EUA

Demétrio Magnoli: Operação geopolítica da China na pandemia terá implicações de longo prazo

Na aurora de 7 de fevereiro, o nome de Li Wenliang surgiu numa inscrição imensa, desenhada na neve, à margem de um rio chinês.

Três meses e uma pandemia depois, em 29 de abril, a página A5 da Folha foi inteiramente ocupada por um informe publicitário que canta as glórias da China. As duas imagens contam uma história —ou melhor, a inversão de uma história. A operação terá implicações geopolíticas de longo prazo.

O médico Li Wenliang, um dos primeiros a soar o alarme da nova doença, foi calado pelo Estado, contraiu o coronavírus e morreu. A notícia correu nas redes sociais, convertendo-o em herói popular: o símbolo da perversidade do regime.

A página publicitária na Folha traz a voz de Xi Jinping, dublada por um "especialista" brasileiro, um diplomata chinês e o médico-burocrata responsável pela medicina tradicional chinesa. É o segundo funeral de Li Wenliang: o panegírico da "eficiência" sanitária do sistema totalitário.

O primeiro pilar da "guerra da informação" deflagrada por Xi Jinping é a manipulação das estatísticas de óbitos. Segundo os números oficiais, a China encerra sua epidemia com 4.600 mortos, 13 vezes menos que os EUA, onde o vírus continua a ceifar 2.000 vidas por dia.

Deborah Birx, a chefe da força-tarefa dos EUA para a Covid, classificou a contabilidade chinesa como "irreal". A palavra quase apareceu num relatório da Comissão Europeia, mas foi suprimida por temor à represália do principal fornecedor de respiradores, máscaras e EPIs.

O segundo pilar é a campanha de "filantropia sanitária", pela transferência gratuita desses equipamentos e materiais a países em desenvolvimento. Nessa frente, o governo chinês divide o trabalho com Jack Ma, fundador do Alibaba, a "Amazon do Oriente". A iniciativa faz parte de um projeto muito mais ambicioso, a "rota da seda sanitária", que almeja converter a China em ator global no setor multibilionário da indústria farmacêutica.

O surto do ebola na África Ocidental, em 2014, foi o palco da aventura pioneira chinesa na política sanitária internacional. Na ocasião, a China cooperou com os EUA, cumprindo papel coadjuvante. Já na "rota da seda sanitária", ela opera unilateralmente, projetando influência no Sudeste Asiático, na Ásia Central e na África.

A escolha do etíope Tedros Adhanom para a chefia da OMS, em 2017, alavancada por um lobby chinês, converteu a organização em trampolim para a diplomacia sanitária de Xi Jinping na África, que utiliza a Etiópia como cabeça de ponte.

O FMI estima violentas quedas do PIB anual nos EUA (-5,9%), na Zona do Euro (-7,5%), no Reino Unido (-6,5%) e no Japão (-5,2%), mas discreto crescimento na China (1,2%). A crise do coronavírus acelera as tendências prévias de deslocamento do eixo econômico global. Mas o triunfo geopolítico chinês, apoiado na falsificação da história, deriva essencialmente dos fracassos ocidentais.

Os EUA praticaram o esporte primitivo do negacionismo, retrocederam para o isolacionismo e, no fim, renunciaram a disputar influência com a China na OMS. Trump tenta, pateticamente, livrar-se da responsabilidade pela negligência, atribuindo a pilha de 65 mil cadáveres ao "inimigo estrangeiro" (o "vírus chinês") e disseminando teorias conspiratórias (o "vírus de laboratório"), enquanto faz da emergência sanitária um pretexto para radicalizar a xenofobia.

Do outro lado do Atlântico, a União Europeia fechou descoordenadamente suas fronteiras internas e reativa a tensão entre Alemanha e o trio França/Itália/Espanha em torno das estratégias de resgate da economia.

"Para a China, tudo serve a uma utilidade política; um número nada significa para eles", explica Ai Weiwei, o célebre artista dissidente chinês, referindo-se à macabra piada estatística. A China da página A5 soterra a China da inscrição na neve fofa. Ao mentiroso, as batatas.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Luiz Carlos Azedo: A caneta fatal

“Desde que assumiu, Bolsonaro tenta centralizar e verticalizar o poder, o que é uma fonte de conflitos, mas também de equívocos políticos e administrativos”

A caneta Bic é um “case”” de qualidade e produtividade, funciona muito bem e custa relativamente barato. Do ponto de vista da sua finalidade, não fica nada a dever a uma Mont Blanc, objeto de desejo de muitos empresários e executivos vaidosos, como símbolo de riqueza e/ou poder. Lembro de um velho conhecido recém-chegado ao poder que exibiu a sua Mont Blanc na hora de pagarmos o almoço, ficou bravo comigo porque lhe disse, ironicamente, que era caneta de rico. Lascou-se depois, porque a caneta havia lhe sido presenteada por Marcos Valério, aquele publicitário carequinha do escândalo do “mensalão”do PT. Seu nome estava na lista de mimos em poder da secretária, havia ganho a caneta de presente, como brinde de ano-novo.

Secretárias podem ser protagonistas da grande política, assim como a ex-mulher, o motorista ou o caseiro. A política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares, como era antigamente. Quando exibe a sua Bic, o presidente Jair Bolsonaro sinaliza para a sociedade que é um homem austero, simples, que não se deixou deslumbrar pelo poder. É um recado que passa para preservar a sua imagem de presidente da República eleito contra o “sistema de poder” e a “velha política”. Será? No seu caso, isso é falso; o problema não é a caneta, é a tinta. Não existe caneta mais poderosa e endinheirada do que a sua Bic. Haja vista a negociação em curso com o Centrão.

Ontem houve a nova troca de cadeiras na Esplanada. Bolsonaro nomeou dois novos ministros: André Mendonça na Justiça e José Levi na Advocacia-Geral da União. Ambos foram elogiados pela competência técnica por Gilmar Mendes e Luís Barroso, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro desistiu de nomear o atual secretário-geral da Presidência, ministro Jorge Oliveira, que trata como afilhado, para o lugar que era ocupado por Sergio Moro, por pressão dos ministros militares e a pedido do próprio Oliveira. Mas ninguém se iluda, a causa da dança nas cadeiras foi a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal, no lugar de Maurício Valeixo, pivô da crise entre Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro. O novo diretor-geral chefiava a Agência Brasileira de Informações (Abin).

O juiz federal Francisco Alexandre Ribeiro, de Brasília, deu prazo de 72 horas para a União prestar informações sobre a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal. Ele é relator de três ações populares que buscam impedir a nomeação de Alexandre Ramagem por desvio de finalidade. O fato é importante para se ter a dimensão do problema criado pelo presidente Bolsonaro para si próprio, supostamente com objetivo de obter informações confidenciais sobre investigaçoes criminais e relatórios de inteligência. Embora subordinada administrativamente ao Executivo, a Polícia Federal é técnica e judiciária, tem sua própria autonomia, que se traduz na competência dos delegados para presidir os inquéritos policiais.

A Polícia Federal é um órgão de excelência, com pessoal concursado e altamente qualificado, recrutado entre os melhores com vocação para esse tipo de atividade. De certa forma, foi blindada pela Constituição para não cumprir o papel de polícia política, como aconteceu durante o regime militar, quando complementou e legitimou a atuaçao de órgãos clandestinos de repressão política das Forças Armadas. Esse trauma fez com que os constituintes atribuíssem claramente à PF o papel de um órgão de coerção do Estado, e não do governo. A nomeação de Ramagem, um delegado de carreira, resgata esse trauma, não por causa de sua competência técnica, mas devido à motivação da mudança. Além disso, sendo mais novo na carreira, fura a fila das promoções, o que sempre deixa sequelas, haja vista a situação no Itamaraty.

Inércia continental
Vivemos numa democracia de massas, o Estado brasileiro é ampliado, não no sentido da quantidade de servidores ou da intervençao na economia, mas de sua relaçao com os demais Poderes e entes federados, com a sociedade e suas instituições. Desde que assumiu, Bolsonaro tenta centralizar e verticalizar o poder, o que é uma fonte de conflitos, mas também de equívocos políticos e administrativos. Num país de dimensões continentais, a força de inércia das decisões do governo federal é imensa, como a de um grande navio cargueiro na hora de manobrar e de parar. Por isso mesmo, uma decisão equivocada pode se tornar um desastre irreversível. O fato de termos um Executivo que interage com outros poderes e esferas de governo, permeável à sociedade e que se relaciona com suas instituições, reduz a margem de erro e amplia a de soluções.

Agora mesmo, na epidemia de coronavírus, estamos sofrendo as consequências da mudança de postura do governo federal em relação ao distanciamento social. Ultrapassamos a China em número de mortos — mais de cinco mil — e estamos no limiar da barreira das 500 mortes por dia, em consequência do relaxamento da quarentena estimulado por Bolsonaro. É patético ver o ministro da Saúde, Nelson Teich, com cara de mareado no navio; o general encarregado da logística, não se dar conta de que o número de novos contaminados que precisam de UTI é muito maior do que o de respiradores que consegue distribuir; e o principal sanitarista do MS guardar o colete do SUS no armário e, de paletó e gravata, esquecer o bordão que disseminou por todo o país: “Fiquem em casa”. Depois dos Estados Unidos e Reino Unido, somos o terceiro em número de mortos por dia. Ou seja, estamos virando o epicentro da pandemia.

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Demétrio Magnoli: As mentiras nos EUA luzem sob o sol, enquanto na China seguem abaixo da superfície

Trump mente ininterruptamente; já o regime de Xi Jinping fabrica 'verdade' paralela da pandemia

“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” Essa verdade célebre, cuja autoria atribui-se tanto ao senador americano isolacionista Hiram Johnson (1918) quanto ao grego Ésquilo, o pai da tragédia, no século 5º a.C., vale também para a Peste Negra em curso. Mas as mentiras são diferentes: nos EUA, luzem sob o sol; na China, seguem escondidas abaixo da superfície.

Donald Trump mentiu ininterruptamente, retardando a preparação dos EUA para enfrentar a pandemia.

No fim de janeiro, disse à rede CNBC: “Temos isso sob controle total. É uma pessoa vinda da China, e a temos sob absoluto controle”. No início de fevereiro, gabou-se na Fox News: “Nós basicamente desligamos isso, que vinha da China”.

No final de fevereiro, garantiu que “isso é mais ou menos como a gripe; logo teremos uma vacina” e, referindo-se ao número de infecções, acrescentou: “Vamos substancialmente para baixo, não para cima”. Os EUA tinham, então, 68 casos; hoje, são 240 mil.

No meio de março, quando finalmente admitiu que o vírus “é muito contagioso”, ainda adicionou: “Mas temos tremendo controle sobre isso”.

A mentira trumpiana é uma narrativa política em constante mutação. Apoia-se nas muletas dos “jornalistas” chapa-branca e do aparato de difusão de fake news da direita nacionalista nas redes sociais.

Acredita quem quer —e não são poucos. Contudo, ela concorre com as vozes discordantes, que não são caladas pela força, e sobretudo com a verdade (factual), que emana tanto de órgãos oficiais quanto da imprensa independente. A hora da verdade (política) chega nas eleições, ocasião em que a maioria decidirá se prefere a mentira.

A China também mente sem parar, mas de modo diferente, fabricando uma “verdade” paralela.

A mentira chinesa tem raízes fincadas no chão do controle social totalitário. Ela se espraia por toda a vida cotidiana, propiciando a manipulação centralizada das estatísticas hospitalares —isto é, da fonte primária de informações sobre a natureza da crise.

Há indícios alarmantes de que os números fornecidos pelo governo chinês miniaturizaram a epidemia. Nos EUA, estima-se que a Covid produzirá entre 1 e 3 milhões de casos positivos e algo entre 100 mil e 240 mil mortes.

Já na China, situada em latitude semelhante e com mais de quatro vezes a população americana, a Covid teria praticamente estancado, com menos de 83 mil casos acumulados e cerca de 3.200 mortes. O contraste intriga os mais respeitados epidemiologistas —inclusive Deborah Birx, coordenadora da força-tarefa dos EUA para o coronavírus.

No centro do mistério está a contabilidade de óbitos. Os casos pioneiros da Covid em Wuhan ocorreram em dezembro, mas a notícia foi interditada e os médicos que os relataram, silenciados. A quarentena começou em 23 de janeiro. O vírus teve mais de três semanas para se disseminar, enquanto comemorava-se o Ano-Novo chinês.

Testemunhos anônimos de agentes de saúde chineses dão conta de incontáveis internações sem testagens e centenas de óbitos atribuídos a influenza ou pneumonia. No final de março, veículos online chineses publicaram fotos, tomadas por cidadãos comuns, de milhares de urnas funerárias ainda alinhadas em crematórios de Wuhan.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) nada viu de estranho nos números chineses —e celebra a “eficiência” totalitária de Xi Jinping. Tedros Adhanom, seu diretor-presidente, eleito com decisivo apoio chinês, um ex-integrante do núcleo duro do governo autoritário etíope, não parece alimentar dúvidas entre as alternativas de assegurar a bilionária parceria da China com a OMS ou proteger a verdade (estatística).

Mas, de acordo com relatórios sigilosos da inteligência americana que começam a vazar, a China engajou-se na fabricação de uma mentira monumental, iludindo o mundo.

Mentiras são diferentes. Todas elas, porém, cobram vidas.

*Demétrio Magnoli, Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Luiz Carlos Azedo: Reflexões sobre a epidemia

“Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica”

Quando as ideias liberais clássicas de Adam Smith pareciam consagradas no Ocidente, em meio à corrida mundial para reinventar o Estado, a epidemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar. O revisionismo reformista de Lord John Maynard Keynes parece renascer das cinzas, com sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Para conter a epidemia, o mundo está mergulhando numa recessão geral, fruto da globalização tanto quanto a propagação do novo coronavírus, que começou na China, tomou de assalto a Europa, se instala nos Estados Unidos e se expande na periferia, na qual países como a Índia e o Brasil se preparam para a uma tragédia anunciada.

Para o keynesianismo, os níveis de consumo, de investimentos público e privados e aplicações dos cidadãos são determinantes da política econômica. Quando eles se retraem, a crise vem a galope. A velha fórmula de Keynes para enfrentar essa situação está sendo exumada por ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que pretende injetar mais de US$ 1 trilhão na economia norte-americana para aliviar o sufoco gerado pela paralisação da economia. A Casa Branca foi o centro da resistência à política de distanciamento social preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas capitulou, diante da tomada de Nova York pela epidemia. Da cidade mais rica do mundo, a epidemia se espalha por todos os estados da União.

Como na Grande Depressão de 1929, só o Estado pode conter o atual desequilíbrio da economia. Aquela crise teve outras causas: foi consequência da grande expansão de crédito por meio de oferta monetária (emissão de dinheiro e títulos), que precisou ser freada. O governo parou, começou a enxugar o mercado e a operar uma política de restrição de empréstimos. Temendo a desvalorização da moeda, muitas pessoas e empresas retiraram suas reservas dos bancos, dando início a um processo de recessão.

A solução para esse problema seria controlar a recessão, permitindo a liberdade de preços e salários, até que o mercado se adequasse à nova situação. No entanto, ao contrário disso, o governo passou a exercer arrochado controle sobre os preços e os salários, além de promover aumento de impostos. Isso agravou a recessão e, em cinco dias, a Bolsa quebrou, levando à falência empresas e bancos e, ao desemprego, 12 milhões de pessoas nos Estados Unidos, uma recessão que se alastrou por todo o mundo.

A fórmula de Keynes era os governos aplicarem grandes remessas de capital na realização de investimentos que aquecessem a economia de modo geral, além de linhas de crédito a baixo custo para garantir a realização de investimentos do setor privado e a elevação dos níveis de emprego. Mas isso era uma ofensa ao “livre mercado”. Coube ao presidente Franklin Delano Roosevelt, um homem paraplégico por causa da poliomielite, enfrentar a recessão.

Governador de Nova York desde 1928, disputou e ganhou a Presidência dos Estados Unidos em 1932, prometendo um novo e ousado plano de ação para resgatar a nação dos efeitos da grande depressão. Convenceu os americanos de que não havia mais nada a temer. Empossado em março de 1933, em apenas 100 dias, Roosevelt conseguiu aprovar no Congresso seu plano baseado nas ideias keynesianas. O New Deal (Nova Ordem) garantiu US$ 3,3 bilhões para investir na criação de empregos e na recuperação industrial. Nascia o Estado de bem-estar social.

Errático
Roosevelt propôs programas inovadores, que geraram milhões de empregos, e criou a Lei de Seguridade Social, um plano de aposentadoria com abrangência nacional, a grande herança de seu governo. Reeleito três vezes (1936, 1940 e 1944), morreu pouco antes do fim da II Guerra Mundial, na qual foi um dos Três Grandes, ao lado de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, e Youssef Stálin, o líder da antiga União Soviética, que comandaram as forças aliadas contra o nazifascismo.

Aqui no Brasil, diante da epidemia de coronavírus, a política econômica ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em colapso. Tornou-se insustentável diante da redução da atividade econômica. Na verdade, seus resultados já eram pífios antes da epidemia.. Economistas como Armínio Fraga, Monica de Bolle e André Lara Rezende já vinham questionando o ministro. O mercado já está com saudades do ex-ministro Henrique Meirelles, hoje secretário da Fazenda de São Paulo.

É esse debate que está por trás do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores em relação às medidas de quarentena adotadas nos estados e municípios. Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica. O remédio é deixar morrer. Ontem, foi à tevê, em cadeia nacional, para atacar a imprensa, os governadores e os prefeitos e criticar as medidas de distanciamento social adotadas para conter a epidemia, que continua chamando de gripezinha. Quando parecia ter entrado em entendimento com os demais governantes, recrudesceu. Temos um presidente errático em relação à crise que o país enfrenta.

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Roberto Simon: Coronavírus deixou claro risco geopolítico que Trump representa

Apagão de liderança agravou pandemia

A política internacional, nos últimos anos, parecia guiada pela massa de pessoas anônimas. Da Praça Tahrir ao Occupy Wall Street.

Mais recentemente, das ruas de Hong Kong às do Chile. Dos tuítes, retuítes, likes e bots das redes sociais. E, agora, dos gráficos de curvas ascendentes de casos de coronavirus.

No entanto, a pandemia da Covid-19 mostra como, em um momento de crise sistêmica, as escolhas de algumas poucas pessoas com enorme poder, em certas capitais, determinarão o destino de incontáveis vidas e o futuro da economia global. Líderes, afinal, importam.

Essa virada é particularmente assustadora quando, à frente da maior potência da história da humanidade, está Donald Trump.

O risco geopolítico que Trump representa foi normalizado nos últimos anos.

Mas com o abismo do coronavírus a olhar dentro de nós, começa-se a entender o custo real de se ter, em Washington, um governo disfuncional, anticientífico, em guerra contra as instituições democráticas e a imprensa, e sem credibilidade internacional.

O mecanismo da negação foi simples. Trump herdou uma economia em expansão e pisou no acelerador cortando impostos (as consequências do déficit americano, um dia saberemos).

Em uma situação de pleno emprego e com a bolsa batendo recordes, o setor privado passou a vê-lo como uma distração excêntrica.

Apesar de tensões na Coreia do Norte, Crimeia ou Irã, o risco de guerra permaneceu baixo. E a pujança da economia americana reduziu o impacto das guerras comerciais com a China, e de outros disparates.

Com céu de brigadeiro, ninguém pensa no piloto. Agora, entramos na tempestade.

Trump continua a repetir que há testes suficientes para todos, apesar do consenso entre especialistas de que isso não é verdade. Diz que o vírus —até pouco, fake news para roubá-lo a reeleição— deve ser levado a sério.

A falta de credibilidade do governo e as mensagens truncadas agravaram a situação no mercado.

No primeiro tombo da bolsa, no dia 24, Trump decretou que o coronavírus estava “sob controle nos EUA”.

O país contava 14 casos em 6 estados. Em duas semanas, a cifra, apesar das restrições de exames, saltou a 1.600 em 49 estados.

Além de algumas ideias soltas de eficácia questionável, como descontos em folha de pagamento, ninguém sabe ainda como a Casa Branca reagirá ao choque econômico.

E o histórico de ofensas a líderes mundiais, hostilidade a aliados e o enfraquecimento de organismos multilaterais começa a cobrar seu preço.

Em um pronunciamento na TV na quarta-feira, Trump anunciou bloqueio a viagens e produtos da Europa.

Europeus não haviam sido informados de nada. Depois, descobriram que as duas informações estavam erradas. A crise de 2008 foi respondida no âmbito do G20. Difícil imaginar algo semelhante hoje.

São óbvios os paralelos de Trump com Jair Bolsonaro –que, dias atrás, chamava o vírus de “fantasia” e ajudava a convocar manifestações de rua–, mas eles param nas assimetrias de poder entre EUA e Brasil no mundo.

São óbvios também os contrastes entre Trump e Bolsonaro com outros líderes globais.

Com serenidade, compaixão e franqueza, a chanceler Angela Merkel admitiu aos alemães que “milhões” serão contaminados.

Emmanuel Macron falou à nação a verdade e agradeceu, em nome da França, aos profissionais de saúde na linha de frente.

A pergunta agora é o que virá depois da tempestade, se ficar claro que decisões desastrosas tiveram um custo econômico e em vidas humanas. Será que o mecanismo da negação sobreviverá?

*Roberto Simon, é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.


Política Democrática || José Vicente Pimentel: O plano de Trump para o Oriente Médio

Esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática 

A questão da Palestina está na agenda internacional desde o Acordo de Sykes-Picaut de 1916. O primeiro plano de paz foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. Desde então, é comum ver os presidentes americanos envolverem-se diretamente nos problemas do Oriente Médio. As guerras de 1948, 1967 e 1973 entre árabes e israelenses, vencidas sempre por estes últimos, aumentaram a pressão para que os EUA se engajassem nas negociações de paz, por serem o único honest broker que as partes reconheciam como capaz de negociar soluções pacíficas para os conflitos.

A resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU (CSNU), aprovada após a Guerra dos Seis Dias, e reafirmada pela resolução 338, adotada após a Guerra do Yom Kipur, tornou-se um marco nas negociações. O texto preconiza a “retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito”. Mas a delimitação desses territórios é foco até hoje de disputas. Para os palestinos, seriam suas a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, além de Jerusalém Oriental. Israel contesta os limites entre a Jordânia e a Cisjordânia e quer uma Jerusalém unificada sob seu controle. Há outros itens espinhosos, como a retirada israelense do sul do Líbano, os territórios ocupados e os assentamentos neles erguidos por Israel.

Esses temas permaneceram na pauta ao longo dos anos, gerando belos momentos diplomáticos, como os Acordos de Camp David, impulsionados por Jimmy Carter; os três pontos reconhecidos por Yasser Arafat em seus encontros com Ronald Reagan (reconhecimento de Israel, aceitação da resolução 242 e renúncia ao terrorismo); a primeira Conferência Internacional de Madri, organizada por George Bush pai, em 1991, que ensejou o histórico aperto de mão entre Arafat e Yizhak Rabin, e os Acordos de Oslo, impulsionados, em 1995, por Bill Clinton. Esses esforços criaram muita expectativa, a que se seguia desalento diante das intifadas de 1987 e 2000, bem como dos sucessivos assentamentos israelenses em territórios ocupados. Mas assim como a medicina não pode se abater ante a reincidência de um câncer, a diplomacia precisa encontrar nos insucessos motivação para renovar energias, buscar saídas e evitar o mal maior de uma ampliação do teatro de guerra. Nesse contexto, aguardava-se a contribuição de Donald Trump, aquele que ganhou as eleições autodeclarando-se “o grande negociador”.

O esquema anunciado por Trump em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, foi uma decepção para os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. O plano favorece Israel em todos os temas em disputa. Mediações anteriores haviam feito progressos na negociação de medidas para assegurar segurança na fronteira da Jordânia, a fim de que terroristas não atravessassem a Cisjordânia e ingressassem em território israelense. Trump resolveu a parada presenteando Israel com todo o Vale do Jordão. Dessa maneira, Jericó se transformaria num enclave, cercada por Israel por todos os lados. Os palestinos manteriam apenas 30% da Cisjordânia.

Por sua vez, a soberania sobre Jerusalém Oriental foi integralmente entregue a Israel, que passaria a ter inclusive direitos sobre o Monte do Templo, ou Haram al-Sharif, e sobre a mesquita de al-Aqsa. Como compensação, os árabes receberiam um centro turístico ao norte de Jerusalém e acesso, controlado por Israel, aos lugares santos.

O resto segue o padrão desequilibrado de um diktat, negociado pelo genro de Trump apenas com diplomatas israelenses, sem participação da Palestina. O caráter impositivo ficou patente na cerimônia de anúncio do plano, feita em conjunto por Trump e Benjamin Netanyahu, com a notória ausência de palestinos. Por isso, não causou surpresa que tenha sido de pronto rejeitado pela Liga Árabe e pelas principais Chancelarias mundo afora.

O Governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump, assim modificando mais uma posição tradicional da diplomacia brasileira. Vale lembrar, por exemplo, que o governo Geisel se posicionou a favor da retirada das tropas israelenses dos territórios árabes ocupados em seguida à guerra de 1967 e reconheceu o direito do povo palestino à autodeterminação e à independência. Militava em favor dessa postura equilibrada a importância concedida, desde os tempos do Barão do Rio Branco, à diplomacia multilateral; o reconhecimento de que o Oriente Médio é uma região importante para a manutenção da paz e para a estabilidade da economia mundiais e, ainda, em manifestação de respeito pela notável contribuição que as comunidades árabe e judaica deram e precisam continuar dando à harmonia da sociedade e ao progresso econômico do Brasil.


Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus

“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”

O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.

O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.

Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.

O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.

O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.

Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.

Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.

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Luiz Carlos Azedo: Entre dois polos

“A China continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos EUA para defender nosso parque produtivo no novo cenário global”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos, que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.

“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e o crescimento global.

Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5 bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano; US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões, no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$ 25,1 bilhões, no segundo ano.

O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental. Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem estratégica em termos logísticos.

Rota do Pacífico
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.

A grande contribuição do livro de Kissinger quanto a isso é seu esforço no sentido de construir pontes diplomáticas do Ocidente com a China, a partir de sua própria experiência, pois foi o grande artífice da reaproximação entre os dois países em plena guerra fria. A conduta chinesa nos âmbitos dos direitos humanos e de seu “imperialismo” regional sempre foi alvo de ataques por parte dos países ocidentais, a partir da aproximação entre os dois países houve uma mudança de eixo de percepção do Ocidente sobre os chineses, que deram uma guinada econômica em direção ao capitalismo excepcionalmente bem-sucedida, a ponto de a percepção da opinião pública mundial mudar completamente em relação aos chineses. No lugar da imagem dos guardas vermelhos da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, surgiram os grandes grupos de turistas ávidos pelo consumo da cultura ocidental, com suas roupas, bolsas e tênis de marcas, além de smartphones de última geração.

Entretanto, ninguém se iluda, o regime político continua sendo uma ditadura do Partido Comunista, o status autônomo de Hong Kong não será restabelecido e a China tornou-se uma potência econômica com crescente projeção militar sobre o Pacífico, o Índico e a costa africana do Atlântico Sul. No caso do Brasil, continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos Estados Unidos para defender nosso parque produtivo nesse novo cenário criado pelo acordo.

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Luiz Carlos Azedo: O fator externo, China e EUA

“A equivocada política em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica em áreas sensíveis para a opinião pública mundial atrapalham a economia brasileira”

Para o Brasil, a notícia mais alvissareira da política internacional nesta semana foi a declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que as negociações com a China estão avançando, o que sinaliza o fim da guerra comercial entre os dois países. O otimismo de Trump tem a ver também com a preferência do líder chinês Xi Jinping de que ele permaneça à frente dos Estados Unidos, pois é melhor lidar com a reeleição de um concorrente previsível do que com um democrata ainda desconhecido, mas que certamente cobrará dos chineses mais respeito aos direitos humanos e à democracia em Hong Kong. Um cenário sem guerra comercial entre as duas potências favorece a expansão da economia mundial. Isso é muito bom para a economia brasileira.

A atual boa vontade de Trump nas negociações com a China, depois de tanto arreganhar os dentes para Xi Jinping, é um reflexo direto dos apuros em que se meteu na Ucrânia, o que pode custar a aprovação do seu impeachment pela Câmara dos Deputados. Tudo bem que o Senado norte-americano é controlado pelos republicanos, porém, dependendo das provas que existam contra Trump, não é uma boa ideia pôr em risco a economia norte-americana numa queda de braços cambial com os chineses. Tal cenário poderia complicar a vida dele também no Senado e levá-lo à derrota eleitoral.

Trump é acusado de violar a lei ao pressionar o líder da Ucrânia a buscar possíveis informações prejudiciais sobre um rival político. Em agosto, um oficial de inteligência anônimo escreveu uma carta denunciando uma conversa telefônica de Trump com o presidente ucraniano, em 25 de julho. Dizia ter uma “preocupação urgente” de que Trump tenha usado seu gabinete para “solicitar interferência de um país estrangeiro” nas eleições presidenciais de 2020.

Mais tarde, um memorando (e não uma transcrição) revelou que Trump pediu ao presidente Volodymyr Zelensky que investigasse o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden, o principal candidato a competir contra Trump nas eleições do próximo ano, bem como o filho de Biden, Hunter. Alguns depoimentos ao comitê da Câmara apontaram que havia um “canal paralelo” diplomático com a Ucrânia, para solicitar as investigações, e há indícios de que Trump tenha usado quase US$ 400 milhões em ajuda militar para pressionar os ucranianos.

A sinalização do fim da guerra comercial entre os Estados Unidos e China somou-se aos resultados positivos do PIB brasileiro no último trimestre, o que animou o mercado de ações. Teve muito mais peso do que a notícia de que Trump voltaria a sobretaxar as importações do aço e do alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real ante o dólar. O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, fechou em alta ontem e renovou máximas pelo segundo dia seguido. Ao longo da sessão, o Ibovespa subiu 0,29%, a 110.622 pontos. É o maior patamar de fechamento já registrado. Na máxima, chegou a 111.072 pontos.

Crescimento

O otimismo do mercado foi inflado também por causa das expectativas de crescimento da equipe econômica do governo: “Já estou escutando, pelo tipo de investimento e planejamento de algumas empresas, que a gente pode ter, pelo menos, um crescimento de 2,3%. Pode ser maior. O crescimento pode tranquilamente ser por volta de 2,3%, 2,5%”, afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, durante evento da XP Investimentos sobre perspectivas para 2020. “A gente está terminando o ano de 2019 e começando 2020 em um cenário muito melhor do que o governo e o mercado esperavam”, arrematou.

O que ainda atrapalha a economia brasileira, do ponto de vista externo, é a equivocada política do governo em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica, principalmente em áreas sensíveis para a opinião pública mundial, como as dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Para se ter uma ideia de como as coisas funcionam, por exemplo, o Brasil está tendo dificuldade para conseguir a extradição de criminosos, inclusive de colarinho-branco, por causa das nossas condições carcerárias. Fundos de investimentos estão revendo suas operações no Brasil por causa da questão ambiental. Artistas de todo o mundo começam a se engajar em protestos contra o governo brasileiro em razão das agressões oficiais ao mundo artístico e cultural.

Além disso, a nova política externa também não ajuda, é um jogo de soma zero. Capotou na primeira curva, por causa da reação da China e dos países árabes ao alinhamento automático com os Estados Unidos e Israel. Antes, apesar dos problemas, havia boa vontade com o Brasil, quando nada porque nossos diplomatas estavam empenhados em encontrar parceiros e conquistar a solidariedade para nos ajudar a resolvê-los. Não era pouca coisa.

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Fernando Exman: Será ruim retaliar com Alcântara

Lançamento comercial só deve ocorrer em 2022

A intempestiva ação do presidente americano, Donald Trump, que ameaçou taxar produtos brasileiros chegou em péssima hora para os defensores do acordo de salvaguardas tecnológicas, assinado com os Estados Unidos, para viabilizar o Centro Espacial de Alcântara. Será negativo, contudo, se esse acordo passar a figurar em uma eventual lista de potenciais retaliações aos EUA.

Nada mais natural que a oposição aproveite a oportunidade de criticar o governo pelas concessões feitas aos americanos, sem que as esperadas contrapartidas tenham se concretizado. Talvez apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família acreditaram que o Brasil teria um tratamento privilegiado dos EUA, em razão de sua vitória na eleição do ano passado.

O acordo de salvaguardas tecnológicas não entra nesse balaio. Ele assegura que o Brasil se compromete a proteger as tecnologias americanas, as quais, segundo dados do governo, estão em aproximadamente 80% dos componentes utilizados em foguetes e satélites do mundo.

No Executivo, é visto como instrumento fundamental para o desenvolvimento do setor e para o estabelecimento de uma política espacial efetiva. E pretende ser utilizado também como vetor do desenvolvimento da região em que o Centro Espacial de Alcântara está localizado, no Maranhão.

A tramitação do acordo não foi absolutamente tranquila, mas conseguiu superar obstáculos ideológicos. Se tivesse demorado um pouco mais, poderia correr o risco de ter sua aprovação utilizada como refém ou até mesmo vítima colateral do recente estranhamento observado nas relações bilaterais.

Seria um erro do Congresso. Com a autorização do Legislativo em mãos, portanto, o Executivo começa a tomar as providências cabíveis.

Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes tem apreço pelo tema e o trata como prioritário. Ao Valor, ele detalhou o que se pode esperar a partir de agora: um grupo interministerial se debruçará sobre o assunto e definirá um “plano de negócios”.

Além do MCTIC, estarão envolvidas as pastas da Infraestrutura, da Cidadania, da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Educação, da Saúde, da Agricultura e da Defesa. Representantes desses ministérios irão a Alcântara conversar com a comunidade quilombola local, integrantes dos governos estadual, municipal, universidades e empresários da região. Com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), formularão políticas de capacitação de trabalhadores e de empreendedores locais. Esse grupo também analisará as demandas de infraestrutura para a região e as necessidades do centro espacial, tanto para as suas instalações físicas quanto em relação a equipamentos.

Marcos Pontes costuma dizer que, em 30 anos, foi o único ministro a visitar o local para conversar com os moradores. Quer ouvir deles o que se pode fazer para aprimorar os serviços de saúde e educação da região. Defende melhorias no instituto federal lá instalado, e revela que o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) quer ter um braço em São Luís.

“Eu não gostaria de mexer na cidade de Alcântara. Lá é uma cidade histórica, tem ruínas lá dentro. As ruas são antigas, o estilo das casas. Aquilo ali pode ficar igual Paraty, pode ter restaurantes e barzinhos”, diz, defendendo que não se altere a estética local. Construção de prédios só com o mesmo estilo arquitetônico e para abrigar museus ou outros equipamentos públicos relacionados à cultura e à tradição. “A gente pode fazer uma estrada passando pelas vilas e construir, aí sim, um setor novo com prédios modernos, hotéis, restaurantes modernos e uma estrutura adequada e confortável.”

Para Pontes, Alcântara precisa ter logo internet de alta velocidade e um melhor fornecimento de água. Com isso, vai virar um polo de inovação ligado ao setor espacial.

“Estamos em um momento no planeta em que os países perceberam que isso é um bom negócio”, destacou o ministro, acrescentando que Portugal está fazendo um centro espacial e oceânico nos Açores e a Nova Zelândia está também apostando no setor.

Uma aposta comercial, sublinha. Não militar.
“Isso aqui é para ser um centro comercial. A ideia é ter empresas vindo para cá”, explicou. “O centro vai oferecer serviços de lançamento. Ele é operado pelo Brasil o tempo todo, com todo o controle das operações.”

O ministro explica com didatismo. De um lado, o Brasil terá como fornecedores empresas que possuem foguetes. A base terá seis plataformas, com distintas adequações técnicas. Com esse portfólio de lançadores, irá atrás de clientes que querem ter seus satélites lançados.

Assim, o país vai operar o lançamento, fazer a cobrança desse cliente e repassar parte do que cobrar para pagar o fornecedor. Usará o restante do dinheiro para desenvolver o programa espacial brasileiro e promover melhorias na infraestrutura local. Em relação ao programa espacial, o plano do ministro é direcionar os recursos principalmente para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que desenvolve sistemas espaciais. “Isso vai movimentar todo o parque industrial que apoia este setor.”

Segundo informações prestadas pelo governo para convencer os parlamentares, este mercado movimenta cerca de US$ 350 bilhões por ano e pode atingir cerca de US$ 1 trilhão. Marcos Pontes estima que o Brasil possa arrecadar no início das operações aproximadamente R$ 300 milhões por ano.

“Não é pouco?”, pergunta o ministro, para então emendar a resposta: “Não. Para se ter uma ideia, no nosso programa espacial inteiro eu consigo colocar R$ 150 milhões no ano. É o dobro”.

O governo acredita que fazer esse “plano de negócios” funcionar tomará 2020. Lançamentos de treinamento ocorrerão em 2021. “Imagino que em 2022 é uma boa e otimista expectativa de a gente ter um primeiro lançamento comercial. Tem que ser realista com a coisa”, diz o ministro, que já avalia se haverá necessidade de assinatura de acordos de salvaguarda com outros países.

Depois de tantos avanços e retrocessos, as autoridades estão otimistas com as perspectivas do programa. Estão de olho no espaço, mas com os pés no chão.


O Estado de S. Paulo: ‘Sem precedente em países civilizados’, diz Ricupero sobre possível nomeação de Eduardo

Ex-embaixador nos EUA, diplomata critica indicação do filho do presidente Jair Bolsonaro para o cargo em Washington

Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero criticou a possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. “Trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos”, afirmou Ricupero ao Estado.

Um dos diplomatas brasileiros mais respeitados, Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e atuou como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Para ele, a nomeação de parentes próximos para funções diplomáticas é típica de “monarquias absolutas”. “Caracteriza também os governantes populistas como Donald Trump, que só confiam na própria família”, afirmou.

Ricupero, atualmente professor na Faap, disse ainda que Eduardo já atua, na prática, como “chanceler informal” e que, agora, poderia, de fato, assumir um cargo diplomático. No entanto, o fato de o deputado ser filho do presidente, preocupa, segundo o ex-embaixador.

“Funções como as de embaixador devem ser institucionalizadas, e não personalizadas. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do País.”

Autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750 - 2016, que trata da história diplomática do País, Ricupero afirmou que o caso mais próximo dessa indicação remete a José de Paula Rodrigues Alves, filho mais velho do presidente Rodrigues Alves(1902-1906), ainda que de modo “longínquo e inadequado”, já que ele se tornou embaixador quando o pai não era mais presidente.

“O exemplo dele realmente não se ajusta ao caso porque ele foi diplomata de carreira e só chegou ao posto de embaixador depois de percorrer todos os outros degraus e muitos anos depois do falecimento do pai (em 1919)”, disse Ricupero.

José de Paula Rodrigues Alves morreu, em 1944, então como embaixador do Brasil em Buenos Aires. Antes, havia atuado nas Embaixadas do Brasil na Suécia, na China e no Paraguai.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro dispensa visto para turistas de EUA, Austrália, Canadá e Japão; medida é unilateral

Estrangeiros dos quatro países poderão entrar no País sob novas regras a partir de junho

Luci Ribeiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro formalizou em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), publicada na tarde desta segunda-feira, 18, a dispensa – unilateral – de visto para turistas norte-americanos entrarem no Brasil. A medida consta no decreto assinado por Bolsonaro e será estendida também a visitantes de Austrália, Canadá e Japão, também de forma unilateral. O decreto só entrará em vigor em 17 de junho deste ano.

Na semana passada, o governo já havia dito que o fim do visto para os norte-americanos seria umas das medidas a serem anunciadas por Bolsonaro durante a visita ao presidente daquele país, Donald Trump. Bolsonaro já está em solo americano e o encontro com Trump deve ocorrer amanhã.

De acordo com o decreto, a dispensa do visto de visita apenas se aplica aos nacionais dos quatro países que sejam portadores de passaportes válidos para: "entrar, sair, transitar e permanecer no território da República Federativa do Brasil, sem intenção de estabelecer residência, para fins de turismo, negócios, trânsito, realização de atividades artísticas ou desportivas ou em situações excepcionais por interesse nacional; e estada pelo prazo de até noventa dias, prorrogável por igual período, desde que não ultrapasse cento e oitenta dias, a cada doze meses, contado a partir da data da primeira entrada no País".

Flexibilização
O ato também flexibiliza o poder dos ministros da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores para a dispensa de vistos. Diz a nova redação: "Ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores poderá, excepcionalmente, dispensar a exigência do visto de visita, para nacionalidades determinadas, observado o interesse nacional". O texto anterior já trazia essa possibilidade, mas os ministros só poderiam dispensar o visto com a definição de prazo determinado. Com a nova regulamentação, os titulares precisam apenas determinar as nacionalidades e não mais o tempo de validade da dispensa dos vistos.