Estados Unidos
Eliane Cantanhêde: Ciclo virtuoso?
Leilão de aeroportos, Bovespa em 100 mil pontos e acerto nos EUA (?) abrem novo ciclo
Foi um alívio quando a visita oficial do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos começou efetivamente ontem, com os principais recados dados e os primeiros atos assinados. E por que o alívio? Porque a prévia da viagem tinha sido assustadora.
O guru Olavo de Carvalho xingou o vice Hamilton Mourão de “idiota”, disse que adora Bolsonaro, mas não tem ideia do que ele pensa, e previu que, “se continuar como está, o governo acaba em seis meses”. Coisa de amigo ou inimigo?
Mas, no dia seguinte, lá estava o autor da múltipla grosseria sendo reverenciado pela comitiva brasileira. Como se Bolsonaro endossasse ou fizesse vista grossa para o ataque ao vice, ele foi ladeado no jantar por Olavo de Carvalho, guru tupiniquim, e Steve Bannon, guru planetário. Ambos, porém, são polêmicos e enfrentam fortes reações, um no Brasil, outro nos EUA.
Olavo não se satisfaz em mirar no vice e usa sua metralhadora giratória (com apoio dos filhos do presidente) inclusive contra os militares, decisivos na eleição e pilar mais sólido do governo. E Bannon, estrategista da campanha de Trump, atribui a si a vitória, bateu de frente com a filha e o genro dele, Ivanka Trump e Jared Kushner, e já foi chamado de “traidor” pelo presidente norte-americano.
Bem, mas a viagem de Bolsonaro começou de verdade ontem, depois desse festival ideológico, e os resultados começaram a aparecer. No Brasil, o Diário Oficial da União, como previsto, dispensou de visto não apenas turistas, empresários, artistas e desportistas americanos, mas também japoneses, australianos e canadenses, por um período de 90 dias, prorrogáveis por mais 90. Nos EUA, os dois lados assinaram o acordo para uso comercial da Base de Alcântara, bom para eles, bom para nós, e discutido por 20 anos.
Tanto a dispensa unilateral de vistos quanto o lançamento de satélites americanos a partir de Alcântara já foram rechaçados pela diplomacia e pelas Forças Armadas no Brasil, com base no mesmo princípio: a defesa da soberania nacional. Os tempos, porém, são outros e ambas as decisões estão sendo facilmente assimiláveis.
Apesar da enorme resistência do Itamaraty à inexistência de reciprocidade na concessão de vistos – a dispensa daqui corresponderia à dispensa lá –, o embaixador aposentado Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Collor de Mello, defende a medida e até a abertura unilateral do comércio.
“Ambas as iniciativas merecem ser respeitadas e mesmo aplaudidas, pois irão trazer bons benefícios para nosso país.” No caso dos vistos, acrescenta: “Trazer mais turistas para o Brasil não significa só trazer relevantes ganhos em moeda forte em favor do consumo e da nossa balança em conta-corrente, mas também para futuros investidores”. Uma coisa puxa a outra.
Quanto ao uso da Base de Alcântara, os termos do Acordo de Salvaguardas foram longamente discutidos, sofreram incontáveis mudanças e são considerados positivos tanto para os EUA quanto para o Brasil.
Nos discursos de ontem, Bolsonaro e Paulo Guedes criticaram os anos de esquerda no Brasil e fizeram a pregação da abertura da economia, das privatizações, do pragmatismo, do fim dos entraves para investimentos e negócios. Tudo que os investidores querem ouvir.
Bolsonaro acertando o tom nos EUA, o sucesso do leilão de aeroportos (desenhado no governo Temer) e a Bovespa batendo nos 100 mil pontos abrem um novo ciclo virtuoso, com efeito, inclusive, na aprovação da reforma da Previdência.
Se for assim, o tal guru, o besteirol dos filhos, as chantagens de evangélicos e as suspeitas sobre as reais intenções dos militares ficam para trás. Mas Bolsonaro precisa querer.
Bernardo Mello Franco: A desconstrução como projeto
Gestos de Bolsonaro em Washington sugerem atitude de subserviência, não de parceria. O presidente exaltou Trump e se derramou ao falar dos EUA: ‘país maravilhoso’
Em 1964, o militar Juracy Magalhães foi nomeado embaixador em Washington e cunhou uma frase famosa: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. A máxima da ditadura voltou à moda em Brasília. Agora foi levada a Washington por Jair Bolsonaro.
Ontem o presidente se desmanchou em elogios aos anfitriões. “Hoje os senhores têm um presidente que é amigo dos Estados Unidos, que admira este país maravilhoso”, disse. Ele estendeu as juras de amor a Donald Trump. “Queremos um Brasil grande, assim como Trump quer uma América grande”.
O ministro Paulo Guedes acrescentou um testemunho pessoal. “O presidente ama os americanos, eu também. Adoro jeans, Coca-Cola, Disneylândia”, festejou. Faltou citar o Pateta, que parece inspirar uma ala expressiva do novo governo.
A bajulação não se limitou aos discursos. O Planalto aceitou abrir a Base de Alcântara, antigo sonho de consumo dos EUA. Mais cedo, liberou os turistas americanos da exigência de visto. O Brasil abriu mão da reciprocidade, um princípio básico da diplomacia.
Dois dias antes, o deputado Eduardo Bolsonaro se referiu aos brasileiros que vivem nos EUA sem visto de permanência como “vergonha nossa”. Ao ofender os imigrantes, usava um boné que reproduz, em versão tupiniquim, o slogan eleitoral de Trump.
O país pode e deve reforçar laços com os EUA, mas os gestos de Bolsonaro sugerem uma atitude de subserviência, não de parceria. “É preciso ter foco no interesse nacional, não no de outros países”, criticou Geraldo Alckmin, um tucano insuspeito de esquerdismo.
Em Washington, o presidente voltou a mostrar que a ideologia fala mais alto que o pragmatismo em sua política externa. “Nosso Brasil caminhava para o socialismo, para o comunismo”, delirou, no jantar de domingo.
Ele propôs um brinde a Olavo de Carvalho, ideólogo da ultradireita nativa, e ofereceu uma síntese de seu projeto. “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, afirmou. A oposição não conseguiria resumir melhor.
El País: O ‘Trump dos trópicos’ passeia pela cidade do ‘Bolsonaro norte-americano’
Um jantar com Steve Bannon e polêmica visita à CIA marcam a primeira parte da viagem do brasileiro a Washington. "O povo da Venezuela precisa ser libertado", diz mandatário
Jair Bolsonaro chegou aos Estados Unidos exultante. “Pela primeira vez em muito tempo, um presidente brasileiro que não é antiamericano chega a Washington. É o começo de uma aliança pela liberdade e prosperidade”, escreveu em sua conta do Twitter no domingo, assim que aterrissou no que parece seu novo paraíso na terra. Um jantar com Steve Bannon, guru da ultradireita e estrategista de Donald Trump, e uma polêmica visita ao quartel-general da Agência Central de Inteligência (CIA) foram os principais assuntos de suas primeira horas de visita oficial, que terá seu ponto alto na terça-feira na Casa Branca com seu admirado presidente norte-americano.
Bolsonaro, quando ganhou, começou a ser chamado na imprensa estrangeira de “Trump dos trópicos”. Na sexta-feira, em uma entrevista na Globonews, John Bolton, chefe de Segurança Nacional, pareceu gostar da comparação com seu chefe e respondeu: “Acho que aqui chamaremos Trump de o Bolsonaro da América do Norte”. A vitória do presidente brasileiro, baseada em uma mensagem eleitoral nacional-populista, significou a abertura de uma nova era na relação entre os dois países após anos de esfriamento. E o passeio de Bolsonaro por Langley (Virgínia), famosa sede da CIA, significou nessa segunda-feira uma prova muito poderosa.
Chamada pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do mandatário, de “uma das agências de inteligência mais respeitadas do mundo”, o encontro pretendia abordar “assuntos da região”. O compromisso não constava da agenda oficial de Bolsonaro. Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores com Lula, disse à agência Associated Press que nenhum presidente brasileiro jamais “havia visitado a CIA”, o que considerou uma “posição de submissão explícita sem comparação”. Os vazamentos de Edward Snowden revelaram em 2013 que os serviços de inteligência norte-americanos gravaram conversas da presidenta à época, Dilma Rousseff.
No domingo Bolsonaro jantou com um grupo que incluía Bannon e o escritor Olavo de Carvalho, radicado nos EUA. No vídeo divulgado por seu filho sobre o encontro, Bolsonaro disse aos convidados: “Eu sempre sonhei libertar o Brasil da nefasta ideologia de esquerda”. Na tarde de segunda-feira, em uma conferência na Câmara de Comércio dos EUA, repetiria o discurso e citaria as aproximações que via entre o Brasil e os EUA de Trump. “A grande transformação do Brasil vem pelas mãos de Deus", disse ele, atribuindo a um milagre o fato de estar vivo após o atentado a faca que sofreu em setembro. "E depois, o outro milagre, por ocasião das eleições, em que povo brasileiro, muito parecido com o povo americano, povo conservador, temente a Deus e portanto cristão, que não aceitava mais lá o crescimento da esquerda.”
O encontro com empresários e a comitiva ministerial brasileira foi uma ocasião para fazer campanha pelas reformas econômicas do país e encorajar investimentos. Para além da fanfarronice, a agenda econômica é um dos objetivos mais desejados da visita e coube ao ministro da Economia, Paulo Guedes, fazer a exposição mais longa, acenando com sua agenda liberal e uma ainda incerta aprovação no Congresso da reforma da Previdência. "Bolsonaro tem colhões para segurar o gasto público (no Brasil)", prometeu Guedes, que também cobrou que os EUA se abram à economia brasileira e apoiem a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Apoio "bélico" para libertar a Venezuela
Após discurso, Bolsonaro faz transmissão ao vivo ao lado do filho e volta a prometer reforma da Previdência para os militares.
Mas se alguma coisa demonstrou o breve romance que o presidente dos EUA manteve com seu homólogo francês, Emmanuel Macron, em visita oficial a Washington no ano passado, é que a química pessoal que o ocupante da Casa Branca demonstra em relação a um líder não se traduz necessariamente em acordos. Naquela ocasião, os dois dirigentes estavam diametralmente opostos ideologicamente sobre globalização, cooperação internacional e Meio Ambiente. Nesse caso, Trump e Bolsonaro concordam totalmente em diversas questões, do discurso nacionalista ao negacionismo da mudança climática, além do estilo incendiário através das redes sociais. Mas os acordos não são fáceis.
Os dois presidentes coincidem —junto com mais de meia centena de países— no repúdio ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela e no reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino, mas os norte-americanos colocam sobre a mesa a possibilidade de uma intervenção militar e os brasileiros preferem deixá-lo fora do palco. O porta-voz da presidência brasileira repetiu, mais uma vez em Washington, que a opção armada estava descartada. Foi logo após o aceno público de Bolsonaro, que elogiou a capacidade "bélica" dos EUA e disse que o povo venezuelano "tem que ser libertado". "Acreditamos e contamos, obviamente, com o apoio norte-americano para que esse objetivo seja alcançado", disse na Câmara de comércio.
Como sinalizado por Guedes, o Brasil também gostaria de assinar um pacto comercial vantajoso com Washington, o que não é fácil na era das guerras comerciais de Trump. Parece mais próximo um entendimento em matéria de investimento militar. Um acordo concreto foi assinado nesta segunda: o do uso da base militar de Alcântara, no Maranhão, por parte dos EUA, algo que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso brasileiro para começar a valer. Seja como for, e mesmo sem saber o que vai levar para casa nesta terça, o Planalto não deixou dúvidas dos sinais de boa vontade à Casa Branca. Antes do encontro presidencial, o Governo brasileiro decidiu, unilateralmente, dispensar de visto os cidadãos americanos que desejam vir ao país como turistas (os brasileiros seguem precisando de visto). A medida, publicada nesta segunda no Diário Oficial, também beneficia canadenses, australianos e japoneses.
Alon Feuerwerker: Uma característica dos países vizinhos é que eles estarão aí para sempre
É bom um pé atrás quando se ouve falar em “política de Estado e não de governo”. Costuma ser boa rota de fuga para quem, tendo perdido a eleição, ou uma disputa qualquer de poder, precisa ganhar na paz o que não conseguiu na guerra. Acontece no debate sobre a política exterior.
Os formuladores e executores dela levam uma vantagem na discussão: é fraco o argumento de que tem de ser de tal jeito porque há muito tempo vem sendo assim. Como é fraco o argumento de que não pode mudar porque atravessou governos de diferentes orientações.
O ponto é saber se ela atende o interesse nacional. Mas quem define o que é “interesse nacional”? Mesmo coisas supostamente consensuais podem não ser. Por exemplo, manter a América do Sul livre de armas de destruição em massa e da presença militar extra-continental.
Na política exterior bolsonarista, a prioridade regional parece outra: estreitar a relação com os Estados Unidos ao ponto de estabelecer uma aliança, inclusive militar, que se mostre escudo e vacina contra transformações políticas indesejadas aqui e nos demais países do continente.
Há precedente. Durante a Guerra Fria estava vedado ao forte Partido Comunista Italiano participar do governo, também porque o país era membro da Otan, a aliança militar ocidental criada para confrontar a URSS. Mesmo com o papel decisivo do PCI na resistência ao nazi-fascismo.
As tentativas de resumir a atual política externa a aspectos puramente “ideológicos” parece insuficiente. Num exercício de especulação, talvez projete o desejo de ingressar numa “Otas”, uma aliança no Atlântico Sul similar à que Washington lidera na parte norte do oceano.
Já houve conversas sobre isso no passado e o Brasil torpedeou.
Seria um gol e tanto para os Estados Unidos, estabeleceria aqui uma área de domínio militar (e portanto político) praticamente indisputável. Sem contar a projeção para a África Ocidental-Meridional. Um “Trampolim da Vitória” como o da Segunda Guerra, mas para o século 21.
O foco da política externa americana é conter a influência econômica da China pelo mundo. Os sinais são abundantes. Deixadas as coisas como estão, os chineses vão ultrapassar e dar tchauzinho logo logo. Então Washington simplesmente não pode deixar como está.
Daí o cerco a empresas chinesas de presença global, as ameaças a quem pensa em estreitar relações econômicas com Pequim, o esforço para derrubar governos que não rezem pela cartilha, mesmo que o método de governar seja igualzinho ao de aliados convenientemente deixados em paz.
Um presidente americano disse no século passado que para onde pendesse o Brasil penderia a América do Sul. Na época houve chiadeira, mas a experiência mostra que tinha algum fundamento. Ele só não explicou se a tendência viria na paz ou precisaria ser imposta no braço.
Outro dia o Alexandre Garcia me contou que perguntou durante a Guerra das Malvinas ao então presidente João Figueiredo por que o Brasil estava com a Argentina contra o Reino Unido. Figueiredo mostrou o mapa. “Está vendo a Argentina? Ela vai estar aqui perto para sempre.” #FicaaDica.
A Europa curtiu a Otan porque havia a URSS. Como os vizinhos brasileiros vão receber uma política que estabelece na prática uma hegemonia total americana coadjuvada pelo Brasil? Essa pergunta tem sua importância porque, afinal, esses vizinhos estarão aí para todo o sempre.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
El País: Processos contra a Vale nos EUA podem agravar situação judicial da empresa no Brasil
Ao menos nove ações coletivas foram protocolados contra a mineradora nos Estados Unidos por acionistas. Uma vitória lá fora pode fortalecer ações contra a companhia no Brasil
A Vale S.A., mineradora responsável pela barragem que rompeu e causou uma tragédia em Brumadinho —e corresponsável pela de Mariana em 2015— irá enfrentar uma série de processos movidos contra a empresa nos Estados Unidos. O EL PAÍS teve acesso a três petições de ações coletivas movidas por escritórios de advocacia dos EUA nas quais a Vale é acusada de ter mentido em relatórios enviados à Security Exchange Comission (SEC), órgão do Governo americano que regula as relações entre empresas de capital aberto e os investidores. Como consequência, dizem os documentos, os acionistas que compraram papéis da mineradora nos EUA perderam dinheiro com a queda das ações após o rompimento da barragem. O valor a ser cobrado da Vale ainda não foi revelado. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, ao menos nove ações do tipo já foram protocoladas na Justiça americana. A expectativa é que uma vitória lá fora possa fortalecer ações contra a companhia no Brasil.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, e Luciano Siani Pires, diretor-executivo de finanças e relações com o investidor da empresa, também são alvos. De acordo com as ações, ambos participavam “diretamente” na gestão da mineradora, e estão “direta ou indiretamente envolvidos em elaborar, produzir, revisar e/ou disseminar declarações e informações falsas e enganosas”. A ação movida pelo escritório Rosen Law Firm, com sede em Nova York, embasa sua petição com afirmações supostamente enganosas contidas em documentos de prestação de contas oferecidos pela Vale à SEC.
Um deles é o formulário 20F, apresentado ao órgão regulador em 2017. De acordo com o documento, a Vale afirmava “monitorar e inspecionar barragens (...) de acordo com a legislação em vigor no Brasil”. Isso incluiria auditorias externas de estabilidade da estrutura duas vezes ao ano, revisões de segurança e plano de treinamento para emergências. No outro formulário, de número 6K, de 30 de maio de 2018, a empresa detalhava como inspecionava as barragens. A petição contra a Vale afirma que as declarações prestadas nos documentos acima “são materialmente falsas ou enganosas, e falharam em revelar fatos adversos pertinentes à operação da Vale”.
A acusação de que a Vale mentiu ou omitiu informações nos documentos apresentados ganha força à medida em que as investigações avançam no Brasil. A Polícia Federal teve acesso a e-mails trocados entre funcionários da mineradora e da Tüv Süd, empresa de consultoria alemã. Nas mensagens fica claro que a Vale sabia que sensores da barragem estavam com defeito. Um engenheiro da companhia alemã confirmou os problemas em depoimento à PF, e disse ter sido pressionado pela mineradora a assinar o laudo de estabilidade da barragem.
Para os advogados responsáveis pela ação, “a Vale falhou em analisar o risco de dano potencial de um rompimento na barragem de Feijão”. Além disso, “os programas para mitigar danos de saúde e segurança foram inadequados, e consequentemente dezenas de pessoas morreram e centenas estão desaparecidas” —o último balanço das operações de resgate em Brumadinhoconfirmou 157 mortes e 182 pessoas desaparecidas. Outra consequência da tragédia, diz a petição, “foi a queda no valor de mercado das ações da companhia, que levaram a perdas significativas para os signatários desta ação coletiva”. Outras bancas de advogados como a The Schall Law Firm e o Bronstein, Gewirtz & Grossman também entraram com ações semelhantes.
“Não é uma jurisprudência automática, ganhou lá ganhará aqui, mas é um argumento fortíssimo”, explica o advogado Mario Nogueira
A jurisprudência dos EUA tende a ser favorável a este tipo de ação. “O sistema americano, com relação à responsabilização é bem mais duro do que o brasileiro”, afirma Mario Nogueira, sócio do NHMF advogados. “E Nova York é a capital financeira do mundo, junto com Londres. Então estes locais têm um especial cuidado com esses casos, porque se os tribunais não acolherem este tipo de ação, isso pode afastar investidores”, afirma, referindo-se à cidade onde as ações foram protocoladas. De acordo com Nogueira, estes processos têm força para afetar ainda mais o balanço da Vale. “As indenizações americanas não são modestas, é comum ver ações risíveis saindo com valores enormes”, diz.
Uma derrota lá daria força para os eventuais processos que serão movidos contra a Vale no Brasil. “O sistema brasileiro é diferente, temos conceitos legais diferentes, mas é claro que uma condenação lá fora pode ser apresentada para um juiz aqui. Não é uma jurisprudência automática, ganhou lá ganhará aqui, mas é um argumento fortíssimo”, completa o advogado.
Na Bolsa de Nova York os papéis da Vale despencaram após a tragédia de Brumadinho. Além disso a mineradora teve bloqueado mais de um bilhão de dólares pela Justiça brasileira. No dia 28 de janeiro, três dias após o rompimento da barragem, as ações da empresa chegaram a cair 24% no ibovespa, uma perda de cerca de 70 bilhões de reais do valor acionário.
A Vale não será a primeira grande empresa sediada no Brasil a enfrentar grandes processos nos Estados Unidos. Em janeiro de 2018 a Petrobras fechou um acordo no qual se comprometia a pagar quase 3 bilhões de dólares para encerrar uma ação coletiva movida por acionistas no país após as perdas decorrentes do escândalo da Lava Jato. Para o analista Rafael Passos, da Guide Investimentos, os danos de médio longo prazo para a Vale dependerão do valor das ações movidas contra ela. “O caso da Petrobras foi bem significativo. Mas se vier um número menos relevante, ela mantém fôlego financeiro”, afirma. Ele destaca ainda os danos colaterais para a saúde financeira da empresa, como a provável suspensão de licenças para barragens, o que impacta as operações.
Nesta sexta-feira, 8 de fevereiro, a Vale informou que foi intimada a realizar um depósito judicial no calor de 7,431 bilhões de reais em cumprimento das ordens de bloqueio de recursos, cuja maior parte dos recursos será destinada às vítimas. No mesmo dia, a empresa divulgou uma nota em que afirma que contratou um “painel de peritos, pelo escritório americano Skadden, para avaliar as causas técnicas do rompimento da barragem em Brumadinho”.
A reportagem entrou em contato com a Vale para saber como a empresa avalia os processos de que será alvo nos EUA, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.
Vinicius Torres Freire: Sabrina e a guerra fria de EUA e China
Donos do dinheiro andam nervosos, desde o começo de outubro
Soube-se nesta quinta-feira (6) que o Canadá prendeu uma alta executiva chinesa a pedido dos Estados Unidos. A notícia foi bastante para provocar grandes baixas nas Bolsas. Sim, a história afetou o Brasil também.
Segundo essa teoria, a prisão seria outro indício de degradação das relações sino-americanas, de que a disputa comercial entre os dois países iria de mal a pior, o que elevaria o risco de desaceleração econômica nos países mais relevantes, EUA e China inclusive.
No meio para o fim da tarde, essa bola de neve derreteu. Reportagem do Wall Street Journal contava que a direção do Fed, o banco central dos EUA, cogita esperar para ver como é que ficam preços e atividade econômica antes de prosseguir na campanha de alta das taxas de juros, em 2019.
O preço das ações subiu. Também aqui no Brasil, a Bovespa recuperou quase todas as perdas feias do dia; o dólar passou a cair. Se os juros subirem menos nos EUA, melhor também para as nossas taxas.
Esses paniquitos do mercado e suas explicações têm algo de ridículo e a racionalidade gelatinosa da finança. Mas os donos do dinheiro andam nervosos, desde o começo de outubro.
Sim, a guerra de Donald Trump contra o comércio mundial é uma estupidez daninha. A economia americana dá um ou outro sinal de desacelerar, mas não há indício razoável de recessão. Episódios aparentemente menores como a prisão da executiva por vezes são uma gota d'água. De qualquer modo, por um lado, as reações do mercado parecem exageradas. Por outro, os surtos que já duram dois meses são inquietantes.
O episódio da prisão, enfim, foi menor?
A executiva presa não é peixe pequeno. É Meng Wanzhou, conhecida como Sabrina ou Kate no Ocidente, diretora financeira, vice-presidente do conselho da Huawei e filha do fundador da empresa, muito ligado ao Exército e ao governo da China. "Sabrina" teria sido presa porque comanda negócios que violam as sanções americanas contra o Irã.
A Huawei é a maior do mundo no ramo de equipamentos de infraestrutura de telecomunicações, para redes de 5G, por exemplo, e a segunda maior fabricante mundial de celulares, depois da Samsung.
Já faz telefones com processadores tão avançados quanto os da Apple. Fatura mais de US$ 92 bilhões por ano (R$ 356 bilhões, uma Petrobras e uma Vale somadas). Seja qual for o motivo, é tida como ameaça pelos americanos.
Desde 2012, pelo menos, parlamentares americanos dizem suspeitar que a Huawei venda equipamentos com aparelhos de espionagem embutidos, além de acusarem a empresa e outras chinesas de roubar tecnologia.
Em agosto, Trump sancionou lei que vai proibir o governo de comprar certos equipamentos da Huawei e de outras chinesas do ramo. A mesma lei, feita com o olho na China, reforça o Comitê de Investimento Estrangeiro, conselho formado por várias agências do governo, responsável por verificar se empresas estrangeiras representam risco para a segurança nacional.
Vários governos e empresas ocidentais, em parte pressionados pelos americanos, passaram a recusar negócios com a Huawei, tais como as firmas que ora instalam redes de 5G, o que já aconteceu no Reino Unido e na Austrália.
Pode não ser motivo de recessão ou outros exageros imediatistas, mas a guerra fria de Trump e, em geral, o desconforto ocidental com o progresso chinês estão bulindo não só com os mercados mas com pactos da ordem econômica do mundo.
El País: Bolsonaro se oferece a Trump como aliado-chave e relança cúpula conservadora latina
Alinhamento com Washington é guinada histórica e começa a se desenhar nesta semana, com visita ao Rio de assessor para a Segurança Nacional da Casa Branca
Por Afonso Benites, do El País
Jair Bolsonaro pretende colocar o Brasil em um alinhamento firme com os Estados Unidos de Donald Trump, uma guinada sem precedentes na história recente das relações bilaterais. Um graduado membro da equipe de transição do presidente eleito, que tem acesso direto ao futuro ministro das Relações Exteriores, o trumpista e antiglobalista Ernesto Araújo, descreve a ambição: há a intenção de se apresentar como o principal aliado de Washington na América do Sul e servir, inclusive, de intermediador entre os países os vizinhos e a Casa Branca.
A aproximação, já sinalizada em trocas amistosas nas redes e telefonemas, tem seu primeiro encontro de peso nesta semana. Na quinta-feira, John Bolton, assessor da Casa Branca para a política externa e de segurança nacional, chega ao Rio de Janeiro para encontrar com Bolsonaro, dias depois de elogiar as afinidades de pensamento entre o mandatário eleito brasileiro e Trump.
Bolton faz uma breve parada no Rio a caminho da reunião do G20, na Argentina, no dia 30 –a equipe de transição ainda analisa se é viável e positivo enviar o futuro ministro Araújo para o encontro das principais forças globais. Ao menos outras três autoridades internacionais de peso que participarão do encontro em Buenos Aires também pediram reunião com Bolsonaro, mas ele, que prefere não sair do país ainda por motivos de saúde, alegou falta de tempo na sua agenda para não recebê-los. Quer se resguardar e mostrar para os norte-americanos que a preferência, agora e no Governo, sempre será deles.
O desejo por uma relação tão íntima com os Estados Unidos pode ser uma tradição na Colômbia, o país que mais recebe ajuda militar norte-americana na região, ou ter referências na Argentina, que nos anos 90 falava de uma "relação carnal" com Washington. Mas, para o Brasil, a segunda maior economia do hemisfério ocidental, com choque de interesses em matéria de comércio e indústria com a potência do norte, a guinada representa toda uma revolução. Não há nada do estilo desde o início da ditadura militar (1964-1985). Por mais que tenha tentado uma aproximação nos últimos dois anos, o frágil Governo Michel Temer jamais chegou nem perto de conseguir tamanha atenção da Casa Branca e marcou diferenças ao, por exemplo, rejeitar a ideia de qualquer intervenção militar na Venezuela.
Já de olho em tantas mudanças, os países vizinhos se apressam em ter o primeiro contato com Bolsonaro e sua equipe, num cenário em que não faltam ruídos. Há dúvidas se o núcleo mais "trumpista" em torno do futuro chanceler e do filho de Bolsonaro, Eduardo, terá a maior preponderância ante vozes que se apresentam como mais moderadas e até críticas da retórica do eleito, como o vice Hamilton Mourão. Já estiveram em reuniões com a equipe de transição embaixadores do Chile e do Paraguai, além de representantes do Uruguai, Colômbia, Equador, Argentina e Peru. "Só Bolívia e Venezuela não demonstraram interesse em aproximação, até o momento", afirma um membro do futuro governo. A lista dos interessados não causa surpresas. Exclui a Bolívia do esquerdista Evo Morales que, há 12 anos no poder, tem que agir com cautela por causa dos enormes interesses em jogo: o Brasil é o principal destino de exportação de gás boliviano. O outro é o Governo de Nicolás Maduro, em plena deriva autoritária.
O filho como interlocutor internacional
No desenho dessa interlocução externa, chama atenção o papel que Eduardo Bolsonaro chama para si. Além de ter convencido o pai a se converter ao liberalismo econômico com Paulo Guedes, foi o deputado federal mais votado da história do Brasil que começou a buscar contato com militantes e lideranças conservadoras nos costumes e liberais na economia pelo mundo mesmo antes da escolha do novo chanceler. Foi Eduardo quem fez os primeiros contatos com aliados e representantes do presidente americano, Donald Trump. Em agosto, esteve com Steve Bannon, um radical de direita, ex-assistente de Trump e líder do The Movement, grupo que promove populismo de direita e nacionalismo econômico pelo mundo.
BRASILPARAGUAI
Recebendo a visita de Félix Ugarte, filho do Presidente do Paraguai @MaritoAbdo . A cooperação na fronteira certamente será um norte nessa relação internacional.
Em contrapartida, recebeu uma sinalização de que John Bolton estava disposto a se reunir com seu pai. O próximo fato que o o grupo sonha em comemorar é a presença de Trump na posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro. Na equipe de transição dizem haver indicações positivas para a participação do norte-americano no evento – o que seria inédito. Um mandatário que teria confirmado presença é o ultradireitista Viktor Orbán, o xenófobo primeiro ministro da Hungria. Nesta semana, em uma ligação telefônica, ele disse a Bolsonaro que pretende "ser um grande parceiro do Brasil".
Antes mesmo da posse, o primeiro teste para saber o tamanho da influência que a gestão Bolsonaro na região será em dia 8 de dezembro. Nessa data, ocorrerá a Cúpula Conservadora das Américas, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, promovida pelos Bolsonaro - a primeira chamada do evento, em julho, acabou cancelada. Entre os seus participantes estão um filósofo cubano exilado nos Estados Unidos, um senador paraguaio que foi sequestrado pela facção criminosa Exército do Povo Paraguaio, um militar colombiano que comandou a luta contra as Forçar Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Está ainda na lista o ex-candidato presidencial de extrema direita no Chile, José Antonio Kast, que surpreendeu ao ficar em quarto lugar na eleição deste ano. “O Brasil sempre teve influência na região. Talvez tenha algum reflexo nos outros países agora também”, ponderou o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília.
Tudo ainda está na zona de testes, para os especialistas. Enquanto Bolsonaro tenta imitar Trump em ao menos duas frentes - diminuir a influência econômica da China e intensificar o relacionamento com Israel, ao transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém - ainda pairam dúvidas sobre a execução das medidas até o fim. O mesmo vale para as sinalizações de que a gestão brasileira poderia enfraquecer o Mercosul e se retirar de alguns dos acordos internacionais. Leonardo Barreto, da consultoria Factual, acredita que o futuro governo irá se deparar com algumas barreiras como a impossibilidade de se desvencilhar da China ou do Mercosul, a dificuldade em manter relações com países árabes caso privilegie sempre Israel. “Sozinho o Brasil não se senta em muitas mesas”, alerta. Os primeiros meses de 2019 mostrarão a diferença do discurso para a prática.
Arnaldo Jordy: Brasileiros na fronteira
Os brasileiros ficaram chocados nas últimas semanas com as imagens de crianças aprisionadas em abrigos nos Estados Unidos, detrás de grades, muitas delas chorando, amedrontadas porque haviam sido separadas dos seus pais, levados para outras prisões distantes, em um desespero que lembrava um campo de concentração. Entre elas, hoje se sabe que há 51 crianças brasileiras, ainda sem perspectiva de rever os pais ou outros parentes.
Esse foi o resultado imediato do endurecimento da política de imigração dos Estados Unidos, uma promessa de campanha do presidente Donald Trump, que elegeu os ilegais como inimigos preferenciais. O crime dos país dessas crianças foi sair em busca de uma vida melhor em outro país. Trump é o porta-voz de uma tendência isolacionista e nacionalista, na contramão do sentimento de colaboração entre as nações surgido após a Segunda Guerra Mundial e que levou ao surgimento das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Trump acirra o protecionismo no comércio exterior dos Estados Unidos e provoca instabilidade na economia global. Na questão migratória, elegeu-se com a promessa de construir um muro para separar os Estados Unidos do México, como se fosse possível, em um mundo globalizado, isolar um país e impedir a livre circulação de pessoas. Os Estados Unidos, por ter a economia mais forte e ser a principal potencial militar, é favorecido pela economia globalizada. Isso, no entanto, precisa ser mediado para que o aspecto humano seja considerado, até que, num futuro próximo, a figura do estrangeiro não mais exista e ninguém seja diminuído pelo local de nascimento.
Esta semana, encaminhei requerimento ao Itamaraty para que o governo brasileiro solicitasse informações sobre a situação das crianças brasileiras aprisionadas na fronteira com os Estados Unidos, inclusive sobre um jovem de 17 anos que poderá ser transferido para o sistema penal daquele país. É lamentável, no entanto, que ao receber a visita do vice-presidente dos Estados Unidos, esta semana, o governo brasileiro tenha sido bem pouco incisivo na cobrança de uma solução para a situação dos brasileiros, enquanto Mike Pence, muito à vontade, dirigia palavras duras aos países latino-americanos, no que muitos viram uma indelicadeza diplomática, ainda mais em um país formado por imigrantes de todas as partes do mundo, como é o Brasil, que recebeu tantas contribuições étnicas em sua formação e que deve cultivar a tolerância.
A fronteira dos Estados Unidos com o México é só uma das frentes de uma grande crise migratória que atinge o mundo e que também leva milhares de pessoas à Europa e ameaça implodir a União Europeia, já que os países têm visões diferentes sobre permitir ou proibir a entrada de fugitivos da fome e da guerra vindos da África e do Oriente Médio. Dependendo da posição política dos governos europeus, os imigrantes são aceitos ou descartados.
A crise migratória está em todos os continentes, incluindo a América do Sul, onde milhares de migrantes vindos da Venezuela, sobretudo indígenas, fugindo da pobreza e da crise econômica naquele país, cruzam as fronteiras brasileiras e chegam também a Belém. Em nome do sentimento de humanidade, não podemos descartar essas pessoas, mas apoiá-las para que consigam sobreviver e retornar ao seu país com seus direitos fundamentais e sociais minimamente respeitados.
Toda essa crise migratória é, também, decorrente de uma ordem econômica internacional injusta, na qual alguns são extremamente bem aquinhoados, enquanto outros estão na miséria. Os Estados Unidos tem responsabilidade por esse quadro de desigualdade que gera o fluxo migratório que se vê hoje. Esses fatores tornam o momento atual crucial para a humanidade, que precisará decidir se adota uma política de solidariedade global para resolver a crise, ou se irá se isolar dentro de suas fronteiras para tentar evitar uma contaminação que é inevitável. Vivemos todos no mesmo planeta e devemos torná-lo o melhor lugar possível. Os países precisam pensar em uma nova ordem econômica na qual os mercados financeiros não sejam os únicos atores principais.
*Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA
El País: Coreias concordam em avançar para a “completa desnuclearização” da península
Encontro desta sexta-feira foi o primeiro entre dois líderes coreanos em 11 anos e servirá para preparar a reunião entre Kim Jong-un e o presidente dos EUA, Donald Trump
Os líderes das duas Coreias, Kim Jong-un (Norte) e Moon Jae-in (Sul), concordaram nesta sexta-feira, dia 27, em buscar “a completa desnuclearização” da península coreana durante a cúpula histórica realizada na fronteira entre os dois países. “O sul e o norte confirmaram seu objetivo comum de alcançar uma península livre de armas nucleares por meio da desnuclearização completa”, diz o comunicado assinado pelos dois líderes no final das negociações.
Os líderes dos dois países se reuniram em uma cúpula histórica na Casa da Paz do Sul, na zona desmilitarizada que separa os dois países tecnicamente em guerra. “Uma nova História começa a partir de agora. No momento em que começa uma era de paz”, escreveu Kim Jong-un, o líder supremo norte-coreano, no livro de honra. As portas do pavilhão Panmunjak foram abertas às 9h28 (21h28 hora de Brasília) para o líder norte-coreano, que chegou vestindo um terno risca de giz. Com rosto sério e acompanhado de uma grande comitiva de funcionários e guarda-costas, Kim desceu a escada que leva à linha de demarcação militar, o marco de cimento que separa as duas Coreias na Área de Segurança Conjunta. Lá, entre as cabines azuis reservadas para conversas militares, e do outro lado da fronteira, Moon esperava por ele. Imediatamente, os rostos tensos se transformaram em sorrisos.
Os dois líderes – o jovem autocrata de 34 anos e o ex-advogado de direitos humanos de 65 – trocaram algumas palavras e um longo e forte aperto de mãos. Kim atravessou a marca de cimento para se tornar o primeiro líder norte-coreano a pisar no solo do sul. A imagem dos dois líderes caminhando e conversando juntos em uma ponte tem muita força dentro do imaginário coreano, onde a cena é interpretada como um momento de transição em que um passado marcado pela divisão é deixado para trás e se avança em direção a um futuro compartilhado.
Depois da assinatura do livro de honra, as conversas começaram, em um ambiente descontraído, quase casual. Moon manifestou a esperança de visitar Pyongyang “em breve”; e Kim, a de ter reuniões frequentes. O líder norte-coreano recebeu com surpresa a notícia de que sua irmã, Kim Yo-jong, se tornou uma celebridade deste lado da fronteira após sua visita durante os Jogos Olímpicos em fevereiro. Ela, que estava na delegação norte-coreana, corou, segundo o porta-voz da Coreia do Sul, Yoon Young-chan.
Donald J. Trump
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@realDonaldTrump
2h
Is everybody believing what is going on. James Comey can’t define what a leak is. He illegally leaked CLASSIFIED INFORMATION but doesn’t understand what he did or how serious it is. He lied all over the place to cover it up. He’s either very sick or very dumb. Remember sailor!
Donald J. Trump
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@realDonaldTrump
KOREAN WAR TO END! The United States, and all of its GREAT people, should be very proud of what is now taking place in Korea!
7:55 - 27 abr. 2018
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Kim e Moon falaram sobre um possível acordo permanente de paz que encerraria a guerra (1950-1953) que os dois países ainda mantêm tecnicamente; sobre formas de melhorar as relações bilaterais e, principalmente, sobre os passos para a desnuclearização da Coreia do Norte.
A cúpula, a terceira da história entre dois líderes coreanos e a primeira em 11 anos, servirá para preparar a reunião prevista para maio ou junho entre Kim Jong-un e o presidente dos EUA, Donald Trump. Poucos analistas acreditam que o líder norte-coreano concordará em abandonar completamente um programa nuclear que considera uma garantia de sobrevivência de seu regime e de seu país.
Trump tuitou nesta sexta-feira, após o encontro entre os dois líderes, que “a guerra da Coreia chega ao fim”. “Os Estados Unidos e seu povo maravilhoso deveriam estar muito orgulhosos do que está acontecendo agora na Coreia”, escreveu ele em um tuíte. “Depois de anos furiosos de testes nucleares, está acontecendo uma reunião histórica entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, coisas boas estão acontecendo, mas só o tempo dirá”, disse ele em outra mensagem na rede social.
Míriam Leitão: Por conta própria
Um em cada quatro brasileiros que está trabalhando inventou seu próprio emprego e está na categoria “trabalhador por conta própria”. É a principal causa da leve queda da taxa de desemprego divulgada ontem. Há uma melhora da economia que se vê em vários indicadores, mas o número de desempregados é absurdo. Nos EUA, Trump tem comemorado a queda do desemprego, um feito do governo Obama.
O presidente Donald Trump, no discurso que faz anualmente no Congresso, o Estado da União, prometeu, na noite de terça-feira, mais crescimento e disse que será decorrência do corte de impostos sobre empresas. Quando Obama assumiu, o desemprego estava em disparada e se aproximava de 11%. Ele recuperou a economia do caos financeiro da crise de 2008 e entregou o país crescendo, com desemprego em queda. Mesmo assim, seu partido perdeu a eleição. Hoje, o desemprego americano está abaixo de 5%. Trump tem surfado nessa onda e a apresenta como sua. O corte de impostos ainda nem teve tempo de produzir efeitos.
No Brasil, tudo tem outra escala. O desemprego caiu pela primeira vez, desde 2014, na comparação com o mesmo período do ano anterior, mas ligeiramente: de 12% para 11,8%. Na média de um ano contra outro, a taxa ficou maior. E olhando-se os números, o que tem puxado a melhora é o trabalhador por conta própria. Um milhão e cem mil brasileiros entraram nesse grupo quando se compara o último trimestre de 2017 contra o mesmo trimestre de 2016. Nessa categoria está desde a pessoa que realiza o sonho do empreendedorismo até aquela que “se virou” diante do ambiente inóspito da destruição de postos de trabalho.
Após a devastação da crise econômica, que se prolonga por três anos, quem poderá crescer na intenção de votos com o alívio modesto que aconteceu ou com a promessa de prosperidade? Que o ambiente melhorou não há dúvida para quem olha os números, mas percepção é diferente de estatística. Na Nota de Crédito do Banco Central veio a informação de que aumentou a oferta de empréstimo para as famílias. Os resultados fiscais mostraram subida da arrecadação. Mas quem pode comemorar isso, ou mesmo sentir, diante de tantas dificuldades diárias da prolongada crise, do bombardeio das más notícias sobre as negociatas em que os políticos se envolveram? Ontem, a 7ª Vara Federal aceitou mais uma denúncia contra o ex-governador Sérgio Cabral. Já são tantas que o país perdeu a conta.
A demanda dos eleitores está ainda difusa, mas certamente os brasileiros vão querer mais segurança, mais emprego, melhores serviços públicos. A pesquisa do Datafolha mostrou que o ex-presidente Lula permanece na frente nos cenários em que aparece, com perto de um terço das intenções, e que o segundo é o deputado Jair Bolsonaro. O primeiro está longe da urna, depois da condenação. O segundo não melhora além da margem de erro no cenário sem Lula. O que cresce é o grupo dos nulos, em branco ou não sabe, que chega a um terço das intenções. A campanha não começou e tudo o que os dados mostram é a confusão. Para fazer a pesquisa, foi preciso ter nove cenários para apresentar aos entrevistados. Fica também claro que há uma avenida para ser ocupada por pessoa que traga esperança para além da polarização raivosa.
Há economistas prevendo que o país pode ter um ciclo longo de crescimento se resolver o nó fiscal que tem pela frente, e que o horizonte da solução começará a aparecer se a reforma da Previdência for aprovada. O debate “E agora, Brasil?”, publicado hoje no jornal, mostra esse pensamento. E os números indicam a importância do tema para a definição do futuro. Um dos vários dados impressionantes exibidos pelo economista José Márcio Camargo é o de que Brasil gastou em 15 anos, com o pagamento das aposentadorias do servidores públicos federais, R$ 1,2 trilhão. Isso é 50% mais do que gastou com educação no período. É dramático, mas a maioria dos candidatos vai tentar fugir de assuntos áridos como a Previdência.
A tantos meses das eleições, qualquer previsão é porosa. Esta é a eleição mais incerta da história recente. No Brasil real, as pessoas inventam seu próprio emprego e buscam soluções diárias para os problemas que o governo — ou a falta de — cria para o país. O brasileiro continua vivendo por conta própria.
Everardo Maciel: Realismo e prudência
Os efeitos da reforma tributária de Trump, recém-aprovada pelo Congresso americano, ainda não estão claros, inclusive sobre a saúde fiscal dos EUA. Sua concepção contrariou a bem urdida proposta do seu próprio partido, o Republicano, e constitui uma complexa redução na tributação das pessoas jurídicas e físicas, com efeitos diferenciados por tipo de negócio.
O aspecto mais visível da reforma foi a redução, na alíquota do IRPJ, de 35% para 21%. Esse fato estimulou, imediatamente, especulações no Brasil quanto à necessidade de acompanhar a iniciativa americana, sob pena de perdermos competitividade fiscal, malgrado se saiba que estamos enfrentando um colossal déficit fiscal, que, se não mitigado, afugentará investimentos. A competição fiscal é tão antiga quanto a história dos impostos e somente se torna predatória quando afronta leis internas ou convenções internacionais.
No âmbito internacional, é difícil prevenir a competição nociva, porque inexiste uma convenção multilateral para fixar os limites da competição e um organismo capaz de impor sanções aos países infratores. É longeva a predação perpetrada pelos paraísos fiscais, que abrigam múltiplas espécies de crime, como sonegação, corrupção, atividades financeiras associadas ao terrorismo e ao tráfico de armas e drogas, etc.
Mas reduções nas alíquotas do IRPJ devem ser vistas com cautela. Uma alíquota nominal, ainda que óbvio, não determina o imposto devido, o que conta é a efetiva, que inclui a base de cálculo.
Em 1995, as alíquotas do IRPJ, no Brasil, foram reduzidas: a máxima, de 42% para 25%; a mínima, de 25% para 15%. A arrecadação, contudo, cresceu consistentemente, conforme atestam os dados da Receita. Foram muitas as razões. A mais destacada delas foi a eliminação da dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, mais perverso instrumento de concentração de renda, pela via tributária, já concebido no País. Em 1992, por exemplo, com inflação muito alta, o recolhimento do IRPJ das grandes empresas foi pífio.
A arrecadação cresceu porque a redução da alíquota nominal foi compensada por um grande aumento na base de cálculo, ainda que mitigado pela introdução dos juros remuneratórios do capital próprio, isenção na distribuição dos resultados, aumento dos limites de opção pelo lucro presumido, etc.
De qualquer forma, é certo que a reforma de Trump vai produzir mudanças na competição fiscal internacional. Mas é preciso tempo para avaliar as repercussões, inclusive em virtude das contramedidas que serão adotadas por outros países. Alguns exemplos: Portugal e Itália já adotaram incentivos para a transferência de domicílio fiscal de não residentes; o Reino Unido e a Argentina fixaram uma trajetória decrescente de alíquotas do IRPJ; ainda que de eficácia incerta, os países da União Europeia deflagraram retaliações aos paraísos fiscais.
O presidente francês, Emmanuel Macron (Valor, 25/1/2018), conquanto tenha extinto o esdrúxulo imposto de solidariedade sobre a fortuna, ponderou que a propensão generalizada à redução de impostos pode ser uma corrida para o fundo do poço. Os investidores estrangeiros buscam, com legitimidade, aplicar seus recursos em países que ofereçam maior segurança, rentabilidade e liquidez, para o que concorre, com relevância, a tributação.
O Brasil dispõe de institutos, como juros remuneratórios do capital próprio e isenção na distribuição de resultados, que podem ser diferenciais na atração de investimentos. Lamentavelmente, temos, em contraste, um iníquo processo tributário e uma parafernália burocrática, que inferniza a vida do contribuinte e estimula a corrupção. Essa é a reforma da vez. No campo tributário, nada mais repele o investidor estrangeiro que a insegurança jurídica, a lerdeza processual e as saúvas burocráticas.
De resto, é acompanhar, com realismo e prudência, a evolução dos fatores que interferem na competição fiscal internacional, não só a alíquota nominal, para agir no momento certo.
* Everardo Maciel é consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
Hubert Alquéres: Admirável mundo novo
Mais uma vez o Brasil é retardatário. Ainda estamos com os dois pés no século 20, tentando responder a uma agenda de reformas necessárias que há tempos deveria ter sido equacionada. A velha polarização esquerda/direita, um anacronismo reduzido à insignificância em países como a França e a Alemanha, ainda dá o tom na política brasileira.
A Europa e os Estados Unidos concentram suas energias na corrida da inovação e em busca de respostas para os desafios de um mundo em intensa transformação. Estão focados na Quarta Revolução Industrial e no mundo novo que virá a partir da disseminação da inteligência artificial e da robótica.
Já as nossas estão voltadas para fazer a reforma de uma previdência estruturada quando estávamos na era da segunda revolução industrial, com p rodução intensiva de mão de obra. Também pensamos reformar o sistema tributário com os olhos focados no retrovisor, sem levar em conta as alterações no modo de produzir e de como a sociedade vai se estruturar com as mudanças advindas da neorevolucao tecnológica.
Certamente, não estamos respondendo como será o sistema tributário da sociedade do “não-trabalho” e qual será o sistema de proteção social para o imenso exército dos sem-trabalho. O desafio, portanto, será bem maior do que o de ter um sistema previdenciário exequível.
Não se pode reagir diante da robótica e da inteligência artificial da mesma maneira da classe operária inglesa descrita por Engels. Nos meados do Século XIX operários destruíam máquinas para impedir a substituição da manufatura por máquinas industriais.
Em todas as eras as revoluções tecnológicas trouxeram enormes benefícios para a humanidade. Não será diferente com a Quarta Revoluç&at ilde;o. Sem dúvida, impactará, e para melhor, em nossas vidas.
Surpreendentemente foi Luciano Huck quem fez uma boa provocação por meio do artigo “Tá Ligado?” publicado recentemente no jornal Folha de S. Paulo. Ali ele dá uma pálida ideia do admirável mundo novo que se anuncia: “sim, os carros serão autônomos muito em breve. Sim, o córtex humano estaráconectado à nuvem. Sim, vamos poder fazer download de nossa memória. Sim, vamos usar minérios vindos do espaço. Sim, você poderá escanear seu corpo em casa, gerando um diagnóstico imediato. Sim, a inteligência artificial é uma realidade e irá engolir o mundo.”
De fato, haverá enormes ganhos para a humanidade. Pela primeira vez está dada ao homem a possibilidade de se livrar do trabalho enfadonho e repetitivo, podendo direcionar sua energia e tempo para a sua realização pessoal.
Nos meados do século XIX, quando a jornada de trabalho era de 12 horas, o escritor e jornalista francês Paul Lafargue escreveu sua obra polêmica “O Direito à Preguiça”. Pois bem, não estão distantes os dias em que o homem poderá usufruir desse direito sem ter a sua sobrevivência ameaçada.
A globalização iniciada nas últimas décadas do século passado retirou centenas milhões de pessoas da linha da pobreza e democratizou o consumo tornando os produtos acessíveis para camadas antes excluídas do mercado de massas. Esse processo se intensificará em escala exponencial com a Quarta Revolução Industrial. A massa de riqueza gerada será suficiente para resolver as crises humanitárias e para financiar um mundo ambientalmente sustentado.
Mas como as revoluções industriais antecedentes, a Revolução 4.0 também terá seus impactos negativos. A robótica e a inteligênc ia artificial substituirão 47% da mão de obra tradicional. O novo desafio é o que fazer com esse exército de deslocados, tanto para dar sentido a suas vidas, como para garantir a sua sobrevivência.
Propostas antes tidas como lunáticas são debatidas no santuário da inovação tecnológica, o Vale do Silício. Mentes arejadas como a de Bill Gates apontam a tributação dos robôs como um dos caminhos para o financiamento da alocação do contingente dos “sem-trabalho”&n bsp;em outras atividades sociais. A ideia da renda mínima universal é experimentada na Finlândia é admitida por políticos antenados como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O grande desafio para as próximas décadas é definir como serão repartidos os benefícios gerados pela robotização e pela intelig ência artificial. Com elas, estarão criadas as condições objetivas não apenas para o homem se livrar do trabalho pesado e repetitivo. Também estarão dadas as condições para a conquista da igualdade, bandeira que a humanidade persegue desde a Revolução Francesa.
Nesse quadro a questão da distribuição da riqueza é o grande objetivo a ser perseguido na primeira metade do século 21, assim como a democracia foi o grande valor que se afirmou ao final do século 20.
Não se trata de um simples retorno ao Estado de Bem-Estar Social, pois isto seria inexequível. Mas de reinventá-lo nas condições da sociedade do conhecimento. Por aí o admirável mundo novo poderá ser o reino da prosperidade, da liberdade e da felicidade.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP)