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RPD || Frederico Bussinger: Arco Norte - Nova fronteira logística, econômica e ambiental
Portos da região se destacam e ganham importância no escoamento de soja e milho. Desafio é tornar a logística mais eficiente
Certamente historiadores e geógrafos encontrarão origens mais remotas. O que pode ser afirmado é que na segunda metade dos anos 1990 a expressão Arco Norte já se tornara usual. E, formalmente, ela parece ter debutado no Plano Plurianual 2000/03 (Programa “Avança Brasil”) para se referir à “região lá em cima; Roraima e Amapá” e embalar um conjunto de ações estruturantes: além de rodovias, portos e hidrovias, também gás e energia elétrica. Isso sob a estratégia de “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”.
No passado mais recente, a expressão vem sendo crescentemente utilizada em sentido mais estrito: de “Saída Norte”; conceito mais logístico. Este foi antecedido pelos “Corredores” do plano de ação do biênio 1993/94 (“Reconstruindo as Artérias para o Desenvolvimento”); plano que já sinalizava a intermodalidade e previa dois deles naquela região. Este, por sua vez, foi precedido pelos “Corredores de Exportação”, integrantes dos dois “Plano Nacional de Desenvolvimento – PND” (PND-I e PND-II) dos governos militares (anos 1970/80).
O mapa do Brasil, aprendemos no Primário, já foi dividido no sentido norte-sul pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Nas últimas décadas, passou a sê-lo por uma linha leste-oeste que demarca o limite sul do chamado Arco Norte.
A linha do Tratado (Belém-PA a Laguna-SC) foi fixada como fronteira entre dois reinos (Portugal e Espanha); por conseguinte, um referencial geopolítico. Já a do Arco Norte é uma linha imaginária aproximadamente sobre o Paralelo-16S: grosso modo, Cuiabá-MT, Brasília-DF, Ilhéus-BA. Diante do deslocamento da fronteira agrícola brasileira em direção ao noroeste, o conceito se impôs e foi imaginado como referencial logístico prático: seria o centro de uma faixa da qual tempos e custos para acessar os portos do Sul/Sudeste praticamente se equivaleriam aos da “Saída Norte”. Apesar de informal, o termo é usado regularmente pela imprensa, centros de pesquisa, na literatura e, até nas estatísticas oficiais.
A área que o Tratado reservou a Portugal foi de 2,8 milhões de km2 (32% do atual território brasileiro); ao passo que a do Arco Norte é mais que o dobro: 6,4 dos atuais 8,5 milhões de km2 (3/4; 75%). Além de grande número e extensão de unidades de conservação, assentamentos, terras indígenas e quilombolas, essa vasta região abarca diversas sub-regiões com características e vocações mais uniformes; como a emergente MATOPIBA: 73 milhões de hectares dos estados de MA, TO, PI e BA.
A saída do atual quadro de crises superpostas, que vive o país e a população brasileira, o estabelecimento do tal novo-normal e mesmo o futuro do Brasil, certamente passa pelo Arco Norte. Não se trata de miragem: a região já é responsável por parcela significativa da produção energética brasileira, bem como da produção e exportação mineral e agrícola. Só de soja e milho, por exemplo, em 2020, nela foram geradas 148,6 milhões de toneladas (2/3 da produção nacional), e exportadas 42,3 Mt (31,9 %). Nos últimos 10 anos, o aumento da sua produção foi de 2,1 vezes, ao passo que o das exportações, 5,9 vezes!
Consagrou-se, entre nós, o bordão: “Até a porteira a agricultura brasileira é competitiva. O problema está da porteira até o porto”; ou seja, na logística. Os dados acima, porém, recomendam melhores análises e explicações: teria a exportação crescido quase o triplo do crescimento da produção se a logística, de uma forma ou de outra, não tivesse dado conta do recado? Imagine, então, se a logística fosse mais eficiente!
O desafio logístico do Arco Norte, assim, é transitar de uma logística limitada para uma logística mais eficiente. E isso não só para exportações, mas também para o abastecimento da população da região que padece, igualmente, para levar as crianças à escola, ser atendida na limitada rede de saúde... mormente nas épocas de chuva.
Ou seja, a transformação da logística do Arco Norte transcende o mero escoamento de cargas e transporte de pessoas: pode ser instrumento de reordenação da ocupação do território, de mudança do perfil da atividade econômica e da organização social. Na linha dos “Corredores de Desenvolvimento”, difundidos pelo Banco Mundial e outras agências multilaterais.
A Amazônia tem tradição de megaprojetos abandonados, inconclusos, cujos cronogramas se arrastam por anos a fio, e/ou que deixam rastros de destruição não solucionados. Mas, além disso, há vários gargalos e desafios nessa trajetória de transformações: planejamento e gestão multimodal da logística; (des)coordenação das ações dos órgãos públicos; pirataria na navegação e roubo de cargas nas estradas; sincopados bloqueios de estradas e ferrovias; funding para os projetos (em geral bilionários); e estabilidade regulatória (imprevisível). E o estrategicamente mais importante: equilíbrio entre o produzir e o preservar.
Parodiando conhecida marca esportiva: just do it!
*Frederico Bussinger é consultor, engenheiro e economista. Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência, e Mediação e Arbitragem. Foi Secretário Executivo do Ministério dos Transportes e Secretário Municipal de Transportes (SP-SP). Presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e CONFEA. Diretor do Metrô/SP, Departamento Hidroviário (SP) e CODESP. Presidente do CONSAD da CET/SP, SPTrans, RFFSA; da CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro do CONSAD/Emplasa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização – PND.
RPD || Julia Braga: Inflação de commoditites e dólar
País precisa reavaliar estratégias dos setores de energia e alimentos para superar a crise econômica, política e institucional
O aumento do preço das commodities afeta o mundo inteiro, levando a um quadro de inflação global. No Brasil, a inflação é maior que em outros países. Como explicar essa inflação mais alta que a média global?
O preço da energia para a combustão ou energia elétrica disparou esse ano. São causas desse fenômeno: a demanda do mundo digital da era pandêmica por energia elétrica, um conjunto de fatores climáticos, assim como a rápida transição energética na China, com a troca do carvão pelo gás natural para a geração de energia elétrica. A crise hídrica no Brasil, por sua vez, fez requereu o uso mais intensivo de termelétricas, incluindo aquelas movidas a gás natural.
Como uma commodity é custo de outra commodity, o choque energético eleva os custos em toda a cadeia produtiva, incluindo a produção de alimentos. Em 2020, o preço das commodities agrícolas (grãos e carnes) subiu intensamente (28%), devido à política de segurança alimentar na China, que demandou mais grãos e carnes após a gripe suína de 2019. Em 2021, já acumulam alta similar (28% de janeiro a agosto), devido tanto a problemas climáticos (cada vez mais frequentes e intensos), como ao aumento dos custos de produção.
O Brasil é um importador de insumos e bens intermediários até mesmo para a produção de alimentos, com dependência externa de máquinas e fertilizantes. Os preços dos produtos importados e exportados no Brasil, em dólares, têm grande correlação histórica com a dinâmica dos preços das commodities. Ocorre que esses preços, cotados em dólares, foram majorados pela variação cambial.
O câmbio afeta não só os preços dos bens importados, mas também os do que exportamos. Isso porque ao produtor não interessa vender no mercado interno por um preço inferior ao que poderia ganhar exportando. Para bens homogêneos e transacionáveis com o resto do mundo, vale a lei do preço único nos diversos mercados locais. Assim como ocorre com a regra da paridade internacional da Petrobrás, o exportador converte para o real o preço em dólar praticado nos mercados internacionais. Isto é, o Brasil é tomador do preço que vigora internacionalmente.
O Banco Central mede o impacto conjunto da inflação de commodities e da variação cambial com o índice IC-br. De janeiro de 2020 a agosto de 2021 esse índice acumula alta de 71%, mesma magnitude de 2002, quando a inflação saiu da meta. A decomposição indica que praticamente metade dessa variação é devida ao aumento do preço das commodities (34%), e outra metade, à desvalorização cambial (28%). Isso significa que a variação cambial praticamente duplicou o choque de custos advindo dos preços em dólares das commodities. O que surpreende é a autoridade monetária não ter dado a devida atenção a esse índice.
O aumento da taxa de juros tem o efeito de valorizar ou pelo menos frear a desvalorização cambial. Como mostra a história do Regime de Metas de Inflação, o Banco Central acaba conseguindo trazer a inflação para a meta, mesmo ultrapassando o ano calendário. Mas há um elemento adicional que atrapalha o canal de transmissão da política monetária. Keynes chamava de incerteza forte: quando fica difícil atribuir probabilidade a diferentes cenários. O investidor precisa atribuir probabilidades para calcular risco e expectativa de rentabilidade.
O Brasil acumula uma crise de natureza econômica, política e institucional há mais de 5 anos. Mesmo as empresas brasileiras, diante de tanta incerteza, optam por não internalizar a receita das exportações, deixando esse volume de dólares no exterior, sem impacto no mercado de câmbio. Cabe ao Estado dar previsibilidade aos agentes econômicos. Para isso, não basta anunciar uma meta de inflação, que pode ser descumprida sem ônus ao presidente do banco. É preciso ter planejamento econômico.
A crise também mostra a necessidade de reavaliação das estratégias relativas aos setores energético e de alimentos. Uma prioridade deve ser o incentivo à agricultura familiar, que perdeu parcela significativa no orçamento público desde 2015, devido às regras fiscais de contenção de gastos públicos. Também é necessário debater uma regra de repasse da Petrobrás que permita suavizar, ao menos em algum grau, a forte intensidade das oscilações do preço internacional e da variação cambial (uma das mais voláteis do mundo) ao preço na bomba. Uma sugestão é um programa de recompra de ações dos acionistas minoritários, deixando a Petrobrás com mais poder para interferir no preço. Assim, os investidores não seriam prejudicados e, ao mesmo tempo, o Estado ganharia maior controle de sua política energética.
Essas políticas de caráter estrutural acabam facilitando o canal de transmissão da política monetária. Em contrapartida, como tem sido demandado de bancos centrais no mundo todo, o Banco Central do Brasil pode ter papel mais amplo de atuação em diversas áreas, facilitando o financiamento para o cumprimento de metas ambientais e sociais e as estratégias definidas no planejamento econômico.
Julia Braga é professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretora da Associação Keynesiana Brasileira
Arnaldo Jardim: Jogo bruto no comércio internacional
O Brasil tem uma pequena participação no comércio internacional, bem abaixo de sua dimensão como país em desenvolvimento.
Padecemos pela falta de agressividade da diplomacia brasileira nas organizações internacionais (OMC e outras), de sequelas da visão “nacionalista” que nos levou ao isolamento, e de ação empresarial mais articulada que busque estabelecer relações de médio e longo prazo.
Alias, mais do que isto, carecemos de um Projeto Nacional que contemple uma visão de como deve ser nossa inserção internacional, que defina por exemplo quais serão os setores em que, tendo vantagens competitivas e comparativas, possamos ter um protagonismo mundial e daí definirmos uma inserção no comércio mundial.
De qualquer forma, a exportação brasileira ganhou uma janela de grande oportunidade quando China e Estados Unidos travam uma acirrada guerra comercial, que inclui listas de produtos que serão tarifados, declarações acaloradas e desvalorização cambial chinesa como arma.
Trump anunciou em 22 de março que seu governo iria impor tarifas, que somariam US$ 50 bilhões, sobre produtos chineses. A intenção é punir a China que “se apropriou incorretamente de propriedade intelectual norte-americana” – o que o governo chinês nega.
Trump na realidade busca reverter o colossal déficit comercial dos Estados Unidos com a China, de US$ 375,2 bilhões em 2017, e assim aciona suas medidas protecionistas. Em resposta, o país asiático elevou, em até 25%, as tarifas sobre 128 produtos norte-americanos, que vão desde a carne suína congelada e vinho a certas frutas e nozes.
Tomara que as duas maiores potências mundiais se entendam e garantam o equilíbrio econômico mundial. Mas enquanto este entendimento não chega, é hora de mostrarmos nossa capacidade competitiva e ampliar nossas exportações, nossa participação no comércio internacional.
O Brasil pode ampliar a exportação de comodities, de produtos como algodão, milho e soja. No caso da soja vendida para a China, a demanda deve ser ainda maior com a quebra de safra de outro importante fornecedor do grão, a Argentina, os preços assim estão mais compensadores.
A soja é o principal produto da nossa pauta de exportação, este ano devemos exportar US$ 28,8 bilhões de dólares, ante US$ 25,7 bilhões no ano passado. Os chineses compraram cerca de 54 milhões de toneladas de soja brasileira de um total de 68 milhões que o Brasil exportou em 2017. A China é o principal destino das exportações de soja do Brasil, quase 80%.
Ao todo, os chineses compraram mais de 95,5 milhões de toneladas de todas as origens em 2017. É um número que o Brasil não tem como suprir por completo, mas poderá ter uma participação ainda maior.
A produção de soja do Brasil em 2018 deve atingir um recorde de 117,4 milhões de toneladas, permitindo ao País embarcar neste ano o maior volume da commodity em toda a história. A nova previsão supera tanto as 114,7 milhões consideradas em março quanto as quase 114 milhões do ano passado, como mostram dados da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove).
Com o aumento da safra, os embarques foram estimados em 70,4 milhões de toneladas, superando a previsão anterior (68 milhões) e o recorde do ano passado, de 68,15 milhões. É o reflexo da janela que se abriu com a Argentina sendo menos agressiva, e os preços melhores, com o fortalecimento do mercado de prêmio da soja brasileira sobre a cotação de Chicago.
No caso do milho, também houve reajustes positivos tanto para a primeira safra, já em colheita e que também tem apresentado rendimentos satisfatórios, quanto para a segunda safra, cujo plantio foi concluído recentemente e deve alcançar 11,54 milhões de hectares, acima dos 11,39 milhões de março e perto dos 12,1 milhões de 2016/17.
Em um momento comercialmente tão oportuno, é preciso que o Brasil se fortaleça como o grande fornecedor de alimentos, fibras e energia que é.
* Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP