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O Estado de S. Paulo: Pazuello autoriza vacinação; saiba quantas doses cada Estado irá receber

Vacinas serão transportadas para as capitais por aviões da Força Aérea Brasileira; distribuição para os municípios será de responsabilidade dos governos estaduais

Gonçalo Junior e Carla Menezes, O Estado de S.Paulo

Ministério da Saúde vai iniciar a vacinação contra o coronavírus nesta segunda-feira, às 17h. A decisão foi divulgada no ato simbólico de recebimento dos imunizantes com os governadores de Estado nesta segunda-feira, 18, em evento no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica. A partir desse centro de distribuição, essas vacinas partirão para os Estados, que então iniciam as imunizações. Oficialmente, a vacinação começaria na terça-feira, 19, mas o ministro Eduardo Pazuello autorizou que os governadores iniciem a vacinação ainda nesta segunda. 

"Depois de ouvir os governadores, chegamos à decisão de que estamos distribuindo hoje as vacinas aos Estados. A gente pode colocar a ideia de que hoje no final do expediente os Estados começarão a vacinar no município principal. Acho que a gente pode começar hoje no final do expediente", afirmou o ministro.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia autorizado por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da Universidade de Oxford contra a covid-19. A campanha de vacinação será iniciada com a Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac. “Este é o marco inicial da vacinação ocontra o coronavírus no País”, afirmou Pazuello. “Hoje, nós distribuiremos todas as vacinas aos Estados”, completou.

Com o início oficial da vacinação nesta terça-feira, o governo federal antecipa em um dia o início da campanha nacional de imunização. O convite aos governadores para a entrega dos imunizantes foi feito depois de a primeira vacina ter sido dada em São Paulo pelo governador João Doria, neste domingo. 

Governadores criticam vacinação antecipada em São Paulo

Governadores presentes à distribuição simbólica da vacina contra a Coronavac criticaram a iniciativa do governo paulista de iniciar a vacinação no domingo. A primeira vacinada do País foi a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha no Hospital Emilio Ribas. “É um gesto que coloca os outros governadores em situação de segunda categoria. Um gesto que envolve a saúde pública não pode ser transformado em campanha eleitoral. A solidariedade precisa ser respeitada e não o foi ao se iniciar a campanha quando os outros governadores não tinham sequer vacina em seu Estado”, criticou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO).

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT-PI), reforçou as críticas ao governo paulista. “Foi uma decisão ruim. O Programa Nacional de Imunização é um programa nacional, que envolve todos os Estados. Deveria haver igualdade entre todos”, afirmou. 

A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), evitou comentar a aplicação da primeira dose em São Paulo. Por outro lado, ainda na reunião com os governadores, a chefe do Executivo estadual afirmou que "houve muito tumulto e descoordenação ao longo do período [pandemia]".

Governadores e seus vices de 19 Estados comparecerem ao ato simbólico de entrega das vacinas. Depois de participarem de uma reunião no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica, eles foram até a Base Aérea de Cumbica para acompanhar o embarque dos primeiros lotes das vacinas em uma avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que a aeronave se destinaria para Goiás e Teresina. Questionado sobre o início da vacinação em São Paulo, Pazuello desconversou. “Ontem é passado. Ontem é para historiador. Quero saber do futuro”.

O governador João Doria não participou do evento. Ele foi representado pelo vice-governador Rodrigo Garcia. "A vacinação em São Paulo já começou. Nesta segunda-feira, as vacinas começam a ser  distribuídas para as cidade dos interior do Estado", afirmou Garcia. 

Distribuição da vacina por Estado

A distribuição das doses disponíveis da vacina será feita com o apoio de aviões da FAB e das companhias aéreas Azul, Gol, Latam e Voepass. A distribuição, segundo o ministro, será feita para “pontos focais” já previamente definidos em cada Estado. Idosos que vivem em asilos, indígenas e profissionais de saúde da linha de frente são os primeiros a receber o imunizante. O Ministério da Saúde reservou 907,2 mil doses para os indígenas que vivem aldeados. 

Hoje (18/01), um KC-390 Millennium da #FAB decolou às 10h08 de Guarulhos/SP com destino a Goiânia/GO transportando carga das vacinas para combate à COVID-19.

O País dispõe de 6 milhões de doses da Coronavac. O governo paulista pretende manter no Estado cerca de 1,4 milhão, um volume que não cobre as prioridades. Outras duas milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, estão com a compra acertada pelo ministério, mas ainda sem data para chegar ao Brasil. Além disso, o aval da Anvisa só vale para essas 8 milhões de doses, mas não para as demais a serem produzidas já no Brasil.

Veja a quantidade de doses que será distribuída 

Região Norte - 296.520 doses

  • Rondônia - 33.040
  • Acre - 13.840
  • Amazonas - 69.880
  • Roraima - 10.360
  • Pará - 124.560
  • Amapá - 15.000
  • Tocantins - 29.840

Região Nordeste - 1.200.560 doses

  • Maranhão - 123.040
  • Piauí - 61.160
  • Ceará - 186.720
  • Rio Grande do Norte - 82.440
  • Paraíba - 92.960
  • Pernambuco - 215.280
  • Alagoas - 71.080
  • Sergipe - 48.360
  • Bahia - 319.520

Região Sudeste - 2.493.280 doses

  • Minas Gerais - 561.120
  • Espírito Santo - 95.440
  • Rio de Janeiro - 487.520
  • São Paulo - 1.349.200

Região Sul - 681.120 doses

  • Paraná - 242.880
  • Santa Catarina - 126.560
  • Rio Grande do Sul - 311.680

Região Centro-Oeste - 415.880 doses 

  • Mato Grosso do Sul - 61.760
  • Mato Grosso - 65.760
  • Goiás - 182.400
  • Distrito Federal - 105.960

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O Globo: Vacinação contra Covid-19 é antecipada para esta segunda no Brasil

Ministério da Saúde entrega doses da CoronaVac aos estados e autoriza começo da imunização em todo o país após encontro com governadores no aeroporto de Guarulhos

Dimitrius Dantas, O Globo

SÃO PAULO — O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou durante evento que marcou o início da distribuição da CoronaVac aos estados e que a vacinação poderá começar já a partir desta segunda-feira, às 17h. O ministro participou de um evento conjunto com governadores antes do envio das doses da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan.

Teste:  Quem é você na fila da vacina?

A antecipação da vacinação, que estava prevista para começar na quarta-feira, era um pedido dos governadores ao Ministério da Saúde.

— Hoje ainda distribuiremos todas as vacinas aos estados e hoje ainda podemos colocar a ideia de, ao final do expediente, os estados começarem no município principal do estado, a vacinar. Cada dia é importante. — disse o ministro durante o evento.

VacinasSaiba a distribuição de doses da CoronaVac por estado no Brasil

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que no domingo realizou um evento que marcou a primeira vacinação no Brasil, não foi ao evento e foi representado pelo seu vice, Rodrigo Garcia (DEM).

Durante o evento, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), também cobrou o Ministério da Saúde para que se comprometa com a reposição das doses da vacina e a possibilidade de utilização do primeiro lote para outros públicos. Até o momento, o Instituto Butantan não possui autorização para distribuir as doses que são produzidas no Brasil, apenas as vacinas importadas da China.

ImunizaçãoSaiba tudo sobre os efeitos colaterais, eficácia e plano de vacinação

Em sua resposta, o ministro da Saúde afirmou que a antecipação das outras fases da vacinação não seria possível.

Neste evento, foram distribuídas 4,5 milhões de doses aos estados, divididos de acordo com a população de cada unidade federativa. Outras 1,5 milhão de doses, proporção que pertence a São Paulo, ficaram no estado e já começaram a ser aplicadas neste domingo.

Ao todo, as 6 milhões de doses permitem a vacinação de 3 milhões de pessoas, já que cada pessoa precisa ser vacinada duas vezes.

Após o evento, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, destacou que, no momento, ainda há poucas doses.

— Agora depende de disponibilidade de vacinas, que o Ministério vai definir. O importante é a sociedade entender que existem poucas doses — afirmou.

Governadores comemoram início da vacinação

Nas redes sociais, governadores celebraram o começo da campanha de imunização com a distribuição das doses da CoronaVac, mas também cobraram a autorização e produção de mais doses da vacina.

Segundo o governador do Maranhão, Flávio Dino, o objetivo deve ser começar a fabrigação de mais doses no Brasil no Instituto Butantan, no caso da CoronaVac, e na Fiocruz, no caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca.

— O início da vacinação é uma grande conquista. Mas é fundamental a viabilização urgente de mais vacinas, pois o número inicial é muito pequeno. Alternativa mais viável é a fabricação no Brasil, pelo Butantan e pela Fiocruz. Foco deve ser esse agora — escreveu o governador do Maranhão, Flávio Dino.

A maioria dos governadores, entretanto, apenas comemoram o envio das doses para seus respectivos estados. Cláudio Castro, por exemplo, governador em exercício do Rio reafirmou que as cidades do estado já poderão começar a sua campanha de vacinação. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, afirmou que a primeira vacina será aplicada aos pés do Cristo Redentor.

— Dia de esperança! O estado do Rio recebe hoje as doses da vacina contra Covid-19. Toda a preparação para a imunização está pronta e as cidades fluminenses poderão começar a proteger a população! — escreveu.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, também confimou o início da vacinação no estado para esta segunda-feira.

—Recebendo as primeiras doses da vacina contra a covid-19 para Minas Gerais. A vacinação pode começar ainda hoje, a partir das 17h — disse.


Vinicius Torres Freire: Sem vacina, com mil mortos por dia, Brasil afunda no desgoverno do anticristão

Estados e STF improvisam governo da vacina, Congresso está em pane, Bolsonaro avança

 “O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata e dispersa, porque ele é mercenário e não se importa com as ovelhas”. Está no Evangelho de João, aquele que Jair Bolsonaro cita de modo blasfemo, como se fora um clichê mundano, sem entender o que quer dizer “a verdade vos libertará”, se é que leu o texto, que de qualquer modo não entendeu, dada a sua grosseria moral e intelectual.

No início da epidemia, esse homem não apenas abandonou os brasileiros a seu próprio azar, mas sabotou os esforços de quem se bateu para não entregar as pessoas ao lobo da praga. Outra vez agora, o que restou de decência e razão no país se organiza a fim de vacinar o povo, proteger as pessoas que trabalham nos hospitais e salvar da morte pelo menos os nossos avós, de início.

A maioria dos governadores, prefeitos e o Supremo Tribunal Federal tentam improvisar um governo nacional pelo menos no que diz respeito à emergência da saúde. A desgraça recrudesceu, as mortes outra vez passam das mil por dia. É possível que entre o Ano Novo e o que alguns cristãos chamam da festa de Reis, 6 de janeiro, pelo menos 200 mil brasileiros tenham morrido de Covid-19. Em São Paulo, as internações e mortes aumentaram na casa de 60% desde o início de novembro.

A iniciativa de criar ao menos um governo para as vacinas é um arranjo precário, o que se tenta salvar do incêndio. Para piorar, o Congresso ou pelo menos o arranjo que continha os piores arreganhos de Bolsonaro está em pane. O Parlamento pode cair sob seu controle ou influência maior na eleição de fevereiro para os comandos da Casa. Uma perna do sistema de governo improvisado para limitar a destruição bolsonarista está para ser cortada. Bolsonaro, pois, ganha força para tocar seu projeto de destruição. É o anticristão, em todos os sentidos da palavra, no aumentativo do substantivo e no adjetivo.

O mercenário outra vez sabota o trabalho de quem quer proteger as pessoas da morte, desmoralizando a vacinação, disseminando dúvidas sem fundamento de modo a alimentar o desvario que é sua razão de ser e poder. Faz assim com qualquer instituição ou ideia racional. Tenta desmoralizar as eleições, imitando Donald Trump feito um sabujo rábico. Nega e estimula a destruição do ambiente, até agora o projeto mais bem-sucedido. Difunde a ideia de que o morticínio também pelas armas de fogo é uma solução para o problema da violência. Não são abstrações, são suas medidas ou propagandas mais recentes.

No submundo em que vive, tenta manipular com cada vez mais afinco os órgãos de polícia e fiscalização (como a Receita). Espalha agentes da Abin pelos ministérios. Depois de ser obrigado a parar com os comícios golpistas, toca seu projeto de destruição de modo mais insidioso.

Se o Congresso cair sob a influência de Bolsonaro, será pior. Mesmo a fantasia de “reformas” escorre pela vala suja. O capitão da extrema direita jamais se importou com isso. A fim de atacar João Doria, negou até privatização de um entreposto federal de alimentos, a Ceagesp.

Sem governo e com o Congresso em pane, não haverá socorro para os milhões que cairão em pobreza ainda maior com o fim dos auxílios. Não há plano de recuperação econômica em geral, nem mesmo para as contas do governo, “ajuste” que para os donos do dinheiro grosso justificou a eleição do capitão da extrema direita, o mercenário de João, que passeia pelo Brasil dizendo baixezas e mentiras com seu esgar demoníaco.


Ribamar Oliveira: Uma ajuda muito além do imaginado

União repassou R$ 31 bilhões acima das perdas estaduais

O apoio financeiro aos Estados para o enfrentamento da pandemia do coronavírus ficou muito acima do que se poderia imaginar. Os dados preliminares do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) indicam que a receita acumulada de janeiro a setembro do ICMS, o principal tributo estadual, caiu cerca de R$ 3 bilhões, na comparação com igual período de 2019. Para compensar a perda, os governadores receberam R$ 37 bilhões, considerando apenas a lei complementar 173/2020.

Mas a ajuda federal não ficou só nisso. A arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR), que é dividida com Estados e municípios, também caiu durante os meses iniciais da pandemia. Por isso, a medida provisória 938/2020, que foi convertida na lei 14.041/2020, autorizou a União a manter os repasses aos fundos de participação de Estados e municípios (FPE e FPM), de março a novembro, em valores equivalentes aos repassados nos mesmos meses de 2019. Com essa medida, os Estados já receberam R$ 7,359 bilhões, de acordo com o Tesouro Nacional.

O Boletim de Arrecadação de Tributos Estaduais, editado pelo Confaz, estima que a receita de todos os tributos estaduais - além do ICMS, o IPVA, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e todas as taxas cobradas - ficou em R$ 437,4 bilhões, no acumulado de janeiro a setembro.

Este dado, no entanto, ainda não inclui a arrecadação do Distrito Federal e do Pará no mês passado. Se essas duas unidades da federação tiverem registrado a mesma receita de setembro de 2019, a arrecadação total subiria para R$ 439,52 bilhões. É provável que a receita fique maior do que esse valor, pois, em setembro, a arrecadação de todos os Estados superou aquela obtida no mesmo mês do ano passado.

Como a arrecadação acumulada de janeiro a setembro do ano passado do conjunto dos Estados ficou em R$ 445,14 bilhões, a perda de receita por causa da pandemia foi de, aproximadamente, R$ 5,6 bilhões.

Para compensar essa perda, os Estados receberam da União (LC 173 e MP 938) nada menos que R$ 44,359 bilhões (R$ 37 bilhões mais R$ 7,359 bilhões). Considerando que os recursos da União autorizados pela MP 938 foram apenas para manter constantes os valores dos repasses do FPM e do FPE, na comparação com 2019, os Estados tiveram cerca de R$ 31,4 bilhões a mais, de janeiro a setembro deste ano, do que em igual período de 2019 (R$ 37 bilhões menos R$ 5,6 bilhões).

O aumento nominal da arrecadação total dos Estados nos primeiros nove meses deste ano está em torno de 7% (considerando apenas o repasse de R$ 37 bilhões), o que é um dado significativo, tendo em vista que o país está em recessão, com a previsão de queda em torno de 5% para o Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo nessa situação, as receitas estaduais apresentarão aumento real, uma vez que a inflação deste ano está estimada em torno de 3%.

Ainda não há informações sobre como os governadores estão gastando os recursos transferidos pela União. A LC 173 diz apenas que, dos R$ 37 bilhões repassados aos Estados, R$ 7 bilhões terão que ser utilizados em ações de saúde e assistência social.

Os demais R$ 30 bilhões serão utilizados livremente pelos governadores, pois cairão diretamente no caixa de cada Estado e não estão carimbados, ou seja, não têm destinação definida em lei. Os recursos poderão, portanto, ser utilizados no pagamento de despesa com pessoal.

É importante que o contribuinte saiba que a União foi obrigada a emitir títulos públicos para arrecadar os recursos que transferiu, na forma de ajuda financeira aos Estados e aos municípios. Assim, a receita maior dos Estados neste ano resultou de aumento do endividamento do Tesouro Nacional.

O impacto da pandemia nas receitas estaduais foi desigual. Na verdade, os Estados do Centro-Oeste e do Norte apresentaram ganho de arrecadação, provavelmente porque são grandes produtores de commodities agrícolas e suas economias não foram muito afetadas pela pandemia. As perdas ficaram com os Estados de Nordeste, Sul e Sudeste.

A arrecadação total de tributos de Mato Grosso, o maior produtor de grãos do país, por exemplo, aumentou 16,18% de janeiro a setembro, na comparação com igual período de 2019, de acordo com os dados do Confaz. Mesmo assim, o Estado recebeu um auxílio de R$ 1,485 bilhão da União (só com a LC 173). Com a ajuda, a receita total de Mato Grosso nos primeiro nove meses deste ano ficou em R$ 15,19 bilhões, um aumento de 28,8%, na comparação com a arrecadação do mesmo período de 2019.

Na região Norte, os maiores ganhos de arrecadação ficaram com Amazonas e Pará. O primeiro registrou aumento de 6,6% de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com os dados do Confaz. O segundo ainda não divulgou os dados de setembro, mas a receita estava crescendo 6,62% até agosto.

Na região Nordeste, as maiores perdas ficaram com o Ceará (queda de 8,82%), Bahia (queda de 5,03%) e Rio Grande do Norte (menos 5,17%). No Sudeste, a receita total de Minas Gerais caiu 2,73%, a do Rio de Janeiro, 3,94%, e a de São Paulo, 2,76%. No Sul, a maior queda de receita foi de Santa Catarina, com menos 3,09%, de acordo com os dados do Confaz.

Todos os Estados que perderam receita foram mais do que compensados com o auxílio dado pela União, de tal forma que nenhum terá em seu caixa, neste ano, uma receita menor do que a obtida no ano passado, embora alguns tenham sido mais beneficiados do que outros pela ajuda federal.

Em conversa com o Valor, o secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, chamou atenção para o fato de que o pagamento das dívidas estaduais, que foi suspenso neste ano por causa da pandemia, será retomado em janeiro de 2021. “Isso vai acontecer em um quadro ainda de dificuldades”, observou. Para ele, embora a economia esteja em recuperação, está retomando em um nível mais baixo, o que impactará negativamente as receitas.


José Roberto Campos: Não está bom, mas pode piorar

61,5% dos municípios gastaram mais que o piso obrigatório para educação, e 97,4% mais que o piso para saúde

Apesar de pisos constitucionais definidos e obrigatoriedade de gastos, o desempenho da saúde e da educação estão ainda muito longe do aceitável. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a unificação dos dois limites, ficando a cargo de Estados e municípios decidirem em qual área aplicar mais ou menos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e do orçamento de 2021, sugeriu ir além: acabar com a vinculação de ambas, o que também não desagradaria Guedes, que coleciona discursos sobres os três Ds (desvincular, desindexar, descentralizar).

Dois setores vitais para a população e o futuro, saúde e educação não deveriam ficar à mercê de ideias improvisadas em um ambiente nefasto de corte de gastos e penúria de recursos. Os pisos constitucionais foram uma forma encontrada para tentar resolver duas carências históricas do país. É preciso colocar algo melhor no lugar, e com calma.

A fusão dos pisos de gastos colocaria mais em risco a educação, do que a saúde, conclui estudo recém-publicado do Ipea1. O trabalho, porém, surpreende ao mostrar que municípios e Estados gastam bem mais nas duas áreas do que o mínimo obrigatório constitucional (15% com saúde, 25% com educação).
E não se trata de uma meia dúzia de exceções, mas da grande maioria. “Dos 5.480 municípios do país, 3.368 (61,5%) tiveram aplicação em educação no período 2015-2018 superior a 26,25% (5% a mais do que o piso), sendo 5.334 os que aplicaram acima de 15,75% (também 5% acima do piso) em saúde (97,4%)”, registra o estudo. De maneira geral, as despesas acima do mínimo obrigatório foram maiores em saúde do que em educação nos municípios, e maiores para a educação no caso de Estados e União.

Os economistas do Ipea foram examinar de perto a argumentação para unificar os dois pisos, que se resume ao fato dela permitir maior eficiência no gasto. Os 25% de despesas obrigatórias com educação seriam uma camisa de força e um desperdício nos locais com menos crianças e jovens. “Se tal hipótese fosse verdadeira, uma análise das aplicações dos municípios em MDE deveria revelar aplicação muito próxima à aplicação mínima (25%). Mas não é isso o que se verifica”, concluem.

Os números mostraram que a fatia dedicada à educação no orçamento dos municípios se situou até 3 pontos percentuais acima do mínimo e os de saúde, de 5 a 7 pontos percentuais acima. Mesmo no Norte e Nordeste houve diferenças de 3 pontos percentuais acima do piso obrigatório para ambas as áreas.

O trabalho constatou que houve fatia “não desprezível” de municípios que aplicaram 30% em saúde e 30% em educação, caso dos que têm até 500 mil habitantes e dos localizados do Nordeste, Sudeste e Sul. “Em síntese, a grande maioria dos municípios analisados (4.480 em 5.480, 81,8%) tem percentual de aplicação superior a 26,25% em educação (piso + 5%). Assim, não parece razoável que tenham aplicado mais do que o mínimo obrigatório em educação se não precisassem realizar despesas adicionais ao piso constitucional”.

Aonde estaria então o maior risco de perdas para os orçamentos de educação e para os da saúde, na fusão dos pisos? Os gastos com saúde são mais inelásticos que os da educação, logo mais resistentes à diminuição de seu papel em políticas públicas e mais visíveis do ponto de vista político-eleitoral. Mesmo assim, embora em menor escala, reduções nesta área podem acontecer.

Para avaliar o grau de risco, os autores separaram os municípios em que haveria maior possibilidade de queda nos gastos com educação - aqueles em que a diferença entre o gasto feito e o mínimo obrigatório é de até 0,7 ponto percentual e as despesas com saúde ultrapassam folgadamente o piso. Usaram critério idêntico para a saúde, com outros percentuais (0,4 e 4,3 pontos percentuais, respectivamente).

Possíveis perdas para a educação com a fusão de pisos ameaçariam 951 de 5.480 municípios, com população de 51,9 milhões de pessoas - 25% da população do país em 2018. Sul e Sudeste somam quase metade dos municípios em questão (455), seguidos pelo Nordeste (342). 41% das cidades nesse caso tem mais de 500 mil habitantes e 32% entre 100 mil e 500 mil habitantes.

Os riscos de diminuição dos gastos com saúde afetariam 97 municípios, mais concentrados no Norte e Nordeste e uma população de 2,24 milhões. Seriam mais atingidas áreas municipais com 20 mil a 50 mil habitantes, que já têm pouca infraestrutura para o atendimento.

As maiores despesas com saúde e educação não significam que seu montante seja suficiente para atender as necessidades. Argentina e Chile gastam quase o dobro per capita do que o Brasil, cujas despesas com educação estão abaixo dos da maioria dos membros da OCDE. Mas é inegável que uma melhoria da gestão nesse quadro de recursos produziria muito mais resultados, como advogam os especialistas.

  1. Gastos em saúde e educação no Brasil: impacto da unificação dos pisos constitucionais. Fabiola Sulpino Vieira, Luciana Mendes Santos Servo, Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, Sérgio Francisco Piola e Rodrigo Octávio Orair. Texto para discussão 2596.

*José Roberto Campos é editor executivo do Valor.


Míriam Leitão: Estados e os nós da reforma tributária

Quem está otimista com a aprovação da reforma tributária deve prestar atenção no que disseram cinco governadores. Ronaldo Caiado, de Goiás, alerta que o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro será “o Judas a ser malhado” e que os impasses começarão assim que o texto for apresentado. Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, diz que o governo federal dificulta a tramitação do projeto, pela sua postura de confronto e má comunicação. Renato Casagrande, do Espírito Santo, acha a proposta da equipe econômica tímida. Helder Barbalho e Rui Costa temem que os estados percam autonomia sobre as suas receitas, com a criação de um fundo único de repasse dos recursos.

São muitos os nós da reforma tributária, e a visão dos governadores, que participaram de um evento promovido pela Febraban semana passada, mostra que o tema continua longe de consenso para votação. Além das dificuldades usuais de se passar uma PEC dessa natureza, há outros agravantes: o texto terá que ser votado em momento de crise, quando todos os entes da federação estão com perda de receitas, o governo federal não enviou sua proposta na íntegra, e uma coleção de projetos de emendas à constituição foi enviada ao mesmo tempo ao Congresso.

— Estamos todos de acordo com a necessidade da reforma tributária. Mas na hora que se redigir a primeira lauda será cada um para um lado. Já não concordo aqui, já não concordo acolá. A disputa começa mesmo quando se coloca no papel — alertou Ronaldo Caiado.

Os governadores se dizem traumatizados com as perdas que sempre alegaram ter tido com a lei Kandir, de 1996. A exportação foi desonerada, mas a União se comprometeu a compensar os estados pelas perdas com ICMS. Os estados foram ao STF por entender que a União pagou menos do que deveria, em uma disputa bilionária ainda em aberto. Por isso, veem com desconfiança a criação de um fundo para recolher o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que seria repassado aos estados, simplificando impostos e acabando com a guerra fiscal.

— É preciso discutir a autonomia dos estados no comitê de gestão desse fundo. A proposta dá peso exagerado à União. Já que a maioria dos recursos é de ICMS, não é possível que os estados fiquem ainda mais reféns de um posicionamento da União — disse Rui Costa, governador da Bahia.

Helder Barbalho, governador do Pará, defende que a emenda 192, apresentada pelos secretários de fazenda estaduais, seja incorporada à PEC 45, ampliando a participação dos estados no fundo. Ele teme que o conselho sofra interferência política e lembra perdas que teriam tido com a lei Kandir:

— A compensação da lei Kandir chegou ao STF. O governo federal chegou a dizer que não devia nada, e os estados chegavam na conta de R$ 40 bilhões desde 1996. Se continuar no modelo de conta única, com repasse aos estados, isso pode se transformar em imbróglio institucional, podendo regredir o projeto e não avançar.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, diz que o estado perderá R$ 1 bilhão por ano se a cobrança do IBS passar ao local de consumo. Lembra que seu estado começou a fazer o ajuste fiscal antes dos outros e que por isso é o único com classificação máxima no ranking fiscal do Tesouro. Não poderia se desestruturar financeiramente com a reforma.

— Tem que ter um fundo para apoiar as regiões, porque nem todos os estados têm a mesma capacidade de atrair empreendimentos. O incentivo fiscal hoje é muito criticado, mas é um instrumento para que possam atrair atividade econômica para os seus estados — justificou.

Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, cobra liderança do governo federal na condução de uma proposta que mexe com interesses tão conflitantes.

— Nossos secretários de fazenda se mostraram favorável às PECs do Congresso, a disposição conjunta de governadores existe. Mas quem deve liderar é o governo federal. A postura belicosa do governo acaba sendo uma dificuldade adicional para uma reforma que já é difícil.

Tudo isso é sobre as propostas articuladas no Congresso — uma na Câmara, uma no Senado — sem a presença do governo federal, que discorda desse fundo. Até agora, o governo enviou apenas a fusão do PIS com a Cofins. E disse que outras mudanças virão em fatias. Com a desconfiança geral, e o governo federal arredio, é difícil acreditar que a reforma será aprovada.


Ana Carla Abrão: Amanhã vai ser outro dia

Projeto que foi aprovado no Senado corrige arroubo de generosidade dos deputado

A maioria dos brasileiros – infelizmente não todos – entende que é a proteção da vida e da saúde das pessoas a maior de todas as prioridades neste momento. Estamos debruçados em números e projeções assustadores, que mostram a escalada da pandemia que já ultrapassou os 3,5 milhões de infectados e já matou ao menos 250 mil pessoas no mundo. No Brasil, já ultrapassamos a marca dos 100 mil infectados e dos 7 mil mortos nos números oficiais que, sabemos, estão subestimados em função da baixa taxa de testagem da população. Mesmo com toda essa tragédia humana, a pandemia ainda está longe de estar controlada e nós no Brasil estamos longe de entender toda a extensão do seu impacto sobre a população e sobre a economia do País.

Medidas emergenciais foram adotas nas áreas da saúde e da economia. Discussões políticas acaloradas fizeram parte do noticiário dos últimos meses. A ignorância e o descaso dominaram a pauta em alguns momentos. Esses passarão para a nossa história de forma vergonhosa. Mas a verdade é que, na medida em que outros países do mundo começam a adotar medidas de flexibilização do isolamento social e se preparam para um novo normal, levantam-se as dúvidas quanto ao futuro e à capacidade de recuperação das economias após essa brusca interrupção. Percebe-se que as incertezas em relação à recuperação não estão vinculadas apenas à intensidade da crise, mas também à natureza das medidas adotadas durante os momentos mais agudos e à efetividade das ações de retomada. No Brasil não será diferente.

Um exemplo é o plano de ajuda aos Estados e municípios. Colocado em contexto, responde à necessidade urgente de aumento de gastos com saúde que os entes subnacionais enfrentam como linha de frente no combate à pandemia. A situação se agrava com a queda de arrecadação vinculada à interrupção da atividade econômica. Entes subnacionais não emitem dívida e estão, portanto, limitados às suas receitas e às transferências da União. Se alguma dessas despenca, tudo desaba. Ainda mais no desequilíbrio que já viviam. Priorizar vidas neste momento significa ajudar esses entes a ultrapassarem esse momento. O projeto aprovado na Câmara ia muito além, prometendo o céu e contratando uma conta não necessariamente vinculada às necessidades impostas pela pandemia.

Felizmente, o projeto que foi aprovado no último sábado pelo Senado corrige boa parte desse arroubo de generosidade. A proposta define um limite de R$ 60 bilhões para o auxílio financeiro direto, contribuindo para que o socorro não gere leniência na gestão da arrecadação local. Além disso, inclui-se como contrapartida o congelamento dos salários dos servidores públicos – exceção feita a profissionais de saúde, de segurança e das Forças Armadas – até o final de 2021. Ao também restringir reestruturações de carreira, contratação de pessoal (exceto para repor vagas abertas) e interromper por um ano e meio a contagem de tempo para concessão de anuênios, quinquênios, etc, o Senado conseguiu bloquear a canalização desses recursos para o financiamento de aumentos das despesas de pessoal no setor público. Ao excluir a segurança desse dispositivo, boa parte da economia ficou de fora, mas ainda é melhor do que só o congelamento. Outra grande conquista é que essas limitações atingem os três poderes e não somente o Executivo. A não ser que haja as conhecidas e históricas reações corporativistas no Judiciário, teremos um pouco mais de controle desses gastos pela primeira vez em décadas.

Mas a verdade é que, ao mesmo tempo em que mantemos a proteção da vida e da saúde dos brasileiros no topo das prioridades e intensificamos o combate à pandemia, temos de pensar no dia de amanhã e já começar a construí-lo. É chegada a hora de começarmos a pensar em um plano nacional de retomada que parta dos conceitos corretos e faça a transição entre o enfrentamento da crise e a gestão do futuro. Não me refiro aqui a obras públicas mirabolantes, listadas a partir de um delírio nacionalista e nostálgico. Falo de um plano de retomada que leve em conta as diversas dimensões desta crise: o monitoramento da curva de contaminação e as necessárias ações de saúde; os motores de crescimento da economia (crédito, confiança, ambiente de negócios); a aceleração do processo de digitalização dos serviços públicos e a retomada da agenda de reformas, única garantia possível de manutenção de nossa solvência e dos patamares baixos de juros e, portanto, da recuperação de nossa capacidade de crescimento. Um plano assim se constrói com liderança e coesão e passa necessariamente pela recuperação dos laços federativos esgarçados por embates políticos. Passa também por uma grande coalizão entre Executivo, Legislativo e Judiciário e por capacidade de formulação de medidas de retomada que combinem responsabilidade, competência e consistência. Afinal, apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA


Vinicius Miguel: Coronavírus, desarmonia federativa e estratégias democráticas para a pandemia

A redação de ponderações sobre eventos inconclusos é sempre delicada. Mais cautela ainda é necessária quando se trata de fenômenos que não podem ser inadvertidamente comparados 

A pandemia da doença do corona vírus é um desses momentos históricos, sem equivalentes na história recente.

Tantas circunstâncias da conexão do tempo-espaço da sociedade industrial-global ainda conferem mais complexidade ao intrincado problema: migração internacional e fluxos acelerados de pessoas; celeridade de desinformação com potencial de letalidade sem precedentes e escassez de instituições multilaterais capazes, de pronto, a ofertar respostas efetivas para a pandemia. 

Esses aspectos realçam a prévia fragilidade dos sistemas de saúde – sobretudo de Estados periféricos – apontando para a vulnerabilidade de nossas sociedades. 

A incapacidade societal e estatal de coordenar a melhoria da saúde pública e coletiva conduz à reflexão sobre temas indispensáveis, mas usualmente negligenciados, como o saneamento básico, a vigilância epidemiológica e sanitária, a ampliação de imunização e demais mecanismos de rompimento da cadeia de transmissão de doenças, de melhora da qualidade de vida de uma população e do exercício democrático da administração de políticas de saúde.

Merece alguma ponderação a dimensão da paradiplomacia subnacional no combate à doença do corona vírus (Covid-19). 

É bem sabido pelos estudos em Saúde Pública e Coletiva que as doenças não conhecem fronteiras e invalidam a clássica noção de soberania política: as bactérias e os vírus trespassam limites de nacionalidades sem para isso precisarem de passaporte.

A participação de entidades subnacionais (Estados e municípios) sempre foi um aspecto observado com peculiar curiosidade pelo Direito Constitucional e pela Política Internacional. Dito de outro modo, a persistência de Estados e municípios como atores e sujeitos de direitos (e obrigações) no esquema federativo e de relações internacionais é um tema de considerável importância. 

A disputa interfederativa já se instalou no Estado brasileiro. Além disso, governadores e prefeitos tem recorrido a uma “paradiplomacia”, ao acessarem diretamente o governos da República Popular da China, em busca de produtos hospitalares, que seriam transportados para o Brasil por aviões da FAB.

Na atual pandemia, o comando constitucional de solidariedade nas responsabilidades para assegurar a saúde ganhou contornos graves.

Em tempos de indisponibilidade de equipamentos médico-hospitalares (como o clássico respirador), o acirramento de conflitos entre os entes federativos vem ocasionando intensas batalhas político-judiciais. Não menos, a escassez no mercado internacional dos mesmos itens, vem gerando disputas entre Governos Estaduais com fornecedores internacionais.

Na tentativa de coibir a remessa para o exterior de respiradores, o Ministério da Saúde proibiu exportação. Não bastando, proibiu igualmente a venda para qualquer município ou Estado, requisitando de forma compulsória os aparelhos. 

Essa medida vem gerando evidente turbulência nas esferas locais.

Exemplo dessa disputa interfederativa, foi o caso do município de Recife (PE), que se socorreu na Justiça Federal para obter a liberação de 200 respiradores requisitados pela União

Outro exemplo foi o município de Cotia (SP), que usou do mesmo expediente judicial para vencer o bloqueio da União e ter acesso aos respiradores. A ansiedade foi tamanha, que em cena pitoresca, o vice-prefeito foi buscar os aparelhos na fábrica, sem que tivessem certificados de adequação para o uso.

Outro ponto de conflito entre Estados e União (ou, ao menos, à figura da Presidência da República) tem sido as medidas a serem adotadas.

As medidas de isolamento social, de fechamento de comércios e até mesmo de regulação do transporte aéreo e fluvial foram pontos de acirramento das tensas relações entre a Presidência e Governos Estaduais. 

Nesse aspecto, duas Medidas Provisórias foram editadas pela Presidência da República, tentando subverter Decretos estaduais (as MP Nº 924, de 18 de março de 2020 e a MP Nº 926, de 20 de março de 2020).

Parte de tais conflitos escoou no STF, na Medida Cautelar na ADI 6.341 (DF). Na ação, o PDT demandou o Presidente da República e o Rel. Min. Marco Aurélio determinou que os Municípios e Governos podem/poderão, de forma concorrente, restringir a locomoção e o transporte aéreo/fluvial/terrestre. Marque-se que o STF suspendeu o dispositivo da MP 926 em apenas 04 dias após sua edição. 

A escalada de ataques da Presidência da República contra poderes locais e autoridades regionais vem se dando igualmente na dimensão discursiva.

Em 23/03, Bolsonaro fez pronunciamentos lançando ataques aos Governos Estaduais:

"Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia na questão do corona vírus”

"Não exterminar empregos, senhores governadores. Sejam responsáveis. Espero que não queiram me culpar lá na frente pela quantidade de milhões e milhões de desempregados"

Tentando jogar a responsabilidade política e econômica aos Governadores pelo fechamento do comércio, em 27/03, o Presidente lançou:

“Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc, que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas, quem paga é o governador e o prefeito, tá ok?”

A retórica provocativa contra os governadores avançou, em 02/04, com o Presidente dizendo que os mesmos estariam “com medinho” do vírus e por isso não saiam às ruas. 

Dessa forma, se evidencia o recurso de mobilização ao “povo”, atribuindo responsabilidades aos Governadores, seja pelas medidas de restrição de tráfego, seja pelo fechamento de comércios ou por possíveis prejuízos imediatos (salários) ou futuros (“extermínio” de empregos).

Na ausência de ordenamento de demandas, se vê a formatação de um quadro de desarmonia federativa.

A incerteza jurídica e a instabilidade econômica tendem a agir de forma conjugada em uma deterioração da sociedade brasileira, podendo aprofundar radicalismos ideológicos.

Há, também, o risco do acirramento de enfrentamentos partidários em decorrência da proximidade do calendário eleitoral. Com isso, podem-se antecipar impactos ainda mais negativos na busca de soluções colaborativas.

As experiências internacionais, como no caso das conhecidas epidemias de HIV/Aids, Ebola ou de Zika, demonstram que os esforços interinstitucionais e a solidariedade multilateral são os únicos remédios disponíveis para a mitigação do sofrimento humano.

Nessa configuração, na escala nacional, em diálogo com a sociedade civil, as Defensorias, os Tribunais de Contas e os órgãos do Ministério Público ganham um importante protagonismo não apenas de controle democrático, como de mediação e de proposição de afinamentos institucionais indispensáveis para se vencer a crise federativa e epidêmica em curso.

No escopo das relações internacionais, reconhecer a interdependência de Estados nacionais e a essencialidade de organismos multilaterais para uma estratégia de governança colaborativa agora é, mais do que nunca, um projeto para salvar vidas.

Que da necropolítica possa emergir um potencial colaborativo e democrático para a efetivação do direito social fundamental à saúde.


El País: Coronavírus acende alerta sobre preparo de hospitais no Brasil para tratar infectados graves

Governo Federal orienta Estados a reverem suas redes hospitalares diante do provável crescimento de pacientes gravemente afetados no país. Declaração de pandemia provoca medidas mais enérgicas de enfrentamento em várias esferas

No mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o coronavírus é uma pandemia global, o Brasil dobrou o número de casos confirmados da doença ―aos 52 infectados contabilizados pelo Ministério da Saúde somam-se outros 16 confirmados pelo hospital paulista Albert Einstein, em São Paulo, e outro na Bahia, todos divulgados após a atualização do balanço federal. O país ―que até então trabalhava no sentido de evitar a propagação do vírus e apostava no tratamento de casos leves na Atenção Básica― entra em um novo patamar de enfrentamento da doença. Na fase atual, já não é possível identificar quem transmitiu o vírus. E tanto especialistas quanto autoridades de saúde avaliam que a disseminação da doença pode acontecer rapidamente e que, embora tenha uma letalidade relativamente baixa, é preciso preparar as redes hospitalares para receber uma alta demanda de pacientes em estado grave. As ações, apontam, são cruciais para evitar que o Brasil reproduza um colapso no sistema de saúde semelhante ao da Itália. Em três semanas, o país passou de três para 10.000 infectados e tem enfrentado um caos na assistência diante da escassez de insumos e da infecção de profissionais de saúde.

“Temos que estar preparados caso soframos um ataque como o que a Itália viveu”, defendeu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante audiência pública no Congresso. Enquanto pedia mais recursos para ações emergenciais relacionadas ao coronavírus —o ministro falou, depois, em 5 bilhões de reais—, Mandetta afirmou que o Governo Federal voltará a prover médicos para capitais e regiões metropolitanas por meio do Mais Médicos e ampliará o número de postos de saúde com funcionamento em horário extendido para reforçar a Atenção Básica, onde os casos leves deverão ser tratados. Pediu, porém, que todos os Estados reorganizem suas redes hospitalares, inclusive remarcando cirurgias eletivas (ou seja, as que não são urgentes, como intervenções plásticas) e rediscutindo os critérios de permanência em leitos de CTI como medidas de antecipação para o caso de o quadro se agravar no país. "Esses leitos são preciosos e temos que estar preparados”, defendeu.

Gatilho para medidas de restrição
O aumento agudo da doença no Brasil tem levado autoridades públicas a adotarem medidas mais enérgicas, e até controversas, com relação ao enfrentamento da doença. O Rio de Janeiro, que tem 13 casos confirmados, publicou um decreto que permite a internação compulsória de casos graves da Covid-19. O Congresso Nacional anunciou que estão suspensas as visitações públicas na Câmara e no Senado e que os servidores com histórico de viagem ao exterior entrarão em quarentena. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou um vídeo em suas redes sociais no qual sugere que instituições de ensino se preparem para realizar atividades escolares a distância por causa do coronavírus. Também avalia a possibilidade de antecipar as férias escolares. Algumas universidades começaram a testar plataformas de ensino à distância, e o Distrito Federal já decidiu suspender aulas em escolas públicas e particulares nos próximos cinco dias. Não há unanimidade sobre esse tipo de medida. O próprio ministro Mandetta pondera que a suspensão de aulas pode agravar riscos para avós das crianças, que integram o grupo de risco mais alto da doença por conta da idade. “O maior grupo de risco são nossos idosos e doentes crônicos. Este é o grupo que nós queremos superproteger”, argumenta.

Ainda não há muitas respostas sobre a performance do novo coronavírus em clima tropical, e o Governo Federal diz trabalhar com o comportamento apresentado até agora no hemisfério norte. Com a caracterização de pandemia pela OMS, o Brasil não terá mais uma lista de países suspeitos e passará a monitorar qualquer pessoa que venha do exterior e apresente sintomas. Não considera, porém, restringir o trânsito de pessoas, como Donald Trump acaba de fazer suspendendo voos para os EUA vindos da Europa, ou impor quarentenas. “Nós estamos na fase de recomendações. Podemos passar para determinação. Vamos andando de acordo com o que vai acontecendo aqui”, disse Mandetta a parlamentares nesta quarta-feira.

Na semana passada, o Ministério da Saúde já havia mudado a metodologia para testagem do coronavírus. A nova orientação tirou a exclusividade de testes para pessoas com histórico de viagem ao exterior para incluir também os que apresentam quadro respiratório grave, o que permite a identificação de possíveis casos transmitidos no Brasil e oferece maior precisão ao monitoramento de circulação da doença no país. Um sistema robusto de testagem tem mostrado êxito no enfrentamento do novo coronavírus em países como a Inglaterra, por exemplo. Lá, o paciente que apresentar sintomas pode ser testado em casa. No Brasil, o caminho neste sentido ainda é longo. Atualmente, nem todos os Estados conseguem fazer os testes em seu próprio território, e a previsão é de que ainda demorem uma semana para estarem aptos a fazê-lo. “A previsão é de que todas as unidades da federação estejam aptas, até dia 18 de março, com equipamento, com kit pronto para fazer o teste dentro do seu estado”, informa Mandetta. O ministro prevê que as próximas semanas serão duras e que, num país continental como o Brasil, é difícil mensurar o nível de preparação de cada Estado para o aumento da demanda. “Vamos viver umas 20 semanas duras”, disse o ministro ao Estadão.

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Alexandre de Menezes Rodrigues, chama atenção para a necessidade de pensar não apenas na prevenção, mas no tratamento da Covid-19. “Grande parte das mortes no mundo foi por despreparo do suporte”, destaca. Ele defende, por exemplo, a necessidade de rediscutir as regras sobre a quantidade de médicos por leitos de UTI. E que o país precisa se preparar para um aumento da demanda de pacientes, já que a permanência de infectados por coronavírus nos hospitais costuma ser prolongada. Para proteger seu corpo médico, hospitais particulares começaram a orientar seus profissionais que evitem viagens. Na esfera pública, ainda não há orientações nesse sentido. Por enquanto, o Governo Federal afirma ter conseguido comprar material de proteção, como máscaras e outros insumos, e orienta que os próprios Estados se organizem para reforçar suas redes hospitalares.

Na ponta, as mudanças ainda começam a ser desenhadas de forma pontual num contexto em que nem o sistema público nem o privado têm grandes margens em relação à disponibilidade de leitos de UTI, onde poderão ser tratados casos graves da doença. “Isso porque esses leitos são caros, e você precisa racionalizar para as necessidades. Os Estados têm que se adequar para essa demanda que virá. São modificações que temos que fazer hoje porque não dá pra esperar o número de casos aumentar para começar”, diz o infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, Antônio Carlos Bandeira. O médico diz que a Bahia tem reativado UTIs pediátricas para receber pacientes graves por conta do coronavírus e que o Estado está hierarquizando o sistema para transferir pacientes a hospitais de referência. “Estamos preparando uma rede com gestores para que possa haver esse fluxo rápido”, explica.

No Hospital das Clínicas, em São Paulo, há um protocolo estabelecido para tratar casos de Covid-19, e profissionais que antes se reuniam semanalmente passaram a discutir diariamente estratégias. Mas não há ainda implementação de medidas antecipando uma fase mais aguda da doença. “A gente prevê a possibilidade de realocar profissionais, adiar eletivas, bloquear uma UTI só para isso. Está previsto, mas ainda está longe de ser implementado”, diz Izabel Marcilio, médica epidemiologista do núcleo de vigilância epidemiológica do hospital. Nesta quinta-feira, o Governo de São Paulo, Estado que mais concentra os casos no Brasil, informará novas ações para enfrentamento da doença. A grande questão será a partir de que momento estabelecer medidas de restrição de circulação.

O fato é que o Brasil tem redes hospitalares muito distintas em cada Estado, o que dificulta prever o limite de atendimento do SUS, conforme ressaltou o próprio ministro Mandetta em entrevista ao Estadão. “O Rio de Janeiro aguenta muito pouco. São Paulo aguenta um pouco mais. O Paraná é nosso melhor sistema, a melhor rede de distribuição. O Acre não tem nenhum caso. O Brasil é um continente”, declarou.


Zeina Latif: Menos Brasília?

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas

As políticas públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.

O debate sobre a revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

A Constituição de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.

Outro sério problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.

Esse quadro se agravou na gestão Dilma. O governo federal, equivocadamente, promoveu renúncias tributárias em impostos compartilhados, para estimular a economia. Além disso, estimulou a leniências fiscal dos entes ao autorizar o aumento do endividamento com aval da União e reduzir exigências para receber os repasses. Ainda que deletérios, esses fatores não são a real razão da crise dos Estados, que decorre de decisões equivocadas na contratação de servidores e aumentos de salários acima dos ajustes no setor privado. O maior endividamento não resultou em aumento de investimentos, mas sim em gastos com a folha.

Em grave crise, a maioria dos governos estaduais pressionam por ajuda do Tesouro Nacional.

Não há espaço para transferir mais recursos tributários aos entes, por conta do rombo fiscal da União. Tampouco seria uma decisão sábia até que reformas estruturais mudem a dinâmica dos gastos nos Estados e municípios. Seria água no ralo.

O governo acena com outro tipo de ajuda: garantias da União para novos empréstimos aos Estados, mesmo sem contarem com nota de crédito suficiente para ter direito ao aval. Não parece medida adequada antes de ações concretas para cortes de despesas e aprovação da reforma da Previdência.

Além disso, propõe-se reduzir a rigidez orçamentária eliminando regras constitucionais que regem o orçamento, o que impactaria basicamente gastos com saúde e educação. O debate é necessário, mas o impacto da medida é limitado, não vai salvar ninguém, pois o grande peso no orçamento é a folha de ativos e inativos. O tema é polêmico e será difícil o Congresso aprovar sem um amplo debate.

Acredito que um outro debate deveria ser o de inserir meritocracia nos repasses aos entes. Estados e municípios que fazem boa gestão e têm bons resultados em termos de qualidade do serviço público deveriam ser premiados.

Rever o pacto federativo não é sinônimo de socorrer Estados. Se o lema é “menos Brasília e mais Brasil”, os Estados precisam fazer sua parte, adotando medidas para elevar a arrecadação e conter despesas. Sem isso, vamos continuar a assistir as visitas periódicas dos entes subnacionais à Brasília pedindo ajuda.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Valor: 'Com regra atual, nem em dez anos Estados vão ajustar as contas', diz economista

"Agora pelo menos nos Estados percebe-se que o problema independe de partidos, é sistêmico. Dar alívio a Estados em troca da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é grande"

Por Marta Watanabe, do Valor Econômico

SÃO PAULO - Desde que foi secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, Ana Carla Abrão participa intensamente do debate sobre as contas públicas e agora propõe uma "reforma de RH do Estado", que inclui mudanças estruturais nas carreiras dos servidores públicos e um plano de ajuste para os governos estaduais. Elaborada em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com o jurista Carlos Ari Sundfeld, a proposta se concentra em mudanças na legislação infraconstitucional.

Pela proposta, os Estados devem reconhecer o tamanho da despesa de pessoal, seja como resultado de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seja pela harmonização de interpretações da lei pelos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Com isso, todos os Estados, diz a sócia da Oliver Wyman, ficarão acima do teto de gastos de pessoal, de 60% da receita corrente líquida no consolidado dos poderes.

O prazo para reenquadramento dos Estados, segundo a ex-diretora do Itaú, será ampliado de dois quadrimestres para dez anos. A contrapartida dos governadores será replicar em seus Estados mudanças que inicialmente seriam feitas na legislação federal, com regulamentação de avaliação de desempenho relativo dos servidores, fim das promoções e progressões automáticas e reestruturação de carreiras. As alterações precisam passar pelas Assembleias Legislativas. O ajuste seria gradual e monitorado pelo Tesouro Nacional no decorrer dos dez anos e pode, num cenário otimista, resultar em redução nominal de 30% da folha ao fim de quatro anos.

Ex-economista chefe da Tendências Consultoria, Ana Carla avalia que atualmente há um grupo de Estados que claramente caminham no sentido de mudanças estruturais para reequilíbrio fiscal. Seria o que ela chama de coalizão, formada pelos governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Helder Barbalho (MDB), do Pará. Renan Filho (MDB), de Alagoas, destaca ela, se aproxima desse grupo em temas como a reforma previdenciária. Antes, diz Ana Carla, entre os governadores do mandato anterior, o ajuste era bandeira de vozes isoladas, como Paulo Hartung (sem partido/ES) e Renan Filho. O agravamento da crise, afirma ela, tornou o problema dos Estados mais claro. Ana Carla diz que não é possível esperar que todos abracem todas as agendas, mas à medida que a coalizão se amplia, avalia, há pautas básicas "passíveis de serem adotadas Brasil afora".

Apesar do quadro mais propício entre os governadores, Ana Carla teme que a reforma previdenciária vire moeda de troca por pacote de apoio aos Estados. O governo federal, diz ela, tem sido firme no sentido de que a reforma previdenciária é importante e prioritária. "O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional", diz. "Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. Não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos." A reforma tributária, defende, precisa ser aprovada por si só porque é imprescindível para que o país tenha alguma chance de crescer.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no escritório da Oliver Wyman:

Valor: Como é a proposta para ajuste dos Estados elaborada com o economista Arminio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld?
Ana Carla Abrão: A ideia é uma reforma de base, uma reforma de RH [recursos humanos] dos Estado para alterar a legislação infraconstitucional, deixando a discussão de estabilidade para depois. Mexer na estabilidade exige mudança na Constituição Federal e não há espaço para discutir isso agora, já que a prioridade é a emenda da reforma previdenciária. Nossa proposta está dividida em duas etapas: uma que trata do governo federal e do serviço público federal e uma que trata de Estados e municípios. Na esfera federal propomos três pontos. O primeiro é regulamentar critérios de avaliação de desempenho. Vamos regulamentar e estabelecer que é obrigatória a avaliação de desempenho de forma periódica num nível relativo de todo o servidor público do país. Nas avaliações de hoje, todo mundo ganha nota dez ou mil. E sabemos que os serviços públicos não são nem nota dez nem nota mil. O bom servidor público, que trabalha duro, está recebendo a mesma nota muitas vezes de outro que não é tão comprometido. O segundo ponto é acabar com promoções e progressões automáticas, que têm duas implicações nefastas. A primeira é que as pessoas não precisam se esforçar para ganhar mais ou ocupar cargos mais altos. Segundo, há impacto fiscal relevante. Porque mesmo se não der aumentos salariais a folha crescerá de forma vegetativa.

Valor: E isso afeta a capacidade de gestão da folha?
Ana Carla: Sim, tira a possibilidade de gestão do administrador público. As promoções e progressões continuarão porque fazem parte do desenvolvimento profissional, mas precisam ser vinculadas ao mérito. O terceiro ponto é resgatar a capacidade de planejamento da força de trabalho no setor público. Hoje na máquina pública se abrem concursos e não há mobilidade entre as carreiras. Então existem órgãos em que sobra gente e outros em que falta, o que gera mais concursos. O processo não tem fim. As empresas do mundo estão discutindo como lidarão com a disrupção tecnológica e o avanço da digitalização. Precisamos preparar o setor público para isso, atrair pessoas com perfil diferente, com capacidade de mobilidade dentro da máquina.

Valor: E Estados e municípios?
Ana Carla: É o outro pilar da proposta. Não é possível aceitarmos serviços públicos tão ruins num país onde mais da metade da população depende de educação e saúde pública e gratuita. Isso reforça a desigualdade social e precisa ser revertido. Os Estados e municípios são os provedores da maior parte desses serviços e é onde temos também o maior problema fiscal. Estamos alocando mal os recursos, e hoje o servidor público responsável por prover os serviços está desmotivado porque não recebe salários em razão da situação de colapso fiscal. A proposta original é rever a LRF e atualizar os conceitos de despesa de pessoal. Sabemos que nenhum Estado cumpre a LRF. Propomos rever o conceito de despesa de pessoal, reconhecer as despesas. A consequência disso é que 100% dos Estados estarão desenquadrados. A LRF estabelece dois quadrimestres de prazo para reenquadramento.

Valor: Mas o prazo não é viável.
Ana Carla: É absolutamente impossível. Não é razoável achar que os Estados vão baixar 15 ou 20 pontos de comprometimento da receita nesse prazo. Então criaríamos uma disposição transitória para, especificamente para neste momento, dar dez anos de prazo para o reenquadramento. Com os instrumentos atuais, é impossível enquadrar mesmo em dez anos. O enquadramento se dará com os Estados aderindo aos dispositivos que propusemos para o governo federal, com avaliação de desempenho relativa, proibição de promoções e progressões automáticas e revisão de planos de cargos e salários. A redução da despesa será feita de forma linear. Ao final, vão ter alguns ganhando mais, outros menos, mas teremos um contingente mais racional de servidores. Será possível dar condições de trabalho a eles e recuperar a capacidade de investimento. Com base em análise de planos de carreiras e de legislações de cargos e salários em entes federados e levando em conta uma situação otimista, a mudança pode trazer redução nominal de 30% da folha salarial ao fim de um período de quatro anos. Estudei leis de carreiras do país todo e esse modelo é muito replicável. Mesmo de forma gradual, faremos redução nominal da folha, algo impensável no modelo atual, mesmo com congelamento de salários. O congelamento não pode ser medida descartada. Nos regimes de recuperação fiscal é algo necessário, mas ele não funciona no longo prazo. Por isso é preciso revisão de cargos, salários, de leis, de processos internos de promoção, para que os reajustes sejam racionais, sustentáveis e criteriosos.

Valor: Mas a mudança nos Estados precisa ser antecedida por uma alteração da LRF?
Ana Carla: A alteração é para fazer os Estados reconhecerem a despesa de pessoal. Muitos dizem que essa discussão da LRF pode flexibilizar ainda mais as condições aos Estados. Um caminho alternativo é esse movimento dos TCEs, motivado pelo Tesouro Nacional, de criar padronização sobre as despesas de pessoal. Isso pode ter o mesmo impacto da revisão da LRF.

Valor: Mas esse movimento dos TCEs não é tão uniforme, certo?
Ana Carla: Eu sou otimista no sentido de finalmente haver autocrítica e pelo menos os absurdos desaparecerem, como retirar do cálculo da despesa de pessoal o Imposto de Renda sobre folha, os pensionistas e até aposentados. E a discussão da LRF ficaria para um momento mais oportuno. No momento em que se coloca IR, aposentados e pensionistas na conta, ninguém vai ficar com 75% porque criou-se o subterfúgio de dar auxílios sob forma de aumento e isso não estaria capturado, mas pelo menos se corrigiria na direção correta. Os Estados não podem fugir das discussões das leis locais de carreira porque os instrumentos de correção só existem com a mudanças nessas regras. É uma briga que está nas mãos dos governadores nas suas Assembleias Legislativas. Não depende da União ou do STF. O que o governo federal precisa fazer é a coordenação técnica. Não podemos deixar os Estados soltos. Quando o assunto chegar na Assembleia de cada Estado, se não houver uma onda acontecendo junto, com outros governadores indo na mesma direção, a briga fica muito mais difícil e a chance de fracasso é muito maior.

Valor: E os novos governadores estão propensos a essas mudanças?
Ana Carla: Há um grupo muito propenso, o da coalizão dos novos governadores, que são Eduardo Leite, Caiado, Zema, Doria e Barbalho. Eles se uniram numa coalizão para defender pautas de responsabilidade fiscal porque querem ter capacidade de governar. Nos Estados como Rio Grande do Sul, Minas e Goiás temos governadores assumindo esses mandatos pela primeira vez, com quatro anos pela frente e em condições de total ingovernabilidade. São forças políticas dependendo de pautas positivas para entregar um Estado com avanços daqui a quatro anos. Quando olhamos para trás, tínhamos poucos governadores nesse caminho em todo o mandato, como Renan Filho e Hartung. Agora há uma coalizão mais representativa, com maior poder de multiplicação. No mandato anterior eram vozes isoladas.

Valor: A aproximação do governador Renan Filho a essa coalizão, ao menos em algumas agendas, é importante politicamente?
Ana Carla: Sem dúvida. Renan Filho é governador reeleito e hoje mostra os resultados de uma gestão anterior responsável. À medida que a coalizão integra representantes de diversas regiões, pelo menos há pautas básicas passíveis de serem adotadas Brasil afora. Não podemos ser ingênuos de imaginar que o Brasil é um só. Não podemos ir a um extremo de todos abraçarem a mesma agenda nem cada um para si ou cada bloco defendendo a sua pauta. Senão chega no Congresso, onde as reformas têm que acontecer, e não saímos do lugar porque não há a necessária maioria ou representatividade. A vinda de Renan Filho ajuda a criar uma agenda básica comum. Ao longo dos últimos quatro anos, vimos uma divisão territorial do Brasil em que pautas importantes não sensibilizavam o Nordeste ou vice-versa. Há o bloco dos Estados exportadores querendo repasses da Lei Kandir, o do Nordeste, que depende muito do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o do Centro-Oeste, que defende os incentivos fiscais. E há São Paulo tratado como se estivesse contra o Brasil inteiro. A divisão sempre existirá, mas precisamos chegar a um consenso. Reforma da Previdência, necessidade de racionalizar serviços públicos, reforma tributária, por exemplo.

Valor: Então os Estados estão tentando se reorganizar entre si?
Ana Carla: Sim. Depois desse ciclo em que os governadores que saíram pegaram uma situação difícil e deixaram para o sucessor uma pior ainda, o entendimento dos problemas está mais claro. E começa a perder a característica partidária. O problema é que, com tanta polarização anterior, as agendas viraram vermelhas ou azuis. Agora pelo menos no nível dos Estados percebe-se que, independentemente de partidos, temos um problema sistêmico. Não adianta ficar culpando governador do partido contrário ao meu.

Valor: A sra. acha que Estados que baterem à porta do governo federal em busca de recursos sem buscar ajuste não terão sucesso, então?
Ana Carla: Eu tenho um temor. Temos a pauta que é a mais importante para o Brasil hoje, que é a reforma da Previdência. O medo que tenho é entrar num processo de toma-lá-dá-cá. Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio de que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. E não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos. Usar a Previdência como moeda de troca mostraria que os governadores não entenderam que a reforma é um imperativo não só para a sobrevivência dos Estado, mas também para que o país tenha alguma chance de voltar a crescer.

Valor: E o governo federal tem força para impedir o uso dessa brecha?
Ana Carla: O governo federal tem dado declarações muito firmes nessa direção, de que a reforma da Previdência é importante para todos, é prioritária e urgente. O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional.

Valor: Mas esse jogo não depende da postura do governo?
Ana Carla: Sim, e a postura do governo tem sido muito firme. O que Mansueto [Almeida, secretário do Tesouro Nacional], que é o porta-voz do governo federal para a agenda dos Estados, fala é que não há recursos e que o problema dos Estados é de despesa de pessoal e Previdência. A primeira declaração que vi diferente dessa foi do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse estar negociando pacote de apoio aos Estados em troca da aprovação da reforma da Previdência. Quando ele fala do governo federal e da gestão da Câmara, o discurso dele é de muita responsabilidade. Para mim, soou estranho abrir espaço para que essa negociação exista. Não se trata de deixar Estados soltos, mas misturar essa duas agendas e dar alívio aos Estados em troca da aprovação da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é muito grande.

Valor: Qual sua perspectiva para a economia e como isso pode afetar os Estados?
Ana Carla: Vejo de forma binária, que felizmente está pendendo mais de um lado do que para outro. O Brasil tem hoje dois caminhos. Um deles é aprovar uma reforma da Previdência decente e isso por si só é muito importante, mas tem, além disso, um impacto de segunda ordem que é abrir espaço na agenda para reformas microeconômicas, estruturantes, que vão dar ganhos de produtividade para a economia brasileira. Nesse conjunto, eu coloco a reforma do Estado. Falar em produtividade sem falar no setor público não é falar em produtividade. Se trilharmos esse caminho, juntamente com privatização e concessões, com ganhos de investimentos em infraestrutura, o Brasil tem pela frente uma perspectiva positiva, de crescimento. Não estou falando de o Brasil crescer, 5%, 7%, 10%, mas sim de retomada de crescimento com uma possibilidade de surpreender positivamente. Isso seria muito favorável para os Estados. Não tira a agenda de reformas estruturais dos Estados da pauta, mas não podemos menosprezar o impacto positivo de ter investimentos, economia crescendo, de sair pelo menos três palmos da linha d'água, já que estamos submersos. Se não tivermos reforma da Previdência, será um desastre. O Brasil terá um agravamento adicional de uma situação que já é muito grave e os Estados serão a bomba da vez. Será uma situação de colapso generalizado e entramos num processo que não quero viver. Mas estou otimista porque o primeiro caminho se mostra mais provável.


Vinicius Torres Freire: O dinheiro que não existia sumiu

Estados e até Bolsonaro podem ficar sem recursos de megaleilão de petróleo em 2019

O futuro governo de Jair Bolsonaro pretendia entregar a estados e municípios parte de um dinheiro que talvez arrecade no ano que vem. Esse repasse viria de uma venda de direitos de exploração do petróleo do pré-sal. Nos sonhos de governadores e prefeitos, seriam mais de R$ 20 bilhões.

Em troca, economistas de Bolsonaro queriam apoio de governadores à reforma da Previdência e até compromissos de controle de gastos (ilusões). Deu chabu. Esse dinheiro que ainda não existia evaporava na tarde desta quarta-feira (28).

Mesmo se voltar a chover na horta de estados e cidades, não viriam tantos bilhões do petróleo. De resto, essa ajuda encrenca o governo federal. Repasse extra para estados e municípios é despesa, sujeita ao teto de gastos. Se repassa o dinheiro, o governo tem de cortar mais em outra área (reduzir o investimento em obras a quase nada).

No Senado, dizia-se que o governo poderia arrecadar até R$ 130 bilhões com esse leilão especial de petróleo. Na equipe bolsonarista, a projeção chegava a R$ 100 bilhões. Na estimativa mais pessimista do governo de Michel Temer, a R$ 60 bilhões.

Além das estimativas disparatadas, há mais problema. Parte desse dinheiro seria usada para pagar um acerto de contas do governo com a Petrobras. Quanto? O pessoal do governo Temer não pode revelar o valor. Há chutes em torno de R$ 20 bilhões.

Pelo acordo entre Senado e o pessoal de Bolsonaro, estados e cidades ficariam com 20% do dinheiro desse leilão de petróleo. Na pior das hipóteses dos chutes listados acima, o repasse federal ficaria então perto de uns R$ 8 bilhões.

Há mais problema.

Em 2010, o governo Lula vendeu à Petrobras o direito de explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas do pré-sal (isso teve o nome horrendo de "cessão onerosa"). Como não se sabia de fato quanto petróleo haveria ali, entre outras indefinições, esse contrato seria revisto assim que houvesse informação melhor (para piorar, o contrato da "cessão" tinha buracos).

Deve haver pelo menos mais 6 bilhões de barris naquela área do pré-sal, sabe-se agora. O governo pode leiloar o direito de explorar esse petróleo ("excedentes da cessão onerosa"). É dessa venda que se trata aqui.

A Petrobras acha que tem dinheiro a receber nessa revisão de contrato (teria pago caro demais etc.). União e Petrobras não chegaram a um acordo; o pessoal de Temer teme ser legalmente frito se assinar um contrato que leve o governo a pagar o que a Petrobras quer.

Para haver segurança, as bases de um acordo foram enfiadas em um projeto de lei, o qual permitiria à Petrobras vender áreas que levou na "cessão onerosa" (isso faz parte do programa de abatimento de dívida da petroleira).

Esse projeto estava para ser votado no Senado, que quer uma contrapartida, com apoio do pessoal de Bolsonaro: Temer teria de baixar medida provisória dando parte do dinheiro desse leilão de "excedentes da cessão onerosa" a estados e municípios. Não rolou.

A equipe econômica de Temer se opõe ao repasse a estados e municípios, que criaria outro rombo nas contas federais (a não ser que se inventasse uma gambiarra para contornar leis fiscais).

O Senado pode, claro, mudar a lei, mas sua tramitação demoraria. Com o atraso, dadas as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União), esse leilão gordo de petróleo pode até ficar para 2020; Bolsonaro ficaria sem dinheiro para tapar rombos em 2019, com estados e cidades ainda pedindo dinheiro.