fabricio queiroz
Merval Pereira: Com qual roupa?
Discute-se no entorno do presidente se ele deve largar de lado a fantasia que usou nos meses recentes e reassumir seu verdadeiro eu, agressivo e desbocado, ou se deve continuar calado, sem se manifestar, como se fosse uma pessoa sensata que pensa antes de falar.
A cautela que manteve desde a prisão de Fabrício Queiroz, recomendada pela imprevisibilidade das consequências, trouxe dividendos para sua melhora de popularidade, ou ela deveu-se apenas ao auxílio emergencial para a Covid-19?
As bravatas pessoais são características dos populistas. Collor já disse que tinha “aquilo roxo”, Trump se vangloria de suas proezas sexuais, Bolsonaro diz que não toma “aditivo” para fazer sexo, Putin aparece a cavalo, com o torso nu, para mostrar o físico de atleta, do qual se orgulha também Bolsonaro - Maçaranduba, que promete “porrada” e chama os críticos de “bundões”.
Cada um lida ou lidou com suas circunstâncias, mas nenhum tentou ser outra pessoa. A personagem “Lulinha, Paz e Amor” foi criada pelo marqueteiro Duda Mendonça para permitir a entrada do candidato do PT nas classes média e alta, que ele não atingia.
Acabou virando verdade, na aparência. Lula confessou certa vez que nascera para vestir bons ternos, se sentia mais à vontade neles do que com o macacão de metalúrgico. Mas Lula estava em campanha desde 1989, e a imagem que vendeu nas disputas que perdeu era seu perfil real, o “sapo barbudo”.
Quando se reinventou, em 2002, ganhou a eleição, para só retornar ao “sapo barbudo” no segundo mandato. Bolsonaro ainda está no primeiro estágio, comendo pão com leite condensado, vestindo camisa de time de futebol, usando sandália Rider, falando uma língua parecida com o português, naquele tom militar que o define.
Não precisou se reinventar para vencer a eleição, mas encontrou ambiente propício para suas bravatas, que já não existe mais. Mesmo levando-se em conta que Bolsonaro melhorou sua popularidade, ele só vence Collor nas pesquisas realizadas no mesmo período do mandato. Lula já teve 85% de popularidade, e os petistas costumavam gozar os 15% contrários: “Vivem em que mundo?”.
Hoje são mais de 60% com visão crítica de Bolsonaro. Como ele vem acelerando o processo, menos cauteloso do que a política recomenda, pode ser que apresse também seu fim. Nada indica que o caso do Queiroz vá terminar em pizza, tamanhas são as evidências.
Se comprovadas, as ilegalidades cometidas antes de assumir a presidência não poderão ser julgadas durante seu mandato. Mas ele pode ser investigado, e terá que explicar, por exemplo, por que a primeira-dama recebeu R$ 89 mil de Queiroz em sua conta bancária. Politicamente estará fragilizado, ainda mais que os filhos também estão envolvidos nessa investigação da “rachadinha”.
O senador Flavio Bolsonaro luta para garantir seu foro privilegiado, mas a jurisprudência atual do STF vai de encontro ao seu pleito, pois o caso teria ocorrido quando era deputado estadual, e o Supremo hoje entende que o foro é do cargo, não da pessoa que o ocupa.
Outro acólito metido em trapalhadas é o advogado Frederick Wassef, que pode envolver o presidente em casos atuais, ocorridos no decorrer desses primeiros meses de mandato. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já identificou pagamentos de serviços médicos para Queiroz feitos por Wassef, que o abrigava em uma casa em Atibaia, e depósitos de milhões de reais em sua conta de uma empresa de sua ex-mulher que tem contratos com o governo federal.
Bolsonaro pessoalmente usou seu prestígio, também chamado crime de “advocacia administrativa”, para que Wassef fosse recebido na Procuradoria-Geral da República para defender os interesses da empresa JBS, dos irmãos Batista. Wassef recebeu deles R$ 9 milhões por serviços prestados, mas não há esclarecimentos de que serviços seriam esses.
São casos graves no caminho de Bolsonaro para a sonhada reeleição em 2022. Ele vai ter que avaliar qual a melhor fantasia para tentar superar os obstáculos.
Ricardo Noblat: Queiroz, o operador financeiro da família Bolsonaro
O sofrido papel das primeiras-damas
Cada uma ao seu modo, e por motivos diversos, as primeiras-damas padecem tanto ou mais do que seus maridos por conta de encrencas em que eles se meteram e que elas desconheciam. Isso é especialmente verdade no caso dos presidentes da República eleitos pelo voto direto de 1989 para cá.
O primeiro foi Fernando Collor. Seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, certa vez disparou uma frase que se tornaria famosa: “Madame está gastando muito”. A madame Rosane Collor não sabia que seus gastos eram pagos pelo tesoureiro com sobras do dinheiro arrecadado para financiar a campanha do marido.
Collor foi derrubado por um pedido de impeachment. Antes de ser, sua última tentativa de manter-se no poder foi a desastrada Operação Uruguai, o falso empréstimo de 3,75 milhões de dólares contraído em Montevideo para justificar as elevadas despesas do casal e tirar da história PC Farias e as sobras de campanha.
Itamar Franco, que sucedeu Collor, foi um presidente solteiro. Ruth Cardoso soube pelo marido, Fernando Henrique, que ele tivera um caso amoroso com a jornalista Miriam Dutra e que era pai de um filho dela. O caso houve. Muitos anos depois, ficou provado que o filho, reconhecido pelo presidente, não era dele.
Marisa Letícia Lula da Silva morreu de um aneurisma cerebral. Mas nos meses que antecederam sua morte sofria com a situação enfrentada pelos filhos com o avanço das investigações da Lava Jato sobre o marido. Cobrava que Lula não confrontasse a Justiça, adotando uma postura mais moderada. Não foi ouvida.
Dilma não tinha marido para chamar de “primeiro damo”. Marcela Temer, uma primeira-dama do lar, dedicada à criação do filho, foi surpreendida pela revelação de que o marido fora gravado dentro do palácio onde moravam, e depois duas vezes denunciado por corrupção. Livrou-se das denúncias, mas não de ser preso depois.
Como deverá sentir-se a primeira-dama Michelle Bolsonaro com a descoberta feita pelo Ministério Público do Rio de que sua conta bancária era abastecida com dinheiro depositado por Fabrício Queiroz, à época chefe de gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro? Talvez nem soubesse que usavam sua conta.
Foram 27 depósitos entre 2011 e 2016, num total de 89 mil reais. Em 2018, um relatório do Conselho de Atividades Financeiras apontou depósitos no valor de 24 mil. Nada transpirou, para a sorte do marido candidato. Quando transpirou, ele acabara de ser eleito. Seria pagamento de um empréstimo que fizera a Queiroz.
Meses depois, Bolsonaro corrigiu-se. Disse que emprestara a Queiroz 40 mil. Agora, ainda não disse nada sobre os 89 mil reais, nem sobre o fato de que uma parcela desse dinheiro foi depositada na conta de Michelle por Márcia, mulher de Queiroz. Os dois estão em prisão domiciliar. Deverão ser ouvidos a respeito.
Depois dessa, é difícil que se sustente a desculpa do empréstimo. Pela conta bancária de Queiroz, no período entre 2007 e 2018 quando ele foi chefe de gabinete de Flávio, passaram mais de 6 milhões de reais – 1,6 milhão de salários pagos a ele, 2 milhões de depósitos de servidores do gabinete, 900 mil sem origem.
Por que um homem com tais rendimentos precisaria tomar um empréstimo de 40 mil reais a Bolsonaro? Por que servidores do gabinete depositaram na conta de Queiroz 2 milhões de reais? Só de despesas pessoais de Flávio e de sua mulher, está provado que Queiroz pagou 286 mil reais, e sempre em dinheiro vivo.
Suspeita o Ministério Público do Rio que Queiroz foi mais do que um financiador de Flávio, pagando despesas da família inteira. Como Paulo César Farias fez com parte dos Collor. Bolsonaro, o pai, conheceu Queiroz quando ainda servia ao Exército. Ficaram amigos. Foi ele que pôs Queiroz para cuidar de Flávio.
Ao longo de quase três décadas, segundo levantamento do jornal O GLOBO, a família Bolsonaro teve 22 dos seus integrantes empregados nos quatro gabinetes de Jair, Flávio, Carlos, o vereador, e Eduardo, deputado federal. Nos de Jair, Flávio e Carlos, Queiroz empregou sete dos seus parentes desde 2006.
No slogan de sua campanha, que virou também uma marca do seu governo, o presidente Bolsonaro fala em Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos. Está na hora de atualizá-lo para destacar também a importância da família.
Volta a assombrar o fantasma da delação dos Queiroz
De casa para a prisão
Numa deferência especial do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça e candidato a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, Fabrício Queiroz foi tirado de detrás das grades e posto em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. A mulher de Queiroz, Márcia, que fugira, reapareceu, aconselhada por Noronha a ir cuidar do marido.
Com isso, deu-se por exorcizado o demônio da delação da família Queiroz que assombrava a família Bolsonaro. Delação não só do casal, mas possivelmente de uma de suas duas filhas que foram também empregadas nos gabinetes de Flávio Bolsonaro, hoje senador, e do pai, hoje presidente da República. Ocorre que a deferência de Noronha pode estar com seus dias contados.
O relator do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz é o ministro Felix Fischer, que estava de férias. Noronha, de plantão, atendeu ao pedido por meio de liminar. Recentemente, Fischer foi internado duas vezes para submeter-se a uma cirurgia, e deu-se como certo que ele demoraria a reassumir seu posto. Noronha chegou a sugerir que talvez jamais reassumisse.
Pois Fischer recuperou-se e está de volta. É um dos ministros mais rigorosos, ee não o mais rigoroso do tribunal. À espera dele está um parecer do subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, que qualifica Queiroz de “operador financeiro” do gabinete de Flávio e recomenda a sua volta à cadeia. Se isso acontecer, Márcia também irá para a cadeia.
E o demônio da delação ressurgirá.
‘Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra Bolsonaros’, afirma Andrei Meireles
Jornalista avalia repercussão da prisão domiciliar e do histórico de Queiroz na vida do presidente e de seus filhos, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“Fabrício Queiroz virou fantasma que assombra os Bolsonaros”, a afirmação é do jornalista Andrei Meireles, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho. “Ele sempre foi uma espécie de faz tudo para a família presidencial, cuidava desde a arrecadação à segurança do clã”, diz, em um trecho.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de julho!
Queiroz montou e operou o esquema das rachadinhas, devolução de parte dos salários por funcionários remunerados com dinheiro público, nos gabinetes parlamentares dos Bolsonaros. “O de maior escala foi no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual, no Rio de Janeiro”, lembra Meireles. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site.
A preocupação no entorno dos Bolsonaros, após a decisão do ministro Noronha, é o advogado Frederick Wassef. “Ele se sente credor da família e recusa todos os conselhos para submergir. Vaidoso, adora holofotes. Em suas seguidas entrevistas, vem apresentando teses delirantes sobre a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega e as ameaças a Fabrício Queiroz ‘por forças ocultas’”, escreve Meireles.
O que mais incomoda o governo, de acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática Online, é sua dificuldade em dar uma versão crível sobre a sua atuação, em seu papel de “anjo” para os Bolsonaros. “Ele não consegue explicar, por exemplo, quem lhe autorizou a comandar a operação clandestina para esconder Queiroz em suas casas em São Paulo”, afirma.
Outra sombra do passado que acua Bolsonaro, segundo Meireles, é o avanço em diversas frentes sobre o exército de robôs que ajudou a elegê-lo e faz guerra permanente contra todos os seus adversários. “Nos inquéritos e na CPI sobre fake news em Brasília, e nas medidas profiláticas tomadas pelas redes sociais Facebook e Instagram, a tropa montada pelo filho Carlos Bolsonaro, o 02, está sob intenso tiroteio”, observa o autor.
Leia mais:
Mudez de Bolsonaro é recuo tático para conter impeachment, diz Paulo Baía
Brasileiros estão mais vulneráveis à depressão e ansiedade na pandemia
Intolerância e autoritarismo levam o país para trás, afirma Marco Aurélio Nogueira
Falta de liderança é um dos ‘fatores muito graves’ para combate à Covid-19, diz Luiz Antonio Santini
‘Educação muda vida das pessoas e transforma sociedade’, diz Sérgio C. Buarque
Pesquisas apontam cansaço da opinião pública com Trump, diz José Vicente Pimentel
Política Democrática Online: No Silêncio, Bolsonaro costura sua base parlamentar
Falta de liderança na pandemia e depressão são destaques da Política Democrática Online
Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online