Fabio Graner
Fabio Graner: Reforma tributária exige debate, não tumulto
Ofuscado pelo tumulto gerado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma tributária merece ser amplamente discutido pelo Congresso e pela sociedade. O texto mostra uma evolução importante em relação às PECs originais (45 e 110), porém, nasce com algumas lacunas que também precisam ser debatidas, entre elas não atacar a questão da baixa tributação sobre renda e patrimônio.
O substitutivo apenas tangencia o assunto ao reforçar na Constituição o princípio da progressividade fiscal, garantindo sua aplicação no imposto sobre heranças e doações (ITCMD) e no IPVA.
Ao Valor Ribeiro diz que não se trata de omissão. Como as duas PECs originais são centradas na tributação de consumo, seu relatório teve foco nisso, justifica. “Até porque muita coisa de renda pode ser por lei, infraconstitucional. Eu me referi à renda e patrimônio, reforcei o caráter de progressividade. Nós registramos isso e deixamos aberto para os parlamentares fazerem essa contribuição e, se todos entenderem que é devido, não serei eu que vou dizer que não é. Pelo contrário.”
O relator vai receber nos próximos dias sugestões para seu texto, que, pelo calendário da comissão, pode ter uma nova versão contemplando as contribuições no próximo dia 11.
A despeito de Lira ter anunciado a extinção das comissões, o relator mantém o tom diplomático e diz acreditar que seu texto conseguirá ser bem-sucedido no Congresso. “Eu vejo possibilidade de avançar. Os presidentes das duas casas, Rodrigo Pacheco [Senado] e Arthur Lira, disseram que a reforma tributária era prioridade. Reforma tributária é o que eu defendo. Ajustes tributários são outra coisa, não se tem impacto na economia como na reforma”, disse, em crítica indireta à tese de fatiamento do governo. “Eu defendo reforma ampla e confio na liderança dos presidentes para que esse tema possa avançar.”
Ribeiro destaca no relatório a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em duas fases, iniciando-se com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) do governo federal por dois anos e no terceiro ano incorporando o ICMS e o ISS. Esse desenho, admite, foi feito para atender a equipe econômica.
Ele disse ter recebido muitos retornos positivos. “Acho que é importante a mudança estrutural na tributação do consumo. Isso vai de fato transformar o país. Hoje acho que temos um texto para ser debatido. Temos uma legislação única que tributa o consumo e não mais bens e serviços de forma diferenciada”, afirmou.
Ex-secretário da Receita Federal, o professor da FGV Marcos Cintra elogiou o relatório, mesmo não sendo simpático à tese de um IVA nacional. Para ele, o texto corrigiu problemas de “falta de realismo” na PEC 45. “Ele manteve o que tinha de bom na PEC 45, crédito financeiro, tributação no destino, unificação administrativa, e tirou o que era irrealista, como a universalidade, ao abrir exceções para o Simples, Zona Franca de Manaus, autorizar regimes especiais e permitir alíquotas menores para setores como saúde e educação.”
Cintra, porém, elogia a decisão de Lira e avalia que, com extinção das comissões, a PEC 45 está morta e abriu-se espaço para a CBS e o Imposto de Renda avançarem na Câmara, pois não há necessidade de quórum constitucional. Além disso, avalia, o relatório de Ribeiro pode tramitar sem problemas no Senado e avançar no Congresso, se conseguir apoio.
Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, o substitutivo, “embora bem feito, parece ter acolhido pouquíssimas manifestações dos setores empresariais”. Ele cita que não foram acatadas algumas sugestões relativas à compensação de créditos tributários acumulados no passado e critica regra de que os novos créditos do IBS só existirão após a comprovação do pagamento do tributo na etapa anterior (fornecedor). “Eu diria que aqueles que pagam a conta não foram muito ouvidos. E isso é particularmente grave num momento em que a recuperação econômica nem começou ainda.”
Há muitos aspectos de mérito ainda a se analisar do texto. Porém, não podemos escapar da tentativa de entender o embate político que Lira trouxe para a luz do dia. O chefe da Câmara anunciou que a comissão mista estava extinta ainda durante a leitura do texto. Para além da descortesia política, o mais grave foi que ele adicionou incerteza sobre o destino de uma reforma absolutamente necessária e sobre a qual já repousa justificado ceticismo, diante de décadas de fracassos.
Seus aliados apontam que a intenção de Lira seria acelerar o processo reformista. Isso porque o tema agora foi para o plenário, o que daria a ele maior controle sobre seus próximos passos. Se isso for verdade, ganha força a tese de reforma fatiada sem mudanças imediatas na Constituição e que priorize a CBS e as mudanças no Imposto de Renda, como ainda defendem o governo e o próprio Lira.
Uma das questões importantes é saber se as ações mais recentes do parlamentar não deixam rastro de mágoa e contrariedade que inviabilizaria essa alternativa. Na terça mesmo ficou claro que sua decisão não foi bem recebida por boa parte dos seus pares.
O presidente do Senado se posicionou pela continuidade da comissão e parlamentares dela também reagiram, lembrando que a discussão no colegiado era parte de um acordo. Ontem, os secretários estaduais de Fazenda emitiram nota contra a extinção da comissão mista e defenderam a continuidade dos trabalhos. A decisão de Lira, segundo a nota, foi desrespeitosa.
Cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Cesar avalia que o presidente da Câmara agiu movido por interesse em retomar o protagonismo perdido com a CPI da Pandemia, por rivalidade política com o grupo do seu antecessor, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo sonho de aparecer para o mercado financeiro como grande artífice da reforma. Para ele, a atitude deixa sequelas que dificultam o avanço dessa reforma. “Ele não combinou com os russos e a coisa ficou mal construída”, disse, apontando risco de o Senado engavetar a reforma fatiada.
A dúvida que persiste é se a série histórica de fracassos da reforma tributária prevalecerá ou se, como na Previdência, a inércia será quebrada. Nessa disputa, construir pontes ajuda muito mais do que movimentos bruscos e imprevisíveis.
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/reforma-tributaria-exige-debate-nao-tumulto.ghtml
Fabio Graner: O desafio de manter a retomada da economia
Parte da reação mais rápida do que o previsto se deve ao pagamento do auxílio emergencial, que deve terminar abruptamente na virada do ano
Em meio à tristeza de 150 mil mortes pela covid-19, a economia brasileira apresentou nas últimas semanas uma série de dados positivos. Números como a alta recorde das vendas do varejo motivam revisão generalizada de previsões para o PIB.
O movimento mais recente foi do Banco Mundial, que havia irritado o governo com sua catastrófica projeção de queda de 8% e que passou a prever recuo de 5,4% no ano. Ainda é um tombo feio, mas embute uma recuperação bem mais rápida.
Nos bastidores, a equipe econômica tem comemorado o ritmo de expansão e acreditam que isso terá continuidade. A visão é que o setor de serviços começará a ter um ritmo melhor daqui para frente, consolidando a recuperação do PIB.
Mas é necessário cautela. Os dados que mostram forte ritmo no varejo e na indústria têm efeito de medidas como o auxílio de R$ 600 pagos a quase 70 milhões de pessoas. Só isto já injetou R$ 237 bilhões na economia. A partir de setembro, porém, ele foi reduzido a R$ 300 e assim deve seguir até dezembro.
Como a economia se comportará com o corte pela metade de seu principal impulso fiscal? É verdade que o auxílio e outras medidas, como a liberação do FGTS, devem injetar cerca de R$ 150 bilhões entre setembro e dezembro. Não é pouco. Mas a dúvida mais inquietante é para 2021, quando não só o auxílio, mas os outros programas, como o benefício para o emprego e as ações de crédito às empresas, chegam ao fim. Qual será a resposta do setor privado à contração fiscal prevista, em meio às sequelas deixadas pelo coronavírus, como os milhões de desempregados e o fim de milhares de empresas?
A equipe econômica parece mais preocupado em sustentar o discurso de que a partir de 1º de janeiro a vida fiscal do país volta ao limite do teto de gastos, salvo uma segunda e forte onda da covid-19, do que em responder a essas perguntas.
É preciso reconhecer que de forma geral, Paulo Guedes e sua equipe tiveram uma ação econômica correta, com medidas relativamente bem calibradas - sem, claro, esquecer da atuação do Congresso em seu desenho final. Essa retomada do crescimento reflete isso, ainda que não se deva deixar de comentar que o resultado final seria muito melhor não fosse a sabotagem do presidente da República às medidas de isolamento social, que prejudicou o combate ao vírus e até hoje cobra seu preço em vidas e resultados econômicos.
Agora, cabe se discutir a transição da política econômica. É verdade que esse processo já começou com a redução do auxílio emergencial, mas seu fim parece abrupto em 2021. O problema é que a vida no tecido econômico não muda só porque o calendário passou de 31 de dezembro para 1º de janeiro. E aí reside uma enorme incerteza.
Documentos do próprio governo lançam dúvidas sobre a persistência desse ritmo de recuperação. Em seu relatório de inflação, o Banco Central disse que a ausência de uma clara retomada do mercado de trabalho “pode impor restrições à velocidade futura de recuperação da economia, especialmente após redução das transferências extraordinárias”.
Já o Ipea aponta que a questão relevante é como manter a economia em ritmo satisfatório, no restante do ano e ao longo de 2021. “O desafio reside em buscar um ritmo adequado de transição das medidas excepcionais de política voltadas para a preservação de empregos, renda e produção para um regime de política que continue a prover suporte ao setor produtivo e assistência aos mais necessitados, mas que seja fiscalmente sustentável”, diz.
É essa sinalização que a equipe econômica falha em dar. O problema não é trivial, dada o elevado endividamento do país. Mas o desempenho do PIB é parte do processo de ajuste fiscal. O ponto é que a discussão econômica se tornou binária em torno do teto de gastos, algo que equivocadamente tem sido estimulado pelo próprio Ministério da Economia. É um tudo ou nada que já está cobrando o seu preço.
“A grande questão é como se consegue tirar o estímulo fiscal sem causar uma recessão. É muito difícil a economia resistir a uma retirada de estímulos de 8% a 10% do PIB. Devia ser gradativo, enquanto o setor privado vai se recuperando”, comentou o pesquisador do Ibre/FGV e ex-secretário de Política Econômica, Manoel Pires.
Ele explica que não é uma questão de calendário, e sim econômica. “Tem o outro lado: é evidente que isso pode gerar outra crise se não houver clareza sobre como retirar esse incentivo fiscal. Tem um dilema de curto prazo a ser resolvido”, afirmou, explicando que isso deve ser feito sem se descuidar de uma solução fiscal de longo prazo para o país.
Para a especialista em contas públicas e procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane, planejar a transição de 2020 para 2021 “é esforço de justiça fiscal que pode ser feito de forma transparente e equilibrada até para que seja resguardado o custeio dos serviços essenciais”.
Ela lembra que o pais já alterou o teto para repassar os recursos do petróleo e adotou o Orçamento de Guerra diante da necessidade da pandemia. “Não podemos interditar reflexão equitativa sobre nossas regras fiscais em um plano bienal de enfrentamento da pandemia”, disse a procuradora ao Valor.
Guedes tem discutido com o Congresso uma boa e engenhosa ideia: prever de forma permanente, dentro da PEC do Pacto Federativo, a possibilidade de se acionar o Orçamento de Guerra, que hoje só vale para essa pandemia. A medida poderia ser uma saída caso haja uma intensa segunda onda de covid-19 no Brasil, que force uma ação do governo em 2021.
Mas esse arcabouço jurídico poderia ser complementado, definindo-se alguma margem de manobra para o governo fazer uma retirada gradual desse tipo de estímulo, mesmo com a “operação de guerra” já encerrada. Isto evitaria o que Pires chama de “abismo fiscal”.
Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, faz sentido falar em algum mecanismo de transição para o início de 2021. Mas ele alerta que isso só é viável se o país demonstrar compromisso de voltar ao teto de gastos, com a adoção de medidas estruturais de ajuste fiscal. “Tem que ter força política e mostrar que quer o teto”, afirmou.
Ao defender com unhas e dentes o teto de gastos, Guedes e sua equipe miram na confiança de investidores do mercado financeiro. Falta também falar com o restante da sociedade.
Fabio Graner: Crescimento ainda está distante do ideal
Apesar da melhora que parece contratada para o PIB deste ano, não há motivo para euforia
O Ministério da Economia se prepara para lançar ainda neste primeiro bimestre uma nova versão do programa Brasil mais Produtivo, política para aumentar a produtividade nas plantas industriais.
O objetivo dessa nova fase será apoiar cerca de 200 mil empresas em até quatro anos. Os esforços de aumento de produtividade não serão apenas voltados para o setor industrial, como na versão criada no governo Michel Temer. Incluirão também as empresas de pequeno e médio porte dos setores de serviços e comércio.
O projeto original prestou consultoria para cerca de 3 mil empresas entre 2016 e 2018. Seu relançamento havia sido prometido pelo secretário especial de Competitividade, Carlos Da Costa, ainda no início de 2019, mas só agora a medida está ficando pronta.
O Valor apurou que um dos objetivos do novo programa é colocar as empresas industriais na trilha da chamada indústria 4.0, que tem alto grau de digitalização e informatização em seu processo produtivo. Na versão original, o objetivo era mais modesto: melhorar os processos no “chão de fábrica”.
Ainda não há muitos detalhes sobre a iniciativa, que deve contar com recursos orçamentários e do Sistema S. De qualquer forma, evidencia correta preocupação do governo em fomentar a produtividade e dar horizonte mais sustentável e robusto de crescimento ao país.
A questão que se coloca é se o que a área econômica tem feito e pretende fazer, como esse novo programa, é suficiente para atender às enormes necessidades do país, que ainda não voltou aos níveis de produção, emprego e renda anteriores a 2015.
Há um amplo consenso entre os economistas de que a economia está em aceleração. Os cenários variam entre os mais pessimistas, com expansão ao redor de 2% ou pouco abaixo, e os mais otimistas, que já enxergam o PIB subindo na casa de 3% em 2020. O Ministério da Economia oficialmente prevê alta de 2,3%, mas está revendo os números. Algumas fontes oficiais apostam que o PIB poderá crescer acima de 3% neste ano.
Apesar da melhora que parece contratada, não há motivo para euforia. Como bem coloca o economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador do Ibre, o país vive fase de “expectativas rebaixadas”. “Os dados econômicos no Brasil apresentam claros sinais de melhora. O PIB do terceiro trimestre avançou 0,6%. Este resultado, apesar de positivo, não tem nada de excepcional”, diz.
Para ele, em análise no Blog do Ibre, a lenta recuperação e o elevado desemprego normalizaram padrões baixos. “O que antes era visto como uma estatística econômica ruim passou a oferecer uma perspectiva mais positiva da economia. O atual modelo econômico entregou taxas de juros mais normais, mas ainda precisa mostrar capacidade expressiva de geração de emprego e crescimento e de melhoria das condições gerais de vida da população”, diz Pires. Há poucos anos, lembra, um crescimento de 3% era visto como decepcionante pela sociedade.
Ele defende medidas como uma reforma para ampliar e dar mais previsibilidade aos investimentos públicos. “Devem constar em um orçamento plurianual que garanta recursos ao longo do tempo para sua execução, sem interrupções. Devem ser iniciados com projetos executivos prontos e aprovados e devem passar por avaliação de custo benefício, mas não devem ser tratados como algo efêmero porque não são. Não é aceitável ver viadutos desabando como assistimos nos últimos anos”, sugere.
O professor de economia da UnB José Luis Oreiro espera uma expansão de no máximo 2% para o PIB neste ano. E diz que mesmo o consenso do mercado, de alta de 2,5%, é “medíocre”. Para ele, medidas como a liberação do FGTS deram algum impulso para o consumo, mas com fôlego limitado. Ele destaca que alta do emprego se dá em posições mais precárias, e a recuperação do setor de construção, em projetos de alta renda, inibindo resultados melhores no PIB.
Dessa forma, Oreiro defende a retirada dos investimentos públicos do limite do teto de gastos, como forma de alavancar o crescimento do país, impulsionando também a produtividade das empresas.
Paulo Gala, economista da Fator Administradora de Recursos e professor da FGV-SP, também concorda que o desempenho esperado para o país neste ano é muito abaixo do necessário. “Temos chance de crescer entre 2,5% e 3% neste ano, que é aquém do necessário mesmo para uma recuperação cíclica. E tenho dúvidas se isso se sustenta a partir de 2021”, diz.
Ele também é defensor de retirar os investimentos públicos, que estão no piso da série histórica, do teto de gastos. Isso, entende, seria necessário para fomentar o aumento da produtividade do país.
O economista tem se destacado por suas pesquisas e defesas de uma agenda de aumento da complexidade da economia nacional, que reverta a trajetória de primarização produtiva que tem ocorrido. Ele aponta a necessidade de apoio governamental para que o setor industrial volte a recuperar terreno na corrida tecnológica.
“A boa política industrial é aquela que ajuda a conquistar o mundo, e não a proteger o mercado interno”, salientou, defendendo que o governo mapeie os nichos de potencial apoio para estimular a inovação. Nesse sentido, ele aponta que o BNDES deve ter um papel importante, financiando projetos para elevar a capacidade tecnológica das empresas.
Segundo Gala, no passado o banco estatal errou ao financiar empresas que pouco contribuíram para o avanço da complexidade produtiva brasileira. E é a sofisticação do que se fabrica, na visão dele, que promove aumento de emprego, renda e crescimento econômico de qualidade e sustentável no longo prazo. “A China hoje já tem trabalhadores industriais com salários por hora maior do que dos trabalhadores brasileiros”.
Além de mais investimentos em infraestrutura e de uma nova política industrial, o economista defende que se evite uma valorização do real. “Eu não venderia reservas hoje. O câmbio é um pilar que garante que pelo menos parte dessa recuperação cíclica seja direcionada para a indústria”, salientou.
A equipe econômica acerta ao fomentar a produtividade das empresas com o novo Brasil Mais Produtivo. Mas faria bem em prestar atenção aos alertas acima, sem se conformar com o nível de crescimento que se desenha.
Fabio Graner: Salário mínimo, um dilema para Guedes
Com base em argumentos principalmente fiscais, aumento real do piso salarial oficial do país encontra forte resistência na área econômica do governo
Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aparentou flertar com a ideia de dar aumento real para o salário mínimo em 2020. Diante dos jornalistas, chegou a pedir para o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, fazer a conta de quanto seria o impacto adicional de subir 1% acima da inflação. Um tanto constrangido, Waldery informou: R$ 4,5 bilhões. Guedes evitou se comprometer, mas disse que tomaria uma decisão até o próximo dia 31.
Apesar do aceno do ministro, nos bastidores da área econômica há forte resistência à ideia, o que dificulta seu avanço. As preocupações maiores são de natureza fiscal, pelo impacto direto na Previdência e outras despesas indexadas. Mas os interlocutores do governo ouvidos pelo Valor também levantaram questionamentos sobre se essa seria a melhor política distributiva e para o mercado de trabalho.
“Aumento do salário mínimo tem impacto relevante nas contas públicas, devido ao fato de haver várias despesas indexadas. Na atual restrição fiscal, qualquer aumento de despesa implica maior dificuldade para estabilizar a dívida, bem como a necessidade de reduzir alguma outra despesa para reequilibrar o orçamento”, comenta uma fonte. “Geralmente será necessário reduzir investimentos ou outras despesas discricionárias, com impacto negativo na oferta de serviços públicos”, completa.
Outro interlocutor aponta que o salário mínimo no Brasil seria relativamente alto, considerando o universo de pobreza do país. “Se colocássemos cem brasileiros enfileirados, aquele que recebe o salário mínimo estaria na posição 72 ou 73, mais perto dos mais ricos”, explica a fonte. Esse mesmo integrante do governo lembra que quando começou a era Lula, em 2003, estava abaixo de 40% da “renda mediana”.
Também é mencionada a hipótese de que subir mais salário mínimo teria efeitos negativos sobre o emprego, desestimulando contratações ou até mesmo fomentando demissões. Favoreceria ainda a informalidade no mercado de trabalho. O debate sobre esse efeito é antigo e longe de um consenso entre economistas.
Para estas fontes, promover um aumento real nesse momento, ainda que pequeno, seria “um tiro no pé”. Passaria um sinal contrário em relação à política fiscal em um momento no qual o ajuste se consolida.
“Até toparia elevar se for cortar o fundo eleitoral”, ironiza um técnico, que sabe da impossibilidade política. “Mas espero sinceramente que não ocorra. O salário mínimo já subiu bastante, e reajustar pela inflação por três anos ajudaria bastante”, comentou. “O aumento do salário mínimo seria prejudicial à retomada do emprego formal. O reajuste real neste momento não parece uma política que eleve o bem-estar da população em geral”, sentenciou outra fonte.
Fora do governo, as opiniões variam. O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, defende uma política de longo prazo para o salário mínimo e apoia um aumento real modesto neste ano. “Acho que tem que dar um aumento real. É verdade que tem impacto fiscal, mas também tem um efeito social importante”, disse. “A decisão sobre o salário mínimo pode ajudar a dar um fôlego extra para as famílias. Mas é preciso ter equilíbrio”, avaliou.
Para ele, mesmo com a melhora da economia esperada para o ano que está chegando, o ritmo ainda é medíocre, dados os níveis de ociosidade. Por isso, um reajuste do piso salarial, com seu efeito sobre a demanda pode ser positivo. “Não sou do grupo que diz que não pode de jeito nenhum ter política de demanda.”
O economista do BTG Gabriel Leal de Barros se posiciona contra reajuste real. “Cada real de aumento tem grande impacto e gera um dano fiscal”, disse. “Como há um volume grande desempregados, a prioridade deveria ser a retomada do emprego mais do que um efeito preço. Isso poderia dar alguma ajuda para a economia, mas seria anabolizado e não sustentável”.
O ex-secretário de Política Econômica do ministério da Fazenda Manoel Pires reconhece a preocupação com a questão fiscal. Mas pondera que um aumento real de 1% não alteraria a direção do processo de ajuste e ainda contribuiria para a economia.
“Um reajuste real de fato seria contraditório com a PEC Emergencial, que congela o salário por dois anos. Parece justificável o governo não fazer um reajuste neste ano. Mas se o fizer, pode ser uma ajuda para a economia e não atrapalharia a direção do ajuste”, disse, acrescentando que o ritmo de crescimento esperado para 2020 é inferior ao necessário para o país. “Ter 2% ou pouco mais de crescimento econômico depois de três anos crescendo a 1% é ruim, muito aquém do que a nossa realidade econômica exige”.
De fato, apesar da euforia que começa a se consolidar em setores do governo e do mercado, os números projetados para o PIB (3% nos cenários mais otimistas de dentro e fora do governo) ainda não justificam que se solte fogos. E cabe lembrar que os índices de desemprego e a renda dos mais pobres estão muito ruins. Não à toa, apesar do melhor Natal dos últimos cinco anos na economia, pesquisa Datafolha divulgada ontem mostrou que cerca de um terço da população de renda mais baixa (até dois salários mínimos) acredita que a situação econômica do país vai piorar, o triplo do que era em comparação a um ano antes.
Há que se reconhecer que definir o salário mínimo não é algo trivial. Não se deve menosprezar as implicações fiscais. Ao elevar o piso do país acima da inflação e, portanto, do previsto no Orçamento, a regra do teto de gastos determina que outra despesa deverá ser cortada. E é público e notório que o espaço para isso é restrito. Por outro lado o crescimento econômico do país está se acelerando a um ritmo longe de ser brilhante. E isso tem implicações fiscais e sociais.
Uma alta real moderada, com seus cerca de R$ 10 a mais no bolso do assalariado brasileiro, poderia dar ânimo extra para quem tem sofrido mais com essa longa recessão/estagnação. E, com seus efeitos multiplicadores, reforçar a retomada da atividade.
Mesmo que estatísticas coloquem o salário mínimo como alto no Brasil, os pouco mais de R$ 1 mil pagos mensalmente para milhões de trabalhadores efetivamente não o são. Esse dinheiro extra faria diferença, inclusive para aqueles com renda inferior ao piso, que se beneficiariam indiretamente. Longe de ser um ato de populismo, faz sentido econômico. Que o espírito natalino ajude o ministro a tomar a melhor decisão.