ética

Luiz Carlos Azedo: A pandemia e o luto

No Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado

Uma das singularidades da pandemia do novo coronavírus no Brasil — que chega aos 160 mil mortos e 5,5 milhões de infectados — é a sua naturalização pelo presidente Jair Bolsonaro, que sempre combateu as medidas de isolamento social adotadas por prefeitos e governadores e tratou-a como uma “gripezinha”. A aposta do presidente da República era de que ambos arcariam com as consequências negativas do impacto econômico da crise sanitária e ele, desafiando o vírus mortífero, se beneficiaria do auxilio emergencial aprovado pelo Congresso — cinco parcelas de R$ 600, de abril a agosto, e quatro de R$ 300, de setembro até dezembro e que o governo distribuiu à mais de 60 milhões de pessoa. O governo gastou até setembro R$ 411 bilhões com a pandemia, dos quais R$ 213 bilhões com o auxílio.

Acontece que essas despesas foram feitas como quem faz uma grande compra de consumo imediato com cartão de crédito, ou seja, a conta um dia vai chegar. E está chegando com a dívida pública já equivalente a 90% do PIB e uma taxa de desemprego de 14,4 %, que deve aumentar, porque a procura por emprego, com a redução do auxílio emergencial, também aumentará. Os reflexos políticos do agravamento da crise social são imediatos. Da mesma forma como a popularidade de Bolsonaro subiu com o auxílio emergencial, agora ameaça declinar nos grandes centros, com impacto eleitoral nos candidatos que o presidente da República apoia em São Paulo, onde Celso Russomano (Republicanos) está derretendo, e no Rio de Janeiro, cujo prefeito, Marcelo Crivela (Republicanos), candidato à reeleição, é amplamente rejeitado pelos eleitores. Bolsonaro já começa a se distanciar de ambos.

Nosso presidente da República é um personagem complexo da política brasileira — embora adote soluções simples e erradas para problemas complicados —, foge aos paradigmas do politicamente correto e desenvolve vínculos com parcelas da população que somente a antropologia explica. Mas não tem como fugir de uma realidade social impactada pelos efeitos psicológicos da pandemia na vida das pessoas, em particular o luto dos amigos e familiares das vítimas de COVID-19, que não tem nenhum paralelo com o de outras causas mortis, inclusive porque o rito de passagem de seus funerais foi profundamente afetado pela ausência de velórios e os caixões fechados.

Negação e resiliência
Após naturalizar a pandemia, em algum momento, Bolsonaro haverá de pedir desculpas por esse comportamento, quiça na campanha leitoral de 2022, mas até agora não manifestou um sincero pesar pela escalada da pandemia. Seus lamentos foram sempre preâmbulos de alguma firmação que estabelecia como prioridade manter as atividades econômicas a qualquer preço. Acontece que essa prioridade é apenas retórica, na verdade, há um cada um por si, porque o governo abandonou as reformas, não tem prioridades, se digladia internamente e está prisioneiro das corporações e grupos econômicos que o apoiam. São inúmeros exemplos, os mais recente são os cancelamentos do projeto da BR do Mar — nova Lei da navegação de cabotagem —, por exigência dos caminhoneiros, e o decreto para privatização de 4 mil postos de atendimento básico do SUS, uma proposta inopinada e marota, que transforma a rede pública num grande negócio privado de tecnologia para empresas do setor de saúde.

Entretanto, Bolsonaro está subestimando o luto das pessoas que perderam seus entes queridos. Não são apenas os impactos econômico, social e cultural, em termos de perdas de força de trabalho, conhecimento e liderança social, que devem ser considerados; existe um lado afetivo e psicológico na crise sanitária, que se manifesta de forma duradoura, por etapas, difícil de ser mensurada. Amanhã, no Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado.

O luto ocorre porque a perda física do ente querido não elimina o afeto. É uma ausência de difícil aceitação no tempo em que ocorre, porque o amor sobrevive. Isso gera uma negação, que se manifesta de forma silenciosa, muitas vezes, como fuga da realidade; num segundo momento, vem a revolta, muitas vezes inconsciente e inexplicável. Leva tempo para que as pessoas superem a depressão subsequentemente e aceitem a perda, para que a vida plena se restabeleça. Mas não existe esquecimento. Aceitar não é deixar de sentir. O luto se torna essencial, um marco na vida pessoal. A resiliência diante da morte também gera simpatia ou engajamento em movimentos que sejam antítese do sua causa. É o caso dos familiares de vítimas de balas perdidas ou violência policial. Na pandemia, a naturalização das mortes pode ser apenas a primeira fase de um luto coletivo. Muito mais amplo e profundo.

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Luiz Carlos Azedo: O jabutizeiro do SUS

Quando a pandemia do novo coronavírus passar, a medicina nunca mais será a mesma. As consultas por teleconferência, introduzidas em massa durante a pandemia, vieram para ficar

A Prefeitura de Vitória (ES) tem uma das melhores redes de atendimento básico à saúde do país, resultado de sucessivas administrações, mas, sobretudo, do avanço tecnológico promovido pelo atual prefeito, Luciano Rezende (Cidadania), que encerra o seu segundo mandato. Com as inovações, foi possível ampliar o atendimento em 30%, sem contratação de médicos ou construção de novos postos de saúde. Qualquer cidadão atendido na rede, inclusive nos dois pronto atendimentos (PAs) da cidade, recebe um torpedo no celular para dar uma nota de 0 a 10 de avaliação do atendimento. A nota média, em setembro, mesmo na pandemia da covid-19, foi 9,11. O ovo de Colombo surgiu depois de uma viagem de avião, quando o prefeito recebeu uma mensagem pedindo uma nota de avaliação do serviço da companhia aérea.

A revolução tecnológica começou pelo Pronto Atendimento de São Pedro, antiga região de palafitas, erradicadas nas administrações de Vitor Buaiz (PT) e Paulo Hartung (MDB). Na administração do tucano Luiz Paulo Velozzo Lucas, da qual Rezende foi secretário de Saúde e de Educação, esses serviços foram ampliados. Mas, foi preciso muita inovação tecnológica para que a gestão da saúde fosse focada 100% na ponta do atendimento ao público. Quando os torpedos começaram a ser disparados, houve muitos questionamentos, porque tudo influencia a avaliação, e não apenas o atendimento médico propriamente dito. O PA de São Pedro, por exemplo, foi o mais mal avaliado. Esse resultado levou a que os diretores dos dois melhores postos de saúde da cidade fossem transferidos para lá, onde a população mais pobre da cidade é atendida na emergência, 24 horas, todos os dias, inclusive domingos e feriados. A média da avaliação dos usuários, em setembro passado, foi de 8,66. Mesmo com a pandemia, a menor nota de avaliação do PA de São Pedro foi 7,29, em março.

A chave para o alto desempenho foi a sinergia entre as secretarias de Saúde e da Fazenda, que colocou o time da subsecretaria de Tecnologia de Informação para desenvolver soluções que melhorassem a gestão da Saúde, obrigada a fazer mais com menos, devido à queda de 25% da arrecadação da cidade, com o fim do Fundap (fundo de desenvolvimento extinto em 2002, que beneficiava o complexo exportador capixaba). Ao contrário de outros municípios, que estão na latitude dos poços da Bacia de Campos, Vitória se beneficia pouco dos royalties de petróleo destinados aos capixabas.

Medicina a distância
Para melhorar o atendimento à população, o acesso à informação, a organização e o controle das unidades de saúde, a Secretaria Municipal de Saúde (Semus) registra a fila de atendimento, a classificação de risco, os procedimentos da sala de medicação, com prescrição e checagem de forma eletrônica. Os sistemas informatizados permitem agilizar procedimentos administrativos, gerenciais, de atendimento e acesso à informação de pacientes. Além disso, o sistema gera o prontuário eletrônico com os dados do atendimento prestado ao paciente. Para que o atendimento seja mais rápido, basta o usuário apresentar um documento com foto e ele será encaminhado para a classificação de risco. Depois, aguarda o atendimento médico ou odontológico de acordo com a gravidade do caso. As consultas são automaticamente remarcadas em caso de não confirmação. O time de engenheiros e programadores da prefeitura, funcionários de carreira, acabou com as filas de atendimento e reduziu a 5% as faltas às consultas médicas, que representavam 30% do total.

Além da rede de postos de saúde e centros de referência, a prefeitura mantém atendimentos psicossocial para adultos e infantojuvenil, de prevenção e tratamento de toxicômanos, atenção a idosos, gestantes e pediatria. São oferecidos serviços de cardiologia, dermatologia, endocrinologia, gastroenterologia, neurologia, obstetrícia (alto risco), oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, proctologia, psiquiatria, reumatologia, urologia, homeopatia, acupuntura e pequenas cirurgias, além de tratamento odontológico (radiologia, endodontia, periodontia e prótese dentária), e de diagnóstico de câncer de boca. Tudo gratuito. Além de equipes de médicos de família, agentes comunitários de saúde e orientadores de exercícios físicos.

E quando é que os jabutis subiram na árvore? Quando a pandemia do novo coronavírus passar, a medicina nunca mais será a mesma. As consultas por teleconferência, por exemplo, que foram introduzidas em massa na rede pública de Vitória durante a crise sanitária, vieram para ficar, assim como outras inovações tecnológicas introduzidas por lá. Acontece que grandes empresas de tecnologia já estão operando na área médica, aqui no Brasil, como a Afya, que oferece ensino especializado e treinamento a distância em larga escala (Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Pará, Tocantins e Distrito Federal). Há grande interesse na gestão dos serviços do SUS. As soluções que a Prefeitura de Vitória oferece de graça às demais prefeituras do país, via Frente Nacional de Prefeitos, na ótica dos grupos de medicina privada, são um grande business inexplorado. Por isso, as unidades básicas de saúde inacabadas do governo federal são quatro mil jabutis. Falta descobrir quem armou o “jabutizeiro” do SUS, que é muito maior. Com certeza, não foi enchente, foi mão de gente.

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Luiz Carlos Azedo: A teoria do dano e a vacina

Bolsonaro não leva em conta que uma pessoa infectada, por se recusar a tomar a vacina, pode contaminar as outras, com consequências trágicas e irreparáveis

A ideia de que um presidente eleito por maioria pode tudo é profundamente autoritária e colide com os fundamentos do liberalismo moderno, apesar de agora ter virado moda em algumas democracias do Ocidente, inclusive a nossa. O filósofo e economista John Stuart Mill, um liberal utilitarista britânico que se inspirou nas ideias dos iluministas franceses, em meados do século XIX já classificava essa visão como uma “tirania da maioria”, expressão que causa certo espanto, porque muitos acham que maioria e democracia são exatamente a mesma coisa. Não são.

Sobre a Liberdade (Saraiva), um clássico da ciência política, é um libelo de Mill em defesa da liberdade de expressão e da autonomia dos cidadãos. Nascido em Londres, em 1806, destacou-se também pela defesa do civismo público e dos direitos das mulheres. Era um liberal progressista. Acabou preso por defender o direito ao aborto, a reforma agrária e a democratização da propriedade por meio de cooperativas, ideias social-liberais. Tentou definir um modelo para regular as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado, que deveria ser capaz de preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a “tirania da maioria”, a partir de um conceito simples: tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.

Mill defendia a legitimidade da mobilização da opinião pública para convencer as pessoas a não tomarem certas atitudes, mas condenava a repressão direta a ações individuais que afetam apenas a própria vida. É possível desenhar a sua “teoria do dano”: todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos eventualmente causados por um indivíduo a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional. Mill morreu em 1873, mas suas ideias sobre a liberdade individual continuam atuais.

Rebanho

No Brasil, a “teoria do dano” foi introduzida na nossa jurisprudência no Código Civil de 1916, que estabeleceu um nexo causal entre o dano e o fato que o produziu, e foi consagrada no artigo 403 do Código Civil de 2002. Segundo a teoria do dano direto e imediato, o Estado pode ser processado pelos prejuízos causados aos cidadãos. Por ironia, em tempos de pandemia e de “imunização de rebanho”, ou seja, da necessidade de vacinação em massa para combater o novo coronavírus, um caso analisado pelo jurista Robert Joseph Pothier, um dos autores do Código Civil francês de 1808, é estudado ainda hoje nas escolas de direito: a aquisição de uma vaca pestilenta, que contamina os bois do comprador, impedindo-o de cultivar suas terras. Ciente do vício oculto, o vendedor responde pelo perecimento da vaca como também pela morte do restante do rebanho do comprador.

No caso da vacina contra o coronavírus, que na sua opinião não deve ser obrigatória, o presidente Jair Bolsonaro não leva em conta o dano que pode ser causado voluntariamente por uma pessoa infectada, ao contaminar as outras, por se recusar a tomar a vacina. O governo também pode ser responsabilizado por não utilizar uma vacina disponível. Apesar disso, cancelou o acordo feito entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantã, do governo de São Paulo, para a compra de 46 milhões de doses da vacina da Sinovac, que serão produzidas por aquela consagrada instituição científica, em parceria com o laboratório chinês, com previsão para estar pronta para imunização já em dezembro.

Anulou o protocolo assinado pelo ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, com todos os governadores, para aquisição e aplicação da vacina, com o argumento absurdo de que o “povo brasileiro não será cobaia” da “vacina chinesa do João Doria”, o governador tucano de São Paulo. Alguém precisa avisar ao presidente que isso pode gerar uma enxurrada de pedidos de indenização por “dano direto e imediato” e caracterizar um “crime de responsabilidade”.

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Luiz Carlos Azedo: Tudo dominado? Quase

A indicação de Kassio Marques surpreendeu, todos esperavam alguém ‘terrivelmente evangélico’, como prometera o presidente Jair Bolsonaro

Indicado para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, o desembargador federal Kassio Nunes Marques será sabatinado hoje, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado (CCJ). A presidente da comissão, senadora Simone Tebet (MDB-MT), pretende ler e sustentar o parecer favorável do líder do MDB, Eduardo Braga (AM), que está impossibilitado de fazê-lo por motivo de saúde. Com toda certeza, Marques passará por algum constrangimento, quando nada, devido ao currículo anabolizado, mas seu nome será aprovado pela maioria. A rejeição à sua indicação está confinada aos senadores do grupo Muda Senado.

A indicação de Kassio Marques surpreendeu, todos esperavam alguém “terrivelmente evangélico”, como prometera o presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, trata-se de um magistrado do Piauí, católico, indicado pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, o principal partido do Centrão. A tese de que foi resultado de um acordo com os ministros do Supremo Dias Toffoli e Gilmar Mendes não procede; ambos prefeririam que o nome escolhido fosse um magistrado com passagem pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos ministros Luís Felipe Salomão, Humberto Martins e Luiz Otávio de Noronha eram cotados para vaga.

Um almoço na casa de Toffoli, com a presença do presidente Jair Bolsonaro e seu indicado, ao qual compareceu o ministro Gilmar Mendes, gerou a especulação de que a indicação era fruto de um acordo com o Supremo, cujo objetivo seria blindar o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Segunda Turma do Supremo, no processo das rachadinhas da Assembleia Legislativa fluminense. O evento gerou mal-estar na Corte e provocou reação do novo presidente do STF, ministro Luiz Fux, que propôs e aprovou, por unanimidade, uma mudança regimental que transferiu os julgamentos sobre inquéritos e processos criminais para o plenário do Supremo, o que acabou com essas especulações.

Kassio Marques chegou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, na cota dos advogados, por indicação da então presidente Dilma Rousseff. Não por acaso, agora, tem o apoio do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que faz oposição a Bolsonaro, e da bancada do PT no Senado. O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que preside a Casa, trabalha ostensivamente para aprovação do nome de Kassio, sendo o primeiro a comunicá-la aos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Pizzaria

A propósito, o voto de Kassio Marques no Supremo pode ser decisivo para Alcolumbre viabilizar sua reeleição no Senado. Seus movimentos junto ao Palácio do Planalto e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) miram esse objetivo. Internamente, tem uma posição bastante consolidada, graças aos acordos de bastidor que fez com as bancadas do MDB e do PT. Apesar de já ter maioria em plenário para aprovar uma mudança regimental que viabilize sua reeleição, Alcolumbre depende de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considere a mudança um assunto interna corporis, ou seja, que deve ser decidido pelo próprio Senado. A reeleição é considerada inconstitucional pelos senadores que integram o grupo Muda Senado.

Por essa razão da reeleição, o presidente do Senado tem evitado bolas divididas. É o caso do escândalo envolvendo o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), seu correligionário, flagrado na semana passada com R$ 33 mil na cueca, durante uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em sua residência. Alcolumbre não deu um pio sobre o caso, que desgastou tremendamente o Senado, mas atuou fortemente para que Chico Rodrigues se licenciasse do cargo. Com isso, evitou que o plenário do Supremo Tribunal federal (STF) julgasse a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que afastou o parlamentar do cargo. Também trabalhou para que o Conselho de Ética do Senado não se reunisse para apreciar o caso.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal investigam um esquema de desvio de recursos públicos destinados ao combate ao novo coronavírus em Roraima, que chegaria a R$ 20 milhões em emendas parlamentares. Chico Rodrigues é suspeito de lavagem de dinheiro e está sendo acusado de tentar obstruir a ação da Justiça. Como se licenciou do cargo, o ministro Barroso suspendeu a liminar que havia determinado seu afastamento do Senado por 90 dias e solicitou ao presidente do Supremo, Luiz Fux, que retirasse o caso da pauta da sessão plenária de hoje.

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Luiz Carlos Azedo: Tudo é perigoso

Numa estatística macabra, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o número de homicídios no Brasil não para de subir. Estamos perdendo a batalha para a violência

A música Divino, Maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, veio à lembrança por causa da morte do jovem Caio Gomes Soares, atingido por uma bala perdida após levantar da cama para pegar um suco, por volta das 7h de ontem, no Catumbi, Rio de Janeiro. Faleceu nos braços da irmã, sem tempo de receber socorro. É uma canção de 1968, que faz parte do antológico disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses, do qual participaram também os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão e Gal Costa, que interpretou a canção da forma explosiva que viria a ser sua marca registrada.

“Atenção/ Tudo é perigoso/ Tudo é divino maravilhoso/ Atenção para o refrão/ É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte”. Atenção para a estrofe e para o refrão: a música fala do perigo ao dobrar uma esquina, do que pode cair do alto de uma janela, do cuidado ao pisar no asfalto e do sangue no chão. Não havia naquela época o perigo de levar um tiro por ir até a geladeira, para tomar um refrigerante, em certas localidades do Rio de Janeiro.

Um tiroteio entre traficantes e policiais no Morro da Coroa teria sido a origem do disparo que matou o jovem Caio, num bairro tradicional do Rio de Janeiro, muito próximo do centro histórico da cidade, um dos cenários de Memórias Póstumas de Brás Cubas. A obra de Machado de Assis inaugurou o nosso realismo, ao retratar a escravidão, as classes sociais, o cientificismo e o positivismo de sua época. Entre o Rio Comprido, Santa Teresa e o Estácio, hoje, o Catumbi não é mais um bairro abastado. É um território em frequente disputa entre traficantes e milicianos, principalmente por causa da proximidade do Morro de São Carlos, onde existe uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Polícia Militar fluminense, e o túnel Catumbi-Laranjeiras, de acesso à Zona Sul carioca, que o transformou num bairro de passagem.

Numa estatística macabra, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o número de homicídios no Brasil não para de subir. Estamos perdendo novamente a batalha para a violência, resultado de uma política de segurança pública que facilita a venda de armas, estimula a justiça pelas próprias mãos e tolera a formação de milícias, fenômeno que está sendo exportado do Rio de Janeiro para os demais estados do país, sem que se tenha muita noção do perigo que isso representa.

Pesquisa divulgada neste fim de semana sobre a expansão de organizações criminosas no Rio revela que milícia e tráfico estão presentes em 96 dos 163 bairros da cidade, nos quais vivem 3,76 milhões de pessoas, do total de 6.747.815 habitantes da capital fluminense: 2,1 milhões de pessoas (33% da população) vivem em área sob o comando de milícias; 1,1 milhão de pessoas (18,2% da população) vivem em área dominada pelo Comando Vermelho; 337,2 mil pessoas (5,1% da população) vivem em área dominada pelo Terceiro Comando; 48,2 mil pessoas (0,7% da população) vivem em área dominada pelo Amigos dos Amigos.

Enquanto isso…

Em Brasília, a cúpula do Senado pressiona o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) para que se licencie do cargo, antes do julgamento da liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que o suspendeu do mandato, previsto para amanhã, no plenário da Corte. O parlamentar foi flagrado pela Polícia Federal (PF) tentando esconder R$ 33,1 mil na cueca, durante operação de busca e apreensão em sua residência. Agora, alega que o dinheiro era destinado ao pagamento de funcionários e tenta justificar a sua posse, argumento que não cola na opinião pública, mas é a linha de defesa de seus advogados. Os senadores do grupo Muda Senado querem cassar seu mandado no Conselho de Ética, mas o presidente do órgão, senador Jayme Campos (DEM-MT), seu colega de partido, se recusa a convocar uma reunião do colegiado — prefere sugerir que Chico se licencie logo.

Por sua vez, Bolsonaro resolveu reiniciar sua campanha negacionista contra a obrigatoriedade do uso da vacina contra a covid-19: “Tem uma lei de 1975 que diz que cabe ao Ministério da Saúde o Programa Nacional de Imunização, ali incluídas possíveis vacinas obrigatórias. A vacina contra a covid — como cabe ao Ministério da Saúde definir esta questão — não será obrigatória”, disse, em cerimônia no Palácio do Planalto, para apresentação de pesquisa sobre um medicamento. Completou: “Qualquer vacina precisa ter comprovação científica e ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”. Foi uma resposta ao governador de São Paulo, João Doria, que anunciou ontem a intenção de iniciar a vacinação contra a covid ainda neste ano. Uma vacina chinesa que está sendo testada pelo Instituto Butantan.

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Luiz Carlos Azedo: Dinheiro na cueca pode?

A verdade pode ser distorcida para obter vantagem política, aproveitar o momento mais conveniente, obter a resposta desejada, favorecer pessoas, priorizar fatos e reescrever a História

Coluna boi com abóbora, como diria meu querido Noca da Portela, rende polêmicas inesperadas. Foi o que aconteceu na sexta-feira, comigo, por causa da grana na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal, supostamente, tentando ocultar provas e obstruir a ação da Justiça durante uma operação de busca e apreensão em sua residência, em Boa Vista. Vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, a notícia se espalhou pelo mundo e virou meme nas redes sociais, porque o parlamentar governista tentara esconder R$ 33,1 mil no calção do pijama, uma parte nas nádegas, dentro da cueca. Havia pedido para ir ao banheiro, e o delegado desconfiou do grande volume dentro do pijama. A versão vazada era de que o senador se borrou todo, nervoso, quando sofreu a revista íntima.

Diz um velho jargão das redações: um homem ser mordido por um cachorro não é notícia (não é bem assim), ela só existe quando o homem morde o cachorro, fato que nunca vi registrado nos jornais. Já vi atirar ou espancar um animal. Era óbvio que a história do senador Chico Rodrigues seria o assunto político do dia, a ponto de ofuscar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do polêmico habeas corpus do traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que havia sido concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), e fora suspenso pelo presidente daquela Corte, ministro Luiz Fux. Como vinha acompanhando o julgamento, tive de tratar dos dois assuntos na mesma coluna, intitulada “O traficante e o senador”.

O julgamento do caso de André do Rap terminou 9 a 1, a favor da excepcionalidade da suspensão do habeas corpus, mas gerou muita discussão entre os ministros sobre: a) o poder de Fux no comando do tribunal para sustar liminares dos pares, contestado pela maioria; b) as fragilidades do sistema de distribuição de processos (o advogado entrou com nove habeas corpus sucessivos e os retirava sempre que julgava que o ministro escolhido não o concederia, até ser distribuído para Marco Aurélio, que já havia concedido mais de 70 liminares com a mesma interpretação literal da lei); c) a sucessão de omissões da Justiça, do Ministério Público e das autoridades policiais quanto ao caso de André do Rap; e d) a libertação automática dos presos preventivamente, caso o juiz não faça a revisão a cada 90 dias, que, no entendimento da maioria, com exceção de Marco Aurélio, não deve ocorrer mais.

Toda a confusão deu-se por causa da exegese do artigo 316 do Código de Processo Penal, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”. Marco Aurélio Mello interpretava ao pé da letra o citado artigo e mandava soltar todos os presos nessa situação, cujos casos fossem parar em suas mãos, inclusive, André do Rap, segundo o princípio do direito germânico-romano, predominante na legislação brasileira, de que a lei precede o fato, não importa o “paciente” nem as consequências. É o que os advogados chamam de “bom direito”.

Ombudsman
Voltemos ao dinheiro na cueca, que entrou para o nosso folclore político mais escatológico. Ao ler a coluna de sexta-feira, um querido amigo, em mensagem pela mesma rede social pela qual havia lhe enviado a coluna, indagou: “Mas o crime é carregar dinheiro na cueca?”. Dei-me conta de que estava diante de um questionamento ético, uma discussão muito séria. Tentei explicar: ocultação de prova e obstrução da justiça. E arrematei: vai acabar cassado e preso, por causa do desvio do dinheiro das emendas. Aí veio o questionamento definitivo: “Aí, sim. Mas levar dinheiro na cueca, eu fiz muitas vezes, quando viajava sem cartão de crédito. Mas a manchete tem sido: ‘Dinheiro na cueca’. Pois é. Não é crime. É bullying! ”

Meu ombudsman acidental tem razão. Não é crime mesmo, quem já não viajou com dinheiro e documentos numa pochete sob as vestes para evitar furtos? Eis a questão, estamos diante de uma situação em que a notícia não é o crime, a investigação ainda tem de provar a origem ilícita do dinheiro. Penso que isso acabará acontecendo, mas, quem acha vive se perdendo, advertia Noel Rosa. O parlamentar já foi lançado ao mar pelo presidente Jair Bolsonaro, de quem era próximo, e não será surpresa se seu mandato for cassado por seus pares no Senado, como já aconteceu outras vezes, porque a situação é muito desmoralizante para a vetusta instituição. Tanto que o ministro Luís Roberto Barroso, sem pestanejar, afastou-o do mandato por 90 dias, decisão monocrática que causou mal-estar entre os políticos. A cúpula do Congresso tem ojeriza a isso, porém, não reage, para não afrontar a opinião pública.

Os fatos ocorrem e são registrados como História, os meios de comunicação têm um papel fundamental nisso. Entretanto, como já advertiu Hanna Arendt, a verdade desses eventos pode ser distorcida para justificar uma ação política particular, garantir a revelação dos fatos num momento mais conveniente, assegurar a resposta desejada em determinados momentos e reescrever a história para favorecer certas pessoas ou priorizar certos fatos. A ação policial na casa do senador Chico Rodrigues foi documentada e está anexada aos autos do processo, mas os vídeos da revista íntima foram mantidos em sigilo de Justiça, trancados num cofre, por determinação do ministro Barroso. A divulgação de que o senador estava com dinheiro nas nádegas, o que, por si, não é crime, como já foi dito, fez da operação de busca e apreensão um fenômeno midiático mundial. Entretanto, se não for comprovada a origem ilícita do dinheiro, nada poderá ser feito contra ele, além de exigir o pagamento do Imposto de Renda. Quem se desgasta com a tese de que a polícia prende e a justiça solta, como no caso de André do Rap? O Supremo.

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Luiz Carlos Azedo: O traficante e o senador

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pelo flagrante no senador Chico Rodrigues (DEM-RR), com R$ 37 mil na cueca

O Supremo Tribunal Federal(STF), por 9 a 1, confirmou a decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que cassou a liminar que soltou o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, da lavra do ministro Marco Aurélio Mello. Um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), o traficante fugiu para o exterior. A decisão era pedra cantada, assim como o bate-boca no final do julgamento entre os dois ministros. Novo decano, Marco Aurélio sustentou sua posição, embora tenha negado um habeas corpus de um comparsa do fugitivo, cujo advogado alegou as mesmas razões acolhidas no caso de André do Rap, para pedir sua libertação.

Apesar do resultado dilatado, a sessão de ontem foi tensa. Todos ressaltaram a necessidade de o presidente da Corte respeitar as liminares dos ministros, e trataram o caso de André do Rap como excepcionalidade. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a criticar Fux por ter sustado uma de suas liminares, durante um plantão, quando era vice-presidente do Supremo. Houve críticas dos ministros à proposta de mudanças no sistema de distribuição de processos por ato administrativo feita por Fux.

O ministro Gilmar Mendes destacou as falhas no caso de André do Rap, uma vez que a liminar concedida por Marco Aurélio foi dada após o advogado do traficante ter peticionado pela segunda vez; antes, havia retirado outro pedido de habeas corpus, que fora distribuído para a ministra Rosa Weber. Também criticou a omissão do juiz de primeira instância, que deveria ter se pronunciado no prazo de 90 dias, e o Ministério Público Federal (MPF), que somente recorreu da decisão no sábado passado, o que também facilitou a fuga do traficante, que não foi devidamente monitorado pela polícia.

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pela operação de busca e apreensão da Polícia Federal que flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado, tentando esconder R$ 37 mil dentro da cueca. O delegado que comandava a operação desconfiou do volume do calção do pijama que o senador usava em sua casa e resolveu fazer uma revista íntima no parlamentar. O vexame foi notícia no mundo inteiro e virou meme nas redes sociais. O ministro Luís Roberto Barroso, que determinou a operação, depois do flagrante, decidiu afastar Chico Rodrigues do mandato por 90 dias, mas não concedeu o pedido de prisão feito pela Polícia Federal. Os vídeos que registram o momento do flagrante não foram divulgados e estão trancados num cofre da PF.

Dinheiro da Saúde

Com lugar agora garantido no folclore político da pior maneira possível, Chico Rodrigues criou grande constrangimento para o presidente Jair Bolsonaro, de quem era amigo desde os tempos em que ambos foram deputados na Câmara. Por recomendação do Palácio do Planalto, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, aconselhou o parlamentar a renunciar ao cargo de vice-líder do governo, o que foi feito ontem mesmo. O senador está sendo pressionado pela cúpula do DEM, inclusive o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), a renunciar ao mandato, mas resiste. Não quer perder a imunidade parlamentar, com medo de ser preso imediatamente.

GuesChico Rodrigues, segundo as investigações, articulou a remessa de recursos federais destinados ao combate à covid-19 em Roraima, sob condição de que fosse contratada a empresa Quantum Empreendimento em Saúde, controlada por Jean Frank Padilha Lobato, apontado como seu operador. Segundo relatórios da CGU, a empresa assinou um contrato de R$ 3,2 milhões com o governo de Roraima, para fornecimento de kits de testes de covid-19, com superfaturamentos da ordem de R$ 956,8 mil. O senador chegou a solicitar um avião da FAB para transportar materiais da Quantum, o que está sendo investigado, pois o ônus do transporte deveria caber à empresa e não ao Ministério da Defesa.

Com acesso direto ao presidente Jair Bolsonaro, Chico Rodrigues era muito influente, com vários apadrinhados indicados para órgãos federais em Roraima. Integraria um esquema que desviou mais de R$ 20 milhões em emendas parlamentares, que seriam destinadas ao combate da covid-19 no estado. Roraima já recebeu, em 2020, cerca de R$ 171 milhões repassados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS). Desse valor, R$ 55 milhões eram especificamente para combate à covid-19.

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Luiz Carlos Azedo: A toga justa no Supremo

Só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir de acordo com analogia, costumes e os princípios de direito. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento

Hoje, será um dia quente no Supremo Tribunal Federal (STF), arrastado para o olho de um furacão por seus próprios integrantes, não pelo Executivo ou pelo Legislativo, embora alguns possam atribuir a crise de imagem em que se encontra à modificação do Código de Processo Penal (CPP), aprovada pelo Congresso, e ao fato de o presidente Jair Bolsonaro, supostamente, não ter cumprido um acordo com o Senado para vetá-lo. No juridiquês, trata-se da exegese do artigo 316 do CPP, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

O ministro Marco Aurélio Mello interpretou ao pé da letra o citado artigo e mandou soltar o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, sem levar em conta que ele estava condenado a 25 anos de prisão em outros dois processos e é um dos chefões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Diante das críticas, disse que processo não tem capa e sustentou sua decisão, igual a mais de 70 sentenças com a mesma interpretação que já lavrou. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sustou a decisão e pôs a questão na pauta da sessão plenária do Supremo de hoje. Marco Aurélio estrilou por causa da invertida que levou de Fux, mas é jogo jogado.

A Corte terá de firmar uma nova jurisprudência sobre o dispositivo incluído no Código de Processo Penal durante a aprovação do chamado pacote anticrime, em dezembro passado. Há dúvidas quanto à eficácia da mudança feita para acelerar os julgamentos de presos em prisão preventiva sem condenação e reduzir a população carcerária. Muitos avaliam que o dispositivo beneficia, sobretudo, os autores de crimes de colarinho-branco, com recursos financeiros para contratar bons advogados, e grandes criminosos, como chefões do tráfico de drogas e doleiros. Esse tipo de leitura predomina na opinião pública e pressiona o Supremo.

No Congresso Nacional, um grupo de deputados quer revogar o artigo 316 e outro, tentar garantir a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a volta da prisão após a condenação em segunda instância. André do Rap já tem condenação em segunda instância, mas está recorrendo da decisão. O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) negocia com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a retomada dos trabalhos da comissão que analisa a PEC da prisão após condenação em segunda instância. Maia criticou a decisão de Marco Aurélio. Autor do projeto, Manente quer aprovar a PEC ainda neste ano.

Jurisprudência
A toga justa no Supremo, porém, será a oportunidade de um grande debate jurídico, protagonizado pelo novo presidente da Corte, o ministro Fux, e o novo decano, o ministro Marco Aurélio. Há um choque de concepções jurídicas na Corte, que vem se manifestando há muito tempo, principalmente por causa da Operação Lava-Jato, mas que, agora, será tratado a propósito de um processo criminal sem o ingrediente da ética na política. No fundo, nosso sistema jurídico está ganhando características híbridas.

O modelo Civil Law, adotado pelo Brasil, pertence à grande família romano-germânica, que valoriza a letra da lei — que surge antes, para regular as condutas sociais. Na Common Law, de origem anglo-saxã, observado na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa, o direito é criado não pelo legislador, mas pelos juízes. Seu objetivo é dar solução a um processo, desta decisão surge o precedente, nos quais se fundamentará a jurisprudência. Há polêmicas nos dois casos, as principais envolvem a segurança jurídica e a duração dos processos. Enquanto a lei garante maior confiabilidade e segurança, a jurisprudência, por meio dos precedentes, agiliza a conclusão dos processos.

No Brasil, só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Mas isso nem sempre acontece. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento. A polêmica sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, por exemplo. O Supremo adotou esse procedimento, contrariando o princípio legal do trânsito em julgado, depois, voltou atrás. Agora, o assunto retorna à pauta no Congresso, para se tornar lei. O choque entre ministros “garantistas” e “punitivistas” tem tudo a ver com essa contradição. Por ironia, o tema da prisão preventiva está sendo revisitado pela Corte no caso de um traficante e não de um colarinho-branco, mas a lei é para todos.

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Luiz Carlos Azedo: Lava-Jato, morte e ressurreição

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, surpreendeu ao esvaziar o poder das duas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário

Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, bem ao seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro disparou: “Queria dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava-Jato… eu acabei com a Lava-Jato”. Entretanto, relativizou: “porque não tem mais corrupção no governo”. Bolsonaro endossou a avaliação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que seu grande legado será o “desmonte” da operação, que já teria ocorrido em razão de mudanças no Coaf, na Receita Federal, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal (MPF) e estaria em vias de ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), com a indicação do desembargador federal Kassio Marques para a vaga do decano Celso de Mello, que está se despedindo da Corte.

Mas pode não ser bem assim, porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ontem, surpreendeu a maioria dos pares ao propor a mudança do regimento da Corte e esvaziar o poder das suas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário. A proposta foi aprovada por unanimidade. Desde 2014, depois do processo do mensalão, essas matérias eram apreciadas nas turmas, cada qual com cinco ministros. Agora, serão apreciadas por 11 ministros, inclusive o presidente do Supremo, que não vota nas turmas. A mudança fortalece o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, que estava perdendo quase todas as votações na Segunda Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes.

O argumento utilizado para a mudança foi o fato de que a decisão de atribuir os julgamentos às turmas fora uma decorrência do acúmulo de processos no STF, o que não ocorreria mais. A proposta de Fux pegou os chamados “garantistas” de surpresa. De certa forma, dará uma sobrevida para a Lava-Jato no caso dos processos relatados pelo ministro Fachin, cujas investigações estão concluídas. Os casos que ainda estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) são outra história: vão depender das medidas adotadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para enquadrar e centralizar a atuação dos procuradores das forças-tarefas no Paraná, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e em São Paulo.

Simbolismo
Renan tem razão quando assinala que o cerco à Lava-Jato se fechou, com as medidas adotadas por Bolsonaro. Entretanto, no plano simbólico, tudo o que é feito contra a operação tem repercussão negativa na opinião pública. A operação continua sendo um vetor importante nas eleições municipais em curso e, provavelmente, o será nas de 2022, mas sem o mesmo efeito catalisador que teve nas eleições passadas. As pesquisas eleitorais em muitas cidades estão mostrando cautela dos eleitores com candidatos desconhecidos e certa tendência à reeleição, bem como preferências por políticos ficha limpa já conhecidos.

Além disso, houve de fato um descolamento de Bolsonaro da Lava-Jato, assumido publicamente ontem, que começou com a demissão do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Esse afastamento se consolidou com a aliança do presidente com o chamado Centrão, cujos partidos são liderados por políticos tradicionais, quase todos enrolados na operação. Isso significa que Bolsonaro abdicou completamente da bandeira da ética? Obviamente não. A atuação da Polícia Federal nos escândalos envolvendo a Saúde, em diversos estados, mostra exatamente o contrário. O que há é uma separação entre o combate à corrupção e a Lava-Jato. E a suspeita de que haveria manipulação política nessas ações, mas esse costuma sempre ser o argumento de defesa dos políticos investigados.

Na verdade, o desgaste ético de Bolsonaro ocorre em razão do caso Fabrício Queiroz, no inquérito que investiga as rachadinhas nos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa fluminense, no qual familiares do presidente são investigados, sobretudo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho. A mudança de rota do Palácio do Planalto tem muito a ver com isso, pois as investigações forçaram Bolsonaro a articular uma base de apoio mais consistente no Congresso, que não quer nem ouvir falar em Lava-Jato, e promover uma aproximação com Supremo. Estava tudo dominado por Bolsonaro na Segunda Turma, na qual tramita o caso de Flávio, mas a decisão de ontem de levar os processos para o plenário da Corte embaralhou o jogo. Faltou combinar com os russos, isto é, com o presidente do Supremo, Luiz Fux, que não tem vocação para rainha da Inglaterra.

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Luiz Carlos Azedo: Política no novo normal

Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por mudança de composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Mendes, Toffoli e Moraes

O maniqueísmo na política quase sempre impede uma avaliação correta da situação. É o caso da indicação do desembargador Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro. Não vou entrar no mérito do perfil do indicado, que será sabatinado no Senado tanto pelos que defendem sua indicação como por aqueles que o consideram sem as qualificações necessárias para integrar a Corte. São regras do jogo: vagou um cargo de ministro no Supremo, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar um nome para o cargo, que precisa ter aprovação do Senado para ser efetivado.

É óbvio que a saída de um jurista do naipe do decano da Corte, ministro Celso de Mello, torna inevitável a comparação entre ambos, mas acontece que a escolha é política, não é técnica, como muitos gostariam. Desse ponto de vista, salta aos olhos que Bolsonaro tenha feito concessões aos políticos enrolados do Centrão que articulam sua base no Senado e aos ministros do Supremo que integram o grupo identificado como “garantista”. Bolsonaro fez política com os demais Poderes da República, o que consolida uma mudança, se considerarmos que, há alguns meses, estava em rota de colisão com o Congresso e o Supremo, isto é, com o Estado de direito democrático.

Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por uma mudança na sua composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes têm mais cancha política, em termos de vivência nos bastidores do Poder Executivo, por terem sido ministros dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, respectivamente. Uma análise fria da nova composição das duas turmas do Supremo mostra essa alteração, ainda que o presidente do STF, ministro Luiz Fux, integre a chamada ala ”punitivista”, na qual despontam o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, e o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.

As pizzas
Tanto os processos da Lava-Jato como os de Flávio Bolsonaro transitam pela Segunda Turma, daí a grita da oposição, por causa da indicação de Kassio Marques, que é apontado como “garantista”. Bolsonaro preferia pôr alguém “terrivelmente evangélico” no cargo, como o ministro da Justiça, André Mendonça, ou o secretário-geral da Presidência, ministro Jorge Oliveira, indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU). Ambos foram preteridos, o presidente da República optou por um nome que tivesse mais aceitação no Senado — Kassio Marques é católico e piauense, foi indicado pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e réu na Lava-Jato — e também boa aceitação entre os ministros da Segunda Turmas. Ou seja, sem julgamentos morais, respeitou as contingências da política.

Onde entra o novo normal? Quando examinamos a “pizzaiada” do fim de semana na casa do ministro Dias Toffoli, à qual compareceu o presidente Jair Bolsonaro e o seu indicado, além de outras autoridades, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pretexto de assistirem o jogo do Palmeiras. Terminar a noite comendo pizza parece piada feita, mas foi o que aconteceu. O encontro foi considerado “promíscuo” por muitos, mas marca uma mudança de comportamento do presidente Bolsonaro em relação ao Supremo, que desnorteou seus aliados e adversários.

Há alguns meses, o Supremo Tribunal Federal STF) teve que barrar os arroubos autoritários de Bolsonaro e reagir duramente aos ataques que sofria dos bolsonaristas, que ocupavam a Praça dos Três poderes e ameaçavam até mesmo invadir a Corte. Havia uma ampla maioria, tanto na Corte como no Congresso, que temia uma crise institucional, com desfecho imprevisível, mas a reação firme —que uniu “garantistas”e “punitivistas”— barrou a escalada. Esse é o lado que todos consideram positivo. Entretanto, o mesmo não se pode dizer quanto à Operação Lava-Jato. Não foi à toa que o novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, deixou claro ontem que o STF não vai participar de nenhum pacto político com os demais Poderes, quer preservar sua independência.

Falar em alas no STF, registre-se, é uma maneira perigosa e esquemática de identificar as tendências na Corte, talvez até maniqueísta, porque cada ministro é dono do seu pedaço, tem muito poder sobre os processos e toma decisões solitárias, a ponto de alguns analistas afirmarem que não existe um, mas onze Supremos. A Primeira Turma, que os advogados criminalistas apelidaram de “câmara de gás”, sob a presidência da ministra Rosa Weber, mudou de perfil com a substituição de Fux, que assumiu a Presidência da Corte, por Toffoli. Seus demais integrantes são os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Barroso. Com a saída de Celso de Mello, que às vezes fazia papel de “tertius”na Segunda Turma, embora fosse considerado um “garantista”, abriu-se a vaga que, em tese, pode ser ocupada por Kassio Marques, se não for pleiteada por um ministro mais antigo que queira trocar de turma. Presidida por Gilmar Mendes, essa turma foi apelidada de “Jardim do Éden”, sendo integrada ainda por Ricardo Lewandowiski, Cármen Lúcia e Edson Fachin, o relator da Lava-Jato.

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Luiz Carlos Azedo: Todos os homens de Bolsonaro

O presidente só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022?

Para quem leu Todos os Homens do Kremlin (Editora Vestígio), de Mikhail Zygar, ex-editor-chefe da única emissora de TV independente da Rússia, a TV Rain (Dozhd), o paralelo com o presidente Jair Bolsonaro e sua atuação no poder é inevitável, resguardadas, é óbvio, as diferenças de contexto histórico e nacional. Como Vladimir Putin, Bolsonaro tornou-se presidente porque soube aproveitar a oportunidade, bafejado pela sorte. Diferentemente do presidente russo, porém, não era um candidato do sistema: o homem certo na hora certa para o então presidente Boris Yeltsin, o político carismático, beberrão e imprevisível, que implodiu a antiga União Soviética, destronando Mikhail Gorbatchev, e liderou a transição selvagem para o capitalismo na Federação Russa. Bolsonaro foi um candidato antisistema, que surfou o tsunami eleitoral de 2018, na onda de insatisfação popular com os políticos gerada pela Operação Lava-Jato.

As semelhanças são maiores quando levamos em conta que Putin não tinha uma estratégia de poder –– foi administrando as circunstâncias para mantê-lo. Ex-chefe da FSB, usou a força do Estado para afastar aliados indesejáveis, proteger os amigos de São Petersburgo e da antiga KGB, seduzir os militares e liquidar os adversários. Os instrumentos de coerção do Estado –– os serviços de inteligência, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário –– foram fundamentais para a consolidação de sua longa permanência no poder, depenando oligarcas que se apoderaram das estatais russas, favorecendo os empresários amigos e eliminando possíveis concorrentes eleitorais. Putin acreditou que seria bem recebido pelos líderes das grandes potências ocidentais, mas logo se viu frustrado por Angela Merkel, a primeira-ministra alemã; Nicolas Sarkozy, o presidente francês; e, principalmente, Barack Obama, o presidente negro dos Estados Unidos.

Arreganhou os dentes quando chegou à conclusão de que todos queriam enfraquecer a Federação Russa e afastá-la das antigas repúblicas soviéticas. E de que o menosprezavam, tratando-o como um personagem menor na cena internacional. Esse sentimento de rejeição somente aumentou ao longo dos anos, mas teve como resposta o endurecimento da política externa russa em relação às ex-repúblicas soviéticas da Geórgia e da Ucrânia, e ao Oriente Médio. A decisão estratégica de manter o ditador da Síria, Bashar al-Assad, no poder a qualquer preço, e assim preservar sua base naval no Mediterrâneo, foi uma demonstração de força. Da mesma forma, a divisão da Ucrânia, com a anexação da Criméia como uma república autônoma da Federação Russa, com o propósito de manter a grande base naval da frota do Mar Negro. Por último, o apoio econômico e militar a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Reeleição
No terceiro mandato de presidente, a relação de Putin com o ex-presidente liberal Dmitri Medvedev, com quem também se revezou no cargo de primeiro-ministro, hoje é de estranhamento. Na verdade, sempre foi tensa, como a de Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas. Putin afastou todos os aliados com política própria ou a lhe fazer sombra. Bolsonaro fez a mesma coisa. Começou com o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, hoje ocupada pelo general Luiz Ramos, principal articulador político do governo, e o advogado Gustavo Bebiano, secretário-geral da Presidência, já falecido, defenestrado para dar lugar a um ex-assessor parlamentar de inteira confiança, Jorge Oliveira. O ex-deputado Onyx Lorenzoni foi deslocado da Casa Civil para o Ministério da Cidadania, para dar lugar ao general Braga Netto. Os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no auge do prestígio, também foram defenestrados, sendo substituídos pelo advogado da União André Mendonça e outro general, Eduardo Pazuello, respectivamente, dois bem-mandados.

Deputado ligado ao baixo clero durante toda a sua trajetória, para neutralizar qualquer tentativa de impeachment, Bolsonaro montou uma base parlamentar com os partidos do Centrão, cujos líderes — Gilberto Kassab (PSD-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Ciro Nogueira (PP-PI) — apoiam qualquer governo. Trocou os desastrados deputados de extrema direita, que defendiam o seu governo no Congresso, por raposas moderadas do Parlamento: Ricardo Barros (PP-PR), na Câmara, Fernando Bezerra (MDB-PE), no Senado, e Eduardo Gomes (MDB-TO), no Congresso. E está fritando o ministro da Economia, Paulo Guedes, um economista ultraliberal, cada vez mais isolado no governo.

Qual foi a estratégia de Putin para manter sua popularidade ao longo de duas décadas? Domar o Parlamento, controlar o Judiciário, estreitar a aliança com a Igreja Ortodoxa, estimular o nacionalismo russo e o conservadorismo machista e homofóbico. Putin transformou a jovem democracia russa numa ditadura da maioria, no qual assume um papel cada vez mais autocrático. Mais populista do que nunca, Bolsonaro recuperou a popularidade, apesar da pandemia, e só pensa na reeleição, que parece ao alcance das mãos. O que acontecerá com a democracia brasileira se Bolsonaro controlar o Judiciário e passar o rodo no Congresso, em 2022, como deseja?

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Luiz Carlos Azedo: Supremo depoimento

Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido presencialmente, isso permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os fatos já apurados. O depoimento foi suspenso

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello suspendeu, ontem, a tramitação do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, licenciado por motivos de saúde, havia decidido que Bolsonaro faria um depoimento presencial, sendo inquirido pelos delegados que investigam o caso, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão, solicitando que o depoimento fosse por escrito, como aconteceu com o ex-presidente Michel Temer. O ministro Marco Aurélio decidiu que caberá ao plenário do STF apreciar a questão.

A decisão mexe com o espírito de corpo da Corte, porque a reversão da decisão de Celso de Mello empana a saída do decano do Supremo. Na sua decisão, Marco Aurélio, que será o novo decano, antecipou seu voto como relator, que faculta ao presidente da República enviar um depoimento por escrito ou, se preferir, escolher o melhor dia para ser ouvido. Tudo o que Bolsonaro não quer é ser ouvido, porque isso permitiria aos delegados buscar contradições entre suas declarações e os fatos já apurados. Caberá ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, pôr na pauta do plenário a apreciação do caso. Até lá, o inquérito fica paralisado.

O maior constrangimento do presidente Bolsonaro, acusado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro de tentar interferir na atuação da Polícia Federal, é o caso Fabrício Queiroz, o ex-assessor parlamentar de seu filho Flávio Bolsonaro (Republicano-RJ), senador eleito pelo Rio de Janeiro, investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O empresário Paulo Marinho, que participou da coordenação da campanha de Bolsonaro e é o primeiro suplente de Flávio, denunciou à Polícia Federal o vazamento de informações sobre o caso Queiroz e seu envolvimento com as milícias fluminenses, às vésperas da sucessão presidencial.

Celso de Mello, em licença médica até o dia 26 de setembro, havia negado pedido para que as respostas ao depoimento fossem dadas por escrito. Bolsonaro teria que comparecer à Polícia Federal como investigado, porém, com direito a permanecer em silêncio. O decano também decidiu que os advogados de Moro poderiam acompanhar o depoimento. Entendeu que os chefes dos Três Poderes, constitucionalmente, só podem depor por escrito como testemunhas ou vítimas, não quando são investigados ou réus por atos cometidos no exército do mandato.

Essa decisão esticou a corda das tensões entre o Executivo e o Supremo. Entretanto, a liminar de Marco Aurélio desanuviou a situação, ao invocar o precedente do ex-presidente Michel Temer, em decisões dos ministros Edson Fachin, que é o relator da Lava-Jato, e Luís Roberto Barros, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Seriam três votos favoráveis ao pleito de Bolsonaro, supõe-se. O ex-presidente da Corte, Dias Toffoli, sempre foi um conciliador, e o ministro Luiz Fux, que acabou de assumir, devem acompanhar Marco Aurélio. Outro que pode atuar para distensionar as relações do Supremo com o presidente da República é o ministro Gilmar Mendes, que já deu liminares favoráveis ao senador Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz. O único constrangimento é a revisão da liminar do decano Celso de Mello, na sua despedida do Supremo.

Posse radioativa
Tudo indica que a cerimônia de posse do ministro Luiz Fux na Presidência do Supremo, de caráter presencial, mesmo com todas as cautelas, foi um fator disseminador da covid-19 na cúpula dos Poderes, embora os organizadores do evento tenham observado o protocolo de segurança sanitária estabelecido pelo Departamento de Saúde do STF. Além do ministro Fux, que contraiu a doença, o procurador-geral da República, Augusto Aras, anunciou que está com o vírus. Antes, já haviam comunicado que se contaminaram a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão e Antônio Saldanha Palheiro, além do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos estavam na posse de Fux, que ofereceu uma espécie de coquetel aos convidados.

Em nota divulgada ontem, o STF recomendou a todos os convidados do evento que fizessem o teste de coronavírus. O mesmo procedimento foi adotado em relação aos servidores do tribunal. O Brasil registrou, ontem, 134 mil mortes e 4, 4 milhões de casos. A média móvel nas últimas duas semanas, porém, continua em queda, com 789 mortes, uma redução de 8%. No mundo, a aceleração do número de casos na Europa, que registrou novos 54 mil contaminados nas últimas 24 horas, provocou um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), que teme uma segunda onda à medida que, nas cidades, volta-se à vida normal.

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