EUA

Clóvis Rossi: Brasil / EUA, se melhorar, estraga

Nunca antes na história os dois países foram tão amigos

O presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo (17) para Washington, para reaproximar o Brasil dos Estados Unidos.

De acordo com Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, o Brasil do PT havia se afastado de Washington por motivos ideológicos.

Bobagem. Pura fake news.

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações entre Brasil e EUA estiveram em ponto ótimo, provavelmente o melhor da história. Assim continuaram com Luiz Inácio Lula da Silva.

Só sofreram um abalo com Dilma Rousseff, mas por culpa dos americanos (a espionagem nos telefones da então presidente), não por qualquer tipo de ranço ideológico do governo de turno.

Não é uma análise por ouvir falar. Fui testemunha direta de um punhado de cenas explícitas de engajamento muito amistoso de parte a parte.

Relembro uma, a mais emblemática delas, por envolver o sensível tema da proliferação nuclear.

Antes de uma visita de Lula a Teerã, em 2010, o presidente Barack Obama enviou carta a seu colega brasileiro indicando os pontos que deveriam constar de qualquer conversa com os iranianos.

A Folha obteve a carta depois e pôde comprovar que o acordo com o Irã (ao qual se somou a Turquia) seguia ponto a ponto o que Obama queria.

Inclusive no item crucial, de acordo com o presidente americano: o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior até o nível que só permitiria seu aproveitamento para finalidades pacíficas, nunca para a bomba.

Você acha, honestamente, que os EUA confiariam a um governante ao qual tivessem qualquer tipo de restrição, mais ainda ideológica, uma negociação nesse capítulo especialmente sensível?

O relacionamento entre os dois países chegou a um nível tão bom que, uma vez, o segundo homem da embaixada americana na época veio a São Paulo para uma conversa informal com dois ou três jornalistas.

Comentei com ele que, do ponto de vista do jornalismo, as relações Brasil/EUA eram “boring” porque não havia nenhum conflito, nenhum “fla-flu” que é naturalmente matéria-prima mais atraente para o jornalismo.

Ele concordou e argumentou que a função dele, como diplomata, era precisamente essa —a de normalizar o relacionamento, para frustração dos jornalistas.

É claro que todo relacionamento diplomático pode ser melhorado, mas, no nível que havia atingido, há mais margem para estragar do que para aperfeiçoar.

Até porque, no item comércio, o mais apetitoso hoje em dia na diplomacia, Donald Trump já disse, publicamente, que “o Brasil está entre os países mais duros do mundo, talvez o mais duro”.

É lógico supor que, se e quando se falar de acordos comerciais, Trump vai exigir que o Brasil amoleça.

Se Bolsonaro, ansioso por agradar seu ídolo, ceder e dependendo do que e de onde ceder, desagradará a parte de seus apoiadores no empresariado.

Outra ala do bolsonarismo, a dos militares, deve ter em relação aos Estados Unidos a mesma reserva que ouvi, em 1977, do general Hugo Abreu (1916-1979), então chefe do Gabinete Militar do governo Ernesto Geisel.

O general me disse que a pressão americana contra um acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha se devia ao medo de Washington da ascensão de “um Estados Unidos do Sul”.

A ideia de “America First” que Trump abraça não combina, pois, com o “Brazil First” que frequentava a cabeça dos militares. Frequenta ainda?


Nelson de Sá: Batalha por 5G se torna 'Guerra Fria da tecnologia'

Quando voltei aos EUA, foi como voltar à Idade da Pedra, diz executivo americano ao WSJ após dez anos na China
Como vêm publicando quase diariamente Wall Street Journal e Financial Times, a China está deixando os EUA para trás na “batalha por supremacia digital”, na manchete de um ano atrás da Economist.
No fim de semana, em mais uma extensa reportagem, o WSJ destacou a declaração de um executivo americano após dez anos na China:“Quando voltei aos EUA, foi como voltar à Idade da Pedra”.E na terça o jornal publicou o texto explicativo “Por que ser o primeiro em 5G importa”.
Em suma:“Se os Estados Unidos não tivessem liderado o 4G, o país não dominaria a tecnologia móvel e as suas plataformas, como Instagram e até Facebook e Netflix, não teriam se tornado potências globais”.
Segundo o WSJ, a China deverá atingir cobertura nacional de 5G no ano que vem, com a Huawei. E os EUA, com AT&T e Verizon, só começam a lançar 5G, cidade por cidade, no final deste ano.
A imprensa chinesa, de sua parte, passou a reagir após a prisão da diretora financeira e filha do fundador da Huawei no Canadá, a pedido dos EUA, dois meses atrás.
E agora está em plena campanha.
Na manchete do tabloide Huanqiu/Global Times, também na terça, “Pequim se prepara para Guerra Fria da alta tecnologia”, depois que os EUA anunciaram prioridade e mais recursos na segunda.

Em editorial, o jornal chinês atacou as pressões americanas sobre os europeus aliados, contra o uso de equipamento da Huawei, comparando a submissão da Otan ao Pacto de Varsóvia.

FERVOR

James Bamford, tido como principal jornalista para questões de inteligência dos EUA, publicou na New Republic a longa reportagem "A espiã que não era" (acima), sobre a russa Maria Butina, que foi presa em agosto entre títulos que a acusaram até de "usar sexo". Foi efeito do "fervor anti-russo", conclui o repórter.

BOLSONARO VS. BRICS

Em análise no indiano The Economic Times, Fábio Zanini, da Folha, escreve que no país de Jair Bolsonaro, que neste ano preside o grupo Brics, a aliança com os grandes emergentes se tornou “quase invisível”. Até na Venezuela o Brasil agora se situa em posição divergente daquela de China, Rússia e também Índia e África do Sul —e ao lado dos EUA.De maneira geral, “a nova diplomacia brasileira consiste em poucos amigos e objetivos limitados, sem ambições globais”.

PRESTAÇÃO DE CONTAS

Da CNN, sobre as fotos que correram mundo da festa da, entre aspas no original, “escravidão” em Salvador:"O mundo da moda está passando por uma prestação de contas em termos de insensibilidade cultural e suposto racismo.”

*Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.


O Globo: Maduro rompe relações com Washington

Número dois do chavismo convoca vigília popular em apoio ao regime e desafia opositores

CARACAS — Em pronunciamento no Palácio de Miraflores, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou o rompimento de relações diplomáticas com Washington. Mais cedo, o presidente americano, Donald Trump, reconheceu o presidente da Assembleia Nacional , Juan Guaidó, como presidente interino do país, e se referiu ao regime de Maduro como "ilegítimo".

— Dou 72 horas para que toda a equipe diplomática americana abandone a Venezuela — afirmou o presidente venezuelano. — Aqui ninguém se rende, ninguém se entrega. Vamos rumo ao enfrentamento, ao combate, à vitória da paz, da vida, da democracia e do futuro.

O presidente venezuelano acusou os Estados Unidos de tentarem promover a queda de seu governo.

— É um gravíssima insensatez da política extremista do governo de Donald Trump contra a Venezuela tentar dividir o país, tentar destruir suas instituições democráticas e tentar impor um governo por vias inconstitucionais.

Embora sua própria reeleição, em maio do ano passado, tenha ocorrido em meio a uma abstenção recorde, de 54% dos eleitores, Maduro lembrou que chegou ao poder pelo voto.

— Estivemos e estaremos com os votos do povo, que é o único que elege presidentes constitucionais na Venezuela — afirmou, criticando o papel da imprensa na crise política que atinge o país. — Todos os veículos são manipuladores, e com sua manipulação ocultam do mundo que aqui há um povo governando os destinos de uma nação. Somos a maioria. Somos o povo.

Ele, no entanto, não compareceu a uma contramarcha convocada pelo governo no centro de Caracas, que reuniu menos gente do que a jornada de protesto da oposição.

O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e número dois do regime, Diosdado Cabello, reagiu à proclamação de Guaidó afirmando que “aqueles que queiram ser presidentes devem ir ao Palácio de Miraflores”, numa referência à sede do Poder Executivo do país.

— O presidente é Nicolás Maduro e ele virão nos atacar — afirmou Cabello durante uma marcha de apoiadores do regime chavista em Caracas. — Mas lhes peço, em nome de (Hugo) Chávez, que se algo aconteça a um de nós, que aquele que vem atrás pegue sua bandeira e siga adiante. Quem quiser ser presidente que venha nos buscar em Miraflores, que aqui estará o povo defendendo Nicolás Maduro.

Primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv, legenda de Maduro), Cabello convocou uma vigília em frente à sede do governo em apoio ao governo do presidente.

— A partir desta noite nos instalaremos em vigília em frente ao Palácio de Miraflores, como fizemos no 11 de abril — exclamou. — Hoje o povo da Venezuela se levantará e amanhã Maduro continuará na Presidência. A maioria é representada pelo povo venezuelano, e não pela direita que não tem vergonha e não respeita a Constituição bolivariana. Se eles cruzarem a linha, a Justiça entrará em ação. Somos obrigados a preservar a paz do país.

As Forças Armadas também se manifestaram em defesa do chavista e disseram não reconhecer um “presidente imposto” e “autoproclamado fora da lei”, como escreveu no Twitter o ministro da Defesa do país, Vladimir Padrino.

Guaidó preside a AN, comandada pela oposição, que teve os poderes suspensos pelo governo venezuelano. Em 2017, o regime convocou a ANC, liderada por Cabello, para anular os poderes legislativos da AN.

Cabello acusou a oposição venezuelana de “contratar delinquentes para gerar terror nas ruas” durante as manifestações populares.

— Hoje a direita volta a ameaçar e causar terror no nosso povo, mas hoje é um dia do povo que foi traído e nunca mais voltará a ser — afirmou o líder da ANC em referência ao golpe que derrubou o general Marcos Jimenez Pérez em 1958.


Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima

Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!

Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.

Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.

Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?

Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.

Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.

De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.

Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?

O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...

Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.

O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.

Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.


Eliane Cantanhêde: A volta do Tio Sam?

Com Bolsonaro e guinada à direita, volta a influência dos EUA na América do Sul

A decisão do Grupo de Lima de não reconhecer um novo mandato para Nicolás Maduro na Venezuela – aliás, por todos os motivos do mundo – marca a volta firme e determinada da influência direta dos Estados Unidos nos rumos da América Latina, particularmente da América do Sul. Washington, que não integra o grupo, participou ativamente da articulação.

É por essas, e por muitas outras, que o secretário de Estado Mike Pompeo disse em entrevista ao Estado que os EUA estão “entusiasmados” com a guinada à direita na região. Para ser exata: “Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades”.

Além das questões mais objetivas, comércio, negócios, investimentos e cooperação, essas “oportunidades” incluem uma presença política efetiva de Washington na região, com reflexos óbvios sobre posições conjuntas nos arranjos regionais, como no caso do Grupo de Lima, ou em organismos multilaterais, como a própria ONU.

Pompeo se encontrou com os presidentes Jair Bolsonaro e Iván Duque, da Colômbia, no dia seguinte à posse de Bolsonaro, ou seja, justamente dois dias antes de 12 dos 13 países do Grupo de Lima tomarem a necessária, mas igualmente audaciosa decisão de rejeitar a manutenção de Maduro no poder. Há a versão de que ele inclusive telefonou e manifestou a posição americana no meio da reunião na capital peruana.

Dos 13 países, o único a não subscrever a declaração enxotando Maduro da convivência regional foi o México, onde a eleição de López Obrador foi na contramão da América Latina. Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e de certa forma o Equador aderiram à “direita, volver”, somando-se à Colômbia e Peru, mas o México foi para a esquerda. Não, diga-se, a ponto de pular no naufrágio do “bolivarianismo”.

O papel do Brasil nesse novo ambiente, tão favorável – ou entusiasmante – para os EUA, é decisivo. Não só como o maior, mais populoso e mais rico país da região, mas principalmente pela ascensão de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo, com Olavo de Carvalho pairando sobre eles.

Não é trivial ter um chanceler de um país dessas dimensões assumindo publicamente que só Deus pode salvar o Ocidente e seus valores cristãos e, no fim, nomear o presidente Donald Trump como esse Deus tão poderoso. Também não é nada trivial, mas sim pueril, que o presidente eleito mande o próprio filho como a cara e a voz do Brasil em visitas até a membros da Casa Branca em Washington. Os sinais são de alinhamento automático aos EUA e de veneração a Trump.

Registre-se, porém, a cautela com que Pompeo respondeu sobre a conveniência e oportunidade de um alinhamento automático do Brasil aos EUA já. Em vez de fogos e comemorações, disse sóbria e vagamente que os dois países terão “um bom alinhamento nas suas políticas”.

Como bastidor: antes de saber exatamente a que Bolsonaro veio e até onde pode chegar, não convém a Washington um engajamento tão simbólico com o governo que está só começando. Forte aproximação, com certeza, mas o momento é de observação, acompanhamento, para ver como as coisas caminham.

De outro lado, grandes diplomatas e especialistas em política externa lembram que nem no regime militar houve sempre alinhamento automático aos EUA. E mais: alertam que, se Bolsonaro ainda é uma incógnita aqui, Trump vive tempos conturbados lá, perdendo subordinados um atrás do outro, sob acusações de relações heterodoxas com a Rússia e leniência com a Arábia Saudita.

Logo, o melhor é também observar e acompanhar, até por reciprocidade subjetiva. Como diziam nossas velhas tias, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Taí, elas dariam boas diplomatas.


O Estado de S. Paulo: ‘Ficamos satisfeitos com a oferta da base militar’, diz Pompeo

Secretário de Estado afirma que Estados Unidos estão ‘entusiasmados’ com guinada à direita na América do Sul

Eliane Cantanhêde, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O secretário de Estado Mike Pompeo disse que os Estados Unidos estão “muito entusiasmados” com a guinada da América do Sul à direita, liderada pelo governo Jair Bolsonaro no Brasil, e agradeceu particularmente a oferta do novo presidente para a instalação de uma base militar em solo brasileiro no futuro: “Nós ficamos satisfeitos.”

Em entrevista concedida por telefone ao Estado, nesta sexta-feira, 4, Pompeo disse que a recondução de Nicolás Maduro na Venezuela é “inaceitável” e alertou contra a “atividade predatória” da China. Ambos foram temas de Pompeo em sua vinda a Brasília para a posse de Bolsonaro.

É conveniente e apropriado um alinhamento automático do Brasil com os EUA desde já, logo depois da posse de Bolsonaro?

Estou muito satisfeito de ter tido a chance de passar algum tempo com o novo presidente e de nossas equipes terem ainda mais tempo juntas. Tivemos muito bom consenso sobre diferentes questões-chave de interesse não só para as relações entre os dois países, mas também para a região. Então, eu realmente creio que teremos um bom alinhamento nas nossas políticas daqui em diante, inclusive para desenvolver melhor as relações econômicas e comerciais e gerar empregos e oportunidades para os cidadãos no Brasil e nos EUA.

Quando será a visita do presidente Bolsonaro aos EUA?

Nós convidamos o presidente Bolsonaro para visitar Washington e espero que isso possa ocorrer já nessa primavera (que começa em março no hemisfério norte), ainda sem data. O presidente (Trump) espera recebê-lo aqui, por causa dessas coisas que acabei de descrever. Há tantas coisas em que nossos países podem trabalhar juntos, para tornar o mundo um lugar mais seguro e próspero.

Há também expectativa de reunião de Trump com os presidentes de Brasil, Colômbia e Chile, por exemplo? Qual a agenda?

Não sei se há um plano nesse sentido, mas sei que há momentos em que se ruma na mesma direção e essa coleção de países preza pelos mesmos princípios, logo, isso facilita bastante que todos eles trabalhem muito bem com a nossa nação em uma série de temas.

Ou seja, a posse de Bolsonaro lidera uma guinada à direita na região e um movimento de aproximação com Washington?

Exatamente. Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades.

Que tipo de apoio concreto Brasil e EUA pretendem dar para a Venezuela restaurar a democracia, como discutido com o chanceler Ernesto Araújo?

Não vou abrir o que conversamos privadamente, mas o chanceler e eu, de fato, falamos sobre a importância da restauração da democracia para o povo venezuelano e sobre a decisão da Assembleia Nacional no dia 10 janeiro – minha nossa! a menos de uma semana. O regime Maduro reivindica ocupar a Venezuela por mais um mandato, mas nós não consideramos que a eleição foi justa, achamos que foi uma farsa. Portanto, queremos ter certeza de que não só EUA e Brasil, mas os demais países da região deixem muito, muito claro que isso é inaceitável e que a democracia tem de ser restaurada. Há várias coisas que podem ser feitas e eu espero trabalhar com o nosso novo parceiro aí no Brasil em cada uma delas.

Esse foi seu principal tema na Colômbia, depois do Brasil?

Sim, também falei com o presidente (Iván) Duque (Márquez) e equipe e, além da Colômbia, outros países partilham nossa profunda preocupação com o impacto do regime Maduro na região. São mais de três milhões de pessoas querendo sair da Venezuela, o que joga um enorme peso sobre os outros países e, acima, de tudo prejudica e desvaloriza a vida dos que têm de fugir do regime.

O sr. concorda com a opinião do chanceler Araújo contra o “globalismo”? E com sua avaliação de que só Trump pode impedir uma ameaça liderada pela “China maoísta” contra os valores cristãos do Ocidente?

O presidente Trump tem sido muito, muito claro. Nos lugares onde as instituições globais fazem sentido e trabalham, nós desejamos integrá-las e ajudá-las a avançar, mas estamos reavaliando várias delas para determinar onde essas instituições estão atingindo os objetivos para os quais existem e onde não estão. Assim, podemos desistir de participar, se o trabalho delas vai num caminho contrário aos interesses dos Estados-Nações no mundo, não só nos EUA, mas certamente nos EUA e também nos demais países. Nós acreditamos profundamente que a ideia de soberania nacional, com os países usando sua soberania e seus poderes para trabalhar coletivamente, pode atingir grandes objetivos. E conversei com o ministro de Relações Exteriores sobre isso.

O sr. espera apoio do Brasil na disputa entre EUA e China, maior parceiro comercial brasileiro?

Nós chegamos a uma posição inquestionável de que a China não pode ser liberada para se engajar numa atividade econômica predatória ao redor do mundo. Isso não é do interesse de ninguém. Onde a China se apresenta, no Brasil, Chile, Equador ou qualquer parte, tem de haver competição, transparência e liberdade, então, se é bom para eles, isso é ótimo, companhias vêm de todos os lugares do mundo e competem e companhias americanas competem contra negócios chineses. Mas eles não podem ter permissão para se apresentar nos países e se engajar em práticas que não são abertas, transparentes, de forma a obter benefícios políticos usando esses fatores comerciais. Isso não é apropriado e vocês têm visto que nosso presidente (Trump) está preparado para lutar contra isso, onde quer que, em questões comerciais, a América não encontre práticas justas e recíprocas da China. Isso vale para outras atividades em que a China esteja envolvida.

Bolsonaro anunciou que o Brasil pode sediar uma base militar dos EUA no futuro. Há planos nesse sentido?

Isso é algo que estamos constantemente avaliando aqui nos EUA: qual a melhor forma de ter bons parceiros na região, bons parceiros ao redor do mundo, e onde, quando e como instalar nossas “US forces”. Essa é uma discussão colocada o tempo todo, e nós ficamos satisfeitos com a oferta do presidente Bolsonaro. Eu estou confiante de que vamos continuar as discussões sobre todo um conjunto de temas com o Brasil, enquanto o novo governo vai colocando seus pés no chão. Isso é algo que nós estamos desejando muitíssimo.

Qual a previsão para concluir o acordo bilateral para ativar a Base de Alcântara?

Nós temos muito interesse nessa questão e o Departamento de Estado está negociando esse acordo de salvaguardas tecnológicas com o Brasil, que liberará licenças para lançamentos de veículos espaciais e satélites dos EUA a partir da Base de Alcântara. Estou muito esperançoso de que iremos progredir também nesse tema.


O Globo: Fala de Bolsonaro sobre base americana no Brasil é sinal político

Para especialistas, instalação concreta está distante da realidade, mas declaração mostra maior aproximação com EUA em defesa e rejeição da Unasul

Por Heloísa Traiano, de O Globo

A hipótese de instalação de uma base militar americana no Brasil parece distante da realidade, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter se dito anteontem aberto a negociações com os EUA sobre o tema em um “futuro” não determinado. Para analistas, no entanto, a declaração indica um novo alinhamento na área de defesa entre Brasília e Washington, em contraposição aos governos do PT, que buscaram articular na agora abandonada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) uma arquitetura contrária à presença militar americana. A tendência acompanha outra, de inclusão da região nos radares de China e Rússia, após anos de reduzida atenção da Casa Branca.

Para David Magalhães, professor de Relações Internacionais da FAAP e da PUC-SP e especialista em defesa, a ideia levantada pelo presidente parece ter relação com a vontade do governo recém-empossado de avançar nas negociações para o uso pelos EUA do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, que haviam sido retomadas pelo governo Temer em junho último. Em novembro, o hoje ministro da Defesa de Bolsonaro, general Fernando Azevedo e Silva, cogitara firmar convênios para que outros países pudessem lançar satélites a partir da base, embora não tenha se referido especificamente aos Estados Unidos.

— Me parece que, se houvesse acordo, ocorreria dentro de negociação mais ampla da base de Alcântara. Mas poderia haver também conversas à parte — diz Magalhães.

Hoje não há bases militares dos EUA ativas na América do Sul. A última foi desativada em 2009 no porto equatoriano de Manta, depois da negativa do então presidente Rafael Correa de renovar o seu uso. No Brasil, a base em Natal que serviu aos americanos na Segunda Guerra Mundial deixou de ser usada pelos americanos em 1945.

Bases informais
Magalhães ressalta que os EUA vêm costurando acordos de defesa de outras modalidades com países sul-americanos. O próprio Bolsonaro disse na entrevista ao SBT que “a questão física pode ser simbólica, porque o poderio das Forças Armadas americanas, chinesas e russas alcança o mundo todo”.

—A ausência de bases formais na região não quer dizer que os americanos não estejam presentes militarmente. A estratégia tem sido estabelecer bases informais, como vemos em Peru e Argentina, com escritórios para que as forças americanas tenham contato direto com governos — diz Magalhães.

Segundo Matias Spektor, da FGV em São Paulo, uma base se traduziria em altos custos financeiros. Para justificá-los, seria necessário um cenário no qual o governo americano tentasse uma intervenção militar ou defender a região de outra potência. Na entrevista, Bolsonaro disse: “Sabemos a intenção da ditadura do Maduro, e o Brasil tem que se preocupar”.

— Bolsonaro tenta se consolidar como o principal aliado de Trump na América Latina, enquanto os EUA dão sinais de que a região voltou ao radar por conta do aumento das presenças chinesa e russa. Uma base transformaria de vez a dinâmica regional. Não há outro país latino que vá neste sentido. Criaria suspeitas em relação ao Brasil entre os vizinhos, por um lado, mas, por outro, transformaria o Brasil em aliado dos EUA — diz Spektor.

Magalhães argumenta que o novo presidente parece tentar mostrar rejeição ao legado do governo Lula, no qual foi acelerada a articulação da Unasul, que tem o seu Conselho de Defesa. Hoje paralisada, a organização não tem secretário-geral.

— É um movimento espalhado de oposição ao “legado lulopetista”. E os americanos percebem a mudança no temperamento político da região.


Pagador de promessas: Merval Pereira

Os EUA, liberal em relação à venda e ao porte de armas, são um país violento, com a maior população carcerária do mundo

O anúncio do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que editará um decreto facilitando a posse de armas no país é daquelas medidas suscetíveis de causar polêmica, mas muito pouco tem a ver com uma política de segurança pública, que deve ir muito além de uma visão pessoal ou de grupos.

O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, sugeriu, na reunião de primeiro escalão do futuro governo para tratar dos 100 primeiros dias, que essa fosse uma das primeiras medidas a serem anunciadas, pagamento de promessas de campanha para um nicho importante do eleitorado que fez Bolsonaro presidente.

Tem a ver também com um conceito de segurança pessoal que é muito caro a um grupo de cidadãos da classe média, especialmente os das regiões Sul e Centro-Oeste do país, e dos moradores das grandes cidades.

Mas dar posse de arma não é a mesma coisa de liberar o porte de arma. O porte obedece a uma série de exigências que inclui o treinamento em clubes de tiro. A prioridade à posse de arma tem um simbolismo, em busca um efeito dissuasório, mas a medida liberalizadora permitirá apenas guardar armas em casa, não as portar em público.

Os defensores da medida, como o general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, consideram que seu efeito dissuasório pode ser efetivo, reduzindo os roubos em residências. Ele alega que a política de desarmamento não tem tido efeito na redução de crimes, pois o país bate o recorde de mortes violentas anuais.

A medida tem a ver também com reivindicações de certos grupos, como colecionadores, de obter com menos problemas burocráticos a permissão para ter uma arma. Mas a lei continuará a exigir antecedentes negativos, aptidão técnica e higidez mental, nisso não se pretende mexer, e também a demonstração da efetiva necessidade. O decreto apenas esclarecerá melhor o que seria isso, não deixando a decisão ao arbítrio do agente público.

Moradores de regiões violentas das cidades poderão ser autorizados a possuir uma arma em casa, por exemplo, assim como os que vivem em áreas rurais, mas o decreto ainda está em elaboração.

O propósito é flexibilizar as normas, sem ter que mudar a legislação, ampliando o acesso à posse de armas aos cidadãos comuns, sem antecedentes criminais.

Um dos objetivos é desburocratizar as exigências legais, tornando definitiva, por exemplo, a permissão para ter uma arma em casa, sem que seja preciso renovar a licença a cada cinco anos. Um dos argumentos dos que defendem a liberalização da posse de armas é que os crimes em abundância que ocorrem no país, em sua maioria, são cometidos com armas roubadas, às vezes com armamentos exclusivos das Forças Armadas.

Não seria, portanto, a liberalização das armas que provocaria maior número de crimes. Ao contrário, a medida, além de dar uma sensação de maior segurança aos cidadãos que vivem em áreas perigosas, teria o efeito de dificultar a ação dos bandidos, que passariam a saber que alguém armado pode reagir ao assalto de sua residência.

Bolsonaro costuma dar o exemplo dos Estados Unidos que, muito liberal com relação à venda e ao porte de armas, têm índices de criminalidade baixos se comparados com os do Brasil. No entanto, os números são enganosos, pois os EUA são um país violento, com a maior população carcerária do mundo. E os assassinatos em massa que vemos frequentemente certamente são decorrentes dessa liberalização.

Em Nova York, por exemplo, onde a legislação local não permite portar armas em público, o índice de criminalidade tem sido reduzido. O baixo índice de criminalidade é fruto de uma política nacional de repressão severa, o que não indica que o país não seja violento.

Os índices de criminalidade nos Estados Unidos são maiores que os dos países ocidentais mais avançados, como na Europa e no Japão. Na América Latina estão 18 dos 20 países com maiores índices de homicídios, e 43 das 50 cidades mais violentas do mundo. Por volta de 75% de todos os homicídios na região são relacionados a arma de fogo, enquanto o índice mundial é de 40%.


El País: EUA e China acertam trégua de 90 dias em guerra comercial e ganham tempo para novo pacto

Trump e Xi Jinping chegaram ao acordo, que entra em vigor a partir de 1 de janeiro, numa reunião de duas horas e meia após encerramento do G20 em Buenos Aires

Um compromisso que não termina com a disputa, mas que faz ganhar tempo. China e Estados Unidos chegaram neste sábado a um acordo para não impor novas tarifas comerciais a partir de 1.o de janeiro. O presidente do gigante asiático, Xi Jinping, e o da potência norte-americana, Donald Trump, comprometeram-se a continuar as negociações para buscar uma solução à guerra comercial entre os dois maiores blocos econômicos mundiais, segundo informaram os veículos estatais chineses e a Casa Branca. Mas o compromisso é estritamente temporário – uma trégua de 90 dias – e não inclui nenhuma medida mais relevante.

O pacto foi alcançado numa reunião de duas horas e meia que os dois mandatários realizaram em Buenos Aires, após o encerramento da cúpula do G20, e que se transformou na única notícia de peso da última jornada do encontro: na declaração final da reunião de chefes de Estado e Governo das 20 maiores economias do planeta, os líderes haviam reconhecido os “problemas do comércio” mundial e se abstiveram – por vontade dos EUA – de condenar o protecionismo, um dos sinais de identidade da Administração Trump. O texto reconhecia também que o comércio multilateral havia “falhado em seus objetivos” e destacava a necessidade de reformar a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Washington deu um passo além em seu ataque contra a China: informou que a reunião entre Trump e o presidente argentino, Mauricio Macri, tinha se concentrado na “atividade econômica predatória chinesa”. Havia sido num breve comunicado assinado pela porta-voz de Trump, Sarah Sanders. Mas a palavra “predatória” (“predatory Chinese economic activity”, no texto completo em inglês) caiu como uma bomba no país anfitrião, que esperava que Buenos Aires fosse o lugar escolhido para que ambos os países firmassem o “cachimbo da paz” ou que pelo menos afastassem suas diferenças. No final, acabou sendo assim graças à reunião de última hora.

Xi e Trump, no encontro bilateral.

Tarifas de 10%
Em declarações aos jornais na capital argentina, o vice-ministro chinês de Comércio, Wang Shouwen, explicou que as tarifas existentes continuarão em 10% e que não serão impostas tarifas a produtos novos. Ambas as partes seguirão as negociações para encontrar uma solução que permita retirar essas alíquotas. Se até lá não conseguirem chegar a um consenso, as tarifas subirão para até 25% – o valor que se esperava que entrasse em vigor a partir de 1º de janeiro.

Em nota, a Casa Branca confirmou o acordo de trégua. Segundo Washington, Pequim comprará “uma quantidade ainda não decidida, mas muito substancial, de produtos agrícolas, energéticos, industriais e outros dos Estados Unidos para reduzir o desequilíbrio comercial entre nossos dois países”. No caso dos produtos agrícolas – um dos objetivos buscados pela potência norte-americana –, as compras começarão de imediato. Trump e Xi, de acordo com a Casa Branca, “acordaram começar imediatamente negociações sobre mudanças estruturais com respeito à transferência forçosa de tecnologia, proteção da propriedade intelectual, barreiras não alfandegárias, pirataria e intrusões informáticas, serviços e agricultura”.

O objetivo é que essas negociações tenham conseguido fechar um acordo para dentro de 90 dias. “Se no final desse período as partes forem incapazes de chegar a um pacto, as tarifas que se encontram a 10% subirão para 25%”, confirma o comunicado dos EUA. Antes da reunião com Xi em Buenos Aires, Trump ameaçava elevar a 25% em 1º de janeiro as tarifas de 10% que os EUA agora impõem sobre 200 bilhões de dólares de produtos chineses. Esse passo preocupava não só a China, mas também o mundo todo: teria sido um passo de gigante, de consequências incalculáveis na escalada entre as duas maiores potências do globo. Os mercados financeiros devem respirar um pouco mais tranquilos na próxima segunda-feira.

Incluído nas conversações entre Xi e Trump, revelou a Casa Branca, há um pacto pelo qual a China, “num maravilhoso gesto humanitário”, designará o fentanil como uma substância controlada e castigará “com a maior pena de acordo com a lei” quem vender essa substância aos EUA. O fentanil é um analgésico entre 50 e 100 vezes mais potente que a morfina, cujo uso foi vinculado ao aumento de mortes por overdoses de opiáceos nos EUA. A substância entra nesse país sobretudo pelo tráfico de grupos mafiosos na China e no México.

O ministro chinês de Relações Exteriores, Wang Yi, confirmou em entrevista coletiva que Pequim acordou comprar mais bens norte-americanos para tentar reduzir o desequilíbrio na balança comercial. O ministro descreveu a conversa entre Xi e Trump como “amistosa e sincera”. Ambos, segundo Wang, concordaram que a China e os EUA “podem e devem” garantir o sucesso de suas relações.


Rubens Barbosa: Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional

Vivemos momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional

As comemorações pelo centenário do fim da Guerra de 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional, com consequências para todos os países.

Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Sérvia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez para um encontro dessa magnitude, que seria uma oportunidade para mostrar que nosso país existe, tem presidente e foi parte das duas guerras (quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do Dia da Vitória da 2.ª Grande Guerra, a de 1939-45, com o Brasil sendo convidado pela primeira vez).

Todos puderam assistir à deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de Estado e de governo saíram juntos do Palácio Élysée em ônibus especiais. Os líderes norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem assento para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais esperto, esperou para chegar por último...

O presidente Macron, em discurso na solenidade, em vez de saudar a presença dos líderes mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que põem a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto não só aos grupos de direita radical na França, como, de maneira pouco sutil, era uma crítica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canadá.

A tensão estava criada. Não era a primeira vez que Macron, depois de ter sido um amigo muito próximo, divergia publicamente do presidente dos EUA. As boas relações pessoais se deterioraram diante das decisões de Washington de abandonar o Acordo de Paris sobre clima e pelo término do programa nuclear com o Irã. E também por estimular o protecionismo (ameaça de guerra comercial com a China), criticar o multilateralismo e tornar difícil a solução de dois Estados para o conflito Israel-palestinos.

Não foi surpresa a reação de Trump ao anfitrião, mas sim sua rapidez e virulência. Na tarde do dia 11, Macron organizou o Fórum da Paz, com o objetivo de defender o multilateralismo, um dos pilares da nova ordem internacional depois de 1945 com o surgimento da ONU e do Gatt/OMC, que os EUA ajudaram poderosamente a criar e agora procuram solapar. Todos os chefes de Estado compareceram, com exceção de Trump, que preferiu visitar sozinho cemitério militar americano na França. Além disso, desde a véspera havia iniciado uma troca de tuítes virulentos com Macron, trazendo a público a crescente rivalidade entre os dois líderes num momento de aumento das tensões transatlânticas. Apoio de Trump aos movimentos populistas-nacionalistas na Europa, despesas militares na Otan, criação de exército europeu, proposto por Macron-Merkel, e até ameaça velada à exportação de vinhos franceses para os EUA entraram na inusitada altercação presidencial. Ficou evidenciado o divórcio entre Trump e a Europa, em especial com as instituições supranacionais e multilaterais.

Cabem alguns comentários sobre o que se falou durante a cerimônia de Paris. A crítica de Macron ao nacionalismo está associada à direita populista de Marine le Pen, que, sob o pretexto de defender a nação, defende posições radicais contra o movimento de unidade europeia. Por outro lado, Trump não está preocupado com a unidade da Europa (agora ameaçada com a saída da Grã-Bretanha), mas sim com a China, e não quer continuar com os altos gastos militares na Otan. Por outro lado, talvez Macron não soubesse, mas a palavra patriotismo é pouco usada nos EUA, talvez por motivos históricos, além de ter ali um sentido algo pejorativo. Ao elogiar o patriotismo – com significado positivo nos países de língua latina –, Macron fez Trump se lembrar de frase atribuída a Samuel Johnson, “o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”. A oposição às instituições supranacionais e multilaterais representam um viés característico da superpotência norte-americana, agora exacerbado por Trump.

Qualquer semelhança disso tudo com alguns aspectos da discussão hoje no Brasil, em especial depois da eleição e da escolha do futuro ministro do exterior, não é mera coincidência.

A cerimônia parisiense mostra igualmente como é perigoso para qualquer país, nos tempos incertos que vivemos, declarar alinhamentos e afinidades definitivas com base em laços pessoais. Como aprendi nos meus primeiros anos no Itamaraty, os países (e os líderes) não têm amigos, têm interesses. O realismo e o pragmatismo na ação diplomática e comercial deverão prevalecer sobre vagos anseios conceituais, como o antiglobalismo e a defesa do Ocidente, de inspiração trumpista, bem assim sobre atitudes ideológicas em relação a China.

O interesse nacional, acima de países, grupos ou partidos, é a prioridade da política externa.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Ascânio Seleme: Exemplo para o Brasil

A tentativa de explodir bombas nas casas dos ex-presidentes Bill Clinton e Barack Obama e na sede da rede de TV de notícias CNN é um bom exemplo para o Brasil no limiar de inaugurar um governo de extrema direita. Terrorismo não é novidade no cotidiano dos Estados Unidos. Atentados praticados por inimigos externos, como os ataques de 11 de setembro de 2001, ou por grupos de casa, como a explosão de Oklahoma City, são objeto de permanente e obsessiva vigilância da Inteligência e das forças policiais americanas.

Os atentados malsucedidos de ontem, contudo, têm outra característica. Foram fomentados, mesmo que indiretamente, contra pessoas e instituições sistematicamente ofendidas pelo presidente Donald Trump. Não falha um dia, desde que assumiu a Casa Branca Trump ataca sem trégua a imprensa, e sobremaneira a rede CNN e o jornal “The New York Times”. Os membros do Partido Democrata, dos ex-presidentes Clinton e Obama, também são objeto da fúria presidencial.

Trump chegou a dizer que os democratas apoiavam e poderiam estar por trás da caravana de refugiados centro-americanos que há dez dias marcham em direção à fronteira dos Estados Unidos. Há dois dias, a polícia explodiu um pacote-bomba enviado para a casa do bilionário George Soros. No início deste mês, Trump acusara Soros de financiar manifestantes que se mobilizaram contra a indicação do conservador Brett Kavanaugh para Suprema Corte.

Trump é um fomentador de ódio entre os americanos. Os que se deixam convencer por sua retórica podem se tornar potenciais agressores de “inimigos” e, no limite, terroristas amadores capazes de fazer barulho como o que se ouviu ontem e na véspera. O pior inimigo dos Estados Unidos pode ser o seu principal líder, se levadas em consideração as suas seguidas manifestações de onde emanam rancor e espírito de vingança.

No Brasil, poderemos viver experiência que tem tudo para ser parecida. O candidato Jair Bolsonaro, líder das pesquisas e que está muito próximo de ser eleito presidente da República, destila seu ódio aos adversários, que não vê como competidores, mas como inimigos a serem varridos do mapa. Foi o que ele disse naquele discurso de domingo, endereçado aos manifestantes a favor da sua candidatura concentrados na Avenida Paulista.

Bolsonaro disse que “os vermelhos” (referindo-se ao PT e demais partidos de esquerda) se enquadram ou serão presos ou banidos do Brasil. Uma falácia, claro, mas muito perigosa. Ainda no primeiro turno, em Rio Branco, o candidato empunhou um tripé de câmera de vídeo como se fosse um arma e, apontando para frente, disse que era hora de “fuzilar a petralhada” do Acre. Sinal mais claro não há. Bolsonaro, eleito, terá de imediatamente moderar o seu discurso ou acabará criando monstros como aqueles que ontem tentaram explodir bombas em Nova York.

Não começou no domingo, nem no primeiro turno, Bolsonaro tem usado o discurso do ódio muito antes de se lançar candidato a presidente da República. Era olhado como figura exótica, ultrapassada, que não representava perigo para um país consolidado e de instituições sólidas. Muito mais do que uma vez, o deputado enalteceu a ditadura, a tortura e sempre banalizou a morte dos inimigos. Políticos ou militantes de esquerda, bandidos ou traficantes, são todos iguais aos olhos do capitão candidato.

Do outro lado da cerca, o PT também estimulou o ódio a adversários ao longo dos anos finais de seus quatro governos, sobretudo durante o período em que se encaminhou o impeachment da ex-presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Lula. Os que defendiam a saída da primeira e o encarceramento do segundo eram chamados de fascistas, nazistas, entreguistas. Não escapou ninguém. Juízes, políticos, partidos, jornalistas, não importa, bastava não condenar o impeachment e a prisão para ser objeto da ira petista.

O Brasil piorou muito ao longo dos últimos anos. E tem tudo para caminhar ainda mais rapidamente para o fundo do poço. Não dá para imaginar o futuro governo apenas pela pauta econômica ou social. Estas agradam a uns e desagradam a outros. A qualquer uma o Brasil sobrevive, doído, mas íntegro. O problema é quando se alcança o nível da intolerância, onde adversários passam a ser inimigos. E inimigos que precisam ser eliminados.

P.S. O Brasil, cada vez menos inteligente e mais mal-humorado, ficou pior ontem. Morreu o jornalista Raymundo Costa.


Míriam Leitão: O que pesa sobre a lira turca

Brasil tem vulnerabilidades nas contas públicas, e risco da lira turca é virar uma crise em dominó que afete outros emergentes

Agora é o momento em que as autoridades econômicas vão lembrar que o Brasil não é a Turquia. E não é mesmo, há várias diferenças entre os dois países. A Turquia enfrenta os déficits gêmeos — fiscal e externo — e está sendo hostilizada pelo governo Trump. O Brasil tem uma boa situação externa e uma grande fragilidade fiscal. A questão é que quando há uma crise em país emergente todos os outros recebem olhares de desconfiança. O ideal era não sermos vulneráveis, mas somos.

Desde abril, quando começou este período de aversão a risco que pegou Argentina, Brasil e outros, a Turquia já estava com problemas. O real se desvalorizou, o Banco Central teve que vender dólares e fazer operações de oferta de garantia contra risco cambial. Logo depois a volatilidade foi controlada. Mas com a lira turca a situação continuou piorando. A Turquia tem problemas parecidos com os da Argentina: inflação alta, em torno de 16%, déficit nas contas públicas e uma grande exposição cambial.

O endividamento bruto do governo turco é baixo, de apenas 28% do PIB, segundo o FMI. Mas o problema é a dívida privada extremamente elevada que chega a 170% do PIB. Para se ter uma ideia, segundo a economista Monica de Bolle, diretora de estudos de mercados emergentes da SAIS/Johns Hopkins, nos EUA, as empresas privadas turcas têm US$ 66 bilhões em papéis para rolar nos próximos 12 meses, e os bancos, US$ 76 bilhões. As reservas cambiais turcas, que chegam a US$ 100 bilhões, ficam pequenas diante de um serviço de dívida tão alto e com prazos tão curtos.

— A Turquia precisa desesperadamente de entrada de dólares, e o que está acontecendo é justamente o contrário. A briga com Trump dificulta ainda mais as coisas, porque os EUA têm poder de veto no FMI. O país não tem a quem pedir ajuda, nem ao Fundo. Além disso, nos anos 2000 a Turquia recorreu ao FMI, mas não cumpriu nada do que estava no acordo. Portanto, o histórico não é bom — explica Monica de Bolle, que trabalhava no FMI nesse período.

A Turquia vive também uma profunda crise institucional. O presidente Erdogan fez um plebiscito para aumentar seus próprios poderes e o país se tornar presidencialista. Houve uma tentativa de golpe e a resposta dele foi uma violenta repressão. A prisão de um religioso americano, que está na Turquia, desencadeou a reação dos EUA. Trump incluiu o país na lista suja do comércio. Os turcos já têm déficit comercial com os americanos e agora podem ter parte de suas exportações, principalmente de aço e alumínio, barradas pelas sobretaxas impostas pelo governo Trump.

Mônica de Bolle explica que a crise tem um ingrediente ainda mais delicado que é o conflito com a própria União Europeia. Os países europeus têm todo o interesse em evitar a crise turca porque a entrada de imigrantes se dá pela Turquia. Ou seja, de novo EUA e UE estão com visões diferentes diante de um problema. A Alemanha particularmente tem boas e densas relações com a Turquia.

A política econômica do governo Erdogan, executada pelo próprio genro, nomeado ministro da Fazenda, é de crédito farto para estimular consumo e aumento do gasto público. Soa familiar? Mesmo com a desvalorização da lira turca, o Banco Central não sobe os juros porque Erdogan não deixa. Mas estimular consumo, via crédito, no meio de uma crise cambial, é como jogar gasolina no fogo. Apesar de o país ter crescido forte no ano passado, 7%, o desemprego está em 10%. O quadro é de desajuste e desequilíbrio.

A realidade da Turquia é bem diferente da nossa, mas o Brasil tem seus próprios riscos. O país enfrenta uma eleição de extrema incerteza e está no quinto ano consecutivo de déficit primário com a dívida pública crescendo. A dívida da Turquia é em grande parte junto a bancos europeus e por isso teme-se o contágio de outros países. Nossa dívida é interna, com uma parte muito pequena dolarizada. O Brasil não tem déficit importante em suas contas externas e tem reservas cambiais altas.

A inflação já foi reduzida e os juros caíram fortemente nos últimos dois anos. A Argentina ontem mesmo elevou de 40% para 45% a taxa de juros. Nosso maior desequilíbrio macroeconômico é o fiscal. Mas quando há um ambiente de crise em dominó, os fluxos de capitais se invertem e vão em direção a portos mais seguros. O risco da lira é virar uma crise em dominó.