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Evandro Milet: Tecnologia - Desemprego de um lado e vagas sobrando do outro
Evandro Milet / A Gazeta
O pai biológico de Steve Jobs(Apple) era sírio, o pai de Jeff Bezos(Amazon) é cubano, Sergey Brin (Google) nasceu na Rússia, Elon Musk (Tesla) é sul-africano e o brasileiro Eduardo Saverin foi um dos fundadores do Facebook. Em 2019, 45% das empresas listadas entre as 500 destacadas pela revista Fortune haviam sido fundadas por imigrantes ou filhos de imigrantes nos EUA.
E não é só isso. Além dos fundadores, executivos e técnicos de alto nível são imigrantes. Jony Ive(principal designer Apple) é inglês, Satya Nadella, indiano, é o atual diretor executivo da Microsoft e Pichai Sundararajan, conhecido como Sundar Pichai, também indiano, é o atual CEO da Google e da Alphabet.
Os Estados Unidos são sugadores de cérebros privilegiados de todo o mundo, pessoas habilitadas para serem aceitas nas suas grandes e exclusivas universidades de ponta. A busca dos brasileiros com alta qualificação profissional por um visto de permanência nos Estados Unidos ganhou força durante a pandemia. Para especialistas, a frustração com o mercado de trabalho por aqui - somada à política imigratória mais flexível do presidente americano Joe Biden - pode provocar um recorde no êxodo de mão de obra especializada.
Considerando apenas os pedidos feitos nos consulados do Brasil, a demanda pelo green card de profissionais de “interesse nacional” ou com oferta de emprego nos EUA subiu 36%, de 1.389 para 1.899, em 2020. Além disso, não é mais preciso se mudar para lá para trabalhar em uma empresa americana. O home office pode ser feito aqui mesmo, até na praia, recebendo em dólar.
Enquanto isso, um apagão de mão de obra tecnológica acontece no Brasil e no mundo, inclusive nos Estados Unidos, apesar de toda a imigração.
O fenômeno tem a ver, por um lado, com o fato de que hoje todas as empresas são, e serão cada vez mais daqui para a frente, tecnológicas, dado o impacto do mundo digital em todas as atividades empresariais, do marketing à produção, passando pelos recursos humanos, pela logística, pela administração e finanças, com mudança de perfis profissionais antigos e novas profissões.
Do lado da oferta de pessoal, a carência detectada de formação nas áreas STEAM(Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) cria o fenômeno de desemprego alto e vagas sobrando, por que não há pessoas capacitadas para as vagas que se apresentam.
Esse desbalanço provoca uma onda de contratação de pessoas antes de estarem formadas, empresas não exigem mais curso superior nas vagas tecnológicas, ainda mais que fica muito patente a defasagem de currículos nos cursos universitários, apartados da realidade das empresas.
O lado positivo é a enxurrada de novos cursos de formação de profissionais para a área de TI bancadas por empresas e por instituições que operavam formações diversas, incentivando profissionais de outras áreas a aprender programação.
A tecnologia também reage, criando plataformas de desenvolvimento sem código, que permitem que programadores e pessoas sem conhecimento de programação criem software aplicativo usando interfaces gráficas e configurações em vez da programação de computador tradicional.
Segundo a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), o Brasil forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico por ano. E a estimativa para o futuro não é boa: até 2024 serão necessários 420 mil profissionais na área.
Urge formar pessoal aos milhares para ocupar essas vagas, com o risco de atrasar qualquer projeto de recuperação econômica do país.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/tecnologia-desemprego-de-um-lado-e-vagas-sobrando-do-outro-1221
Evandro Milet: A Decodificadora da vida e a revolucionária edição genética
Estamos no limiar de uma nova era, promissora por um lado e extremamente perigosa por outro
Evandro Milet / A Gazeta
Há pouco mais de um século foram descobertos três núcleos fundamentais da nossa existência: o átomo, o bit e o gene. A era do átomo, a partir de Einstein, na primeira metade do século XX, nos levou à bomba atômica e à energia nuclear, aos transistores e às naves espaciais, aos lasers e ao radar
Na segunda metade do século XX começou a era da tecnologia da informação, baseada na ideia de que toda a informação poderia ser transformada em números binários. Com isso desenvolveu-se o microchip, o computador e a internet que fizeram nascer as revoluções digitais.
Chegou a vez do gene com a revolução das ciências da vida. “A Decodificadora”, biografia de Jeniffer Doudna, vencedora do Prêmio Nobel de química de 2020 (com Emmanuelle Charpentier), escrita por Walter Isaacson, traça não só a vida da pesquisadora, mas todo o ambiente da biotecnologia e da revolucionária edição genética, que começa a resolver problemas de doenças e teve papel fundamental na revolução das vacinas para covid-19. E vai além, nos dando uma esclarecedora visão de como funciona o avanço da ciência, nas universidades e empresas e entre grupos de pesquisa com suas descobertas, mas também conflitos, disputas de patentes, competição e ciúmes.
Durante grande parte do século XX, a maioria dos medicamentos se baseava em avanços da química. O surgimento da empresa Genentech, em 1976, mudou o foco da comercialização para o ramo da biotecnologia. Os novos tratamentos passaram a envolver a manipulação de células vivas, muitas vezes por meio do uso da engenharia genética.
Ao longo de bilhões de anos, as bactérias desenvolveram um jeito totalmente esquisito e impressionante de se proteger contra os vírus. E esse sistema é adaptável: cada vez que um novo vírus surge, ela aprende a reconhecê-lo e a derrotá-lo.
Doudna e equipe conseguiram desenvolver a ferramenta básica CRISPR, para replicar esse processo e permitir a edição genética que sinaliza com a possibilidade de eliminar e prevenir doenças antes incuráveis. Com essa técnica desenvolveram um meio de reescrever o código da vida. Uma alteração genética com repercussão para as gerações futuras.
A tecnologia de utilização de CRISPR levanta alguns problemas: a possibilidade de programar características de seres humanos com todas as implicações éticas e o risco de utilização de mudanças genéticas para criar organismos para guerra. Tratar doenças com edição genética é aceitável pela comunidade científica, porém há questões complicadas como a pergunta: “Por que não posso dar a meu filho benefícios genéticos que outra criança tem naturalmente?”
O Departamento de Defesa nos EUA já patrocina pesquisas para estudar como criar soldados geneticamente melhorados. Em princípio, a tecnologia poderia fazer “supermelhoramentos”, isto é, dar aos humanos habilidades como enxergar luz infravermelha ou ouvir em altas frequências. Poderia ser criada uma nova raça de atletas, com ossos maiores e músculos mais fortes.
Mas, mesmo que concordemos em livrar a humanidade da esquizofrenia e de doenças parecidas, deveríamos considerar se haveria algum custo para a sociedade ou até mesmo para a civilização. Van Gogh tinha esquizofrenia ou transtorno bipolar, assim como o matemático John Nash, Ernest Hemingway, Francis Ford Copolla, Gustav Mahler, Franz Schubert e Edgar Allan Poe. “Queremos viver em um mundo em que não há Van Goghs?”, pergunta o autor do livro.
Enfim, estamos no limiar de uma nova era, promissora por um lado e extremamente perigosa por outro.
Nos avanços passo-a-passo da biotecnologia, no trabalho dedicado e de muita cooperação científica, expostos em detalhes no livro, fica claro o ridículo das teorias que imaginam uma grande conspiração na indústria farmacêutica para esconder a suposta eficácia de remédios baratos em inexistentes tratamentos precoces. Teorias suportadas por profissionais que não conseguem distinguir o trabalho de cientistas do trabalho de médicos. Muita coisa rasteira que será superada pela ciência, cujo exemplo neste livro é definitivo.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/a-decodificadora-da-vida-e-a-revolucionaria-edicao-genetica-1121
Evandro Milet: O jeito político de dizer as coisas é diferente
Com contorcionismo, esperteza e muitas vezes de forma divertida, políticos de diferentes épocas e matizes ideológicos criaram seus próprios códigos e maneiras de definir a realidade
Evandro Milet / A Gazeta
O mundo político tem seus próprios códigos e maneiras de definir situações, algumas vezes com contorcionismos, outras com esperteza e outras até divertidas. Quando apanhados em situações comprometedoras e pressionados pela imprensa, políticos costumam alegar ser notícia requentada, ou uma ilação sem base, jogo político, manobra de adversários ou interesse eleitoral. Mas sempre explicando que as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas.
Se são confrontados com opções para o futuro ou cenários de crise, a saída é fazer como Marco Maciel, político pernambucano, quando tentavam cercá-lo, que dizia, em tom suave e enigmático: “É muito difícil falar sobre hipóteses, embora em política não se possa excluir hipótese alguma” ou “Fique atento, pode acontecer tudo, inclusive nada”.
A decantada esperteza mineira é outra fonte de inúmeras histórias e Tancredo Neves participa de várias, como a ocasião em que, eleito Governador de Minas, foi abordado por um correligionário ansioso e oferecido lhe perguntando o que deveria responder à sua base que lhe indagava se seria nomeado secretário. A resposta é uma aula: “Diga que foi convidado e não aceitou”. Também com origem na política mineira, uma reunião deve ser feita só quando o assunto estiver resolvido, nunca deixe seus inimigos sem saída e só se envia carta quando já se sabe a resposta . Isso é seguido na prática política em geral.
Quando um governante quer convidar alguém para um cargo, costuma sondar indiretamente o escolhido por um intermediário camuflado. O convite só acontece se a sondagem tiver resposta positiva. Essa esperteza não é só mineira. O ex-presidente argentino Juan Perón ensinava: “Quando quiser algo, nunca o proponha. Faça com que os outros o proponham, oferecendo, inclusive, certa resistência.”
“A política tem de ser entendida não pela racionalidade do ser humano, mas pela natureza humana, da qual a razão é apenas uma parte, e de jeito nenhum a mais importante”, afirmava o pensador conservador inglês Edmund Burke. Talvez por isso Benjamin Franklin ensinava que, quando você quiser convencer, fale de interesses em vez de apelar à razão. Em um filme sobre a revolução francesa, Robespierre diz a Danton: “cidadão Danton, não se faz política como está nos livros”.
A figura do adversário é predominante, muitas vezes transformado em inimigo na luta pela sobrevivência política, e pode levar a afirmações pesadas como a do poeta alemão Heinrich Heine: “Devem-se perdoar os inimigos, mas não antes que eles sejam enforcados”. Ou a do político britânico Alan Clark: “Não há amigos verdadeiros na política. Nós somos todos tubarões andando em círculos, esperando uma gota de sangue para aparecer”.
Ulysses Guimarães dizia que “se reconciliar com um antigo inimigo é comum, porém difícil é explicar para a família. Você conta em casa tudo que ele fez com você, mas esconde o que você fez com ele”.
A eleição é um momento crítico, mas há histórias de respostas rápidas e cortantes. Um cidadão desafiou Benjamin Disraeli (1804-1881), ex- primeiro-ministro britânico: “Eu, antes de votar no senhor, voto no diabo”. Resposta de Disraeli: “O.K., mas se o seu amigo não se apresentar, conto com seu voto”.
Muitas vezes se reclama de alguma posição, mas como disse um político francês, “não é que os políticos não saibam o que fazer. Eles não sabem como se reeleger se fizerem o que precisa ser feito”.
Escolher equipe pode ser um problema. Getúlio Vargas, conformado com a composição que teve que fazer, certa vez não se conteve : “Metade do meu ministério é totalmente incapaz, a outra metade é capaz de qualquer coisa.” Porém, algumas verdades são incontestáveis. Por exemplo, segundo Maquiavel, “o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”. Alguns não têm jeito e Millôr Fernandes foi na mosca em relação a alguns deles: “Chegou ao limite da própria ignorância. Não obstante, prosseguiu”.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-jeito-politico-de-dizer-as-coisas-e-diferente-1021
Cidades pré-inteligentes vivem os avanços e os problemas do mundo digital
Amazon escolheu Nova York como sua segunda sede, mas, para surpresa, iniciou-se na cidade uma rejeição à empresa
Evandro Milet / A Gazeta
Quando decidiu criar uma segunda sede, agora fora de Seattle, onde começou, a Amazon provocou uma disputa nacional entre cidades, interessadas no potencial da empresa de gerar empregos e de atrair outras iniciativas.
Acabou escolhendo Nova York pela quantidade de técnicos disponíveis e pela oferta de 3 bilhões de dólares em incentivos. Para surpresa quase geral, iniciou-se na cidade uma rejeição à empresa, como parte talvez de um movimento mais amplo de rejeição às grandes empresas de tecnologia, já denominado de techlash - junção das palavras “technology” e “backlash” (rejeição a um evento recente na sociedade ou na política).
Alegações de gentrificação (expulsão de pessoas nos arredores onde a empresa se instalaria), pelo encarecimento automático das moradias, se juntaram à antipatia dos sindicatos pela postura reativa da Amazon à sindicalização de empregados, ao volume de incentivos e a uma certa arrogância da empresa no diálogo com políticos locais. O fato é que simplesmente “não rolou” e a Amazon teve de se conformar que seu poder é grande mas não é ilimitado, apesar de empregar mais de um milhão de pessoas e prometer 40 mil empregos para a cidade.
Antigamente, as grandes empresas, normalmente da indústria, se localizavam perto de rios ou nos arredores das grandes cidades por problemas de poluição ou de manipulação de grandes equipamentos e cargas. Hoje, as grandes empresas de tecnologia desbancaram em tamanho e valor as empresas industriais e de petróleo e procuram se localizar onde exista pessoal técnico para contratar e onde a carga se mova nas redes e na nuvem. No caso da Amazon, claro, seus depósitos devem ficar em sua maioria nos arredores de estradas e aeroportos, mas o seu núcleo técnico quer morar e trabalhar nos grandes centros.
O problema da gentrificação atinge outro grande player, o Airbnb, que enfrenta reações com a fuga de moradores dos centros para alugar seus imóveis para turistas, por prazo curto, reduzindo a oferta para moradores com interesse em prazos mais longos, provocando mudanças na dinâmica da vida das cidades, bem como dos condôminos, obrigados a conviver com desconhecidos, muitas vezes com hábitos diferentes.
O mundo digital provoca outras situações-problema. O home-office, que explodiu com a pandemia, e os lockdowns, disseminaram um infindável número de entregadores de comida e e-commerce em geral, criaram as novas figuras das dark kitchens e dark markets que, de um lado, criaram conforto, mas também infernizam o trânsito.
Trânsito, aliás, que já provocava polêmicas trabalhistas e tributárias entre motoristas de aplicativos, taxistas e prefeituras. Se, no início, os aplicativos trouxeram melhores serviços, agora são criticados pelos cancelamentos arbitrários de corridas e pela escolha de destinos. E tem patinetes compartilhadas, scooters pelas calçadas, motoristas digitando no celular no trânsito ou distraídos nos semáforos. Com a nossa vida migrando para o smartphone, o seu valor cresceu e passou a ser o objeto de desejo da bandidagem.
Algumas coisas interessantes traz o mundo digital. Reconhecimento facial nas ruas, embora ameaçando a privacidade, câmeras ajudando a elucidar crimes e cidadãos fotografando e filmando tudo de errado e mandando para a imprensa e para as redes sociais.
Ainda seremos muito afetados pelo digital com as promessas de drones entregadores, robôs e veículos autônomos, mas falta a infraestrutura digital decente, mesmo ainda pré-5G, principalmente para estudantes nas escolas e nas residências de baixa renda.
Enquanto as maravilhas das cidades inteligentes não se apresentam em sua plenitude, o mundo digital vai impactando o ambiente, aos trancos e barrancos.
Publicado em A Gazeta em 09/10/2021
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/cidades-pre-inteligentes-vivem-os-avancos-e-os-problemas-do-mundo-digital-1021
Evandro Milet: Lições da ressurreição do WP - A democracia morre na escuridão
Washington Post mostra que uma gestão moderna e a adaptação adequada ao mundo digital conseguem recolocar a imprensa no seu lugar
Em agosto de 2013, Jeff Bezos, CEO da Amazon, pagou à vista 250 milhões de dólares e comprou, como pessoa física, o jornal Washington Post, que vinha de sete anos seguidos de perda de receita. Bezos declarou seu firme compromisso com a independência editorial do jornal e parecia ter pouco interesse em utilizar o veículo para qualquer propósito político.
O editor da página de opinião ofereceu sua demissão dizendo que “é plenamente legítimo que o proprietário tenha uma página editorial que reflita sua visão de mundo”. Nessa frase está a resposta para críticas nas redes sociais, de pessoas certamente sem costume de ler jornais(e há milhões nas redes), de que a imprensa tem que apresentar os fatos e deixar para o leitor sua interpretação.
Jornais podem ter colunas de opinião, sim. Colunistas fazem associações dos fatos, trazem novas visões e enriquecem as informações oferecidas aos leitores. Além disso, fica claro que proprietários de jornais colocam sua visão de mundo e isso é absolutamente normal.
A crise do Washington Post, não é diferente da que atinge toda a imprensa, principalmente pela queda dos classificados que migraram em massa para a internet. Da mesma forma, a impressão física entrou em declínio estrutural, com os leitores se acostumando com os formatos digitais. É engano acreditar que jornais teriam perdido a credibilidade por supostas publicações de notícias falsas ou por emitir opinião além dos fatos.
Perguntado porque teria comprado o jornal, Bezos respondeu: “É o jornal mais importante na capital mais importante do mundo ocidental. Eu seria louco se não o salvasse”. E acrescentou que achava fundamental ter uma imprensa forte e independente para garantir a saúde da sociedade e da democracia.
Bezos passou a usar toda sua experiência administrativa para transformar a gestão da empresa, principalmente no aspecto digital, sem interferir na independência editorial.
Entre 2014 e 2015, visitantes exclusivos dos sites e aplicativos do Washington Post cresceram 56%. Reduziu o tempo que as páginas da rede e gráficos complexos levavam para ser baixados e pediu uma métrica customizada capaz de medir o verdadeiro interesse do leitor pelas histórias, para saber se uma matéria era realmente instigante. Implantou uma cultura de experimentação, onde o erro por vontade de acertar não era penalizado.
Entre 2015 e 2018 a receita com anúncios saltou de 40 para 140 milhões de dólares e o número de assinantes digitais cresceu mais de 300%, ultrapassando 1,5 milhão pela primeira vez (em 2021 esse número chegou a 3 milhões).
De alguma forma, esse crescimento foi ajudado pelos níveis recordes de interesse político durante a caótica gestão Trump, que teve embates pesados com o jornal e com o próprio Bezos.
Uma atuação direta sua foi a criação do slogan que traduz, de forma enxuta, a missão do jornal: “A democracia morre na escuridão”.
O caso do Washington Post mostra que uma gestão moderna e a adaptação adequada ao mundo digital conseguem recolocar a imprensa no seu lugar.
A imprensa livre e independente tem fornecido as informações que circulam na internet e são reproduzidas como se fossem originais por comentaristas de segunda mão que proliferam nas redes, sem acesso às fontes primárias e sem a formação jornalística ou moral que assegurem credibilidade. Essa é a escuridão que ameaça a democracia em muitos países.
(Informações sobre o Washington Post tiradas do livro “Amazon sem limites” de Brad Stone publicado pela Editora Intrínseca.)
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/licoes-da-ressurreicao-do-washington-post-a-democracia-morre-na-escuridao-0921
Evandro Milet: O rei da confusão sem máscara em um domingo no parque
O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus
Evandro Milet / A Gazeta
O senhor está sem máscara. Aqui no Parque Manolo Cabral (também conhecido como Parque da Petrobras em Vitória) a regra exige o uso de máscara, avisava educadamente o funcionário a um senhor com a mulher, a filha e netinho no carrinho(todos sem máscara) em um belo domingo de sol ao meio-dia.
Isso é uma imbecilidade desse prefeito do PT, isso é coisa do PT, coisa de comunista, gritava o senhor. Não vou colocar máscara e quero ver o macho que vai me tirar daqui.
Desculpe, dizia o funcionário, mas meu papel é fazer cumprir o que é determinado.
Não vou colocar e está errado. Eu sou médico do Ministério da Saúde, continuava o senhor em altos brados.
A sua mulher rapidamente se afastou, certamente envergonhada, em direção à saída, enquanto a gritaria continuava. Ele foi atrás dela, chamando para voltar, sem sucesso.
Regra é regra, disse ela, incomodada e continuou indo embora enquanto ele andando mais rápido a alcançou com a filha e o carrinho.
Passaram por mim, já calados, sem máscara, em direção a um almoço em algum lugar, segundo o que ouvi enquanto, de máscara, eu continuava minha caminhada.
Várias conclusões se pode tirar do episódio. O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus. Até hoje o Governo Federal não lançou uma campanha incentivando as atitudes que o mundo inteiro adotou sobre isso, até porque o governante principal discorda, como o senhor do parque, e nem dá o exemplo.
Certamente teríamos menos milhares de mortos a essa altura, mesmo que não se fizesse lockdown, como muitos outros países fizeram com sucesso.
O episódio serve também para esclarecer porque as pesquisas de opinião para Presidente em 2022 apresentam uma diferença significativa entre o percentual de apoio masculino ao candidato incumbente e o apoio feminino, muito menor. A truculência é um hábito mais popular no universo masculino.
Outra conclusão é a ignorância ideológica que, aliás, grassa nos sites negacionistas. O Prefeito Pazolini, de Vitória, não tem nada a ver com PT. Nesses sites, quem não apoiar as teses negacionistas é de esquerda, comprado pela China e partidário de Cuba e Venezuela. Teorias da conspiração populares ali ignoram a realidade, como um delírio paranoico estacionado em 1989, antes da queda do muro de Berlim.
As pessoas ali se autodenominam conservadores, porém o conservadorismo moderno foi movimento surgido na Inglaterra para se contrapor às práticas da Revolução Francesa. Significa basicamente evoluir preservando as instituições democráticas. A democracia tem mecanismos de pesos e contrapesos para corrigir eventuais excessos dos poderes ao longo do tempo. Não se pode chamar de conservador quem defende intervenção militar, fechamento do Congresso ou do STF embora, surpreendentemente, digam que lutam pela democracia. Serão apenas golpistas.
Interessante observar que Brasil e Venezuela são os únicos países da América do Sul onde existe ainda um movimento envolvendo militares na política. Onde políticos fazem romaria aos quartéis para perguntar se vai haver golpe. Onde tanques fumacentos tentam meter medo nas instituições democráticas.
Não estamos em boa companhia. Porém, tranquilizador é ver o Presidente usando máscara e ouvindo discurso de defesa das instituições proferido pelo Comandante do Exército na sua presença. Menos mal. Melhor obedecer as regras para passear no parque.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-rei-da-confusao-sem-mascara-em-um-domingo-no-parque-0921
Evandro Milet: Capitalismo brasileiro consegue avançar aos tropeções
É animador, por exemplo, perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista
Evandro Milet / A Gazeta
Nós costumamos reclamar, com razão, das mazelas do capitalismo brasileiro. Capitalismo de laços ou de compadrio, insegurança jurídica, burocracia, protecionismo, custo de capital, lobbies setoriais, corrupção, subsídios indevidos ou intermináveis, manicômio tributário, legislação trabalhista, ambiente de negócios em geral etc. etc. etc.
Mas será que absolutamente nada mudou ou nada aconteceu de positivo nos últimos anos? Depois do desastre do governo Dilma, aprendemos o que é pedalada, que não se deve mascarar as contas públicas, que não se pode baixar juros na marra e que intervenções voluntaristas no mercado de energia geram contas mais altas. Aprendemos que apesar das reclamações, o teto de gastos segurou os jabutis que eram incluídos sistematicamente no orçamento e disciplinou a ideia de que despesas devem apresentar de onde vem a receita correspondente.
Aprendemos também que essa disciplina fiscal permitiu baixar juros provocando uma saudável debandada das aplicações de renda fixa para investimentos de risco e a explosão dos investidores privados na Bolsa e nas inúmeras startups que pipocam pelo país inteiro. Com isso, muitos financiamentos antes custeados pelo Tesouro no Bndes, com alto custo fiscal, foram substituídos por investimentos privados via IPO’s - que muitos não sabiam o significado - ou outras emissões.
Juros baixos também turbinaram a construção civil com crédito imobiliário e lançamentos que enchem as páginas dos jornais. Aqueles que ainda acham que o governo deve comandar a economia começam a perceber que esses rudimentos de ambiente de negócios saudável já demonstram que nem precisa o governo se meter. Ou se meter com muito cuidado para, principalmente, destravar caminhos. Ou se meter para fazer privatizações, concessões ou PPPs. Animador é perceber que privatizar não é mais um palavrão, a não ser para a esquerda mais corporativista que não tem noção da ineficiência de operação de governos quaisquer pelo rigor da contratação de pessoas e insumos e pela avalanche de órgãos fiscalizadores que fazem tremer a caneta de qualquer burocrata, ameaçado no CPF.
E a legislação trabalhista? Todos os candidatos a empreendedor pensavam dez vezes antes de contratar empregados, conhecendo inúmeras histórias de decisões trabalhistas esdrúxulas em benefício indevido de empregados e morriam de medo de passivos trabalhistas impagáveis. Fora a insanidade medieval de não permitir terceirizações de atividade-fim, o que inviabilizaria no Brasil uma Apple ou Nike que projetam produtos e contratam execução onde der. Isso mudou com nova legislação, facilitando a contratação de pessoal, apesar de reclamações indevidas de precarização ou de eventuais decisões dissonantes de alguns juízes.
Justiça seja feita à equipe do Ministro Meirelles no Governo Temer, responsável por grande parte dessas iniciativas.
Do lado das grandes empresas muita coisa mudou. A Lava Jato, por mais que se reclame de eventuais excessos, criou uma preocupação saudável contra a corrupção. O compliance se espalhou pelas grandes com legislação específica e o quase pavor de apoio a políticos e a ameaça de quebrar a empresa, além do medo generalizado de combinar negócios escusos que poderiam aparecer cristalinos em delações premiadas.
Mudou também, com a globalização e as exigências crescentes dos consumidores internacionais, quanto às iniciativas de diversidade e sustentabilidade ambiental, agora sintetizadas na sigla ESG. Muitos ainda reagem às iniciativas de grandes empresas aos processos de admissão de pessoas negras ou de variadas orientações sexuais defendendo uma visão antiga de meritocracia, indefensável frente à desigualdade social. Esses terão que atualizar seus conceitos sob pena de serem engolidos por boicotes ou processos.
Não há dúvida que estamos longe ainda de um saudável ambiente de negócios. As reformas não andam, a nossa classificação como país nos critérios internacionais de competitividade continua lá na rabeira, a produtividade fundamental para o crescimento não avança e a educação está à deriva, com o Ministério entregue sucessivamente a pessoas despreparadas. E agora volta a ameaça de inflação e dos juros altos.
Que os sinais positivos ajudem a evitar um retrocesso que se avizinha perigosamente.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/capitalismo-brasileiro-consegue-avancar-mesmo-que-aos-tropecoes-0821
Evandro Milet: Governos devem apoiar, não comandar nova política das startups
Todo o movimento provocado pelo empreendedorismo inovador das startups, apoiados por editais de órgãos financiadores para projetos conjuntos ou não com universidades, estão moldando, na prática, um embrião de política industrial
Evandro Milet / A Gazeta
O debate sobre política industrial costuma se apresentar como binário no Brasil: um lado acha que não deve haver política industrial e outro defende que o país deve escolher setores e até empresas estratégicas, os campeões nacionais, no que se chama de nacional-desenvolvimentismo. E ambos os lados têm argumentos baseados em casos de sucesso ou fracasso no país e no exterior. E existem exemplos para qualquer posição. A dificuldade é que os exemplos são citados superficialmente sem que se aprofunde nas características de implementação de cada caso, que dependeram muitas vezes de situações e oportunidades específicas.
Exemplo de iniciativas de sucesso como Embraer e Embrapa são tratados como modelo ideal de um lado e como exceção do outro. O caso da política de informática é visto como desastroso por um lado e mal implementado por outro. O sucesso da China em desenvolver uma indústria com marcas e tecnologia própria e a Coreia com o apoio do governo aos grandes conglomerados industriais mobiliza os partidários da política industrial. A quantidade de incentivos e subsídios intermináveis no tempo para a indústria automobilística, o incentivo mais recente a um número delirante de estaleiros e refinarias, a proteção de importação para vários setores e a malfadada política de informática orientam o lado que considera política industrial quase um palavrão. Esse lado pede apenas uma política horizontal com abertura de fronteiras e melhoria do ambiente de negócios: menos burocracia, controle da inflação, baixo custo de capital, segurança jurídica e educação. E que quem for competente se estabeleça e vá disputar o mercado mundial e quem não for, quebre. Que a destruição criativa impere. O outro lado considera isso sonhador e irreal e cobra uma estratégia industrial do país organizada pelo governo, a exemplo de alguns outros países.
Uma política razoável, em algum ponto entre os extremos, exige foco, avaliação e limitação no tempo. Isso não ocorreu em políticas anteriores, porque não se avalia políticas públicas e porque os lobbies não permitem mais a retirada de vantagens conseguidas. O único aparente consenso atual é sobre a importância do investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Sem aprofundar o debate, interessa aqui chamar a atenção para um fenômeno recente que pode ter uma repercussão significativa nas argumentações.
O crescimento exponencial do número de startups em todos os setores da economia e a velocidade com que elas se movimentam impactaram a estratégia e a gestão das grandes empresas em todo o mundo, muitas ameaçadas na sua tranquilidade de posição no mercado.
Essas empresas, acostumadas a resolver sozinhas seus desafios, com segredos industriais bem guardados, em uma velocidade que o mercado aceitava, de repente perceberam que isso não funciona mais, assediadas pelo formigueiro de pequenas empresas com tecnologia e um volume enorme de capitais de investidores.
Inúmeras grandes empresas começaram um processo de abrir suas dores ou ideias incipientes de projetos como desafios, para que empresas do mercado, startups ou não, propusessem soluções. Antes desse processo, as empresas fornecedoras tinham que adivinhar o que as grandes empresas precisavam e arriscar um lançamento. Agora podem saber exatamente o que elas querem.
Quando o desafio é lançado por uma multinacional, abre-se a possibilidade de acesso a todo o grupo no Brasil e no exterior. A proximidade e o conhecimento das especificidades de legislação e costumes justifica a contratação de fornecedores locais, que podem se transformar em grandes empresas com o tempo.
Um grande gargalo continua sendo a precária educação e a carência de pessoal técnico.
Todo o movimento provocado pelo empreendedorismo inovador das startups, pelo enorme volume de recursos para investimento de risco(depois da queda dos juros), apoiados por editais de órgãos financiadores para projetos conjuntos ou não com universidades, estão moldando, na prática, um embrião de política industrial - que não é só industrial, na verdade - capitaneada pelo setor privado e muito conectado com as novas tecnologias.
Cabe aos governos apoiar, não querer comandar e não atrapalhar.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/nova-politica-industrial-das-startups-governos-devem-apoiar-nao-comandar-0821
Evandro Milet: Manifestações enchem as ruas pela educação no Brasil
Será um sonho? Um enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de "Ordem e Progresso" os dizeres "Educação é Progresso"
Evandro Milet / A Gazeta
Ao longo de toda a Avenida Paulista, na Avenida Atlântica em Copacabana, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, na Praça do Papa em Vitória e em centenas de cidades do país, via-se um mar de bandeiras verde-amarelas, vermelhas, azuis, verdes ou com as cores do arco-íris. Bonecos gigantes de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro desfilavam imponentes.
Cartazes eram erguidos pedindo mais ensino técnico, menos evasão nas escolas, salário maior para professores, fim da defasagem idade-série, uma nota maior no Pisa, fim da nomeação política de diretores de escola, capacitação de professores, ensino em tempo integral para todos os alunos com dedicação exclusiva de professores em apenas uma escola e meritocracia na avaliação de professores.
Cartazes sobre homeschooling e escolas militares apareceram, mas foram logo recolhidos pelos próprios cidadãos que os trouxeram, envergonhados pela desimportância dos temas frente aos verdadeiros problemas da educação. Além da falta de sintonia com a massa que acompanhava carros de som tocando alto “Vai Passar” do Chico, com o povo cantando mais alto as partes dos napoleões retintos e do sanatório geral.
Faixas pediam escolas de pobres iguais às escolas de ricos e igualdade de oportunidades para todos. Uma faixa, bem longa, menos do que merecia, dizia “Na pandemia, sem omissão no Ministério da Educação”.
Enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de Ordem e Progresso os dizeres Educação é Progresso. Cartazes erguidos pediam mais verbas para a Ciência e a Tecnologia e uma política para evitar o enorme êxodo de cérebros para fora do país.
Na linha de frente, em cidades diferentes, apareciam Cristovam Buarque, Priscila Cruz do Todos pela Educação, a ex-secretária Cláudia Costin, o ex-Prefeito de Sobral Veveu Arruda, Cláudio Moura Castro, Antônio Gois e representantes das várias ongs que investem muito em educação, replicando iniciativas de sucesso: Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Fundação Itaú, Ensina Brasil e Instituto Sonho Grande.
Professores de todos os níveis escolares se misturavam com mães e pais - uma aproximação fundamental -, reivindicando juntos a melhoria da educação.
A figura gigante de um computador simbolizava a necessidade de inclusão de todos os alunos no mundo digital e com acesso à internet na escola e também nas suas casas.
A organização das manifestações pediu que os participantes trouxessem livros que eram dados para as crianças que participavam aos milhares, afinal seriam os maiores beneficiados do movimento e nada melhor como símbolo da educação.
Na frente, milhares de motos, dessa vez em uma causa nobre, provocavam uma chuva de papel picado que vinha do alto de prédios em algumas cidades.
Pena, porém que isso tudo é apenas um delírio. Infelizmente, educação não mobiliza manifestações desse porte. A Pátria Mãe segue distraída com outras prioridades do Governo Federal, por mais absurdas, delirantes e desfocadas, e o povo ainda não se deu conta do que importa para o futuro. Quem sabe um dia.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/manifestacoes-enchem-as-ruas-pela-educacao-no-brasil-0821
Sem o setor da indústria, a inovação no país fica capenga
História da Apple, em que a concepção dos produtos exigiu profundo conhecimento de materiais, eletrônica e hardware, nos aponta um caminho diferente, que poderia ser trilhado pelo Brasil
Evandro Milet / A Gazeta
Outro dia escutei uma palestra onde um economista defendia a ideia de que ter indústrias não seria importante para um país, visto que haveria uma tendência para que o setor de serviços tivesse maior relevância para os empregos e para o crescimento da economia.
A história da Apple contada na biografia de Steve Jobs de Walter Isaacson e no livro “Jony Ive, o gênio por trás dos grandes produtos da Apple'' nos dá uma impressão diferente.
A concepção dos produtos não foi algo que se fez apenas desenhando em um software. O trabalho envolveu um profundo conhecimento de materiais, eletrônica e hardware. Houve necessidade de desenvolver novos materiais que atendessem as especificações de tamanho e espessura preconizadas para atender o que Jobs e Ive perceberam como a necessidade que o mercado queria. Estudaram tudo sobre alumínio, aço, acrílico, titânio, vidro, plástico, circuitos, antenas, telas touch. Para implementar as facilidades do movimento de pinça e arrasto na tela descobriram e compraram uma pequena empresa em Delaware, chamada FingerWorks de pesquisadores que criaram a tecnologia. Para o vidro do iPhone foram buscar um novo desenvolvimento pioneiro com a Corning Glass, tradicional indústria de vidros. A quantidade de patentes geradas para cada produto Apple é imensa.
Para o projeto original do iPod os engenheiros casaram um disco da Toshiba com uma bateria de celular e uma tela da Sony; um conversor digital-analógico de uma pequena empresa escocesa, um controlador de interface FireWire da Texas Instruments; um chip de memória flash da Sharp Electronics; um chip de gestão de energia e carregamento da bateria da Linear Technologies Inc; e um chip controlador e decodificador de MP3 da PortalPlayer.
Quando Jony Ive decidiu que o iMac seria transparente, se deu conta que os componentes internos também teriam que ser projetados cuidadosamente, porque passariam a ser visíveis, o que implicava em uma proteção eletromagnética especial já que nos produtos opacos eles ficavam ocultos em uma caixa de metal grande e feiosa.
Jony pediu que os designers trouxessem as peças coloridas e transparentes que pudessem encontrar como inspiração. Trouxeram uma lanterna traseira de BMW, vários utensílios de cozinha, uma garrafa térmica de um azul profundo e brilhante. De fato, o iMac final pareceu um casamento entre a garrafa térmica e uma luz traseira de automóvel. A imaginação está acoplada com o pensamento industrial e não pode ficar distante do ambiente de produção.
A produção de muitos dos equipamentos da Apple é feita em outros países, muitos na China, não pela mão de obra barata, mas pela tecnologia mesmo de fabricação. Os engenheiros da Apple se deslocavam por semanas para as fábricas para acertar a produção. Porém se percebe, pela narrativa apresentada, a importância de conhecer profundamente os componentes e os processos industriais, sem o que ficaria impossível conceber adequadamente os produtos.
O exemplo da Embraer no Brasil mostra a importância do domínio da concepção dos produtos, mas também a capacidade de produção, mesmo que se use os melhores componentes do mundo. A engenharia é fundamental para que se aproveitem as oportunidades de inovação e participação nas cadeias globais de valor. Por exemplo, as novas exigências de sustentabilidade criam enormes possibilidades para quem é capaz de produzir automóveis elétricos ou equipamentos para energias alternativas. Ou empresas capazes de produzir dentro da bioeconomia ou da indústria farmacêutica. Tudo isso exige investimento em P&D, inovação, engenharia, patentes, formação de pessoal técnico e capacidade industrial, mesmo que não para todos os componentes de um produto.
Por que o Brasil não consegue ser relevante nas indústrias fornecedoras do agronegócio ou da mineração, onde domina boa parte das commodities no mundo? Essa história de ficar só concentrado em serviços não se sustenta.
Mas também não cabem mais reservas de mercados, subsídios infinitos, taxações enormes de importação e apoios irreais a pretensos campeões nacionais, normalmente alimentados por lobbies poderosos ou equívocos estratégicos. Os investidores anjo, os fundos de venture capital e private equity e as bolsas de valores estão ávidos por bons projetos capazes de competir no mundo, nos serviços, mas também muito na indústria, com sua enorme capacidade de gerar empregos de alto nível.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/sem-o-setor-da-industria-a-inovacao-no-pais-fica-capenga-0821
Evandro Milet: ESG e a evolução do capitalismo
O grande economista Joseph Schumpeter foi preciso quando disse: “ A evolução capitalista significa perturbação.O capitalismo é essencialmente um processo de mudança econômica endógena. Na ausência de mudança a sociedade capitalista não pode existir… Por isso deve haver constante mudança vinda de dentro… Neste sentido, o capitalismo estabilizado é uma contradição em termos”.
E assim tem sido ao longo do tempo. A partir do início reconhecido do capitalismo no século XV, esse sistema conviveu com trabalho escravo, trabalho infantil, ausência de direitos trabalhistas, falta de segurança para investidores, falta de transparência na gestão, confusão entre recursos da empresa e dos proprietários, poluição do ambiente, ausência de preocupação com consumidores, qualidade deficiente de produtos, monopólios e cartéis, corrupção, e muitas outras mazelas, algumas que persistem até hoje. Mas as mudanças foram acontecendo ao longo do tempo, por demanda ou pressão de sindicatos, consumidores, cidadãos conscientes, políticos e concorrentes, empresários ou países.
Há algum tempo, o conceito de responsabilidade social se espalhou exigindo da empresa uma preocupação com seu entorno e contestando a postura definida por Milton Friedman, onde dizia que responsabilidade social da empresa era gerar lucro, porque gerava empregos e girava a economia. O conceito de responsabilidade social corporativa sucedeu a pura filantropia, já procurando associar as ações sociais ao negócio da empresa, porém ainda tentando misturar água com óleo e entendendo as ações como custo e obrigação.
Posteriormente, o conceito de valor compartilhado, lançado por Michael Porter, considerado por muitos como o maior consultor em gestão vivo, colocou definitivamente na mesma conta o negócio da empresa e sua atuação social, que deve estar vinculada ao negócio.
Todos esses conceitos convergem agora para os fatores ESG (ambientais, sociais, governança), com os quais consumidores cobram postura responsáveis dos seus fornecedores e o mercado financeiro reflete isso escolhendo investimentos a partir desses critérios.
A tendência acontece independentemente se você gosta ou não da Greta(eu gosto), se acha que é uma visão globalista comandada pela China com teses de Gramsci ou se o aquecimento solar é uma invenção.
Os fatores ESG incluem, entre outros, os listados a seguir:
Fatores ambientais: uso de recursos naturais, emissões de gases de efeito estufa (CO2, gás metano), eficiência energética, poluição, gestão de resíduos e efluentes.
Fatores sociais: políticas e relações de trabalho, inclusão e diversidade, engajamento dos funcionários, treinamento da força de trabalho, direitos humanos, relações com comunidades, privacidade e proteção de dados.
Fatores de governança corporativa: independência do conselho de administração, política de remuneração da alta administração, diversidade na composição do conselho de administração, estrutura dos comitês de auditoria e fiscal, compliance, ética e transparência.
O que vemos hoje é que investidores, consumidores e os novos entrantes da geração Z no mercado de trabalho estão prestando atenção nesses fatores para decidir onde investir, de quem comprar e onde trabalhar. É a evolução do capitalismo em direção a uma maior humanização. Milton Friedman foi ultrapassado nesse ponto. Schumpeter estava certo.
Evandro Milet: Nudges - Uma forma de acertar na mosca em políticas públicas
No aeroporto de Amsterdam, na Holanda, as autoridades colocaram a imagem de uma mosca preta em cada mictório para os homens não errarem a pontaria. A mosca falsa reduziu em 80% a quantidade de urina que cai fora. Em Copenhagen, na Dinamarca, é estimado que 1 em cada 3 indivíduos vão, ocasionalmente, produzir lixo nas ruas. Uma equipe de pesquisa colocou uma série de pegadas até a lata de lixo mais próxima e distribuiu balinhas para os pedestres. O resultado mostrou uma redução de 46% de papéis de bala espalhadas pelas ruas, ao fazer com que os pedestres fossem até a lixeira descartar corretamente.
Um “nudge”, conceito teorizado por Richard H. Thaler, um dos pais da Economia Comportamental, ganhador do Prêmio Nobel de economia em 2017, tem como objetivo alterar o comportamento das pessoas de um modo previsível, mas sem proibir quaisquer opções e nem alterar significativamente seus incentivos econômicos. “Nudges” pode ser traduzido como “empurrõezinhos” que estimulam que tomemos as decisões desejadas naquele momento.
Nos Estados Unidos, para melhorar a alimentação das crianças nas escolas, se identificou que o consumo de maçãs aumentou mais de 60% quando eram servidas fatiadas. A maçã fatiada é muito mais fácil de comer. Tão fácil quanto comer salgadinhos. Se uma escola quer incentivar uma alimentação saudável na cantina, outra ideia é simplesmente colocar as opções saudáveis mais à frente.
Existem “nudges” que direcionam políticas mais amplas. Alguns países tornaram padrão a doação de órgãos. Se não quiser ser doadora, a pessoa deve manifestar esse desejo. Com apenas essa alteração, sem tirar a opção de escolha, houve aumento significativo na doação de órgãos. Na Inglaterra, mensagens motivacionais semanais, “nudges”, para os alunos reduziram em 7% o absenteísmo e em 33% o abandono escolar.
Há uma nova profissão - arquiteto de escolhas - responsável por organizar o contexto sob os quais as pessoas tomam decisões. Um argumento utilizado contra a arquitetura de escolhas é que não competiria ao Estado ser "paternalista" e induzir determinados comportamentos nos cidadãos. Na defesa, os defensores do chamado "Paternalismo Libertário" argumentam que toda decisão humana é condicionada pela forma como ela se apresenta; além disso, os "nudges" já são usados para promover vendas de produtos. Ademais, políticas públicas baseadas em "insights comportamentais" tendem a ser mais eficientes, mais baratas, e menos invasivas do que as tradicionais regulações baseadas em obrigações e proibições, o que seria uma forma menos intrusiva de ação estatal, desde que feitas com a devida transparência para o cidadão.
As fortes imagens nos maços de cigarros podem ser “nudges”, como incentivo à saúde sem envolver uma proibição.
Como fazer os brasileiros criarem uma mania pela educação, esse que é o grande vetor do desenvolvimento? “Nudges” para incentivar a família a participar da vida escolar, mensagens de incentivo para evitar a evasão ou uma escola bem cuidada na aparência já sinalizaria que aquilo é importante.
Pensando na pandemia, como seriam os "nudges'' para incentivar comportamentos corretos? Mensagens interessantes em outdoors podem fazer efeito complementar às proibições. Exemplos já existem: “ Vai sair com a namorada? Lembra que na UTI a cama é de solteiro” ou “Eu tô aqui porque sou um outdoor. E você, tá fazendo o quê na rua?”. Outra maneira seria distribuir máscaras com emblemas de times de futebol ou com imagens de ídolos da música.
Um dos princípios centrais do ‘nudge’ é óbvio, mas precisa ser relembrado sempre: para incentivar um determinado comportamento, torne-o fácil.
A economia comportamental, com "nudges" e outras abordagens, têm mostrado resultados tão importantes em políticas públicas e no conhecimento de como as pessoas tomam decisões também no setor privado, que já geraram Prêmios Nobel de economia.