EUA

Míriam Leitão: A construção e o desmonte da democracia brasileira

Míriam Leitão / O Globo

A democracia brasileira foi construída no solo. Foi o resultado de uma vasta resistência nacional travada, incansável e dolorosamente, em planos diversos. Temos mortos como testemunhas. Não foi o resultado automático do fim da Guerra Fria, nem mesmo a concessão de generais da “abertura”. Foi conquista nossa. Países de instituições definidas como “maduras” também sofrem nestes tempos de governantes que chegam ao poder pelo voto e conspiram contra o edifício democrático. O 6 de janeiro em Washington serve para nos lembrar que não há nação a salvo de um presidente deletério.

Cada semana tem trazido uma coleção de horrores perpetrados por Bolsonaro e seus apoiadores. Mas a última foi excessiva. O ridículo desfile militar na Esplanada exigido pelo presidente foi revelador da falta de espinha dorsal dos comandantes militares. Eles fazem qualquer papel imposto a eles, aceitam todas as humilhações e, depois, vão entregar a alguns ouvidos garantias de que não respaldarão um golpe. Ora, já o estão respaldando.

A prisão de Roberto Jefferson não surpreende e ele deve ter até gostado, porque fez tudo o que podia para chamar atenção em postagens radicais e grotescas. Mas é o tal negócio, as instituições não podem se dar ao luxo de fingir que não estão vendo o doido. Se ele pratica crime à luz do dia, precisa responder por isso, e o ministro Alexandre de Moraes agiu bem. Mas foi esse sujeito caricato, figurinha repetida de todos os escândalos, que esteve dias atrás no Palácio do Planalto para um encontro com o presidente e o sempre servil general Eduardo Ramos.

Na economia, também foi lenta e difícil a construção de instituições que garantiram a estabilidade da moeda. E elas estão sob ameaça. Para atingir o objetivo de fortalecer as chances de Jair Bolsonaro permanecer no poder estão sendo desrespeitadas as balizas fiscais do país. As dívidas judiciais serão parceladas e passarão a constar de uma contabilidade paralela, despesas foram excluídas do teto de gastos, a regra de ouro foi revogada na prática, uma reforma do Imposto de Renda pode ser votada na correria para financiar um aumento demagógico do gasto social, a execução do Orçamento perdeu transparência.

Alguns economistas que estão no governo podem não ter essa noção, mas o panorama é inegável. O Ministério da Economia está a serviço do projeto de poder autoritário de Bolsonaro. É impossível não ver o desmonte fiscal promovido pelos muitos “jeitinhos” dados a cada vez que o ministro Paulo Guedes cede ao presidente. Que economista sério acha que faz sentido, a esta altura, aprovar uma renúncia fiscal em favor do consumo do diesel ou incentivar um programa para o uso do carvão? Isso é absurdo fiscal, energético, econômico e ambiental.

A política social também foi resultado de construção minuciosa. Na democracia, especialistas em transferência de renda construíram as bases para as novas políticas, distantes do velho assistencialismo, e que foram do Bolsa Escola ao Bolsa Família, ao Brasil sem Miséria. Não se improvisa nisso. É preciso ter conhecimento, sensibilidade, capacidade de formulação. O ministro Paulo Guedes está fazendo o que prometeu naquela reunião ministerial de 22 de abril de 2020. “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.” Com o objetivo de usar os pobres está sendo feito o projeto mal desenhado do Auxílio Brasil. Um governo realmente preocupado com a promoção social iria, por exemplo, cumprir a lei que manda fornecer internet para alunos e professores nas escolas públicas. O governo Bolsonaro vetou a lei, o veto foi derrubado, e Bolsonaro então baixou MP para não cumprir seu dever.

O fim da ditadura foi o começo de várias conquistas. A estabilização da economia, a política social eficiente, regras de responsabilidade fiscal, independência do Ministério Público, respeito aos órgãos como Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, Ibama, ICMBio, Inpe, IBGE. O governo Bolsonaro tem atacado cada parte do edifício democrático. Não é um golpe. São vários golpes. Contudo, como nos anos 1970, a resistência está em ação através de inúmeras pessoas. Entender a natureza do processo que nos garantiu a democracia é parte da resistência à sua demolição.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/construcao-e-o-desmonte.html


Bolsonaro vê Amazônia como espaço para ocupação predatória, diz ex-presidente do Ibama

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e assessor econômico da liderança da Rede no Senado, o engenheiro de produção Bazileu Margarido afirma que a visão retrógrada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “mantém a concepção da Amazônia como um espaço a ser ocupado mesmo que de forma predatória”.

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (edição 31), Bazileu lembra que Bolsonaro prometeu aos líderes mundiais, durante a Cúpula do Clima, em abril, fortalecer os órgãos ambientais do país. Líderes mundiais e especialistas avaliam que promessas vagas não condizem com a atual política nacional de meio ambiente

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

Na avaliação do ex-presidente do Ibama, Bolsonaro vê a floresta como um obstáculo para a exploração mineral e a expansão da pecuária extensiva. “‘Integrar para não entregar’ era o lema dos governos militares para a Amazônia há 40 anos atrás, referindo-se aos interesses estrangeiros escusos que foram ressuscitados pelo presidente no discurso na Assembleia da ONU do ano passado”, lembra.

O autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online diz que não desconsidera o poder de atração de alguns bilhões de dólares, estratégia usada pelos Estados Unidos para deslocar a política ambiental brasileira para uma rota de maior responsabilidade com o desenvolvimento sustentável e com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e no Pantanal. 

“O Brasil foi para a Cúpula do Clima como um pedinte, com o ‘sinistro’ do Meio Ambiente brasileiro usando a infeliz imagem de um cachorro abanando o rabo em frente a uma máquina de frango assado para convencer a equipe de negociação americana a nos doar um punhado de dólares”, critica o autor.

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Bazileu também é ex-secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002) e, de 2003 a 2007, foi chefe de gabinete da então ministra de Meio Ambiente, Marina Silva.

A íntegra do artigo de Bazileu está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.Leia também:

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Carlos Américo Pacheco: Uma revolução a caminho

Quem acompanha as políticas de ciência, tecnologia e inovação está atento ao que acontece nos EUA. Uma revolução está a caminho. O governo Biden, com apoio do Congresso, prepara uma reforma abrangente da institucionalidade que há décadas financia a pesquisa, e o faz também com uma elevação sem precedente dos orçamentos destinados a essa tarefa.

Há momentos da História em que os acontecimentos se aceleram. Foi o que aconteceu na 2.ª Grande Guerra, com o Office of Scientific Research and Development, que coordenou o esforço tecnológico americano, com inúmeras consequências, a exemplo do Projeto Manhattan. Os EUA emergiram da guerra como nação absolutamente hegemônica e a ciência também saiu triunfante.

Mas a ossatura da institucionalidade de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico criada no pós-guerra se fragmentou, em razão de falta de acordo no Congresso sobre que modelo criar e sobre o papel da National Science Foudation (NSF). Os Departamentos de Defesa, Energia, Saúde e Agricultura criaram, cada um, sua própria agência, sob a frágil coordenação de um escritório na Casa Branca, o US Office of Science and Technology Policy (OSTP).

A História se acelerou novamente com o susto causado pelos russos ao lançarem o Sputnik 1, em outubro de 1957, e um mês depois, o Sputnik 2. O efeito dos satélites soviéticos foi similar ao do ataque a Pearl Harbor. No ano seguinte os EUA criariam a Nasa e a Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), hoje uma espécie de sonho de consumo de muita gente, como canadenses e ingleses. A missão à Lua e todas as suas implicações vieram no rastro disso.

O terceiro momento dessa história veio com a competição criada pela Alemanha e, em especial, pelo Japão, nos anos 1970. O triunfo japonês na indústria de semicondutores fez soar novamente o alarme. Quem cataloga as inúmeras leis americanas sobre esses temas, aprovadas depois de 1980, fica assustado ao ver sua profusão. O Bayh-Dole Act é a mais famosa. Mas elas foram numerosas, fortalecendo o sistema de propriedade intelectual, incentivando a comercialização de tecnologia, relativizando as regras antitruste, etc. Em suma, facilitando a interação de atores desse sistema de inovação e incentivando a comercialização dos resultados da pesquisa.

A resposta ao desafio chinês vem agora com Joe Biden. Num ato mais simbólico que efetivo, elevou o OSTP ao status de ministério. Encomendou também, como fez Roosevelt ao fim da 2.ª Guerra, um relatório de propostas do que fazer, nos moldes do famoso Science the Endless Frontier, coordenado à época por Vannevar Bush. Em paralelo anuncia a criação de duas novas agência nos modelos da Darpa, como já ocorrera anos antes na área de energia com a Arpa-E: a Arpa-Clima e a Arpa-Saúde. Em iniciativas paralelas iniciadas na Câmara dos Deputados, no Senado e no próprio Executivo, prepara-se uma reforma da NSF, criando uma diretoria de tecnologia e inovação e ampliando muito seu orçamento.

A proposta do Senado, sintomaticamente chamada de The Endless Frontier Act, iniciativa bipartidária, é abrangente e vai impactar toda a nova geração de política de ciência e inovação do mundo. Amplia o escopo de ação da NSF, reforça a coordenação entre as agências, sinaliza ações de redução das desigualdades de gênero e raça na ciência, muda a governança do sistema e reforça seu orçamento, com US$ 100 bilhões para os próximos cinco anos. Faz isso definindo dez tecnologias prioritárias para os investimentos e estendendo o leque de apoio da NSF para além da pesquisa, buscando endereçar o gap que existe entre a pesquisa e a comercialização – o chamado vale da morte.

Similar ao que a Europa fez e faz no âmbito de seus megaprogramas – o Horizon 2020, vigente entre 2014 e 2020, com orçamento de € 80 bilhões, e o novo Horizon Europe, para operar entre 2021 e 2027, com orçamento de € 95.5 bilhões – voltados progressivamente para a pesquisa orientada por problemas e missões, os EUA mudam de patamar, elegem seus focos e redesenham seus instrumentos.

Um forte impacto no mundo e entre nós será inevitável. Não apenas pelos muitos desafios competitivos que criam, ampliando nosso atraso. Mas também porque nosso sistema foi sempre inspirado na cópia e adaptação das políticas americanas, como exemplifica o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), criado em 1949 com foco inicial na área nuclear, antes mesmo do CNPq, em resposta ao tsunami do Projeto Manhattan.

Talvez seja oportuno que esta chacoalhada nos tire do marasmo destes anos, em que faltam recursos e inspiração. Talvez organize o debate sobre o que fazer. Todos sabemos que a inovação é crucial para o desempenho econômico. Hoje acordamos também para reconhecer o papel da ciência na vida das pessoas, com as vacinas e os tratamentos para a covid-19. Mas continuamos a nos distanciar do mundo. Às vezes porque o mundo anda mais rápido, às vezes porque contribuímos andando para trás. Vamos esperar que Biden nos ajude a acordar também neste campo das iniciativas públicas.

PRESIDENTE EXECUTIVO DA FAPESP, PROFESSOR DA UNICAMP, FOI REITOR DO ITA E SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MCTI

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,uma-revolucao-a-caminho,70003715576


RPD || Bazileu Margarido: Pagando pra ver!

A Cúpula sobre o Clima, convocada pelo presidente Joe Biden, marcou o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris. No evento, os Estados Unidos apresentaram uma nova meta de redução de emissões de 50% a 52% de carbono até 2030 em comparação com 2005. O Japão e o Canadá também elevaram suas metas. 

O discurso de Bolsonaro surpreendeu pela assertividade e radical mudança de tom, mesmo que a grande maioria de líderes e especialistas duvide das suas promessas. Dessa vez, não reclamou da brutacampanha de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal de que o Brasil seria vítima, “escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil“, nem colocou a culpa pelo recorde de queimadas no caboclo e no índio, como fez na última Assembleia Geral da ONU. 

Ao contrário, o mandatário brasileiro reafirmou o compromisso brasileiro de reduzir em 37% a emissão de gases de efeito estufa até 2025 e 47% até 2030. Prometeu ainda “neutralidade climática” até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior. Isso significaria radical inflexão na política ambiental brasileira, até o momento marcada pelo conluio tácito com madeireiros e mineradores ilegais, perseguição a fiscais do Ibama que cumprem seu dever e desarticulação da capacidade de atuação dos órgãos ambientais. 

Não tenho motivos para acreditar em mudanças substantivas nas posições do presidente Bolsonaro. Mesmo quando suas convicções se mostram evidentemente equivocadas, como o tratamento precoce da COVID e o desrespeito ao distanciamento social, ele dobra a aposta ainda que isso comprometa sua popularidade.   

Por que Bolsonaro abriria mão de suas igualmente equivocadas convicções em relação à ocupação da Amazônia? Sua formação retrógrada, agarrada à visão militar da década de 70, mantem a concepção da Amazônia como um espaço a ser ocupado mesmo que de forma predatória, onde a floresta é um obstáculo para a exploração mineral e a expansão da pecuária extensiva. “Integrar para não entregar” era o lema dos governos militares para a Amazônia há 40 anos atrás, referindo-se aos interesses estrangeiros escusos que foram ressuscitados pelo presidente no discurso na Assembleia da ONU do ano passado. 

Parece ter sentido a mudança no cenário internacional com a derrota de Trump, o que agrava o isolamento do Brasil nos fóruns multilaterais. Se for isso, essa adaptação ao novo cenário representa mudança estratégica de orientação de sua política ambiental ou apenas recuo circunstancial e momentâneo? Não tenho dúvidas em apostar na segunda hipótese. 

Não posso desconsiderar o poder de atração de alguns bilhões de dólares, estratégia usada pelos Estados Unidos para deslocar a política ambiental brasileira para uma rota de maior responsabilidade com o desenvolvimento sustentável e com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e no Pantanal.  

O Brasil foi para a Cúpula do Clima como um pedinte, com o “sinistro” do Meio Ambiente brasileiro usando a infeliz imagem de um cachorro abanando o rabo em frente a uma máquina de frango assado para convencer a equipe de negociação americana a nos doar um punhado de dólares. 

Bolsonaro parece ter uma noção muito particular de cooperação internacional. Vejam o que vem acontecendo com o Fundo Amazônia, paralisado com um saldo em caixa de cerca de R$ 3 bilhões porque o governo considera que a Noruega e a Alemanha têm a obrigação de doar recursos sem que o Brasil tenha, em contrapartida, a obrigação de respeitar as regras de governança pactuadas e que possa fazer o que quiser com os recursos, sem apresentar os resultados que as partes interessadas esperam da cooperação. 

As negociações de um eventual acordo entre Brasil e Estados Unidos voltado à proteção da Amazônia parecem estar trilhando o mesmo caminho, com a aparente expectativa brasileira de contar com a benevolência americana baseada em promessas vagas, feitas num discurso de conveniência.  

Espero estar errado e que o discurso na Cúpula do Clima represente guinada na política ambiental brasileira. O presidente teria, finalmente, compreendido que o desenvolvimento sustentável e a economia de baixo carbono é um caminho sem volta e sem atalhos, e que o suposto direito de desmatar a Amazônia leva ao isolamento internacional, à perda de investimentos e ao aumento da pobreza? 

Estou pagando pra ver… 

*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama (2007-2008), secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002), chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007 e atualmente é assessor econômico da liderança na Rede no Senado.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Fonte:


Hélio Schwartsman: Um problema patente

A decisão do presidente Joe Biden de apoiar a suspensão de proteções patentárias a vacinas durante a pandemia mostra que os EUA agora apostam no multilateralismo e estão atentos para as questões humanitárias. É um belo gesto político. No plano prático, porém, mesmo que a medida seja aprovada, terá papel limitado sobre a oferta de imunizantes no curto prazo.

O principal entrave à produção de vacinas hoje não são as patentes, mas a capacidade produtiva. O Brasil é um bom exemplo. Já temos em princípio acordos de transferência de tecnologia que nos permitirão fabricar por aqui dois imunizantes, mas ainda não conseguimos pôr de pé a estrutura fabril para fazê-lo.

De todo modo, penso que o instituto das patentes precisa mesmo ser repensado. Ele é menos eficaz do que se imagina para estimular a inovação e, nas últimas décadas, tornou-se em alguns casos fator de desestímulo. Isso fica claro no fenômeno da grilagem de patentes em biotecnologia, pelo qual grupos vão patenteando tudo o que de algum modo se relacione a uma área de pesquisa, não tanto para assegurar legítimos lucros futuros, mas para evitar que possíveis competidores se interessem pelo assunto.

Mesmo assim, há situações em que a patente parece ainda ser importante. É o caso da indústria farmacêutica, não porque a inovação aqui siga outras regras, mas pelo elevado custo para desenvolver e licenciar drogas. Se não houver um mecanismo que assegure o retorno desses investimentos, dificilmente alguém se arriscaria nesse tipo de empreendimento.

Já vemos um pouco disso na área de antibióticos. Como não são drogas que deem muito retorno financeiro, há muito tempo não aparecem novas classes desses quimioterápicos —o que poderá mostrar-se um seriíssimo problema de saúde pública no futuro próximo.

Independentemente de pandemia, chegou a hora de reavaliarmos as patentes, buscando aperfeiçoamentos no sistema.

Fonte:

Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/um-problema-patente.shtml


Luiz Carlos Azedo: Governo dispensa adversários

Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid

No mesmo dia em que a CPI da Covid foi instalada no Senado, cerimônia na qual o seu relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que seu trabalho será orientado pela ciência e não pelo negacionismo, doa a quem doer, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em reunião do Conselho de Saúde Complementar, voltou a alimentar especulações de que o novo coronavírus é um produto de laboratório da China. De quebra, menosprezou a vacina produzida pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, de origem chinesa, ao afirmar que a principal vacina utilizada para conter a pandemia no Brasil, aplicada em 80% dos imunizados até agora, é menos efetiva do que o imunizante da Pfizer, produzido nos Estados Unidos, embora ele próprio tenha utilizado a vacina chinesa.

Guedes não sabia que a reunião estava sendo gravada, mas isso não atenua a gravidade do que falou, pela importância do cargo que ocupa e pelo fato de que a China é o principal parceiro comercial do Brasil e o nosso maior fornecedor de insumos para produção de vacinas: “O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: ‘Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica’. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras”, disse Guedes. Sua declaração ocorre num momento delicadíssimo, em que o Brasil precisa desesperadamente de insumos chineses para produzir tanto a vacina do Butantan quanto a que está sendo fabricada pela Fiocruz, a AstraZeneca.

As insinuações de que o vírus da covid-19 seria um produto de laboratório da China, que teria saído do controle — ou que tenha sido disseminado pelo governo chinês numa suposta “guerra biológica” contra o Ocidente —, são disseminadas intensamente nas redes sociais pelos grupos negacionistas, tendo sido reverberadas, no ano passado, pelo filho do presidente da República, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o que provocou um incidente com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming.

Como Guedes fez agora, na ocasião, Eduardo Bolsonaro atribuiu à China responsabilidades pela pandemia. “Quem assistiu a Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. A culpa é da China”, escreveu em seu perfil no Twitter, em 18 de março do ano passado. A embaixada foi dura na resposta: afirmou que o filho do presidente da República havia “contraído vírus mental” ao retornar de viagem aos Estados Unidos. E que o alinhamento do governo brasileiro com o então presi- dente norte-americano, Donald Trump, estaria “infectando amizades” entre as populações de Brasil e China.

Atraso na vacinação
O embaixador da China repudiou veementemente as declarações de Eduardo Bolsonaro e exigiu pedido de desculpas. O então chanceler Ernesto Araújo pôs mais lenha na fogueira, ao defender o filho do presidente: “É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores”, disse. Bolsonaro bancou a posição do filho e, sigilosamente, pediu à China, em março e em novembro de 2020, a troca do embaixador chinês no Brasil. Pequim ignorou os pedidos e manteve o diplomata no posto. Araújo acabou defenestrado do cargo, por causa da eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos.

Um dos assuntos que serão investigados pela CPI da Covid é o atraso na compra de vacinas. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar a aquisição da CoronaVac. “Da China, nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população, pela sua origem. Esse é o pensamento nosso”, disse, em outubro passado. Bolsonaro também recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que seriam entregues em dezembro. Desenvolvida por um casal de cientistas turcos radicado na Alemanha, criadores da Biontech, a vacina poderia estar sendo aplicada no Brasil desde janeiro. Com sua declaração, Guedes imprimiu as próprias digitais na resistência do governo à aquisição das vacinas durante o ano passado, prato cheio para a CPI da Covid.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-governo-dispensa-adversarios/

El País: 100 dias de Biden, uma profunda mudança de rumo nos Estados Unidos

O presidente norte-americano pisou no acelerador em questões relevantes como a vacinação maciça, a volta ao multilateralismo, a modernização do país e o novo rumo nas políticas sociais. Seu grande desafio continua sendo a imigração

ANTONIA LABORDE, YOLANDA MONGE, MARÍA ANTONIA SÁNCHEZ-VALLEJO e LUIS PABLO BEAUREGARD, El País

Apenas 100 dias de Joe Biden na Casa Branca bastaram para comprovar a profunda guinada nos Estados Unidos. O presidente da grande potência quis deixar claro desde o início a diferença abissal em relação ao seu antecessor, Donald Trump. No aspecto econômico; em política externa; nos assuntos sociais e nas políticas migratórias ―embora neste caso tenha tido que recuar de suas ambiciosas promessas. Também, ou talvez acima de tudo, pela forma como encarou a pandemia: os Estados Unidos colocaram a vacinação maciça como a principal meta da sua agenda nos seus 100 dias primeiros como presidente. E cumpriu com sobras.

Com Biden, EUA adotou vacinação em massa contra a Covid-19. Foto: Alex Wong/Getty Images

Uma vacinação maciça

Desde o primeiro dia, tudo precisava estar condicionado a frear a pandemia e suas consequências. Para reativar a economia, em queda livre e com os piores índices desde a Grande Depressão da década de 1930, era preciso a todo custo frear os contágios e mortes. A poucos dias de completar, nesta quinta-feira, uma centena de jornadas no comando de um país que havia fracassado na contenção do vírus e soma atualmente mais de 570.000 mortes, o presidente dos Estados Unidos anunciou que já foram administradas 200 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Neste momento, 27% da população está completamente vacinada, o que se traduz em algo mais de 90 milhões de pessoas (de uma população total próxima de 330 milhões).  

Biden superou seus objetivos em relação à vacinação, pois nenhum dos prazos anunciados foi descumprido. Logo que assumiu, o mandatário disse que haveria 100 milhões de pessoas vacinadas em seus primeiros 100 dias na Casa Branca, e esse marco se deu no 58º dia de mandato. “Quando cheguei ao poder, apenas 8% da população estava vacinada”, disse o presidente ao informar na quarta-feira, 21 de abril, que 200 milhões de pessoas já haviam sido inoculadas. Era o 93º dia de sua presidência, e Biden observava que mais de 50% dos moradores adultos dos Estados Unidos tinham recebido pelo menos a primeira dose de alguma das três vacinas disponíveis no país. No começo deste mês, a Casa Branca comunicava que a partir do dia 19 abriria a vacinação a todos os adultos do país, o que, novamente, representava uma antecipação de duas semanas sobre o prazo de 1º de maio anunciado anteriormente por sua Administração. Ainda assim, e, apesar da boa notícia, o mandatário quis apelar à prudência ao declarar que os Estados Unidos continuam “numa carreira de vida ou morte contra o vírus”.

A última medida do mandatário para estimular a população a se vacinar foi um crédito fiscal para cobrir gastos com horas não trabalhadas por causa da vacinação dos funcionários de empresas com até 500 assalariados. “Nenhum trabalhador dos Estados Unidos deveria perder um só dólar do seu salário para ter tempo de se vacinar ou se recuperar da doença”, afirmou Biden. Como o democrata conseguiu essas cifras? Recorrendo, segundo suas palavras, a uma tática de colaboração entre empresas semelhante à que se viveu “na II Guerra Mundial”, comparou Biden. Porém, a ideia de ressuscitar uma lei de períodos bélicos para frear os contágios e mortes por covid-19 não surgiu com Biden. O ex-presidente Donald Trump conseguiu fabricar os primeiros lotes de vacinas com a ajuda da Lei de Defesa da Produção, uma norma que datava da Guerra da Coreia (1950) e que confere ao presidente dos Estados Unidos o poder de obrigar as empresas a aceitarem e priorizarem contratos necessários para preservar a segurança nacional.

A pandemia levou o Governo Trump a invocá-la, tanto para acelerar a produção de máscaras como para poder depois assegurar certos suprimentos para a produção da vacina. A receita do sucesso de Biden foi que o presidente reforçou as ajudas aos Estados, multiplicou os centros de vacinação federais e apostou numa rede de farmácias de proximidade. Essa foi uma das chaves do triunfo: que as vacinas estejam disponíveis em muitos lugares, seja um campo de beisebol ou em grandes descampados onde não é preciso nem descer do carro para receber a injeção. A produção e a distribuição foram decisivas e são as responsáveis, em grande medida, por esses resultados. Algo que o Governo Trump não conseguiu, por ter deixado o plano a cargo de cada Estado. Biden, ao contrário, assumiu as rédeas a partir de Washington para garantir que a vacinação fosse realmente maciça e se centrou na compra de suficientes doses não só para centros de atendimento médico, os primeiros a receberem as vacinas, mas também para que chegassem o quanto antes a toda a população, nos lugares menos esperados e sem parar por causa de feriados. “Se fizermos isto juntos, até 4 de julho é possível que você, sua família e amigos possam se reunir no quintal ou no bairro para organizar um almoço ou um churrasco e comemorar o Dia da Independência.” Esse é o objetivo máximo de Biden.

Ambição para superar a pandemia e modernizar o país

A ambição dos planos de estímulo e reconstrução, sem precedentes desde o New Deal de Franklin Roosevelt, definiu o programa econômico de Joe Biden nos primeiros 100 dias de seu mandato, mas seus objetivos vão além. É o que demonstra sua proposta de reforma fiscal, para exigir uma prestação de contas de multinacionais ―incluídas as grandes tecnológicas―, que durante anos esquivaram o pagamento de impostos federais e para obter financiamento para seus programas. Depois de sua declaração de intenções ―o plano de resgate da pandemia, de 1,9 trilhão de dólares (equivalente ao PIB do Brasil), aprovado pelo Congresso em março―, a Administração democrata se dispõe a modernizar os EUA mediante um colossal plano de infraestruturas, com investimentos de dois trilhões de dólares em oito anos para gerar milhões de empregos. A reforma fiscal será, se aprovada no Congresso, o instrumento para isso. O objetivo maior da sua política é combater pela raiz males como a pobreza infantil e, acima de tudo, uma desigualdade social sistêmica; os dois planos (o resgate e o programa de infraestrutura) incluem numerosas iniciativas a esse respeito. A principal diferença entre ambos está no financiamento: o primeiro fica a cargo do orçamento federal, o que aumentará o endividamento; o segundo depende dos contribuintes.

Mediante a projetada reforma fiscal, que pretende elevar o imposto empresarial de 21% para 28%, o presidente não só aspira a arrecadar 2,5 trilhões de dólares nos próximos 15 anos para financiar seu exaustivo programa de reconstrução; ele quer mudar as regras do jogo. Esse propósito precisará ser visto com o Congresso, e não só os republicanos. “Os [democratas] moderados propõem uma menor elevação do imposto empresarial, para 25%”, aponta Jack Janasiewicz, da administradora de recursos Natixis.

Quando chegou à Casa Branca, ainda não se via a luz ao final do túnel da pandemia. Por isso, como prometeu em campanha, a primeira medida foi o plano de 1,9 trilhão de dólares como injeção econômica direta, a metade em forma de cheques em dinheiro para famílias e negócios afetados pela emergência, e o resto para ampliar a cobertura dos desempregados. O plano incluía uma verba de 400 bilhões (2,19 trilhões de reais) para incentivar a vacinação. A julgar pelos resultados (25% da população está imunizada), o objetivo se cumpriu. Pelo caminho da tramitação parlamentar ficou, entretanto, a promessa eleitoral de aumentar o salário mínimo federal para 15 dólares por hora.

O plano de infraestrutura aspira a reforçar o país frente ao avanço da mudança climática; de fato, a proposta do primeiro orçamento federal da Administração democrata prioriza a luta contra o aquecimento global. “Biden está preparando uma ordem executiva para insistir com as agências federais para que tomem medidas de combate aos riscos financeiros relacionados ao clima, incluindo medidas que poderiam impor uma nova regulação às empresas”, antecipa Janasiewicz. O principal temor é um repique da inflação, que, até agora, graças à intervenção do Federal Reserve (banco central), ficou sob controle. “O déficit subirá para 3,5 trilhões de dólares, uma cifra recorde, e esperamos que o crescimento do PIB possa superar 7% neste ano [6,5%, segundo o Fed]; isto só aconteceu três vezes nos últimos 70 anos. Agora cresceram as probabilidades de um período de inflação acima da meta do banco central”, apontavam recentemente em nota Libby Cantrill e Tiffany Wilding, da firma de investimentos Pimco, ressalvando que “a probabilidade de um processo inflacionário similar ao ocorrido na década de 1970 continua sendo relativamente baixa”.

Joe Biden e o presidente chinês Xi Jinping: aposta no multilateralismo. Foto: Lintao Zhang/Getty Images

Reabertura ao mundo, com a China na mira

A reabertura dos EUA ao mundo após quatro anos de isolamento percorreu várias estações nestes 100 primeiros dias do mandato de Joe Biden, com uma clara aposta no multilateralismo. As sanções à Rússia por sua ingerência eleitoral e um ataque cibernético maciço; a retirada definitiva das tropas do Afeganistão e o diálogo para reavivar o pacto nuclear com o Irã, que os EUA abandonaram em 2018, marcaram este período de graça, tanto como o fiasco da primeira reunião bilateral com a China. Além disso, Biden procurou na recente cúpula climática internacional recuperar a liderança para os EUA com um ambicioso plano de redução de emissões. Trata-se de uma guinada importante na política adotada pelo país nos últimos anos e implicará uma profunda transformação econômica desta potência.

Rússia, Afeganistão e Irã monopolizam os holofotes, enquanto a forja de velhas e novas alianças para rebater a pujança chinesa é a parte menos visível do iceberg diplomático. O fato de Yoshihide Suga, primeiro-ministro do Japão, ter protagonizado na semana passada a primeira visita oficial a Biden na Casa Branca indica qual é o objetivo primordial da sua política externa: frear a China e todos os seus desafios, tanto dentro do seu território (a repressão da minoria muçulmana aos uigures em Xinjiang) como no mar do Sul da China ou em seu apoio ao regime nuclear da Coreia do Norte, para não falar de suas ingerências em Hong Kong, Taiwan e Tibete. A primeira viagem oficial dos secretários de Estado e Defesa foi ao Japão, Coreia do Sul ―dois países onde os EUA mantêm tropas― e Índia, outro aliado crucial para domar a voracidade estratégica chinesa.

Apesar de ter devolvido a diplomacia ao cenário internacional, Biden não se privou de dar alguns murros na mesa, como ao anunciar as sanções mais duras contra o Kremlin desde a presidência de Barack Obama, fechando o parênteses de suposta cumplicidade ou negligência por parte de Trump, e a denúncia da implicação do poderoso príncipe herdeiro saudita, Mohamed bin Salman, no assassinato do jornalista crítico Jamal Khashoggi. Este último foi um movimento decepcionante para quem esperava medidas mais duras, inclusive sanções, mas soou como um aviso a um aliado tradicional, vital no equilíbrio regional do Oriente Médio. Apontar o dedo para o herdeiro foi a segunda advertência a Riad depois da retirada do apoio ao regime saudita na guerra do Iêmen, que o presidente democrata qualificou de “catástrofe humanitária e estratégica”.

A sombra da síndrome do Vietnã é alongada, e Biden começou seu mandato pondo limites a guerras sem fim como a do Iêmen, a da Síria ―parte do legado de Barack Obama― e a mais prolongada de todas, a do Afeganistão, quando se aproxima o vigésimo aniversário dos atentados do 11 de Setembro, origem da chamada “guerra ao terrorismo” declarada por George W. Bush. A permanência das tropas norte-americanas no país do Oriente Médio tinha chegado anos atrás a um beco sem saída, que as ações letais do Talibã e a dificuldade de levar adiante o diálogo com Cabul só contribuem para ressaltar. Sair do atoleiro afegão é um alívio para um país que continua recebendo corpos de soldados em sacos plásticos.

Apesar do que prometeu em campanha, Biden não retirará as tropas da Europa, e menos ainda em pleno reaquecimento da tensão na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Biden paralisou a retirada militar da Alemanha anunciada por Trump e vigia qualquer movimento no flanco oriental europeu, que representaria uma ameaça tanto para seus efetivos como para a linha de defesa da OTAN. A nova Guerra Fria com Moscou dominará as relações euro-atlânticas, junto com a declaração de boas intenções à União Europeia, pendente de se concretizar. Em outra mudança na política externa, o democrata reconheceu pela primeira vez neste sábado como “genocídio” a matança de armênios por parte do império turco, uma declaração que eleva a tensão com a Turquia, país que também é sócio da aliança atlântica.

Com exceção do México e do chamado Triângulo Norte (El Salvador, Honduras e Guatemala), para frear a saída de imigrantes irregulares, Biden não prestou atenção à América Latina.

Reviravolta nas políticas sociais

Antes de completar uma semana na Casa Branca, Joe Biden assinou uma ordem que proíbe a expulsão de qualquer membro do Exército por causa da sua identidade de gênero, levantando o veto imposto pelo ex-presidente Trump às pessoas transgênero. O decreto estabelece também que os departamentos de Defesa e de Segurança Nacional devem revisar os históricos de serviço dos militares que foram demitidos ou que tiveram sua reincorporação vetada por este motivo. O democrata se tornou o primeiro presidente a comemorar o Dia da Visibilidade das Pessoas Transgênero, celebrado desde 2009. O mandatário está pressionando para que o Senado aprove a Lei de Igualdade, que modifica a Lei de Direitos Civis de 1964 para incluir a proteção contra discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, junto com os casos motivados por raça, religião, sexo e origem nacional. Essas proteções se estenderiam a questões de emprego, moradia, educação, solicitação de crédito, entre outras áreas em que o coletivo costuma sofrer discriminações.

Os republicanos se opõem, entre outras razões, por medo de que isso obrigue pessoas religiosas a tomarem decisões que contrariem suas crenças, como a contratação em escolas privadas de pessoas cuja conduta viole seus princípios de fé. Para que o projeto se transforme em lei, deve obter 60 votos no Senado, que está dividido em metades iguais (50/50). Quanto ao direito ao aborto, a Administração de Biden também trabalha para reverter as decisões de seu antecessor. O democrata já revogou a medida que proibia ONGs e prestadores de serviços de saúde no exterior de utilizarem recursos do Governo norte-americano para prestar assessoria sobre aborto. Trump também proibiu que clínicas de planejamento familiar financiadas com recursos federais encaminhem suas pacientes para clínicas de aborto e cortou o orçamento destes centros, que atendem a mulheres de baixa renda. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) elaborou uma proposta para revogar esta última medida, que está em fase de discussão pública.

Em outra frente relevante, a agenda contra o racismo, Biden assinou quatro ordens executivas. Uma delas obriga o Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano a tomar as medidas necessárias para “reparar as políticas federais racialmente discriminatórias que contribuíram para a desigualdade da riqueza durante gerações”. Outro decreto elimina os contratos do Departamento de Justiça com as prisões privadas. Os Estados Unidos são o país com maior população carcerária do mundo, composta desproporcionalmente por negros e latinos. As duas ordens restantes procuram combater a xenofobia contra os norte-americanos de ascendência asiática e aumentar a soberania das tribos nativas americanas.

Embora esteja em fase preliminar, o Governo democrata também quer reformar as normas sobre o assédio sexual em escolas. Biden assinou uma ordem executiva para que o Departamento de Educação revise as regras estabelecidas pelo Governo Trump, redefinindo o assédio sexual como uma gama limitada de ações “severas, generalizadas e objetivamente ofensivas”. O democrata afirmou que o Departamento de Educação deve “considerar suspender, revisar ou rescindir” qualquer política que não proteja os estudantes. Esse órgão prevê ―ainda sem data― convocar uma audiência pública para que estudantes, pais e profissionais da educação deem suas ideias antes que a Administração divulgue sua proposta sobre como colégios e universidades que recebem recursos públicos devem responder às acusações de agressão e assédio sexual.

Biden, além disso, criou o Conselho de Políticas de Gênero da Casa Branca, um organismo que coordenará os esforços do Governo para promover a equidade e igualdade de gênero mediante políticas e programas de combate aos preconceitos e à discriminação, e aumentar a segurança e as oportunidades econômicas. Também proporcionará recomendações legislativas e de política ao mandatário.

Desafio migratório

imigração é, junto com a crise do coronavírus, um dos principais problemas deste começo de Governo Biden. Os especialistas consultados para esta reportagem concordam que o Governo democrata estabeleceu a direção correta neste tema, mas as mudanças para desmontar o perverso sistema herdado de Donald Trump não chegaram com a velocidade esperada. O modelo migratório da nova era é um assunto pendente e, como muito do legado trumpista, terá sua sorte decidida num Congresso dividido e polarizado. “Esta direção é apenas parte de uma visão que está em construção. A Administração encara opções muito difíceis, e resta ver quais caminhos pode tomar no clima político atual”, afirma Hiroshi Motomura, acadêmico da Escola de Direito de Universidade de Califórnia em Los Angeles (UCLA).

Biden desenhou o perfil de sua reforma imaginada com uma série de ações nas primeiras horas de seu mandato. Prometeu regularizar 11 milhões de imigrantes irregulares, revogou o veto de viagens a alguns países muçulmanos e recriou os programas que garantem proteção a mais de um milhão de pessoas entre os jovens que chegaram aos EUA na infância (os chamados dreamers) e os migrantes provenientes de países afetados pela mudança climática e a pobreza, incluindo cidadãos venezuelanos. Também pôs fim à desumana política de separação de famílias e de expulsão de menores migrantes.

Câmara de Representantes, de maioria democrata, aprovou o plano de Biden. O Senado o tem em suas mãos, e seu aval é mais complexo. “Necessita 60 votos, e tem 50. Estamos esperando que passe, mas será preciso convencer 10 republicanos, e não será simples”, considera a advogada Alma Rosa Nieto, integrante da Associação de Advogados de Imigração. “Ainda estamos lutando com um partido republicano pró-Trump com muitos legisladores anti-imigrantes”, afirma. O senador Lindsey Graham, muito influente entre os republicanos, disse em março que não apoiará reforma migratória alguma “enquanto a fronteira [com o México] não estiver controlada”. É apenas um exemplo do duro pedágio que aguarda a Administração democrata, à espera também de que a Câmara Alta aprove uma série de nomeações que renovarão a cúpula de Segurança Doméstica e da vigilância de fronteiras com perfis progressistas de ativistas e policiais.

Washington nega que a atual situação configure uma crise. Os agentes da patrulha fronteiriça detiveram em março 172.331 migrantes. É um aumento de mais de 100.000 detenções desde janeiro, e o maior registrado desde março de 2001. Este aumento de entradas causa tensão em várias regiões fronteiriças. Bruno Lozano, prefeito de Del Río (Texas), uma cidade que viveu a chegada da onda, enviou em fevereiro passado um SOS a Biden. “Não temos recursos para acomodar estes migrantes em nossa comunidade”, disse o democrata, conhecido por ser o prefeito mais jovem (e abertamente gay) na história desta localidade de 35.000 habitantes. A mensagem se tornou viral e foi amplamente repercutida pelos setores mais conservadores, interessados em manter a ideia de que a fronteira está fora de controle.

Os analistas põem em perspectiva essas históricas cifras. “É falso dizer que as fronteiras estão abertas”, afirma Aaron Reichlin-Melnick, do Conselho Americano da Imigração. “Nos últimos três meses, quase 70% das pessoas que entraram foram expulsas rapidamente graças a uma norma implementada no ano passado por Trump durante a pandemia e que Biden manteve. Menos famílias estão sendo autorizadas a ficar em 2021 do que em 2019 com a Administração Trump”, acrescenta. Os adultos sozinhos continuam sendo o grupo mais numeroso de migrantes, embora o fenômeno dos menores desacompanhados tenha voltado a crescer até níveis inéditos. Em março foram 18.000, um número que superlotou os albergues do Governo, cuja manutenção custa pelo menos 60 milhões de dólares (328,6 milhões de reais) por semana ao Departamento de Saúde e Serviços Sociais.

Biden também manteve do Governo anterior o teto de 15.000 refugiados anuais autorizados a entrar nos Estados Unidos. A decisão causou alvoroço entre as bases democratas, que consideram rompida uma promessa de campanha de elevar os acolhidos a mais de 60.000. A polêmica forçou o Executivo a recuar. Deve anunciar medidas definitivas em maio, mas muitos concordam que foi uma oportunidade perdida para estabelecer um antes e um depois em relação a Trump, uma era que não acaba de desaparecer por completo.


Pedro Cafardo: O culto à cloroquina e ao teto sacrossanto

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, Brasil se vê envolto na discussão sobre limites fiscais rígidos demais

Uma frase banal - fazer do limão uma limonada - move quem está pensando na economia da era pós-covid. Ainda que as aflições com o desastre humanitário global em andamento desencorajem esse olhar economicista, muitos países já puseram o tema em discussão e tomam medidas olhando para o futuro imediato.

Quem prestou atenção nos discursos da Cúpula do Clima da semana passada viu o “caminho das pedras” da nova economia. A ideia geral é que o principal mecanismo para criar empregos após a pandemia serão os investimentos na economia verde.

O presidente dos EUA, Joe Biden, está presenteando os americanos com um programa econômico que vai muito além do auxílio emergencial. Já aprovou um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão e propõe investimentos de longo prazo de até US$ 3 trilhões. Esta segunda parte é a limonada, porque aproveita a crise para sugerir uma grande transformação estrutural da economia americana, ao mesmo tempo em que promete reduzir as emissões de gases-estufa em 52% até 2030. Pode parecer estranho, mas a infraestrutura americana está velha e precisa ser renovada. Não há no país, por exemplo, ferrovias de alta velocidade, coisa comum na Europa. As novas linhas de trens devem substituir transporte aéreo, altamente poluidor.

Então Biden quer renovar a infraestrutura do país e, ao mesmo tempo, descarbonizar a economia, que é para onde vai a fronteira tecnológica em função do aquecimento global. Além disso, ele promete investir em educação e saúde pública com recursos obtidos pela maior taxação dos ricos americanos.

O plano Biden, pela sua enorme dimensão, provoca controvérsias. As declarações que mais preocuparam foram as do ex-secretário do Tesouro Larry Summers, por ser um economista de centro-esquerda, que teoricamente deveria apoiar o investimento público. Summers acha que o pacote fiscal, grande demais, pode gerar inflação de demanda, alta de juros e recessão.

Com ou sem polêmica, o fato é que os americanos já planejam a economia do pós-covid e pouco se lixam com o aumento dos gastos. Europeus vão pelo mesmo caminho. Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mandou às favas o neoliberalismo e disse que vai proteger a economia francesa “a qualquer custo”. Prometeu investir para garantir soberania e domínio de tecnologias que “moldam o futuro” do país. Vai proteger as empresas com taxações e novos financiamentos. A ideia é “reinventar o modelo econômico do país” com base na inovação e na indústria livre de carbono.

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, aqui o governo ainda aposta na cloroquina, provocando gargalhadas no exterior. Promessas, como as feitas na Cúpula do Clima, soam falsas. O comando econômico só pensa em conter gasto público. A discussão da política macroeconômica se limita ao teto de gastos, jabuticaba pouco razoável num momento em que mundo decidiu aplicar recursos para combater a doença e renovar a economia nos novos parâmetros.

Nem no incentivo ao carro elétrico, óbvia tendência mundial, estamos pensando ainda, como mostrou Marli Olmos no Valor de ontem. Não se trata de defender a ideia de que o bom para os EUA ou para a Europa é bom para o Brasil. Trata-se de seguir o rumo da economia mundial ou de ficar sentado na sarjeta, chorando e esperando pelos milagres da cloroquina ou do teto de gastos.

José Luis Oreiro, professor da UNB, que acaba de lançar o livro “Macroeconomia da Estagnação Brasileira” em parceria com Luiz Fernando de Paula, anda enfurecido com o que chama de “fé no teto sacrossanto”, que só existe no Brasil com esse rigor, incluído na Constituição e com poucas regras de saída. “Se preservar o teto, a economia cresce; se violar, não cresce”, esse é o dogma. “Por que?”, pergunta.

Em tempo: na opinião de Oreiro, Summers está equivocado e “Biden deve ficar para a história como o novo Roosevelt”.

Pontes abertas

Mudando de assunto, mas nem tanto, os quadrinhos acima, uma velha metáfora comum nas paredes de barbearias dos anos 1960, representam bem o que vêm fazendo as duas forças políticas progressistas do país há quase três décadas. Nunca saíram do primeiro quadrinho e foi preciso aparecer um radical totalitário para desconfiarem que estão no mesmo lado. Ameaçam agora passar para o segundo quadrinho.

As propostas das duas não são conflitantes. Quando governaram, controlaram inflação, buscaram crescimento, reduziram analfabetismo e mortalidade infantil, tiveram a responsabilidade fiscal possível e melhoraram a distribuição de renda. Seria utopia pensar numa aliança progressista entre elas? As pontes estão abertas. Mas será preciso superar ambições pessoais de poder em ambos os lados e alguém tomar a iniciativa de atravessar as pontes. As propostas podem ser mescladas para salvar um país entregue a quem não faz planejamento econômico, ignora a ciência e o desafio ambiental, descuida da educação e da saúde e promove discórdias.

Se não se unirem, as duas forças serão condenadas pela história. Pode dar com os burros n’água a ideia de deixar a centro-esquerda de fora e formar um bloco puro-centro, que é móvel, infiel e fragmentado, como mostrou pesquisa publicada sexta-feira pelo Valor. Também não há como isolar de um acordo a centro-direita, porque a esquerda não forma maioria. Não seria melhor escantear os extremistas, parar, negociar e decidir se vão comer juntos primeiro as mortadelas da esquerda ou as coxinhas da direita?


Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa

Avaliação é do professor no Insper Leandro Consentino, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), isolando-se da futura governança global. O alerta é do doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Leandro Consentino, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Estados devem reconstruir os organismos internacionais quando a pandemia da Covid-19 tiver fim, segundo Consentino. Ele publicou artigo de sua autoria na revista Política Democrática Online de abril, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso é gratuito no portal da entidade.

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

Bacharel em Relações Internacionais e também professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o analista de política externa diz que o país interrompeu um "círculo virtuoso” com o mundo após a vitória de Bolsonaro, em outubro de 2018.

Além disso, segundo artigo de Consentino na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), a situação piorou ainda mais com a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro de Relações Exteriores.

“Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável”, analisa o autor do artigo na revista mensal da FAP.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

“Governo de turno”

De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, segundo Consentino, “o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional”.

Assim, conforme acrescenta, o governo coloca em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual.

“Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho”, lamenta o professor no Insper.

Isolamento

Dessa forma, destaca o autor do artigo na revista da FAP, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. “Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo”, afirma.

A íntegra da análise de Consentino pode ser vista na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado. 

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Carlos Nobre: 'Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções'

Cientista defende que o grande potencial econômico da floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime organizado para zerar a degradação o quanto antes

Felipe Betim, El País

O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.

Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.

Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola, mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta, explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de encerramento nesta sexta.

Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que 11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais. Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de reais para o ano de 2021.

“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020 registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais seco na região amazônica.PUBLICIDADE

Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”

Novo modelo econômico para a Amazônia

Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens. Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.

Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de 5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.

O custo maior da mudança de modelo econômico seria na restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos. “O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”, destaca.


Luiz Carlos Azedo: Ajoelhou, tem que rezar

Bolsonaro precisa dar demonstrações práticas de que mudou a política ambiental. A mais aguardada é a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles

A narrativa ambiental do presidente Jair Bolsonaro mudou da água para o vinho, ontem, na Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que não assistiu a seu discurso, mas mandou o porta-voz americano para o Clima, John Kerry, dizer que gostou do pronunciamento. Bolsonaro prometeu adotar medidas que reduzam as emissões de gases e pediu “justa remuneração” por “serviços ambientais” prestados pelos biomas brasileiros ao planeta.

De certa forma, surpreendeu o próprio Biden. Bolsonaro disse que “não poderia estar mais de acordo” com o apelo dos EUA sobre metas mais ambiciosas para o clima. Não mencionou o Plano Amazônia apresentado na semana passada, mas voltou a mencionar a eliminação do desmatamento ilegal, por meio do Código Florestal, reiterando a promessa da carta que enviara a Biden na semana passada. Anunciou, também, que o Brasil reduzirá emissões em 37%, em 2025, e 40%, até 2030, alcançando a neutralidade climática em 2050, ou seja, 10 anos antes da meta prevista pelo Brasil. São objetivos ambiciosos, porém ficarão por conta dos futuros governos. O problema é o agora.

Não faltaram referências à inclusão dos povos indígenas e comunidades tradicionais em questões de bioeconomia, bem como à melhoria nas condições de vida da população da Amazônia. Bolsonaro disse que os mercados de carbono são essenciais para impulsionar investimentos climáticos e anunciou a participação do Brasil na Convenção sobre Diversidade Biológica, na China, em outubro. Aproveitou para pedir ajuda financeira, ao falar da necessidade de pagamentos justos por serviços ambientais.

O problema do Brasil é que o discurso de Bolsonaro não corresponde aos fatos até agora. Mesmo que a intenção seja mudar de rumo, não é possível reconstruir da noite para o dia o que foi destruído, desestruturado ou desorganizado em termos de política ambiental nos últimos dois anos e quase meio. Bolsonaro precisa dar demonstrações práticas de que realmente mudou a política ambiental. Politicamente, a ação mais aguardada é a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o homem que estava “passando a boiada” na Amazônia.

Questão de prática

Dificilmente, com Salles à frente do ministério, até por causa dos desgastes que sofreu com os interlocutores internacionais, ambientalistas e cientistas da área, o Brasil conseguirá ter acesso expressivo ao fundo de US$ 1 bilhão criado por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia para preservação ambiental. Por causa da extinção do conselho que dirigia o Fundo da Amazônia, anunciada no início da gestão do ministro Salles, Alemanha e Noruega interromperam as doações do fundo, que tem uma reserva de R$ 2,9 bilhões para combater o desmatamento das florestas, congelada por causa da mudança do modelo de gestão dos recursos feita por Salles.

Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão não participou do encontro. Foi uma sinalização negativa de empoderamento do ministro Salles, que está na mesma situação em que já ficaram o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o ex-chanceler Ernesto Araújo: “se ferraram” cumprindo cegamente as ordens negacionistas do presidente da República. E acabaram com a cabeça entregue numa bandeja para seus críticos.

Bolsonaro subordinou as ações do governo aos interesses de setores radicais de sua base eleitoral, como pecuaristas, madeireiros, garimpeiros e grileiros. O impacto do desmonte da política ambiental no desmatamento, na invasão de terras indígenas e nos indicadores de violência no campo escandalizou o mundo. O pecado original foi a aposta de Bolsonaro no negacionismo e poder do ex-presidente Donald Trump, seu aliado principal. Com a eleição do democrata Joe Biden, que reposicionou os Estados Unidos na cena mundial, se tornou mesmo um “pária” internacional. Os Estados Unidos voltaram a ser protagonistas na luta contra o aquecimento global. O isolamento do governo brasileiro exigiu uma mudança de rumo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ajoelhou-tem-que-rezar/

The New York Times: A morte de George Floyd reacendeu um movimento nos EUA. O que acontece com ele agora?

Crime fez eclodir os maiores protestos contra o racismo no país desde os anos 1960, mas ainda não está claro quais mudanças vão perdurar

George Floyd estava morto havia apenas algumas horas quando o movimento começou. Impelidas por um vídeo apavorante e pelo boca a boca, muitas pessoas foram para o cruzamento na zona sul de Minneapolis onde ele foi morto, logo após o feriado do Memorial Day, para exigir o fim da violência policial contra americanos negros.

Aquele momento de dor e revolta coletiva logo deu lugar a uma reflexão nacional, feita ao longo de um ano, sobre o que significa ser negro na América.

Primeiro vieram os protestos, em cidades grandes e menores em todo o país, convertendo-se no maior movimento de protestos em massa na história dos Estados Unidos. Então, ao longo dos meses seguintes, quase 170 símbolos confederados foram rebatizados ou removidos de espaços públicos. O slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam) foi reivindicado por uma nação que se esforçava para entender a morte de Floyd.

Ao longo dos 11 meses seguintes, chamados por justiça racial alcançaram aparentemente todos os aspectos da vida americana em uma escala que, segundo historiadores, não era vista desde o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960.

Na terça-feira (20), Derek Chauvin, o policial branco que se ajoelhou sobre Floyd, foi condenado por duas acusações de homicídio e por homicídio culposo. O veredito trouxe algum alívio aos ativistas que lutam por justiça racial e que passaram as últimas semanas acompanhando cada detalhe do drama que transcorria no tribunal.

Também se veem sinais de uma reação contrária: legislação para reduzir o acesso de eleitores às urnas, proteger a polícia e, na prática, criminalizar protestos públicos vem aparecendo em Legislativos estaduais controlados pelo Partido Republicano.

O arco inteiro do caso de Floyd –desde sua morte e os protestos até o julgamento e a condenação de Derek Chauvin—se deu contra o pano de fundo da pandemia de coronavírus, que chamou ainda ainda mais a atenção para as disparidades raciais nos EUA, onde pessoas não brancas estão entre as mais duramente atingidas pelo vírus e pelas dificuldades econômicas que o acompanharam.

Para muitas pessoas, a morte de Floyd carrega o peso de outros episódios de violência policial na última década, uma lista que inclui as mortes de Eric Garner, Laquan McDonald, Michael Brown e Breonna Taylor.

Nos meses seguintes à morte de Floyd houve algumas mudanças concretas. Dezenas de leis de reforma do policiamento foram apresentadas nos estados. Grandes empresas reservaram bilhões de dólares para causas ligadas à equidade racial, e a NFL (a liga profissional de futebol americano) pediu desculpas por não ter apoiado protestos de seus jogadores negros contra a violência policial.

Mesmo as reações contrárias foram diferentes. Declarações racistas feitas por dezenas de figuras de autoridade, desde prefeitos até diretores de corpos de bombeiros, relacionadas à morte de George Floyd —o tipo de declaração que talvez fosse tolerada antes— custaram seus seus cargos e levaram alguns líderes a ser encaminhadas para aulas antirracismo.

E, pelo menos inicialmente, as opiniões americanas sobre uma série de questões ligadas à disparidade racial e ao policiamento mudaram em um grau raramente visto em sondagens de opinião. Os americanos, e em especial os americanos brancos, mostraram probabilidade muito maior que nos últimos anos de apoiar o movimento Black Lives Matter, dizer que a discriminação racial é um problema sério e que a força policial excessiva prejudica os afro-americanos de maneira desproporcional.

Em meados de 2020, a maioria dos americanos concordava que a morte de George Floyd fazia parte de um padrão maior, não constituindo um incidente isolado. Uma pesquisa do jornal The New York Times realizada em junho com eleitores registrados mostrou que mais de um em cada dez havia participado de protestos. Na época, até mesmo políticos republicanos em Washington estavam expressando apoio à reforma da polícia.

Mas a mudança de postura mostrou-se passageira no caso dos republicanos —tanto dos líderes eleitos quanto dos eleitores.

Quando alguns protestos ganharam tom destrutivo e quando a campanha de reeleição de Donald Trump começou a usar essas cenas em seus anúncios políticos, pesquisas de opinião mostraram que os republicanos brancos recuaram em relação à sua própria visão de que a discriminação é um problema.

“Para quem estava do lado republicano, que é na realidade o lado de Trump nesta equação, a mensagem passou a ser: ‘Não podemos admitir que o que aconteceu foi repulsivo, porque se o fizermos vamos perder terreno’”, disse Patrick Murray, diretor do Instituto de Sondagens da Universidade Monmouth. “Nossa visão de mundo é ‘somos nós contra eles’. E quem participa dos protestos está incluindo no ‘eles’”.

Mas a morte de George Floyd levou a algumas mudanças, pelo menos por enquanto, na consciência que os americanos brancos não republicanos têm da desigualdade racial e em seu apoio a reformas. E ela ajudou a fortalecer o movimento em direção ao Partido Democrata dos eleitores suburbanos com instrução superior, já consternados com o que viam como a promoção do racismo por Trump.

“O ano de 2020 vai ficar em nossa história como um tempo muito significativo, catártico”, comentou David Bailey, cuja ONG Arrabon, sediada em Richmond (no estado da Virgínia), ajuda igrejas em todo o país a trabalhar pela reconciliação racial. “As atitudes das pessoas mudaram, em algum nível. Não sabemos inteiramente ainda o que isso tudo significa. Mas eu estou esperançoso, acho que estou vendo algo diferente ganhar forma.”

Mesmo entre líderes democratas, porém, incluindo prefeitos e o presidente Joe Biden, a consternação diante da violência policial frequentemente vem acompanhada de avisos de que os manifestantes também devem evitar a violência. Essa associação entre revolta política negra e violência está profundamente entranhada nos EUA e não foi rompida no último ano, disse o cientista político Davin Phoenix, da Universidade da Califórnia em Irvine.

“Antes mesmo de terem a chance de processar seus sentimentos de trauma e dor, os negros estão ouvindo de pessoas que eles elegeram para a Casa Branca —que eles alçaram ao poder— ‘não façam isso, não façam aquilo’”, disse Phoenix. “Eu adoraria se mais políticos, pelo menos aqueles que se dizem nossos aliados, dissessem ‘não façam isso, não façam aquilo’ à polícia.”

Os protestos que se seguiram à morte de Floyd viraram parte da discussão americana sobre política, cada vez mais rancorosa. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve saques e danos a propriedades em algumas cidades, e essas imagens circularam com frequência na televisão e nas redes sociais. Os republicanos citaram os protestos como um exemplo de perda de controle da esquerda. Bandeiras com os dizeres “Blue Lives Matter” (em apoio à polícia) foram penduradas de casas no outono passado. Quando o apoio a Trump explodiu um violência no Capitólio, em 6 de janeiro, conservadores reagiram com raiva contra o que, para eles, foi um caso de dois pesos e duas medidas.

Biden tomou posse em janeiro prometendo fazer da equidade racial um aspecto fundamental de todos os elementos de sua agenda: a distribuição das vacinas contra o coronavírus, os locais de construção de infraestrutura federal, a definição das políticas climáticas. Ele efetuou rapidamente as mudanças que qualquer administração democrata provavelmente teria adotado, restaurando os decretos sobre consentimento policial e as regras habitacionais justas.

Mas, em um sinal do momento singular em que Biden foi eleito —e de sua dívida para com os eleitores negros que o promoveram—, sua administração também vem adotando medidas mais inovadoras, como declarar o racismo uma ameaça grave à saúde pública e apontar para o desemprego entre negros como uma medida para se avaliar a saúde da economia.

Algo que as pesquisas de opinião não captaram bem é se os liberais brancos vão mudar os comportamentos que reforçam a desigualdade racial, como por exemplo optar por escolas e bairros segregados. Ao mesmo tempo em que a revolta diante da morte de Floyd aumentou a consciência da desigualdade racial, outras tendências ligadas à pandemia apenas a reforçaram. Isso vem ocorrendo não apenas porque famílias e trabalhadores negros têm sido desproporcionalmente atingidos pela pandemia, mas porque estudantes brancos têm se saído melhor com o ensino à distância e proprietários brancos de imóveis vêm enriquecendo em um mercado habitacional superaquecido.

Numa pesquisa nacional com americanos brancos feita este ano, a cientista política Jennifer Chudy, do Wellesley College, constatou que mesmo os mais antirracistas têm tendência maior a endossar ações particulares e limitadas.

Estas incluem educar-se sobre o racismo ou ouvir pessoas não brancas, e não tanto, por exemplo, optar por viver em uma comunidade racialmente diversa ou levar questões raciais à atenção de autoridades eleitas.

Mesmo assim, dizem historiadores, seria difícil exagerar o efeito dinamizador que a morte de George Floyd teve sobre o discurso público, não apenas no que diz respeito à ação da polícia mas também a como o racismo está entranhado nas políticas das instituições públicas e privadas.

Alguns empresários negros vêm dando depoimentos públicos, falando em termos incomumente pessoais, sobre suas próprias experiências de racismo. Alguns deles criticaram o mundo empresarial por fazer muito pouco contra o racismo ao longo dos anos. “A América corporativa abandonou a América negra à própria sorte”, disse Darren Walker, presidente da Fundação Ford e membro do conselho da PepsiCo, Ralph Lauren e Square. Dezenas de empresas se comprometeram a diversificar sua força de trabalho.

Manifestações públicas contra o racismo nos Estados Unidos explodiram em todo o mundo, levando a protestos nas ruas de Berlim, Londres, Paris e Vancouver (Colúmbia Britânica) e em capitais da África, América Latina e Oriente Médio. Americanos brancos não familiarizados com o conceito de racismo estrutural empurraram os livros sobre esse tema para o topo das listas dos mais vendidos.

Audra D.S. Burch , Amy Harmon , Sabrina Tavernise e Emily Badger