na alma popular. Encontrou legitimidade nos anseios escondidos, ocultos, da sociedade. 

Os integrantes da Lava Jato atendiam a uma demanda social?

É, eles foram levados à desgraça pelo sucesso. Foi um grande sucesso, não é? Chegou-se até a especular uma candidatura de Moro a presidente da República.

Isso está afastado?

Está. Moro sai desse processo inteiramente desqualificado como juiz. Ele foi parcial.

Que saldo fica?

O saldo primeiro, para mim, é o de que não se deve combinar ação política com ação judiciária. São duas dimensões: a política é uma coisa, a Justiça é outra. Houve essa combinação esdrúxula, e deu no que deu.

Mas isso, de certa forma, continua, não? Porque agora, com a decisão de Fachin, a Justiça também interveio na política...

Ah, continua. Isso agora faz parte do nosso DNA. A política se judicializou no Brasil. Por falta de política, falta de partido. Não se veem medidas judiciais interferindo na questão sanitária brasileira? Na compra de vacina? No lockdown? Isso foi trazido para a política pelos erros da própria política. E agora dificilmente sai.

Quais são as consequências do retorno de Lula à política?

O fato é que, para escapar da polarização extremada, Bolsonaro e Lula, seria preciso que as forças do centro tivessem outra capacidade de interferir nos acontecimentos. Mas o centro está fraco também!

Existe centro na política, com chances de sucesso eleitoral?

Não sei se o centro vai se reconstituir. Ele pode se reconstituir para ter um papel marginal. Penso que, se o PT tiver maior lucidez, não vai ser o protagonista da sucessão. Seria, nessa minha projeção utópica, o construtor de uma frente de centro-esquerda. Ele participaria, evidentemente, ativamente. Agora, sem o papel principal. É possível? Ele não tem história disso. Sempre procurou ser o protagonista. E ficou claro, no discurso de Lula, que isso vai persistir. 

Voltando à Lava Jato: a postura messiânica do Ministério Público e da Justiça acabou?

A Lava Jato está acabada. Morreu de morte morrida.

Não foi de morte matada?

Não.

Não foi o STF que matou?

Pode ter sido um golpe de misericórdia, mas estava morta. Passou da conta. Foi um projeto messiânico de salvação do Brasil pela reparação da criminalidade, pela punição, pela extirpação do crime. Isso é uma proposta fora de sentido. Os males do Brasil não são esses. Tem corrupção, sempre teve. É necessário que se combata a corrupção de outra forma, não de uma forma que comprometa todo o tecido político, como se fez. Queriam salvar o País por mecanismos judiciários, pelo Código Penal. Não é por aí.

Em 2022, um candidato com a bandeira do combate à corrupção seria então enfraquecido?

Olha, a bandeira da luta contra a corrupção não fará parte da próxima sucessão eleitoral de forma protagônica. Vai ser um tema adjetivo, lateral.


Marcus Pestana: Nada é tão ruim que não possa piorar

A democracia moderna nasceu nos escombros do feudalismo para dar vazão ao nascente capitalismo. A monarquia absolutista, as barreiras comerciais, a fragmentação territorial eram obstáculos à expansão da livre iniciativa que demandava liberdade para que empresários, trabalhadores e consumidores se movimentassem livres e descentralizadamente no mercado. Na Inglaterra, na França e nos EUA moldou-se a democracia, com o Estado laico e liberal, eleições livres, separação dos poderes e partidos políticos como instrumentos de disputa política. Ao sistema político caberia arbitrar os conflitos e apontar os rumos.

No Brasil, temos uma democracia consolidada, mas jovem. Períodos democráticos são raros: apenas o interregno de 1945 a 1964 e a Nova República, de 1985 a 2021, podem ser caracterizados como ciclos democráticos. O Estado sempre foi forte e a sociedade frágil. O populismo, o caudilhismo, o autoritarismo, o personalismo tiveram presença central na história política brasileira.

Agora, em plena crise que se abateu sobre nós – sanitária, econômica, política e social, bastou o Ministro Edson Fachin devolver a elegibilidade ao ex-presidente Lula, para fervilhar no mundo político uma absurda antecipação da sucessão presidencial, dentro da camisa de força maniqueísta da polarização dos extremos. À sociedade não interessa, neste momento, a candidatura de ninguém. As pessoas estão preocupadas com vacina, emprego, sobrevivência e auxílio emergencial.

Descobri cedo a distância entre modelos ideais e a política real. Se dependesse de mim e das minhas convicções, já teríamos um sistema parlamentarista baseado no voto distrital misto proporcional e um quadro partidário consistente e racional. Nada mais distante de nossa realidade.

O presidencialismo americano se organiza em torno de dois grandes partidos – democratas e republicanos. Na Assembleia Nacional Francesa, há a presença de 15 partidos políticos, mas o “A República em Marcha”, do Presidente Emmanuel Macron, ocupa 303 das 577 cadeiras, garantindo estabilidade e governabilidade. O Congresso espanhol tem 16 partidos, mas a dinâmica política gira em torno de 4 grandes partidos (PSOE, PP, Vox, Podemos). Na Itália, a mesma coisa, as colunas vertebrais são o Movimento 5 Estrelas, Liga Norte, PD e Força Itália. Não é diferente em Portugal, com o PS e o PSD dominando a cena.

Aqui no Brasil, a situação é sui generis. São 24 partidos representados no Congresso, sendo que o próprio Presidente da República está sem partido e a fragmentação é total. Os dois maiores partidos na Câmara dos Deputados, PSL e PT, têm pouco mais de 50 cadeiras num total de 513. Qualquer governo terá imensa dificuldade de formar maioria sólida e estável.

Mas, nada é tão ruim que não possa piorar. O parlamentarismo já levou duas lavadas nos plebiscitos de 1962 e 1993. Fui o autor da PEC do voto distrital misto na reforma de 2015, que precisava de 307 votos e só teve 99. Salvamos dois avanços: a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais, o que a longo prazo, esperamos racionalizar o quadro partidário brasileiro e sua representação.

Não é que o “Centrão” começou a se movimentar para acabar com esses dois pequenos avanços já em 2022 e retrocedermos à situação anterior. Como disse Tom Jobim, definitivamente “O Brasil não é para principiantes”.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)          


Adriana Fernandes: É o fim da linha daqui para frente da agenda econômica

PEC foi última chance para Guedes aprovar cortes permanentes de gastos

PEC do auxílio emergencial aprovada esta semana pelo Congresso foi a última chance real do ministro Paulo Guedes de aprovar medidas de corte de despesas permanentes até o término do governo Jair Bolsonaro.

É fim de linha daqui para frente nesse campo da agenda econômica. A equipe de Guedes optou e brigou até o último momento para amarrar a concessão do auxílio a um conjunto de medidas que desse um norte para a trajetória das contas públicas nos próximos anos.

Não ganhou tudo. Nem perdeu todo o pacote, como disse o próprio presidente Jair Bolsonaro a Guedes para justificar a sua atuação na linha de frente para desidratar os gatilhos, que são as medidas fiscais a serem acionadas no futuro para o controle de despesas. Acabou sendo liberada a progressão automática nas carreiras, permitindo aumento nos salários.

Bolsonaro subiu no muro se equilibrando entre a base eleitoral e a (falsa) narrativa de responsabilidade fiscal que ele abraça toda vez que o mercado financeiro entra em turbulência com alta do dólar, dos juros e queda da Bolsa. O saldo final poderia ter sido o auxílio sem as tais contrapartidas fiscais, que o ministro colocou na mesa de negociação num jogo de tudo ou nada. Não foi 8 nem 80.

Como o cenário pior (de fatiamento da PEC) não se concretizou, o Ministério da Economia comemora e monta agora uma força-tarefa para mostrar que foi aprovada uma “boa PEC”, com a derrubada de vários destaques retirando todos os gatilhos.

Num ambiente de traições dentro do próprio governo, os integrantes da equipe econômica partiram para a negociação direta no Congresso nos dias da votação, entre eles, Roberto Campos Neto. O presidente do Banco Central foi vítima até mesmo de fake news de que estaria de acordo com a blindagem aos servidores das Forças militares. Teve de ir a campo para desmentir e apoiar a PEC com os gatilhos.

Agora, eles trabalham para dar luz aos ganhos da PEC, mostrar o que “ninguém está vendo”: o resto da PEC. A narrativa é que o texto aprovado muda toda a trajetória de despesas, como aconteceu com a reforma da Previdência, aprovada no primeiro ano do governo. Assim como a Previdência, a PEC fiscal não promove a queda das despesas, mas desacelera.

Como muitos economistas mostraram, porém, não há redução de despesas obrigatórias para já, uma vez que as contrapartidas se transformaram em expectativa de melhoria da despesa futura. O teto de gastos também continuará pressionando o Orçamento, uma vez que não houve abertura de espaço nas despesas obrigatórias, como se esperava no início da discussão da PEC.

As condições aprovadas no texto só garantem o acionamento dos gatilhos entre 2024 e 2025, preservando 2022 (ano de eleições) de medidas mais duras. O reforço do programa Bolsa Família, outro problema para os políticos, tudo indica estará resolvido no segundo semestre com a “economia” que será feita durante o pagamento das parcelas do novo auxílio emergencial.

Após a votação da PEC, a equipe econômica quer partir com tudo para a reforma administrativa como prioridade da agenda. Mas a proposta não afeta os servidores atuais e tampouco terá foco de corte de gastos. Restará ampliar a linha de defesa para evitar aumento de gastos e perda de arrecadação num ambiente contaminado pela disputa eleitoral. No jogo, vai ter de trabalhar na retranca para os gastos não explodirem nem ter perda de arrecadação com mais benesses.

Para as lideranças, o Congresso fez a sua parte aprovando a PEC. Está todo mundo exausto desse debate e querendo virar a página. A antecipação das eleições de 2022 é a principal razão para a pauta de ajuste fiscal minguar entre os governistas, que querem reforçar o “cheque” ao presidente para ganhar a eleição.

Guedes e o seu discurso de ajuste em nada ajudam nesse caminho. A articulação do presidente durante a votação ampliou ainda mais o divórcio do Palácio do Planalto com as medidas da política econômica do início do governo.

Daí que, à boca pequena, no mundo político de Brasília, o que se fala, desde as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, é que o Centrão “daria” a Guedes a aprovação de mais “uma ou duas reformas” antes da sua saída do governo, que estaria contratada pelo próprio presidente. É provável que essa espada no pescoço do ministro fique pairando no ar para ele ceder e ceder cada vez mais.


João Gabriel de Lima: Só os ingênuos acham que a campanha será em 2022

Se postulantes não colocarem logo os blocos na rua, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições

A ideia de que é cedo para iniciar uma campanha presidencial, dado que temos uma pandemia para combater, é politicamente ingênua. Em democracias, os eleitores estão sempre julgando potenciais candidatos. Para os governantes, fazer a coisa certa em situações de crise é parte da campanha. Se os resultados aparecem, aumentam as chances de reeleição. 

O raciocínio vale para os opositores. Nas situações de crise, eles têm a oportunidade – e a obrigação – de fiscalizar e criticar. Devem também apresentar alternativas, para que o eleitor acredite que farão melhor caso conquistem o poder. 

Tal regra básica das democracias merece ser lembrada nesta semana, em que o ex-presidente Lula, para usar uma expressão dele próprio, colocou seu bloco na rua. Fez um discurso clássico de candidato dois dias depois da decisão do juiz Edson Fachin – tão clássico que não assumiu ser candidato. Em sua fala, colocou-se na posição de antagonista preferencial do atual presidente, Jair Bolsonaro – que está em campanha desde o primeiro dia de governo. 

O editor Daniel Bramatti, da área de jornalismo de dados do Estadão, analisou no domingo, dia 7, uma pesquisa em que Lula lidera o potencial de voto para 2022. Em segundo lugar aparece Bolsonaro. No levantamento feito pelo instituto Ipec, os dois têm uma certa folga sobre o segundo pelotão – composto por Sérgio Moro, Luciano Huck, Fernando Haddad e Ciro Gomes. Teríamos um segundo turno já desenhado para 2022? 

A resposta é não se considerarmos outra pesquisa – esta qualitativa, realizada nas classes A e B e patrocinada pela fundação alemã Friedrich Ebert. Ela mostra falta de convicção entre os potenciais eleitores de Lula e Bolsonaro. No levantamento, feito no fim do ano passado, o eleitor à direita já criticava Bolsonaro pelo desastre no combate à pandemia. 

Do outro lado, segundo a pesquisa, há desconforto com o projeto hegemônico do PT e a falta de renovação nas esquerdas. “Políticos jovens como Guilherme Boulos aparecem como opções até entre eleitores de centro”, diz a cientista política Camila Rocha, coordenadora do levantamento ao lado da socióloga Esther Solano. Ela é a personagem do minipodcast da semana. 

Camila Rocha transita por várias correntes ideológicas, com interlocutores à esquerda e à direita. Ela é autora de “Menos Marx, Mais Mises”, uma tese de doutorado sobre os liberais brasileiros da nova geração (um livro baseado na tese sairá no segundo semestre pela Editora Todavia). O sentimento que captou entre integrantes dos dois campos foi de “orfandade”. “Há ainda muitos eleitores em busca de candidatos que os representem”, diz Camila Rocha. 

O cruzamento das duas pesquisas, a quantitativa e a qualitativa, sugere que o presidente e o ex-presidente lideram porque foram os primeiros a “colocar o bloco na rua”. Os levantamentos mostram que muitos brasileiros votarão em Lula ou Bolsonaro. Há, no entanto, um enorme contingente em busca de alternativas. Cabe aos demais partidos suprir a demanda dos “órfãos”. No Brasil os pleitos são livres e quem não se apresenta ao escrutínio do eleitor não tem o direito de reclamar. Assumir a candidatura é o primeiro passo, mas não basta. É preciso apresentar ideias. 

Em plena pandemia, a campanha está a todo vapor. Se os postulantes não colocarem logo seus blocos na rua – e se não perceberem a urgência dessa tarefa –, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições. 


Ascânio Seleme: Lula em 13 pontos

O discurso do ex-presidente foi o fato da semana, não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo

fato da semana foi o discurso de candidato proferido pelo ex-presidente Lula dois dias depois de o STF ter anulado as penas a que foi condenado. Não custa destrinchar o seu teor para tentar melhor entendê-lo.

1 - Arrebentado (de tantas chibatadas); razão para ter mágoas - Lula se queixou por ter apanhado muito ao longo dos anos. É verdade, mas ele não disse que havia motivos para apanhar. Seu governo produziu o mensalão e iniciou a partilha da Petrobras entre o PT e os demais partidos da sua base. O ex-presidente também foi julgado, condenado e preso por se beneficiar de vantagens indevidas de empreiteiras. Isso dói e magoa. Contudo, ele disse que não tem mais espaço nem tempo para guardar rancor. Só mais adiante vai se saber se o Lulinha Paz e Amor voltou mesmo.

2 - Reconhecida sua inocência - Lula inventou que foi inocentado nos casos do tríplex, do sítio e do instituto que leva o seu nome. Suas condenações foram anuladas e ele deve ser julgado por outro juiz. Pode tanto ser inocentado quanto ter sua pena prescrita ou ser condenado outra vez. Além disso, os processos do mensalão e do petrolão geraram cassações de mandatos e prisões em escala industrial na base de seu governo e no da sua sucessora Dilma Rousseff.

3 - Marisa morreu por pressão (da Lava-Jato) - Chute do ex-presidente. Mas não se pode negar que a ex-primeira-dama estava muito angustiada e pressionada em razão dos escândalos em que o marido e os filhos estavam metidos.

4 - Prato de feijão e farinha; picanha e cerveja - Lula retomou o discurso contra a fome que ajudou a elegê-lo em 2002, aproveitando o empobrecimento generalizado dos brasileiros. Falou no idioma que mais se entende no Brasil. Tem um legado importante na questão da inclusão social no Brasil para explorar no futuro.

5 - Armas para PM e Forças Armadas - O candidato afagou as instituições oficiais de segurança para corretamente descer o pau na política armamentista de Bolsonaro.

6 - O planeta é redondo - Mesmo ao ridicularizar o terraplanismo e o olavismo de Bolsonaro, Lula usou um tom sério porque não era hora de fazer graça.

7 - Citações e agradeci mentos - Foi honesto ao não esconder seu apreço à esquerda global, que sempre esteve ao seu lado. Até o famoso Foro de São Paulo ele citou. Lula não é extremista, mas claro que é de esquerda.

8 - Não ao liberalismo econômico - O ataque de Lula a Guedes (“Esse governo não tem ministro da Economia”) mostrou que seu caminho será outro. Neste discurso, e no que fez no Congresso do PT de novembro do ano passado, o ex-presidente não deixou dúvida sobre seu apetite intervencionista. Usou ainda o desgastado discurso antiamericanista (“Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença para respirar ao governo americano") que ainda agrada a uma grande parcela da população.

9 - Preço da gasolina - No mesmo tom intervencionista, Lula atacou o preço dos combustíveis (“Por que cobrar em dólar se o Brasil não importa gasolina?”) e ainda se apropriou do discurso bolsonarista a favor de caminhoneiros.

10 - Imprensa - Atacou jornais e jornalistas, mas elogiou a edição do Jornal Nacional do dia em que o ministro Edson Fachin anulou suas condenações. Deixou claro que gosta mesmo é de imprensa a favor, chapa branca. Já se viu isso antes, nenhuma novidade.

11 - Vacina e máscaras - Sua posição no quesito pandemia lhe deu tantos pontos que até Bolsonaro correu para usar máscara e falar em favor da vacinação. Um dos maiores líderes da história política do país deu um exemplo a ser seguido. Falou o que o Brasil precisa ouvir. Deixou Bolsonaro pequeno, insignificante.

12 - Conversar com políticos e empresários - Lula disse que vai usar a sua maior habilidade, falar com todo mundo. Das muitas diferenças que o separam de Bolsonaro, esta é a mais visível. Lula sabe conversar, e bem. Sabe negociar e, mesmo contrariado, sabe ceder.

13 - Convite para mudar o país - O tom de candidato esteve presente em todo o discurso, mas no final ele foi emblemático. No convite para mudar o país usou a conhecida fórmula de quem diz conhecer o caminho e pede apoio do povo para conduzir o país nessa direção.

Não acabou

Ninguém mais tem dúvida de que Sergio Moro extrapolou do seu papel de juiz na operação Lava Jato. Os diálogos com os procuradores da força tarefa deixam evidente a promiscuidade do relacionamento do juiz com os acusadores que formularam as denúncias. Até aqui, contudo, o argumento dos que apoiam a tese de que Moro deve ser considerado suspeito faz menção apenas ao julgamento e às condenações do ex-presidente Lula, em razão do teor das conversas reveladas na Vaza Jato. Mas há também quem queira ir mais longe. Aceitando-se a tese de que a operação foi feita para tirar Lula da eleição de 2018, todas as sentenças proferidas por Moro estariam contaminadas por esta premissa, alegam. Prender donos e executivos de empreiteiras, tesoureiros de partidos políticos, deputados, senadores, diretores e funcionários da Petrobras serviria para robustecer a denúncia contra Lula. Essa polêmica não vai acabar na segunda turma do STF, vai para o plenário.

Som de avalanche

Os números de Sergio Moro durante os anos em que julgou os casos da Lava Jato são impressionantes. Segundo o G1, o juiz proferiu 46 sentenças e condenou 123 réus, entre eles Lula, a 1.861 anos de cadeia antes de deixar a função para ser ministro de Bolsonaro. Advogados preveem que, quando Moro for considerado suspeito nos julgamentos de Lula pela segunda turma, uma avalanche de ações vai desabar sobre o STF para reverter penas em andamento e para tentar desbloquear bens congelados ou reaver somas subtraídas de contas privadas pelas sentenças do ex-juiz.

Outro lado

Chato para a defesa de Lula é ter que dividir seus argumentos com gente ilibada como Arthur Lira e Renan Calheiros, além, é claro, de Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Sergio Cabral e outros tantos da mesma cepa. Mas, fazer o quê? É assim que se joga este jogo.

Supremo respeito

Você pode discordar do STF, você pode criticar o STF, mas você terá que respeitar e cumprir sempre as decisões do STF, que são terminativas. Os ministros não são santos, nem deuses, mas vestidos com a toga, depois de apontados pelo chefe do poder executivo e aprovados pelo poder legislativo, passam a ser os legítimos intérpretes da lei e da Constituição. Juízes passam, a instituição permanece.

Ódio por ódio

Se o ódio a Lula elegeu Bolsonaro em 2018, nada impede que o ódio a Bolsonaro eleja Lula em 2022. Mas o Brasil será feliz mesmo quando o seu presidente voltar a ser eleito por amor.

Nosso Rio 1

Menos de uma semana depois de impor algumas restrições no Rio como forma de preservar o funcionamento em condições próximas do normal da rede pública de saúde, Eduardo Paes flexibilizou as medidas. Fez um make up, aumentando por uma semana o decreto, mas errou majestosamente ao estender o horário de funcionamento de bares e restaurantes até as 21h. Acertaria se fosse mais rigoroso. Foi menos. Alegou que assim retira a pressão sobre o horário de rush e viabiliza economicamente os estabelecimentos comerciais. Em junho do ano passado, quando o Rio contabilizava menos de duas mil mortes por Covid, todo o comércio foi fechado. Hoje, a cidade registra o maior número de mortes do país, 19,2 mil, ou 70 a cada dia, e tudo bem. Paes diz que pode rever o plano “se houver alguma mudança brusca”. Precisa?

Nosso Rio 2

Anote. Havendo sol, as praias da cidade vão bombar neste último fim de semana de verão. Pistas fechadas, quiosques, barracas e ambulantes liberados. Vai ser uma festa. Ah, não, festas estão proibidas. Vai ser uma farra.

Nosso Rio 3

Bolsonaro, que atacou os governadores do Distrito Federal e de São Paulo por terem decretado toque de recolher e fechado lojas, bares, restaurantes e shoppings, deveria elogiar o prefeito do Rio. Ele merece.

Nosso Rio 4

Na Nova Zelândia, a primeira-ministra Jacinda Ardern voltou a decretar bloqueio total em Auckland porque três (eu disse três) novos casos de infecção foram registrados em fevereiro. Mas não se pode exigir tanto por aqui. Afinal, Rio é Rio e Auckland é Auckland.

Liberou geral

Nem parecia a mesma Anvisa que no ano passado suspendeu o andamento dos testes do Instituto Butatan com a Coronavac por causa do suicídio de uma das pessoas que estavam sendo testadas; ou a que negou o registro da Sputnik se antes não fossem feitos testes no Brasil. Na coletiva de ontem, a agência liberou geral. Convidou até mesmo uma vacina que não solicitou o registro a se apresentar para ganhar o seu aval. Inclusive o remédio do Trump foi liberado. Esse vai-e-vem, igual ao do capitão, mostra como a Anvisa se identifica com Bolsonaro.


Marco Antonio Villa: Impeachment antes que seja tarde

Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do STF e do Congresso Nacional

Jair Bolsonaro é a maior ameaça ao Brasil. E não é de hoje. Atacou as instituições e propagou o ódio durante três décadas. Não foi levado a sério.

A leniência do Estado democrático de Direito cobrou um alto preço. Assim como os nazistas que usaram da Constituição de Weimar para chegar ao poder e, a posteriori, destruir seus postulados, Bolsonaro seguiu pelo mesmo caminho. Se tivesse sido processado pelas falas inconstitucionais poderia – a probabilidade era alta – terminar na cadeia e sem direitos políticos. Contudo foi tratado como um falastrão quando era, na verdade, um inimigo visceral das liberdades democráticas. 

Hoje continua o mesmo. A diferença — e que diferença! — é que está comandando o Executivo federal com todos os poderes concedidos pela Constituição. E o presidencialismo brasileiro acaba amarrando as mãos dos cidadãos mesmo quando há um governo que comete sucessivos crimes de responsabilidade. Enquanto no parlamentarismo quando o gabinete perde sustentação parlamentar é substituído por outro governo, no presidencialismo resta a processo de impeachment que é relativamente lento, tanto no caso de crime de responsabilidade (como com Fernando Collor e Dilma Rousseff) ou infração penal comum (o que nunca ocorreu até hoje).

Disse recentemente o senador Tasso Jereissati que “é preciso parar esse cara.” Poucos discordam. Mas como parar se o próprio senador é contra o processo de impeachment? É descartada possibilidade de que Bolsonaro se converta à democracia. Para ele — e sua história demonstra isso de forma inequívoca – não há nenhum caminho de Damasco. Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Nesse sentido ele é absolutamente transparente. Volto à questão: parar como, senador? Estimular que ele renuncie? É improvável que vá aceitar. Só pensaria nesta possibilidade se visse ameaçado seus direitos políticos em um processo de impeachment.

Esta crise é a mais complexa da história republicana. Em 1992 e 2016 tivemos a conjunção de crise econômica com crise política. Aí veio o impeachment. Agora temos um fator complicador e ausente nas crises anteriores: o isolamento diplomático. Mas o pior é a segunda diferença: a pandemia que completou um ano e nada indica que deva estar encerrada nos próximos meses. Continuar assistindo a derrocada do governo sem nada fazer é um crime de lesa-pátria. Sem ação política Bolsonaro vai caminhar para a ditadura.