EUA
Roberto Simon: Coronavírus deixou claro risco geopolítico que Trump representa
Apagão de liderança agravou pandemia
A política internacional, nos últimos anos, parecia guiada pela massa de pessoas anônimas. Da Praça Tahrir ao Occupy Wall Street.
Mais recentemente, das ruas de Hong Kong às do Chile. Dos tuítes, retuítes, likes e bots das redes sociais. E, agora, dos gráficos de curvas ascendentes de casos de coronavirus.
No entanto, a pandemia da Covid-19 mostra como, em um momento de crise sistêmica, as escolhas de algumas poucas pessoas com enorme poder, em certas capitais, determinarão o destino de incontáveis vidas e o futuro da economia global. Líderes, afinal, importam.
Essa virada é particularmente assustadora quando, à frente da maior potência da história da humanidade, está Donald Trump.
O risco geopolítico que Trump representa foi normalizado nos últimos anos.
Mas com o abismo do coronavírus a olhar dentro de nós, começa-se a entender o custo real de se ter, em Washington, um governo disfuncional, anticientífico, em guerra contra as instituições democráticas e a imprensa, e sem credibilidade internacional.
O mecanismo da negação foi simples. Trump herdou uma economia em expansão e pisou no acelerador cortando impostos (as consequências do déficit americano, um dia saberemos).
Em uma situação de pleno emprego e com a bolsa batendo recordes, o setor privado passou a vê-lo como uma distração excêntrica.
Apesar de tensões na Coreia do Norte, Crimeia ou Irã, o risco de guerra permaneceu baixo. E a pujança da economia americana reduziu o impacto das guerras comerciais com a China, e de outros disparates.
Com céu de brigadeiro, ninguém pensa no piloto. Agora, entramos na tempestade.
Trump continua a repetir que há testes suficientes para todos, apesar do consenso entre especialistas de que isso não é verdade. Diz que o vírus —até pouco, fake news para roubá-lo a reeleição— deve ser levado a sério.
A falta de credibilidade do governo e as mensagens truncadas agravaram a situação no mercado.
No primeiro tombo da bolsa, no dia 24, Trump decretou que o coronavírus estava “sob controle nos EUA”.
O país contava 14 casos em 6 estados. Em duas semanas, a cifra, apesar das restrições de exames, saltou a 1.600 em 49 estados.
Além de algumas ideias soltas de eficácia questionável, como descontos em folha de pagamento, ninguém sabe ainda como a Casa Branca reagirá ao choque econômico.
E o histórico de ofensas a líderes mundiais, hostilidade a aliados e o enfraquecimento de organismos multilaterais começa a cobrar seu preço.
Em um pronunciamento na TV na quarta-feira, Trump anunciou bloqueio a viagens e produtos da Europa.
Europeus não haviam sido informados de nada. Depois, descobriram que as duas informações estavam erradas. A crise de 2008 foi respondida no âmbito do G20. Difícil imaginar algo semelhante hoje.
São óbvios os paralelos de Trump com Jair Bolsonaro –que, dias atrás, chamava o vírus de “fantasia” e ajudava a convocar manifestações de rua–, mas eles param nas assimetrias de poder entre EUA e Brasil no mundo.
São óbvios também os contrastes entre Trump e Bolsonaro com outros líderes globais.
Com serenidade, compaixão e franqueza, a chanceler Angela Merkel admitiu aos alemães que “milhões” serão contaminados.
Emmanuel Macron falou à nação a verdade e agradeceu, em nome da França, aos profissionais de saúde na linha de frente.
A pergunta agora é o que virá depois da tempestade, se ficar claro que decisões desastrosas tiveram um custo econômico e em vidas humanas. Será que o mecanismo da negação sobreviverá?
*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.
Política Democrática || José Vicente Pimentel: O plano de Trump para o Oriente Médio
Esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática
A questão da Palestina está na agenda internacional desde o Acordo de Sykes-Picaut de 1916. O primeiro plano de paz foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. Desde então, é comum ver os presidentes americanos envolverem-se diretamente nos problemas do Oriente Médio. As guerras de 1948, 1967 e 1973 entre árabes e israelenses, vencidas sempre por estes últimos, aumentaram a pressão para que os EUA se engajassem nas negociações de paz, por serem o único honest broker que as partes reconheciam como capaz de negociar soluções pacíficas para os conflitos.
A resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), aprovada após a Guerra dos Seis Dias, e reafirmada pela resolução 338, adotada após a Guerra do Yom Kipur, tornou-se um marco nas negociações. O texto preconiza a “retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito”. Mas a delimitação desses territórios é foco até hoje de disputas. Para os palestinos, seriam suas a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, além de Jerusalém Oriental. Israel contesta os limites entre a Jordânia e a Cisjordânia e quer uma Jerusalém unificada sob seu controle. Há outros itens espinhosos, como a retirada israelense do sul do Líbano, os territórios ocupados e os assentamentos neles erguidos por Israel.
Esses temas permaneceram na pauta ao longo dos anos, gerando belos momentos diplomáticos, como os Acordos de Camp David, impulsionados por Jimmy Carter; os três pontos reconhecidos por Yasser Arafat em seus encontros com Ronald Reagan (reconhecimento de Israel, aceitação da resolução 242 e renúncia ao terrorismo); a primeira Conferência Internacional de Madri, organizada por George Bush pai, em 1991, que ensejou o histórico aperto de mão entre Arafat e Yizhak Rabin, e os Acordos de Oslo, impulsionados, em 1995, por Bill Clinton. Esses esforços criaram muita expectativa, a que se seguia desalento diante das intifadas de 1987 e 2000, bem como dos sucessivos assentamentos israelenses em territórios ocupados. Mas assim como a medicina não pode se abater ante a reincidência de um câncer, a diplomacia precisa encontrar nos insucessos motivação para renovar energias, buscar saídas e evitar o mal maior de uma ampliação do teatro de guerra. Nesse contexto, aguardava-se a contribuição de Donald Trump, aquele que ganhou as eleições autodeclarando-se “o grande negociador”.
O esquema anunciado por Trump em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, foi uma decepção para os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. O plano favorece Israel em todos os temas em disputa. Mediações anteriores haviam feito progressos na negociação de medidas para assegurar segurança na fronteira da Jordânia, a fim de que terroristas não atravessassem a Cisjordânia e ingressassem em território israelense. Trump resolveu a parada presenteando Israel com todo o Vale do Jordão. Dessa maneira, Jericó se transformaria num enclave, cercada por Israel por todos os lados. Os palestinos manteriam apenas 30% da Cisjordânia.
Por sua vez, a soberania sobre Jerusalém Oriental foi integralmente entregue a Israel, que passaria a ter inclusive direitos sobre o Monte do Templo, ou Haram al-Sharif, e sobre a mesquita de al-Aqsa. Como compensação, os árabes receberiam um centro turístico ao norte de Jerusalém e acesso, controlado por Israel, aos lugares santos.
O resto segue o padrão desequilibrado de um diktat, negociado pelo genro de Trump apenas com diplomatas israelenses, sem participação da Palestina. O caráter impositivo ficou patente na cerimônia de anúncio do plano, feita em conjunto por Trump e Benjamin Netanyahu, com a notória ausência de palestinos. Por isso, não causou surpresa que tenha sido de pronto rejeitado pela Liga Árabe e pelas principais Chancelarias mundo afora.
O Governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump, assim modificando mais uma posição tradicional da diplomacia brasileira. Vale lembrar, por exemplo, que o governo Geisel se posicionou a favor da retirada das tropas israelenses dos territórios árabes ocupados em seguida à guerra de 1967 e reconheceu o direito do povo palestino à autodeterminação e à independência. Militava em favor dessa postura equilibrada a importância concedida, desde os tempos do Barão do Rio Branco, à diplomacia multilateral; o reconhecimento de que o Oriente Médio é uma região importante para a manutenção da paz e para a estabilidade da economia mundiais e, ainda, em manifestação de respeito pela notável contribuição que as comunidades árabe e judaica deram e precisam continuar dando à harmonia da sociedade e ao progresso econômico do Brasil.
Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus
“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”
O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.
O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.
Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.
O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.
O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.
Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.
Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.
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Luiz Carlos Azedo: Entre dois polos
“A China continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos EUA para defender nosso parque produtivo no novo cenário global”
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos, que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.
“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e o crescimento global.
Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5 bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano; US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões, no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$ 25,1 bilhões, no segundo ano.
O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental. Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem estratégica em termos logísticos.
Rota do Pacífico
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.
A grande contribuição do livro de Kissinger quanto a isso é seu esforço no sentido de construir pontes diplomáticas do Ocidente com a China, a partir de sua própria experiência, pois foi o grande artífice da reaproximação entre os dois países em plena guerra fria. A conduta chinesa nos âmbitos dos direitos humanos e de seu “imperialismo” regional sempre foi alvo de ataques por parte dos países ocidentais, a partir da aproximação entre os dois países houve uma mudança de eixo de percepção do Ocidente sobre os chineses, que deram uma guinada econômica em direção ao capitalismo excepcionalmente bem-sucedida, a ponto de a percepção da opinião pública mundial mudar completamente em relação aos chineses. No lugar da imagem dos guardas vermelhos da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, surgiram os grandes grupos de turistas ávidos pelo consumo da cultura ocidental, com suas roupas, bolsas e tênis de marcas, além de smartphones de última geração.
Entretanto, ninguém se iluda, o regime político continua sendo uma ditadura do Partido Comunista, o status autônomo de Hong Kong não será restabelecido e a China tornou-se uma potência econômica com crescente projeção militar sobre o Pacífico, o Índico e a costa africana do Atlântico Sul. No caso do Brasil, continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos Estados Unidos para defender nosso parque produtivo nesse novo cenário criado pelo acordo.
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Luiz Carlos Azedo: O fator externo, China e EUA
“A equivocada política em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica em áreas sensíveis para a opinião pública mundial atrapalham a economia brasileira”
Para o Brasil, a notícia mais alvissareira da política internacional nesta semana foi a declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que as negociações com a China estão avançando, o que sinaliza o fim da guerra comercial entre os dois países. O otimismo de Trump tem a ver também com a preferência do líder chinês Xi Jinping de que ele permaneça à frente dos Estados Unidos, pois é melhor lidar com a reeleição de um concorrente previsível do que com um democrata ainda desconhecido, mas que certamente cobrará dos chineses mais respeito aos direitos humanos e à democracia em Hong Kong. Um cenário sem guerra comercial entre as duas potências favorece a expansão da economia mundial. Isso é muito bom para a economia brasileira.
A atual boa vontade de Trump nas negociações com a China, depois de tanto arreganhar os dentes para Xi Jinping, é um reflexo direto dos apuros em que se meteu na Ucrânia, o que pode custar a aprovação do seu impeachment pela Câmara dos Deputados. Tudo bem que o Senado norte-americano é controlado pelos republicanos, porém, dependendo das provas que existam contra Trump, não é uma boa ideia pôr em risco a economia norte-americana numa queda de braços cambial com os chineses. Tal cenário poderia complicar a vida dele também no Senado e levá-lo à derrota eleitoral.
Trump é acusado de violar a lei ao pressionar o líder da Ucrânia a buscar possíveis informações prejudiciais sobre um rival político. Em agosto, um oficial de inteligência anônimo escreveu uma carta denunciando uma conversa telefônica de Trump com o presidente ucraniano, em 25 de julho. Dizia ter uma “preocupação urgente” de que Trump tenha usado seu gabinete para “solicitar interferência de um país estrangeiro” nas eleições presidenciais de 2020.
Mais tarde, um memorando (e não uma transcrição) revelou que Trump pediu ao presidente Volodymyr Zelensky que investigasse o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden, o principal candidato a competir contra Trump nas eleições do próximo ano, bem como o filho de Biden, Hunter. Alguns depoimentos ao comitê da Câmara apontaram que havia um “canal paralelo” diplomático com a Ucrânia, para solicitar as investigações, e há indícios de que Trump tenha usado quase US$ 400 milhões em ajuda militar para pressionar os ucranianos.
A sinalização do fim da guerra comercial entre os Estados Unidos e China somou-se aos resultados positivos do PIB brasileiro no último trimestre, o que animou o mercado de ações. Teve muito mais peso do que a notícia de que Trump voltaria a sobretaxar as importações do aço e do alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real ante o dólar. O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, fechou em alta ontem e renovou máximas pelo segundo dia seguido. Ao longo da sessão, o Ibovespa subiu 0,29%, a 110.622 pontos. É o maior patamar de fechamento já registrado. Na máxima, chegou a 111.072 pontos.
Crescimento
O otimismo do mercado foi inflado também por causa das expectativas de crescimento da equipe econômica do governo: “Já estou escutando, pelo tipo de investimento e planejamento de algumas empresas, que a gente pode ter, pelo menos, um crescimento de 2,3%. Pode ser maior. O crescimento pode tranquilamente ser por volta de 2,3%, 2,5%”, afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, durante evento da XP Investimentos sobre perspectivas para 2020. “A gente está terminando o ano de 2019 e começando 2020 em um cenário muito melhor do que o governo e o mercado esperavam”, arrematou.
O que ainda atrapalha a economia brasileira, do ponto de vista externo, é a equivocada política do governo em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica, principalmente em áreas sensíveis para a opinião pública mundial, como as dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Para se ter uma ideia de como as coisas funcionam, por exemplo, o Brasil está tendo dificuldade para conseguir a extradição de criminosos, inclusive de colarinho-branco, por causa das nossas condições carcerárias. Fundos de investimentos estão revendo suas operações no Brasil por causa da questão ambiental. Artistas de todo o mundo começam a se engajar em protestos contra o governo brasileiro em razão das agressões oficiais ao mundo artístico e cultural.
Além disso, a nova política externa também não ajuda, é um jogo de soma zero. Capotou na primeira curva, por causa da reação da China e dos países árabes ao alinhamento automático com os Estados Unidos e Israel. Antes, apesar dos problemas, havia boa vontade com o Brasil, quando nada porque nossos diplomatas estavam empenhados em encontrar parceiros e conquistar a solidariedade para nos ajudar a resolvê-los. Não era pouca coisa.
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Fernando Exman: Será ruim retaliar com Alcântara
Lançamento comercial só deve ocorrer em 2022
A intempestiva ação do presidente americano, Donald Trump, que ameaçou taxar produtos brasileiros chegou em péssima hora para os defensores do acordo de salvaguardas tecnológicas, assinado com os Estados Unidos, para viabilizar o Centro Espacial de Alcântara. Será negativo, contudo, se esse acordo passar a figurar em uma eventual lista de potenciais retaliações aos EUA.
Nada mais natural que a oposição aproveite a oportunidade de criticar o governo pelas concessões feitas aos americanos, sem que as esperadas contrapartidas tenham se concretizado. Talvez apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família acreditaram que o Brasil teria um tratamento privilegiado dos EUA, em razão de sua vitória na eleição do ano passado.
O acordo de salvaguardas tecnológicas não entra nesse balaio. Ele assegura que o Brasil se compromete a proteger as tecnologias americanas, as quais, segundo dados do governo, estão em aproximadamente 80% dos componentes utilizados em foguetes e satélites do mundo.
No Executivo, é visto como instrumento fundamental para o desenvolvimento do setor e para o estabelecimento de uma política espacial efetiva. E pretende ser utilizado também como vetor do desenvolvimento da região em que o Centro Espacial de Alcântara está localizado, no Maranhão.
A tramitação do acordo não foi absolutamente tranquila, mas conseguiu superar obstáculos ideológicos. Se tivesse demorado um pouco mais, poderia correr o risco de ter sua aprovação utilizada como refém ou até mesmo vítima colateral do recente estranhamento observado nas relações bilaterais.
Seria um erro do Congresso. Com a autorização do Legislativo em mãos, portanto, o Executivo começa a tomar as providências cabíveis.
Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes tem apreço pelo tema e o trata como prioritário. Ao Valor, ele detalhou o que se pode esperar a partir de agora: um grupo interministerial se debruçará sobre o assunto e definirá um “plano de negócios”.
Além do MCTIC, estarão envolvidas as pastas da Infraestrutura, da Cidadania, da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Educação, da Saúde, da Agricultura e da Defesa. Representantes desses ministérios irão a Alcântara conversar com a comunidade quilombola local, integrantes dos governos estadual, municipal, universidades e empresários da região. Com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), formularão políticas de capacitação de trabalhadores e de empreendedores locais. Esse grupo também analisará as demandas de infraestrutura para a região e as necessidades do centro espacial, tanto para as suas instalações físicas quanto em relação a equipamentos.
Marcos Pontes costuma dizer que, em 30 anos, foi o único ministro a visitar o local para conversar com os moradores. Quer ouvir deles o que se pode fazer para aprimorar os serviços de saúde e educação da região. Defende melhorias no instituto federal lá instalado, e revela que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) quer ter um braço em São Luís.
“Eu não gostaria de mexer na cidade de Alcântara. Lá é uma cidade histórica, tem ruínas lá dentro. As ruas são antigas, o estilo das casas. Aquilo ali pode ficar igual Paraty, pode ter restaurantes e barzinhos”, diz, defendendo que não se altere a estética local. Construção de prédios só com o mesmo estilo arquitetônico e para abrigar museus ou outros equipamentos públicos relacionados à cultura e à tradição. “A gente pode fazer uma estrada passando pelas vilas e construir, aí sim, um setor novo com prédios modernos, hotéis, restaurantes modernos e uma estrutura adequada e confortável.”
Para Pontes, Alcântara precisa ter logo internet de alta velocidade e um melhor fornecimento de água. Com isso, vai virar um polo de inovação ligado ao setor espacial.
“Estamos em um momento no planeta em que os países perceberam que isso é um bom negócio”, destacou o ministro, acrescentando que Portugal está fazendo um centro espacial e oceânico nos Açores e a Nova Zelândia está também apostando no setor.
Uma aposta comercial, sublinha. Não militar.
“Isso aqui é para ser um centro comercial. A ideia é ter empresas vindo para cá”, explicou. “O centro vai oferecer serviços de lançamento. Ele é operado pelo Brasil o tempo todo, com todo o controle das operações.”
O ministro explica com didatismo. De um lado, o Brasil terá como fornecedores empresas que possuem foguetes. A base terá seis plataformas, com distintas adequações técnicas. Com esse portfólio de lançadores, irá atrás de clientes que querem ter seus satélites lançados.
Assim, o país vai operar o lançamento, fazer a cobrança desse cliente e repassar parte do que cobrar para pagar o fornecedor. Usará o restante do dinheiro para desenvolver o programa espacial brasileiro e promover melhorias na infraestrutura local. Em relação ao programa espacial, o plano do ministro é direcionar os recursos principalmente para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que desenvolve sistemas espaciais. “Isso vai movimentar todo o parque industrial que apoia este setor.”
Segundo informações prestadas pelo governo para convencer os parlamentares, este mercado movimenta cerca de US$ 350 bilhões por ano e pode atingir cerca de US$ 1 trilhão. Marcos Pontes estima que o Brasil possa arrecadar no início das operações aproximadamente R$ 300 milhões por ano.
“Não é pouco?”, pergunta o ministro, para então emendar a resposta: “Não. Para se ter uma ideia, no nosso programa espacial inteiro eu consigo colocar R$ 150 milhões no ano. É o dobro”.
O governo acredita que fazer esse “plano de negócios” funcionar tomará 2020. Lançamentos de treinamento ocorrerão em 2021. “Imagino que em 2022 é uma boa e otimista expectativa de a gente ter um primeiro lançamento comercial. Tem que ser realista com a coisa”, diz o ministro, que já avalia se haverá necessidade de assinatura de acordos de salvaguarda com outros países.
Depois de tantos avanços e retrocessos, as autoridades estão otimistas com as perspectivas do programa. Estão de olho no espaço, mas com os pés no chão.
O Estado de S. Paulo: ‘Sem precedente em países civilizados’, diz Ricupero sobre possível nomeação de Eduardo
Ex-embaixador nos EUA, diplomata critica indicação do filho do presidente Jair Bolsonaro para o cargo em Washington
Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero criticou a possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. “Trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos”, afirmou Ricupero ao Estado.
Um dos diplomatas brasileiros mais respeitados, Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e atuou como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Para ele, a nomeação de parentes próximos para funções diplomáticas é típica de “monarquias absolutas”. “Caracteriza também os governantes populistas como Donald Trump, que só confiam na própria família”, afirmou.
Ricupero, atualmente professor na Faap, disse ainda que Eduardo já atua, na prática, como “chanceler informal” e que, agora, poderia, de fato, assumir um cargo diplomático. No entanto, o fato de o deputado ser filho do presidente, preocupa, segundo o ex-embaixador.
“Funções como as de embaixador devem ser institucionalizadas, e não personalizadas. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do País.”
Autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750 - 2016, que trata da história diplomática do País, Ricupero afirmou que o caso mais próximo dessa indicação remete a José de Paula Rodrigues Alves, filho mais velho do presidente Rodrigues Alves(1902-1906), ainda que de modo “longínquo e inadequado”, já que ele se tornou embaixador quando o pai não era mais presidente.
“O exemplo dele realmente não se ajusta ao caso porque ele foi diplomata de carreira e só chegou ao posto de embaixador depois de percorrer todos os outros degraus e muitos anos depois do falecimento do pai (em 1919)”, disse Ricupero.
José de Paula Rodrigues Alves morreu, em 1944, então como embaixador do Brasil em Buenos Aires. Antes, havia atuado nas Embaixadas do Brasil na Suécia, na China e no Paraguai.
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro dispensa visto para turistas de EUA, Austrália, Canadá e Japão; medida é unilateral
Estrangeiros dos quatro países poderão entrar no País sob novas regras a partir de junho
Luci Ribeiro, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro formalizou em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), publicada na tarde desta segunda-feira, 18, a dispensa – unilateral – de visto para turistas norte-americanos entrarem no Brasil. A medida consta no decreto assinado por Bolsonaro e será estendida também a visitantes de Austrália, Canadá e Japão, também de forma unilateral. O decreto só entrará em vigor em 17 de junho deste ano.
Na semana passada, o governo já havia dito que o fim do visto para os norte-americanos seria umas das medidas a serem anunciadas por Bolsonaro durante a visita ao presidente daquele país, Donald Trump. Bolsonaro já está em solo americano e o encontro com Trump deve ocorrer amanhã.
De acordo com o decreto, a dispensa do visto de visita apenas se aplica aos nacionais dos quatro países que sejam portadores de passaportes válidos para: "entrar, sair, transitar e permanecer no território da República Federativa do Brasil, sem intenção de estabelecer residência, para fins de turismo, negócios, trânsito, realização de atividades artísticas ou desportivas ou em situações excepcionais por interesse nacional; e estada pelo prazo de até noventa dias, prorrogável por igual período, desde que não ultrapasse cento e oitenta dias, a cada doze meses, contado a partir da data da primeira entrada no País".
Flexibilização
O ato também flexibiliza o poder dos ministros da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores para a dispensa de vistos. Diz a nova redação: "Ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores poderá, excepcionalmente, dispensar a exigência do visto de visita, para nacionalidades determinadas, observado o interesse nacional". O texto anterior já trazia essa possibilidade, mas os ministros só poderiam dispensar o visto com a definição de prazo determinado. Com a nova regulamentação, os titulares precisam apenas determinar as nacionalidades e não mais o tempo de validade da dispensa dos vistos.
Clóvis Rossi: Brasil / EUA, se melhorar, estraga
Nunca antes na história os dois países foram tão amigos
O presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo (17) para Washington, para reaproximar o Brasil dos Estados Unidos.
De acordo com Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, o Brasil do PT havia se afastado de Washington por motivos ideológicos.
Bobagem. Pura fake news.
Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, as relações entre Brasil e EUA estiveram em ponto ótimo, provavelmente o melhor da história. Assim continuaram com Luiz Inácio Lula da Silva.
Só sofreram um abalo com Dilma Rousseff, mas por culpa dos americanos (a espionagem nos telefones da então presidente), não por qualquer tipo de ranço ideológico do governo de turno.
Não é uma análise por ouvir falar. Fui testemunha direta de um punhado de cenas explícitas de engajamento muito amistoso de parte a parte.
Relembro uma, a mais emblemática delas, por envolver o sensível tema da proliferação nuclear.
Antes de uma visita de Lula a Teerã, em 2010, o presidente Barack Obama enviou carta a seu colega brasileiro indicando os pontos que deveriam constar de qualquer conversa com os iranianos.
A Folha obteve a carta depois e pôde comprovar que o acordo com o Irã (ao qual se somou a Turquia) seguia ponto a ponto o que Obama queria.
Inclusive no item crucial, de acordo com o presidente americano: o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior até o nível que só permitiria seu aproveitamento para finalidades pacíficas, nunca para a bomba.
Você acha, honestamente, que os EUA confiariam a um governante ao qual tivessem qualquer tipo de restrição, mais ainda ideológica, uma negociação nesse capítulo especialmente sensível?
O relacionamento entre os dois países chegou a um nível tão bom que, uma vez, o segundo homem da embaixada americana na época veio a São Paulo para uma conversa informal com dois ou três jornalistas.
Comentei com ele que, do ponto de vista do jornalismo, as relações Brasil/EUA eram “boring” porque não havia nenhum conflito, nenhum “fla-flu” que é naturalmente matéria-prima mais atraente para o jornalismo.
Ele concordou e argumentou que a função dele, como diplomata, era precisamente essa —a de normalizar o relacionamento, para frustração dos jornalistas.
É claro que todo relacionamento diplomático pode ser melhorado, mas, no nível que havia atingido, há mais margem para estragar do que para aperfeiçoar.
Até porque, no item comércio, o mais apetitoso hoje em dia na diplomacia, Donald Trump já disse, publicamente, que “o Brasil está entre os países mais duros do mundo, talvez o mais duro”.
É lógico supor que, se e quando se falar de acordos comerciais, Trump vai exigir que o Brasil amoleça.
Se Bolsonaro, ansioso por agradar seu ídolo, ceder e dependendo do que e de onde ceder, desagradará a parte de seus apoiadores no empresariado.
Outra ala do bolsonarismo, a dos militares, deve ter em relação aos Estados Unidos a mesma reserva que ouvi, em 1977, do general Hugo Abreu (1916-1979), então chefe do Gabinete Militar do governo Ernesto Geisel.
O general me disse que a pressão americana contra um acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha se devia ao medo de Washington da ascensão de “um Estados Unidos do Sul”.
A ideia de “America First” que Trump abraça não combina, pois, com o “Brazil First” que frequentava a cabeça dos militares. Frequenta ainda?
Nelson de Sá: Batalha por 5G se torna 'Guerra Fria da tecnologia'
Em editorial, o jornal chinês atacou as pressões americanas sobre os europeus aliados, contra o uso de equipamento da Huawei, comparando a submissão da Otan ao Pacto de Varsóvia.
FERVOR
James Bamford, tido como principal jornalista para questões de inteligência dos EUA, publicou na New Republic a longa reportagem "A espiã que não era" (acima), sobre a russa Maria Butina, que foi presa em agosto entre títulos que a acusaram até de "usar sexo". Foi efeito do "fervor anti-russo", conclui o repórter.
BOLSONARO VS. BRICS
Em análise no indiano The Economic Times, Fábio Zanini, da Folha, escreve que no país de Jair Bolsonaro, que neste ano preside o grupo Brics, a aliança com os grandes emergentes se tornou “quase invisível”. Até na Venezuela o Brasil agora se situa em posição divergente daquela de China, Rússia e também Índia e África do Sul —e ao lado dos EUA.De maneira geral, “a nova diplomacia brasileira consiste em poucos amigos e objetivos limitados, sem ambições globais”.
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Da CNN, sobre as fotos que correram mundo da festa da, entre aspas no original, “escravidão” em Salvador:"O mundo da moda está passando por uma prestação de contas em termos de insensibilidade cultural e suposto racismo.”
*Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.
O Globo: Maduro rompe relações com Washington
Número dois do chavismo convoca vigília popular em apoio ao regime e desafia opositores
CARACAS — Em pronunciamento no Palácio de Miraflores, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou o rompimento de relações diplomáticas com Washington. Mais cedo, o presidente americano, Donald Trump, reconheceu o presidente da Assembleia Nacional , Juan Guaidó, como presidente interino do país, e se referiu ao regime de Maduro como "ilegítimo".
— Dou 72 horas para que toda a equipe diplomática americana abandone a Venezuela — afirmou o presidente venezuelano. — Aqui ninguém se rende, ninguém se entrega. Vamos rumo ao enfrentamento, ao combate, à vitória da paz, da vida, da democracia e do futuro.
O presidente venezuelano acusou os Estados Unidos de tentarem promover a queda de seu governo.
— É um gravíssima insensatez da política extremista do governo de Donald Trump contra a Venezuela tentar dividir o país, tentar destruir suas instituições democráticas e tentar impor um governo por vias inconstitucionais.
Embora sua própria reeleição, em maio do ano passado, tenha ocorrido em meio a uma abstenção recorde, de 54% dos eleitores, Maduro lembrou que chegou ao poder pelo voto.
— Estivemos e estaremos com os votos do povo, que é o único que elege presidentes constitucionais na Venezuela — afirmou, criticando o papel da imprensa na crise política que atinge o país. — Todos os veículos são manipuladores, e com sua manipulação ocultam do mundo que aqui há um povo governando os destinos de uma nação. Somos a maioria. Somos o povo.
Ele, no entanto, não compareceu a uma contramarcha convocada pelo governo no centro de Caracas, que reuniu menos gente do que a jornada de protesto da oposição.
O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e número dois do regime, Diosdado Cabello, reagiu à proclamação de Guaidó afirmando que “aqueles que queiram ser presidentes devem ir ao Palácio de Miraflores”, numa referência à sede do Poder Executivo do país.
— O presidente é Nicolás Maduro e ele virão nos atacar — afirmou Cabello durante uma marcha de apoiadores do regime chavista em Caracas. — Mas lhes peço, em nome de (Hugo) Chávez, que se algo aconteça a um de nós, que aquele que vem atrás pegue sua bandeira e siga adiante. Quem quiser ser presidente que venha nos buscar em Miraflores, que aqui estará o povo defendendo Nicolás Maduro.
Primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv, legenda de Maduro), Cabello convocou uma vigília em frente à sede do governo em apoio ao governo do presidente.
— A partir desta noite nos instalaremos em vigília em frente ao Palácio de Miraflores, como fizemos no 11 de abril — exclamou. — Hoje o povo da Venezuela se levantará e amanhã Maduro continuará na Presidência. A maioria é representada pelo povo venezuelano, e não pela direita que não tem vergonha e não respeita a Constituição bolivariana. Se eles cruzarem a linha, a Justiça entrará em ação. Somos obrigados a preservar a paz do país.
As Forças Armadas também se manifestaram em defesa do chavista e disseram não reconhecer um “presidente imposto” e “autoproclamado fora da lei”, como escreveu no Twitter o ministro da Defesa do país, Vladimir Padrino.
Guaidó preside a AN, comandada pela oposição, que teve os poderes suspensos pelo governo venezuelano. Em 2017, o regime convocou a ANC, liderada por Cabello, para anular os poderes legislativos da AN.
Cabello acusou a oposição venezuelana de “contratar delinquentes para gerar terror nas ruas” durante as manifestações populares.
— Hoje a direita volta a ameaçar e causar terror no nosso povo, mas hoje é um dia do povo que foi traído e nunca mais voltará a ser — afirmou o líder da ANC em referência ao golpe que derrubou o general Marcos Jimenez Pérez em 1958.
Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima
Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!
Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.
Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.
Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?
Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.
Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.
De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.
Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?
O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...
Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.
O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.
Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.