Estados Unidos

Jantar com supremacista branco aumenta fritura de Trump no Partido Republicano

Thiago Amâncio*, Folha de S. Paulo

Alvo de fritura por setores do Partido Republicano após um resultado abaixo do esperado nas midterms e uma série de investigações que ganham corpo contra ele, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump deu um jeito de subir ele mesmo a temperatura do óleo.

O político recebeu em seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, Nick Fuentes, notório supremacista branco, em um jantar que contou com a presença do rapper Kanye West, ou Ye, como ele se apresenta hoje.

O supremacista branco Nick Fuentes, conhecido por opiniões racistas e antissemitas
O supremacista branco Nick Fuentes, conhecido por opiniões racistas e antissemitas - William Edwards - 9.mai.17/AFP

O encontro se deu dias depois de Trump se apresentar como pré-candidato à Presidência em 2024 e ver crescerem as cobranças pelo desempenho ruim do partido nas eleições de meio de mandato —ele bancou candidatos inexperientes e extremistas, que afastaram eleitores moderados dos republicanos.

Nesse contexto, receber um racista declarado e um rapper envolto em controvérsias de mesmo quilate na semana do Dia de Ação de Graças, um dos feriados mais importantes do país, só aumentou a pressão.

Fuentes, 24, é considerado supremacista branco pelo próprio Departamento de Justiça dos EUA. Ele foi expulso de redes sociais como YouTube e hoje usa seu podcast para propagar abertamente um discurso antissemita e racista —ele nega o Holocausto, por exemplo.

Ele participou da marcha racista "Una a direita", na Virgínia, em 2017, que reuniu supremacistas e neonazistas e terminou com três mortos. Depois que Trump perdeu a eleição para Joe Biden, em 2020, instou apoiadores do republicano a "invadir o Legislativo de todos os estados até 20 de janeiro", data em que o democrata tomou posse, e liderou manifestantes nas imediações do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, em Washington, quando o prédio foi invadido.

Críticos do ex-presidente foram rápidos em subir o tom. "Andar por aí com um supremacista branco antissemita e pró-Putin não é complicado; é indefensável", disse a deputada Liz Cheney, da ala mais anti-Trump do Partido Republicano e que integra o comitê da Câmara que investiga o ataque ao Congresso.

Senadores também se manifestaram, e até um governador, Asa Hutchinson, do Arkansas, criticou o jantar. "Não acho boa ideia um líder que é visto como exemplo pelo país e pelo partido se encontrar com um racista e antissemita declarado", disse ele à rede CNN. "Fique longe disso." Hutchinson, republicano, prepara-se para dar lugar a Sarah Huckabee Sanders, do mesmo partido.

Mesmo aliados próximos fizeram questionamentos, caso de David M. Friedman, advogado do político e ex-embaixador em Israel. "Ao meu amigo Donald Trump: você é melhor do que isso", escreveu ele no Twitter, chamando Fuentes de escória humana, e o encontro, de inaceitável. "Conclamo que você [Trump] rejeite esses vagabundos e relegue-os para a lata de lixo da história, onde pertencem."

Cresce dentro do partido a dúvida quanto à capacidade do ex-presidente de ganhar uma nova eleição, enquanto nomes como o de Ron DeSantis ganham cada vez mais força. O governador reeleito da Flórida, visto como uma espécie de Trump da nova geração, preferiu se manter distante da controvérsia.

Outro pré-candidato, o ex-vice de Trump, Mike Pence, não fez o mesmo. "O presidente errou em dar lugar à mesa a um nacionalista branco, antissemita e negacionista do Holocausto. Ele deve pedir desculpas."

O político até tentou se distanciar e escreveu em rede social que não conhecia Fuentes. "Kanye West me ligou para jantar em Mar-a-Lago. Pouco depois, apareceu de forma inesperada com três amigos, sobre os quais eu não sabia nada", afirmou. "Jantamos na noite de quinta-feira com muitas pessoas no pátio. O jantar foi rápido e desimportante. Depois eles foram para o aeroporto."

A questão aqui é que, além de Fuentes, Ye é acusado de racismo e antissemitismo —e sua aproximação com o ex-presidente também incomoda a ala mais ao centro do partido.

O rapper Ye, com boné com o lema político de Trump, em encontro com o então presidente na Casa Branca, em 2018 - Kevin Lamarque - 11.out.18/Reuters

O rapper se lançou pré-candidato à Presidência na última semana e disse que foi a Mar-a-Lago pedir que Trump seja seu vice —o que, segundo o próprio músico, foi rejeitado de pronto. "Trump começou basicamente a gritar comigo e dizer que eu iria perder. Isso já funcionou com alguém alguma vez na história?", disse ele, em um vídeo publicado no Twitter e depois deletado. "Eu disse: 'Calma, calma, calma, calma, calma, Trump. Você está falando com Ye'."

Os democratas aproveitaram a oportunidade oferecida pelo jantar. Biden, questionado no fim de semana sobre o caso, foi seco: "Vocês não querem ouvir o que eu acho disso". Nesta segunda (28), a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou que "não há lugar para esse tipo de forças vis na sociedade" e que não se manifestar contra o racismo "também é incrivelmente perigoso".

O caso coroa uma nova fase ruim para Trump, que viu voltar ao noticiário uma antiga acusação de agressão sexual. No mesmo dia em que entrou em vigor em Nova York uma lei que permite que vítimas de crimes do tipo processem seus abusadores mesmo que o episódio tenha acontecido há muito tempo, a jornalista E. Jean Carroll abriu uma ação contra Trump por difamação e agressão. O estupro teria ocorrido em 1995, e ela já havia processado o ex-presidente por difamação em 2019. Ele nega as acusações.

*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo


Invasão na Ucrânia com interesse econômicos | Imagem: reprodução/Outras Palavras

A guerra após nove meses, segundo Chomsky

Outras Palavras*

Noam Chomsky em entrevista a C.J. Polychroniou, no Other News | Tradução: Maurício Ayer

A guerra da Rússia na Ucrânia se prolongou por quase nove meses, e agora escala a níveis altamente letais. Putin tem como alvo a infraestrutura de energia da Ucrânia e pôs em pauta repetidamente o fantasma das armas nucleares. Os ucranianos, por outro lado, continuam acreditando que podem derrotar os russos no campo de batalha e até retomar a Crimeia. De fato, a guerra na Ucrânia não tem fim à vista. Como Noam Chomsky aponta nesta entrevista, a escalada do conflito colocou as alternativas diplomáticas ainda mais em segundo plano.

Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT e professor laureado de linguística e catedrático Agnese Nelms Haury no Programa de Meio Ambiente e Justiça Social da Universidade do Arizona. Um dos estudiosos mais citados do mundo e um intelectual público considerado por milhões de pessoas como um patrimônio nacional e internacional, Chomsky publicou mais de 150 livros em linguística, pensamento político e social, economia política, estudos de mídia, política externa dos EUA. Seus livros mais recentes são The Secrets of Words (com Andrea Moro; MIT Press, 2022); A retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a fragilidade do poder dos EUA (com Vijay Prashad; The New Press, 2022); e The Precipice: Neoliberalism, the Pandemic and the Urgent Need for Social Change (com C.J. Polychroniou; Haymarket Books, 2021).

C.J. Polychroniou – Noam, a guerra na Ucrânia se aproxima da marca do nono mês e, em vez de um arrefecimento, caminha para uma “escalada sem controle”. Na verdade, está se tornando uma guerra sem fim, já que a Rússia tem alvejado a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificado seus ataques na região leste do país, enquanto os ucranianos continuam pedindo mais e mais armas do Ocidente, acreditando que têm a capacidade de derrotar a Rússia no campo de batalha. Como as coisas estão na conjuntura atual, a diplomacia pode acabar com a guerra? De fato, como é possível desescalar uma guerra quando o nível de intensidade é tão alto e os lados em confronto parecem incapazes de chegar a uma decisão sobre as questões sobre as quais eles têm conflito? Por exemplo, a Rússia nunca aceitará reverter as fronteiras para a posição que estavam antes de 24 de fevereiro, quando a invasão foi lançada.

Noam Chomsky – Tragédia anunciada. Vamos fazer uma breve retrospectiva do que discutimos ao longo de meses.

Antes da invasão de Putin, havia alternativas baseadas geralmente nos acordos de Minsk, que poderiam ter evitado o crime. Há um debate não resolvido sobre se a Ucrânia aceitou esses acordos. Pelo menos verbalmente, a Rússia parece ter feito isso até pouco antes da invasão. Os EUA os rejeitaram em favor da integração da Ucrânia ao comando militar da OTAN (ou seja, dos EUA), recusando-se também a levar em consideração quaisquer preocupações de segurança russas, conforme já foi admitido. Esses movimentos foram acelerados sob Biden. Poderia a diplomacia ter conseguido evitar a tragédia? Só havia uma maneira de descobrir: tentar. Essa possibilidade foi ignorada.

Putin rejeitou os esforços do presidente francês Macron, até quase o último minuto, de oferecer uma alternativa viável à agressão. Rejeitou-os no final com desprezo – um tiro no pé de si próprio e da Rússia, pois colocou a Europa no bolso de Washington, o que era seu maior sonho. Ao crime de agressão somava-se o crime de tolice, do seu ponto de vista.

As negociações Ucrânia-Rússia ocorreram sob os auspícios da Turquia em março-abril. Falharam. Os EUA e o Reino Unido se opuseram. Devido à falta de investigação, o que é parte do menosprezo geral da diplomacia nos círculos tradicionais, não sabemos até que ponto essa oposição foi um fator para o colapso das negociações.

Washington inicialmente esperava que a Rússia conquistasse a Ucrânia em poucos dias e estava preparando um governo no exílio. Analistas militares ficaram surpresos com a incompetência militar russa, a notável resistência ucraniana e o fato de a Rússia não ter seguido o esperado modelo de guerra dos EUA e Reino Unido (também o modelo seguido por Israel na indefesa Faixa de Gaza): atacar direto na jugular, usando armas convencionais para destruir comunicações, transporte, energia, o que quer que mantenha a sociedade funcionando.

Com a escalada do conflito, as opções de diplomacia diminuíram. No mínimo, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia, barrando assim o caminho para a diplomacia.

Os EUA então tomaram uma decisão fatídica: continuar a guerra para enfraquecer severamente a Rússia, evitando assim as negociações e fazendo uma aposta medonha: que o destino de Putin seria fazer  as malas e escapar da derrota para o esquecimento, se não pior, e que não usaria as armas convencionais que, como todos sabem, ele tinha com capacidade para destruir a Ucrânia.

Se os ucranianos querem arriscar a aposta, isso é problema deles. O papel dos EUA é problema nosso.

Agora Putin avançou para a escalada que fora prevista, “visando a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificando seus ataques na região leste do país”. A escalada de Putin igualando-se ao modelo celebrizado pelos EUA-Reino Unido-Israel foi condenada com razão por sua brutalidade – condenada justamente por aqueles que aceitam os “originais” com pouca ou nenhuma objeção, e cuja aposta medonha deu as bases para essa escalada, tal como foi amplamente advertido. Não haverá responsabilização, embora algumas lições possam ter sido aprendidas.

Enquanto os apelos liberais, mesmo muito moderados, para que se considerasse uma saída diplomática dando apoio total à Ucrânia foram imediatamente submetidos a uma torrente de difamação, e muitas vezes apagados com medo, as vozes do mainstream que clamam por diplomacia foram poupadas desse tratamento, incluindo vozes da principal revista do establishment, a Foreign Affairs. Pode ser que as preocupações a respeito de uma guerra destrutiva, com consequências potencialmente cada vez mais sinistras, estejam chegando aos “falcões” neocons que parecem estar conduzindo a política externa de Biden. É o que parecem indicar algumas de suas declarações recentes.

Muito possivelmente eles também estão ouvindo outras vozes. Enquanto as corporações de energia e militares dos EUA estão rindo à toa, olhando as contas no banco, a Europa está sendo duramente castigada pelo corte de suprimentos russos e pelas sanções iniciadas pelos EUA. Isso é particularmente verdadeiro para o complexo industrial alemão que é a base da economia europeia. Permanece uma questão em aberto se os líderes europeus estarão dispostos a monitorar o declínio econômico da Europa e o aumento da subordinação aos EUA, e se suas populações vão tolerar tais consequências da adesão às demandas dos EUA.

O golpe mais dramático para a economia europeia é a perda do gás russo barato, agora parcialmente substituído por suprimentos americanos muito mais caros (aumentando também a poluição em trânsito e na distribuição). Isso, porém, não é tudo. Os suprimentos russos de minerais desempenham um papel essencial na economia industrial da Europa, incluindo os esforços para mudar para energia renovável.

O futuro do abastecimento de gás para a Europa foi prejudicado severamente – talvez permanentemente – com a sabotagem dos gasodutos Nord Stream que ligam a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. Este é um grande golpe para os dois países. Foi recebido com entusiasmo pelos Estados Unidos, que vinham tentando há anos barrar esse projeto. O secretário de Estado [Antony] Blinken descreveu a destruição dos oleodutos como “uma tremenda oportunidade para remover de uma vez por todas a dependência da energia russa e, assim, tirar das mãos de Vladimir Putin a belicização da energia como meio de avançar em seus desígnios imperiais.”

Os fortes esforços dos EUA para bloquear o Nord Stream precederam em muito a crise na Ucrânia e as atuais narrativas febris sobre os desígnios imperiais de longo prazo de Putin. Eles remontam aos dias em que Bush II olhava nos olhos de Putin e percebia que sua alma era boa.

O presidente Biden informou à Alemanha que se a Rússia invadisse a Ucrânia, “então não haverá mais Nord Stream 2. Vamos colocar um fim nisso”.

Essa sabotagem, um dos eventos mais importantes dos últimos meses, foi rapidamente despachada para a obscuridade. Alemanha, Dinamarca e Suécia conduziram investigações sobre a sabotagem em suas águas próximas, mas mantêm silêncio sobre os resultados. Há um país que certamente tinha capacidade e motivo para destruir os oleodutos. Isso não pode ser mencionado na sociedade polida. Então vamos deixar por isso mesmo.

Ainda há uma oportunidade para o tipo de esforço diplomático que as vozes do establishment estão pedindo? Não podemos ter certeza. Com a escalada do conflito, as opções diplomáticas diminuíram. No mínimo, como mencionado, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia. Uma posição mais forte é a das citadas vozes do establishment: pedem que opções diplomáticas sejam exploradas antes que os horrores se tornem ainda piores, não apenas para a Ucrânia, mas muito além.

As autoridades ucranianas afirmam que têm uma estratégia para retomar a Crimeia porque foi anexada ilegalmente por Moscou em 2014. Anúncios semelhantes foram feitos antes mesmo da invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora nenhum estrategista militar acredite que a Ucrânia esteja em posição de retomar a Crimeia, isso não seria mais uma evidência de que não há um fim à vista para a guerra Rússia-Ucrânia? Não é esta outra razão pela qual as armas ATACMS de longo alcance que a Ucrânia diz precisar não devem ser entregues a eles?

A administração Biden e o Pentágono tiveram o cuidado de limitar o fluxo maciço de armas àqueles tipos que provavelmente não conduziriam a uma guerra OTAN-Rússia, que seria efetivamente terminal para todos. Se esses assuntos delicados podem ser mantidos sob controle, ninguém pode ter certeza. Mais uma razão para tentar acabar com os horrores o mais rápido possível.

A China alertou a Rússia contra ameaças de usar armas nucleares na guerra contra a Ucrânia. Seria esse um sinal de que Pequim pode estar pensando em se distanciar das aventuras militares de Putin na Ucrânia? Em ambos os casos, indica que há limites para a amizade entre China e Rússia, não é?

Há poucas evidências, que eu saiba, de que a China esteja se distanciando da Rússia. Ao contrário, parece que suas relações estão se estreitando em oposição comum ao entrincheiramento de um mundo unipolar dirigido pelos Estados Unidos, sentimentos compartilhados na maior parte do mundo. A China certamente se opõe ao uso de armas nucleares, assim como qualquer um que ainda tenha um pingo de sanidade. E como quase todo o mundo, quer uma solução rápida para o conflito.

Deveria ser uma grande preocupação o fato de que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada.

As conversas sobre armas nucleares têm ocorrido principalmente no Ocidente. A Rússia reiterou a posição universal dos Estados nucleares: que eles podem recorrer a armas nucleares em caso de ameaça à sobrevivência. Essa posição tornou-se mais perigosa quando Putin anexou partes da Ucrânia, estendendo a doutrina universal a um território mais amplo.

Não é bem verdade que a doutrina é universal. Os EUA têm uma posição muito mais extrema, enquadrada antes da invasão da Ucrânia, mas anunciada apenas recentemente: uma nova estratégia nuclear que a Associação de Controle de Armas descreveu como “uma expansão significativa da missão original dessas armas, ou seja, dissuadir ameaças existenciais contra os Estados Unidos.”

A expansão significativa é explicada pelo almirante Charles Richard, chefe do Comando Estratégico dos EUA (STRATCOM). Sob a recém-anunciada Revisão da Postura Nuclear, as armas nucleares fornecem o “espaço de manobra” necessário para os Estados Unidos “projetar estrategicamente o poder militar convencional”. A dissuasão nuclear é, portanto, uma cobertura para operações militares convencionais em todo o mundo, impedindo outros de interferir nas operações militares convencionais dos EUA. As armas nucleares, portanto, “impedem todos os países, o tempo todo” de interferir nas ações dos EUA, continuou o almirante Richard.

Stephen Young, representante sênior de Washington na Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Preocupados), descreveu a nova Revisão da Postura Nuclear como “um documento aterrorizante [que] não apenas mantém o mundo em um caminho de risco nuclear crescente, mas aumenta esse risco”, já intoleravelmente alto, “de muitas maneiras”.

Uma avaliação justa

A imprensa mal noticiou a Revisão da Postura Nuclear, descrevendo-a como não sendo uma grande mudança. Por acaso eles estão certos, mas por razões que evidentemente eles desconhecem. Como o comandante do STRATCOM, Richard, sem dúvida, poderia informá-los, essa tem sido a política dos EUA desde 1995, quando foi elaborada em um documento do STRATCOM intitulado “Fundamentos da Dissuasão Pós-Guerra Fria”. Sob Clinton, as armas nucleares devem estar constantemente disponíveis porque “lançam uma sombra” sobre o uso convencional da força, impedindo outros de interferir. Como disse Daniel Ellsberg, as armas nucleares são usadas constantemente, assim como uma arma é usada em um assalto, mesmo que não seja disparada.

O documento do STRATCOM de 1995 pede ainda que os EUA projetem uma “persona nacional” de “irracionalidade e vingança”, com alguns elementos “fora de controle”. Isso vai assustar aqueles que podem ter pensar em interferir. É a “doutrina do louco”, que foi atribuída a Nixon com base em poucas evidências, mas que agora aparece em um documento oficial.

Tudo isso está dentro da estrutura da doutrina abrangente de Clinton de que os EUA devem estar prontos para recorrer à força multilateralmente se pudermos, unilateralmente se precisarmos, para garantir “acesso livre a mercados-chave, suprimentos de energia e recursos estratégicos”.

É verdade, então, que a nova doutrina não é muito nova, embora os americanos desconheçam os fatos – não por causa da censura. Os documentos são públicos há décadas e citados na literatura crítica, que é mantida à margem.

Deveria ser uma grande preocupação que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada. Não é. Definitivamente não é.

*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras


Atirador do Wallmart | Foto: reprodução/BCC News Brasil

O que se sabe de atirador que matou 7 pessoas em supermercado nos EUA

BBC News Brasil*

Um tiroteio matou sete pessoas — incluindo o próprio atirador — na noite de terça-feira (22/11) em um supermercado da rede Walmart em Chesapeake, no Estado americano da Virgínia, informou a polícia.

Acredita-se que o próprio gerente da loja abriu fogo, depois apontou a arma para si mesmo e se matou.

A conta oficial da cidade de Chesapeake escreveu no Twitter que "a polícia confirma um incidente com atirador com mortes no Walmart".

Ainda não se sabe o motivo do ataque, que aconteceu às 22h12 de terça-feira do horário local (0h12 no horário de Brasília).

O porta-voz do departamento de polícia de Chesapeake, Leo Kosinski, disse que o tiroteio teria acontecido dentro da loja e que o suspeito agiu sozinho.

A rede Walmart afirmou estar "chocada com este trágico evento" e que está "trabalhando em estreita colaboração com as autoridades".

A expectativa é de que a polícia Chesapeake divulgue mais informações sobre o avanço das investigações na manhã desta quarta-feira.

Fotos postadas nas redes sociais mostram uma forte presença policial no local. Um vídeo publicado na internet mostra uma pessoa que seria testemunha do incidente — vestindo uniforme do Walmart — descrevendo o que aconteceu.

O homem conta que havia saído da sala dos funcionários da loja, na qual um gerente entrou e abriu fogo.

"Infelizmente, perdemos alguns de nossos colaboradores", ele acrescentou, esclarecendo que não sabia quantos de seus colegas haviam sido baleados.

Um porta-voz do Sentara Norfolk General Hospital foi citado pela rede de televisão local WAVY-TV dizendo que cinco vítimas do ataque estavam sendo atendidas lá.

Uma mulher contou à WAVY-TV que seu irmão, um funcionário de 20 anos do supermercado, foi baleado apenas 10 minutos depois de chegar para trabalhar.

Ela disse que o irmão tinha conseguido falar com parentes e enviar mensagens de texto — o que, segundo ela, era "reconfortante".

Outra mulher, chamada Joetta Jeffery, contou à rede americana CNN que sua mãe estava dentro do prédio quando o ataque aconteceu e tinha conseguido enviar mensagens de texto.

Jeffrey afirmou que a mãe não estava ferida, mas estava em estado de choque.

Mark Warner, senador democrata pela Virgínia, tuitou que estava "mal com as notícias de mais um massacre".

A senadora do Estado L. Louise Lucas, também democrata, acrescentou que estava "completamente desolada".

"Não vou descansar até encontrarmos as soluções para acabar com essa epidemia de violência armada em nosso país", escreveu no Twitter.

O ataque da noite de terça-feira aconteceu apenas alguns dias depois que um homem armado abriu fogo em uma boate LGBT no Estado do Colorado, matando cinco pessoas e ferindo outras 17.

Em 2019, um ataque a tiros em uma loja da rede Walmart na cidade de El Paso, no Texas, deixou 23 mortos.

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Trump anuncia pré-candidatura à Presidência dos EUA em 2024

Made for minds*

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou nesta terça-feira (16/11) que vai se candidatar mais uma vez à Casa Branca em 2024, abrindo a corrida pela nomeação republicana.

"A fim de tornar a América grande e gloriosa novamente, anuncio nesta noite a minha candidatura à Presidência dos Estados Unidos", disse o bilionário de 76 anos, aplaudido por uma multidão na sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida.

Diante de centenas de apoiadores e rodeado de bandeiras americanas e faixas com o seu icônico slogan de campanha Make America Great Again (Tornar a América Grande Novamente, em português), o magnata recordou o primeiro mandato de forma idílica, descrevendo esse período como um país em paz, próspero e respeitado no cenário internacional, e exagerando na descrição das suas conquistas enquanto presidente.

"Vou concorrer porque acredito que o mundo ainda não viu a verdadeira glória que esta nação pode ter. Vamos novamente colocar a América em primeiro lugar", disse.

Ao mesmo tempo que falou em unidade, Trump indicou que derrotará "os democratas radicais de esquerda que estão tentando destruir o país por dentro", criticando o atual presidente. "Joe Biden personifica os fracassos da esquerda e a corrupção de Washington", acusou.

"Eu não precisava disto, tenho uma vida boa e tranquila, mas amamos o nosso país e temos de salvá-lo", afirmou, referindo-se à sua candidatura.

O magnata pediu a eliminação de todas as votações antecipadas, votações à distância e o uso de urnas eletrônicas. "Apenas cédulas de papel", defendeu.

Em seu discurso de mais de uma hora, transmitido ao vivo pela televisão, também não faltaram ataques à imprensa.

Trump aproveitou ainda para acenar ao "fantástico" povo latino e hispânico, de quem disse esperar conseguir mais votos, apesar da polêmica construção de um muro na fronteira com o México.

Relutância republicana

Momentos antes do anúncio público, Trump já havia formalizado sua pré-candidatura à Presidência por meio de um documento enviado à Comissão Eleitoral Federal americana. Ele é o primeiro político a oficializar a pré-candidatura às eleições presidenciais de 2024.

O anúncio de Trump ocorreu num momento em que crescem sinais de relutância dentro do Partido Republicano em vê-lo regressar a uma corrida presidencial, já que muitos candidatos que o magnata apoiou nas eleições de meio mandato (midterms) saíram derrotados das disputas com os democratas.

Os republicanos esperavam uma "onda vermelha" (referência à cor do partido), com grandes vitórias nas corridas para governadores e para o Congresso. Em vez disso, perderam a oportunidade de conquistar a maioria no Senado. Ainda não está claro quem terá o controle sobre a Câmara, mas os republicanos estão a caminho de conquistar uma maioria por margem apertada.

Em seu discurso, Trump afirmou que, de todos os candidatos que ele apoiou, "somente 22" não foram eleitos.

Ainda há um longo caminho pela frente antes que o pré-candidato republicano possa eventualmente ser nomeado candidato do partido em meados de 2024. Outros possíveis postulantes republicanos à Presidência já surgem no horizonte, como o governador reeleito da Flórida, Ron DeSantis, e o ex-vice-presidente americano Mike Pence, ambos ex-aliados de Trump.

Pesquisas de intenção de voto indicam que DeSantis, que ainda não revelou se se candidatará, teria uma vantagem significativa frente a Trump se houvesse um duelo entre eles nas primárias republicanas.

"Donald Trump decepcionou os EUA"

Do lado democrata, Biden, que derrotou Trump em 2020, afirmou que pretende se recandidatar em 2024, mas que isso depende de uma "decisão familiar" que deverá ser tomada no início do próximo ano.

Em reação ao anúncio da pré-candidatura de Trump, Biden divulgou no Twitter um vídeo crítico ao republicano e seu governo, acompanhado da frase: "Donald Trump decepcionou os EUA."

Trump já sofreu dois impeachments na Câmara e continua envolvido em múltiplas investigações políticas e criminais, relacionadas a finanças de sua empresa familiardocumentos confidenciais que mantinha na sua mansão em Mar-a-Lago e à invasão do Capitólio por uma turba de apoiadores dele após o republicano contestar a vitória eleitoral de Biden.

lf (Reuters, Efe, Lusa)

Texto publicado originalmente em Made for minds.


Elvis em cartaz nos cinemas | Foto: Sarunyu L/Shutterstock

Revista online | Elvis eterno

Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)

O famoso bordão “Elvis não morreu” parece mais atual do que nunca, já que o biopic sobre o “rei do rock”, lançado no Brasil em julho, vem fazendo enorme sucesso por onde passa, colocando o nome do artista novamente na agenda mundial. 

Até o início de agosto, Elvis (2022), superprodução da gigante Warner Bros, dirigido por Baz Luhrmann, já havia arrecadado mais de R$ 18 milhões em bilheteria só no Brasil. No resto do mundo, esse número já ultrapassa a barreira dos 234 milhões de dólares.

A razão de tanto sucesso? Imagino que não seja a atuação de Tom Hanks, que, apesar de seu enorme talento e dos dois Oscares na bagagem, entrega desta feita uma performance caricata em um filme que não se pretende paródia e que, portanto, não pede esse estilo de encenação. O ator encarna o empresário e descobridor de Elvis Presley, o imigrante Tom Parker ou simplesmente “Coronel”. Um homem visionário e ambicioso, de passado desconhecido, dono de um sotaque não identificável.

Talvez, a boa repercussão dos recentes Bohemian Rhapsody (2018) e Rocketman (2019), respectivamente sobre Fred Mercury e Elton John, tenha ajudado. Sem falar, claro, no excelente desempenho de Austin Butler que, de maneira impressionantemente convincente, dá vida a Elvis. Isso somado à adoração que tantos espectadores de todos os cantos do mundo têm por esse artista americano que, sem nunca ter saído dos Estados Unidos, tornou-se um fenômeno de vendas, antes de partir prematuramente, aos 42 anos de idade. 

Veja, a seguir, galeria de imagens:

Rocketman, um filme sobre Elton John | Imagem: Sarunyu L/Shutterstock
Bohemian Rhapsody cast | Foto: Featureflash Photo Agency/Shutterstock
Elvis christmas album | Foto: Dan Kosmayer/Shutterstock
Disco com Elvis estampado | Imagem: Dan Kosmayer/Shutterstock
A valentine gift for you from Elvis Presley | Imagem: Dan Kosmayer/Shutterstock
Estrela Elvis Presley na calçada da fama | Imagem: nito/Shutterstock
Elvis não morreu | Imagem: christopher krohn/Shutterstock
Elvis Presley interpretado por Austin Butler | Foto: Sarunyu L/Shutterstock
Elvis em cartaz nos cinemas | Foto: Sarunyu L/Shutterstock
Rocketman, um filme sobre Elton John
Bohemian Rhapsody cast
Elvis christmas album
Disco com Elvis estampado
A valentine gift for you from Elvis Presley
Estrela Elvis Presley na calçada da fama
Elvis não morreu
Elvis Presley interpretado por Austin Butler
Elvis em cartaz nos cinemas
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Rocketman, um filme sobre Elton John
Bohemian Rhapsody cast
Elvis christmas album
Disco com Elvis estampado
A valentine gift for you from Elvis Presley
Estrela Elvis Presley na calçada da fama
Elvis não morreu
Elvis Presley interpretado por Austin Butler
Elvis em cartaz nos cinemas
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Mas, fora as músicas e a esposa Priscilla Presley, o que sabemos de fato sobre sua origem e seu mundo? O longa de Luhrmann  preenche parte dessa lacuna, apresentando vários fatos da carreira e da vida pessoal de Elvis, embalados, claro, por uma bela trilha, que, diga-se de passagem, não é o ponto mais forte do longa, já que o filme se concentra mais na vida do artista do que em sua música.

O diretor australiano, conhecido por sucessos como The Great Getsby (2013), Moulin Rouge! (2001) e Romeu + Julieta (1996), escolheu contar a história do astro por meio de um longo flashback que nos transporta para sua infância pobre, vivida em um bairro negro em Memphis, Tennessee. O narrador é o tal Coronel, personagem fundamental na vida de Elvis, mas nem sempre retratado com o devido destaque em obras anteriores.

Composto por uma montagem sofisticada, Elvis tem as primeiras sequências carregadas de split screens que nos mergulham nos anos 60, época de proliferação dessa técnica e, ao mesmo tempo, de grande sucesso da carreira de Elvis. Pena que Luhrmann se empolga demais com as telas partidas, agregando-lhes vinhetas gráficas, que dão um certo ar de Marvel à obra, o que poderia até ser um caminho estético, desde que sustentado até o fim. Mas não é o que acontece. 

Depois de um início um tanto paroxístico, o filme acaba por abandonar os excessos, encontrando um tom mais equilibrado que mostra, de forma caleidoscópica, a vida desse artista. Um homem que soube desde cedo antropofagizar os cantos e as danças dos negros, misturando-os ao pop e ao country, criando um estilo original e inusitado, causador de muita polêmica, rendendo-lhe inclusive o apelido de “Elvis, o pélvis”. Estilo que serve até hoje de inspiração para muita gente, mas que segue suscitando controvérsias, sobretudo, com relação à questão da apropriação cultural.

Vendo com olhos de hoje, concluímos que Elvis se apropriou mesmo dos ritmos ouvidos nos cultos e nas festas de seus vizinhos de Lauderdale Courts:  o gospel, o blues… Mas como poderia ser diferente se foi ali que ele cresceu? Menino branco no meio de crianças negras,  ouvindo as mesmas músicas, vendo os mesmos cultos, dançando as mesmas danças!  Jovem que frequentava a Beale Street, rua em que conheceu um certo B. B. King, nascido em seu mesmo Mississippi natal e que acabou por se tornar um parceiro de música e de vida.  O “rei do blues” chegou a afirmar, em 2010, em uma entrevista ao San Antonio Examiner, que ele e Elvis compartilhavam a ideia de que a música era uma propriedade de todo o universo, e não uma exclusividade do negro, do branco ou de qualquer outra cor. Além de ser algo compartilhado “em e por” as almas de todas as pessoas.

Seria correto afirmar, então, que Elvis “roubou” isso da cultura negra? Seria justo impedi-lo de usar ritmos e costumes que fizeram parte de sua vida e que o levaram consequentemente à militância pela integração racial?
 
Não sou expert em Elvis, mas o que Luhrmann faz nas 2 horas e 40 minutos que dura o filme é justamente exaltar essa influência, dando o devido crédito a quem o merece.  Seu Elvis, além de ser uma ótima distração, é uma produção de alta categoria que faz jus ao retratado e que ainda nos presenteia com um show de atuação de Butler, fazendo-nos até duvidar se Elvis, de fato, morreu.

Sobre a autora

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Bolsonaro discursa com semblante de raiva | Foto: NANCY AYUMI KUNIHIRO/Shutterstock

Nas entrelinhas: O establishment se mexe em defesa das urnas

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O encontro do presidente Jair Bolsonaro com diplomatas estrangeiros para falar mal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e levantar suspeitas de que haveria fraudes nas urnas eletrônicas virou uma espécie de “efeito borboleta”, uma variante da Teoria do Caos, que consiste em grandes acontecimentos provocados inicialmente por pequenas alterações. O conceito passou a ser usado quando certas escolhas provocam desastres, principalmente depois do filme Efeito Borboleta, lançado em 2004, pela dupla Eric Bress e J. Mackye Gruber.

Evan Treborn (Ashton Kutcher), um jovem de 20 e poucos anos, em luta contra as memórias traumáticas de sua infância, descobre uma técnica que pode levá-lo de volta ao passado e passa a alterar diversos acontecimentos, com objetivo de mudar para sempre o seu futuro. Porém, o “efeito borboleta” trará consequências inesperadas para sua vida e daqueles que estão ao seu redor. Na tentativa de ficar com a namorada, Kayleigh, cria realidades alternativas que não terminam como gostaria. Entretanto, o que nos interessa não é um “spoiler”, mas o fenômeno ligado à Teoria do Caos.

Em 1952, o escritor de ficção científica norte-americano Ray Bradbury publicou o conto O som do trovão, no qual um personagem pisa em uma borboleta, provocando graves consequências, inclusive a chegada de um líder fascista ao poder. Em 1961, o que era ficção virou realidade científica. O meteorologista norte-americano Edward Lorenz desenvolveu um modelo matemático para a previsão do tempo, processando dados como temperatura, umidade, pressão e direção do vento no seu computador. Depois de observar os resultados, repetiu a operação. Inesperadamente, a segunda previsão foi completamente diferente da primeira.

Quanto mais o modelo avançava no tempo, as diferenças entre os dois resultados se tornavam maiores. O computador de Lorenz havia arredondado os dados de algumas casas decimais. Para Lorenz, isso equivalia a dizer que o vento provocado pelo bater de asas de uma borboleta no Brasil poderia ocasionar um tornado no Texas, nos Estados Unidos. Assim nasceu a Teoria do Caos, com seu “efeito borboleta”. É mais ou menos o que conseguiu o presidente Jair Bolsonaro com o seu inusitado e espantoso ataque às urnas eletrônicas na reunião de presentantes de quase 70 países, que provocou a forte reação da sociedade civil.

Manifestos

O establishment jurídico e empresarial resolveu dar um basta aos ataques de Bolsonaro à democracia. Suprapartidariamente, saiu em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF). A iniciativa partiu de ex-ministros da Corte, professores e estudantes da tradicional Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), com uma declaração que começou com três mil assinaturas e já soma mais de 300 mil signatários. Outro manifesto, organizado pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), mobilizou o grande empresariado nacional, inclusive a Febraban. Recebeu apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Força Sindical e de outras centrais sindicais. Os principais banqueiros do país assinaram os dois manifestos, como pessoa física.

Enquanto o establishment se mexia, o governo divulgava dados positivos sobre a economia, entre os quais a redução do preço da gasolina, a geração de emprego e a distribuição do Auxílio Brasil. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tentava minimizar a importância dos manifestos. Segundo ele, os banqueiros assinaram os documentos porque perderam R$ 40 bilhões com o PIX. O lucro dos bancos não condiz com essa tese. A adesão também é resultado da PEC das Eleições, que agrediu a institucionalidade da economia e a segurança jurídica.

Protagonista do rolo compressor governista montado no Congresso, com recursos das emendas secretas ao Orçamento da União (somam R$ 16,5 bilhões), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ao Twitter como se nada houvesse: “Má notícia para os pessimistas de plantão! Estamos na contramão do mundo, mas isso é bom! Inflação em baixa, PIB em alta”. Levou um banho de água fria com a divulgação do DataFolha de ontem. O pacote de bondades do governo ainda não mudou os humores dos eleitores. Na pesquisa estimulada, Lula (PT) tem 47% e Bolsonaro (PL), 29%; Ciro (PDT), 8%; Simone (MDB), 2%; Janones (Avante), Marçal (Pros)n e Vera Lúcia (PSTU) têm 1%. Branco/nulo/nenhum: 6%. Não sabe: 3% (4% na pesquisa anterior). Os demais candidatos não pontuaram. Lula venceria no primeiro turno.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-establishment-se-mexe-em-defesa-das-urnas/

Bolsonaro com a mão no rosto | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Seguindo roteiro de ataque às urnas, Bolsonaro faz encontro com diplomatas estrangeiros e escala ministro da Defesa

O presidente Jair Bolsonaro (PL) montou um briefing para apresentar nesta segunda-feira (18) a embaixadores, em Brasília, a respeito das urnas eletrônicas. A reunião é parte da estratégia de Bolsonaro de levantar suspeitas sobre o sistema eletrônico eleitoral – para, numa eventual derrota, contestar o resultado das urnas.

Oficialmente, Bolsonaro disse na live da semana passada que convidaria os embaixadores para falar "como é o sistema eleitoral brasileiro". "Será um PowerPoint mostrando tudo o que aconteceu nas eleições de 2014, 2018, documentado, bem como essas participações dos nossos ministros do TSE, que são do Supremo, sobre o sistema eleitoral", disse.

O blog procurou o ministro das Relações Exteriores. Carlos França disse que o presidente "está no direito de se manifestar" e que ele tem um "estilo muito direto". "E ele achou que era o caso de fazer um briefing sobre segurança para os embaixadores".

Perguntado se a reunião não traria mais prejuízos à imagem do Brasil, França diz que sistemas eletrônicos em diferentes áreas – como bancos – sofrem ataques e que acredita que a ideia do presidente é discutir o aperfeiçoamento das urnas.

Mas não é disso que se trata. O presidente Bolsonaro tem preparado o terreno ao Levantar dúvidas sobre o sistema eletrônico para que, caso haja uma derrota, ele possa repetir o script de Trump – ao questionar o resultado das urnas.

França disse que o ministro da Defesa, Paulo Sérgio, também deve participar. Ele disse que Sergio, como foi chamado a integrar o comitê do TSE sobre fiscalização, deve participar. O blog procurou a assessoria da Defesa para confirmar a presença do ministro da Defesa, mas não obteve retorno ainda.

França também relatou que conversou com ministro Edson Fachin, atual presidente do TSE, sobre observadores internacionais nas eleições. Que não se opõe a organismos nos quais o Brasil tem cadeira, mas que se sente "desconfortável" com órgãos como a União Europeia – e que deixou isso claro em manifestações do Itamaraty.

*Texto publicado originalmente no g1. Título editado.


Jason Miller ex-assessor de Trump | a katz/shutterstock

Jason Miller diz que não vai tolerar 'invasão do Congresso' em rede social

Mariana Sanches, BBC News Brasil*

Da penúltima vez que esteve no Brasil, o ex-assessor de Donald Trump e atual CEO da rede social Gettr, Jason Miller, havia passado quase quatro horas detido pela Polícia Federal (PF) para prestar esclarecimentos no inquérito das fake news, no aeroporto de Brasília.

Há três semanas, no entanto, ele voltou ao país, para participar, ao lado dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (que defendeu no evento que a "Hungria era exemplo a ser seguido") e Carla Zambelli, ambos do PL-SP, da versão brasileira do Conservative Political Action Conference, o CPAC Brasil, em Campinas, em São Paulo. E dessa vez, sua passagem não teve tensões com autoridades no país. Segundo sua assessoria, ele foi "ovacionado de pé" no evento destinado a conservadores.

A nova visita ao Brasil era vista por Miller como central para tentar alavancar a rede social — amplamente associada à direita tanto no Brasil quanto nos EUA e em outros países — e para a qual ele tenta alcançar a marca de um milhão de usuários brasileiros. Ainda não conseguiu. Mas a Gettr afirma que a passagem de poucos dias de Miller ao Brasil alavancou o número de perfis baseados no país de 750 mil para 800 mil.

A rede cresce justamente com a ajuda de eleitores trumpistas e bolsonaristas. Globalmente, Miller se conecta com atores da direita radical não só por ideologia, mas também porque isso é bom para seus negócios.

Ele mostra apoio explícito, por exemplo, ao partido AfD, na Alemanha, e a Marine Le Pen, na França, país em que esteve em ao menos quatro ocasiões antes do pleito em que a candidata da direita radical foi derrotada por Emmanuel Macron, que se reelegeu presidente recentemente.

"O presidente Bolsonaro é um dos nossos dez maiores perfis globais. Acredito que ele esteja entre sexto ou sétimo em número de seguidores", diz Jason Miller à BBC News Brasil, em Washington D.C., um pouco antes de embarcar para o Brasil, em junho.

Bolsonaro tem 674 mil seguidores na Gettr, contra 8,3 milhões no Twitter, o que dá uma medida tanto do potencial de expansão da plataforma quanto de quão pequena ela ainda é, um possível sinal de que a rede social, que completará um ano nesta semana, pode não decolar.

O próprio Trump, que motivou o ex-assessor a criar uma espécie de Twitter alternativo após ter sido banido das redes no episódio da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, não chegou a um acordo financeiro com a Gettr para criar seu perfil.

Mas figuras centrais em sua gestão, como o ideólogo Steve Bannon e o ex-secretário de Estado Mike Pompeo estão entre os cerca de 5 milhões de usuários da rede social.

Presença frequente no Brasil

Como já fez em outros países, no entanto, com a proximidade das eleições no Brasil, Jason Miller deve reforçar sua presença no país para atrair usuários ao mesmo tempo em que os Bolsonaro tentam arregimentar eleitores.

"Espero estar no Brasil com bem mais frequência agora e dar um grande impulso nos números", diz Miller, que nega qualquer envolvimento com a campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

"Temos visto o Brasil como nossa segunda maior comunidade. É cerca de 14% ou 15% da nossa plataforma, atrás apenas dos EUA. Uma das melhores coisas sobre a Gettr é que ela é 51% americano e 49% internacional. Logo após o Brasil, temos o Reino Unido, com cerca de 10% dos usuários, a Alemanha, entre 8% e 9% e a França, entre 5% e 6%. É uma comunidade internacional em crescimento", diz Miller.

A Gettr também tem se beneficiado de usuários que costumavam usar o hoje ostracizado Parler. O Parler se firmou como uma rede de usuários de direita, atraindo inclusive expoentes brasileiros, como Eduardo Bolsonaro, ao longo de 2019 e de 2020.

Invasão do capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro de 2021
Invasão do capitólio por apoiadores de Trump em 6 de janeiro de 2021

Em janeiro de 2021, segundo a plataforma, ela contava com 15 milhões de usuários. O ataque ao capitólio em 6 de janeiro, no entanto, representou praticamente o seu fim.

A própria plataforma reportou ao serviço investigativo americano FBI ter sido extensamente usada por usuários trumpistas para preparar e coordenar o ataque ao Congresso americano, que resultou em cinco mortos e na interrupção da certificação da vitória eleitoral do democrata Joe Biden por algumas horas.

As investigações mostraram que o Parler foi totalmente tomado por mensagens que afirmavam ter havido fraude no pleito americano de 2020, ressoando alegações do próprio Trump, e clamavam por "guerra civil", ameaças de morte a policiais e conclamação à insurreição. O aplicativo foi incapaz de conter o fluxo e moderar as mensagens para que elas não se traduzissem em violência no mundo real. Depois disso, o Parler foi excluído das lojas de aplicativos do Google e da Apple, e houve um intenso movimento de anunciantes para retirar seus anúncios da plataforma.

Confrontado com a possibilidade de que sua plataforma, a Gettr, pudesse ser usada no Brasil para coordenar algum tipo de insurreição após as eleições nos moldes dos ataques ao Capitólio americano, possibilidade que vem sendo aventada por políticos e analistas nos EUA, Miller é incisivo em sua resposta.

"Não importa em que país do mundo, este não é o tipo de coisa que permitiríamos em nossa plataforma", diz ele à BBC News Brasil.

Segundo o CEO, o serviço de streaming de vídeo pelos próprios usuários só está disponível para perfis verificados e ainda assim está sujeito a uma série de regras para coibir abusos e violência. Recentemente, atiradores americanos usaram esse tipo de serviço de plataformas para transmitir ao vivo massacres com armas de fogo.

"Nossos termos de serviço deixam muito claro que, se você estiver fazendo ameaças físicas ou planejando cometer violência ou dano contra alguém, isso seria uma violação de nossos termos de serviço ou diretrizes da comunidade", diz Miller, garantindo que o conteúdo seria retirado do ar por meio do sistema de moderação humano e automático.

O presidente Jair Bolsonaro tem feito alegações de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e de que pode não aceitar o resultado, o que poderia motivar situação semelhante à vivida nos EUA, segundo analistas políticos.

Miller, no entanto, não reconhece essa possibilidade: "tudo o que eu vi (de manifestações) do presidente Bolsonaro parece ter sido sempre no sentido de apoiar muito a lei e a ordem. Não houve nenhum tipo de atividade ou comunicação (de Bolsonaro) na Gettr nesse sentido".

No início de junho, em viagem a Orlando (Flórida, EUA), Bolsonaro foi questionado pela BBC News Brasil se, após a divulgação do resultados das eleições no Brasil, o país poderia viver uma situação de violência análoga à invasão do Capitólio nos EUA, em janeiro de 2021.

O presidente brasileiro respondeu: "Eu não sei o que vai acontecer, de minha parte teremos eleições limpas, com toda certeza nós vamos tomar providências antes das eleições", disse, sugerindo que as Forças Armadas atuarão no processo eleitoral.

Bolsonaro então citou uma declaração recente de Ciro Gomes, candidato presidencial do PDT: "O Ciro Gomes, terceiro lugar nas pesquisas, acabou de dizer que 'se Lula ganhar, o Brasil amanhece em guerra'. A população brasileira, a maioria esmagadora, está comigo".

Miller testemunhou na Comissão da Câmara dos EUA que investiga invasão ao Capitólio

Dentro de casa, nos EUA, Miller é parte de um processo de investigação da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) sobre as ações do ex-presidente Donald Trump que, de acordo com o inquérito, foram determinantes para o desfecho da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando o republicano ainda era presidente.

Donald Trump em discurso no dia 6 de janeiro de 2021
Donald Trump em discurso no dia 6 de janeiro de 2021, pouco antes da invasão do Capitólio pelos manifestantes

No primeiro dia de audiência pública, a vice-presidente do comitê investigativo, Liz Cheney, colocou no ar um depoimento em vídeo de Miller no qual ele diz ter presenciado, no Salão Oval, um diálogo entre Trump e seu principal analista de dados da campanha, Matt Oczkowski. Na ocasião, Oczkowski disse a Trump que ele perderia o pleito, pouco tempo depois da eleição.

"Lembro que ele afirmou ao presidente — em termos bastante contundentes —, que ele iria perder", disse Miller, confirmando que as informações do analista eram baseadas em resultados de condado por condado e Estado por Estado.

A fala de Miller foi usada para basear a interpretação dos deputados americanos do comitê de que Trump sabia estar mentindo quando repetiu aos seus eleitores que ele havia sido vítima de uma fraude eleitoral.

Depois da divulgação do trecho do vídeo, Miller afirmou que o material cortava parte de sua argumentação. Segundo Miller, ele contou aos deputados que Trump discordava do analista Matt Oczkowski porque acreditava que seu funcionário não estava levando em conta as chances de vitória em batalhas judiciais.

"Ele acreditava que Matt não estava olhando para a perspectiva de desafios legais em nosso caminho e que Matt estava olhando puramente para o que esses números estavam mostrando, em oposição a coisas mais amplas para incluir questões de legalidade e integridade eleitoral que, como um cara de dados, ele pode não estar monitorando", teria dito Miller ao comitê.

Miller continua próximo a Trump e deve ser peça importante na campanha se o republicano realmente se candidatar em 2024.

Esta semana, no entanto, revelações feitas por uma ex-assessora da Casa Branca indicaram que Trump sabia que havia manifestantes armados em seu comício, permitiu sua presença e desejava participar junto com eles dos atos que se seguiram no capitólio, no qual seu vice-presidente, Mike Pence, teve que ser protegido para não ser assassinado. É incerto que tipo de impacto as revelações, que Trump classifica como falsas, podem ter sobre sua elegibilidade futura.

Entre os eleitores de Trump, foi justamente o seu banimento das redes após o episódio do Capitólio o que motivou um aumento ainda maior do sentimento contra "as big techs do Vale do Silício", como são conhecidas as redes como Facebook, Twitter, Youtube.

Segundo Miller, o mesmo sentimento existe no Brasil. Sem mencionar diretamente os casos, o ex-assessor de Trump faz referência à situação de bolsonaristas seguidamente derrubados de plataformas por espalhar fake news ou incitar violência, como o blogueiro Allan dos Santos, a ativista Sara Winter, e o deputado federal Daniel Silveira, em inquéritos dos quais o próprio Miller também foi alvo.

"No que diz respeito especificamente ao Brasil, muitas pessoas estão frustradas com a escolha restrita de meios e redes de comunicação no Brasil, o fato de você não ter a descentralização do livre fluxo de informações", diz.

Ele acusa as redes e a imprensa de censurarem as opiniões de direita em nome de manter a segurança ou confiabilidade das plataformas. Segundo Miller, seria possível manter as opiniões da direita radical na íntegra sem ferir esses princípios, um tipo de moderação que sua rede faria.

Ele, no entanto, se nega a discutir com a BBC News Brasil tanto casos hipotéticos quanto exemplos reais de conteúdos de bolsonaristas retirados do ar no Brasil.

E embora já tenha feito ironias públicas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das Fake News, Miller se esforça pra mostrar colaboração com as autoridades brasileiras e critica o Telegram por ter ignorado orientações ou interpelações do Supremo.

"Parece-me que eles (Telegram) provavelmente deveriam ter feito um trabalho melhor e certificar-se de que seriam melhores parceiros no processo. Quer dizer, a coisa toda sobre emails (do Supremo) se perderem na pasta de spam e coisas assim…. Eles provavelmente provavelmente encontrarão alguns bons advogados no Brasil", opina Miller, que no Brasil compete com o Telegram por um público de mesmo perfil.

Segundo Miller, nem sua plataforma nem ele próprio estão sob investigação no Brasil atualmente, embora afirme possuir advogados continuamente monitorando a situação no país.

"Nossa expectativa no Brasil é que a Gettr seja um parceiro muito bom. Obviamente, respeitamos muito todas as regras e regulamentos locais. Nós concordamos com qualquer coisa que nos tenha sido solicitado. E acreditamos que, em última análise, seremos uma voz forte pela liberdade de expressão no Brasil, onde queremos estar por muito tempo", diz Miller.

Ele acrescenta: "Com nossa política de moderação inteligente, proativa e robusta, garantimos que não haja ameaças online ou qualquer coisa que possa ser interpretada como ilegal, também garantimos que não haja xingamentos raciais ou religiosos, que não haja doxing (vazamento) de informações. Acreditamos que criamos um ambiente positivo onde as pessoas podem se expressar, mas sem discriminação política e sem preconceitos políticos".

Ele admite, porém, que não esperava gastar tanto dinheiro com advogados.

"Essa é uma das coisas eu não sabia quando lançamos a Gettr, há quase um ano: que passaria tanto tempo com advogados quanto no ano passado, ou que as contas de advogados seriam tão altas no Brasil".

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil: Título editado.


Presidente da República Jair Bolsonaro acompanhado do Senhor Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, posam para fotografia. Foto: Alan Santos/PR

Estados Unidos: o excesso de poder da minoria que ameaça a democracia

Gianfranco Pasquino*, Esquerda Democrática

Pensava que fosse, sobretudo, expressão de provincianismo mesclada com ostentação de excepcionalismo (positivo) a enxurrada de artigos e livros sobre Trump publicados pelos estudiosos norte-americanos. Que sua preocupação fosse temporária, agitada deliberadamente para poder afirmar com grande fanfarra: “A democracia da maior potência que o mundo jamais conheceu superou também o desafio do trumpismo”. Algumas outras democracias dobram-se sobre si mesmas, declinam, morrem. A democracia americana reage e se renova. Ainda que homem branco e ancião, o presidente Biden abrirá uma nova fase.

E, no entanto, não. A cultura do cancelamento mostrou todos os seus limites de cultura e de falta de elaboração, o trumpismo deixou um legado pesadíssimo, mas, sobretudo, está demonstrando representar algo muito profundo na sociedade americana. E as instituições trincam.

Facebook: Esquerda Democrática

Sem nunca terem sido uma democracia majoritária plena, que Madison não quis, os Estados Unidos tornaram-se uma democracia minoritária. Graças a alguns mecanismos, a começar do colégio eleitoral para a eleição do presidente, os republicanos, faz tempo partido de minoria entre os eleitores, controlam, inclusive por meio de montanhas de dinheiro dos seus apoiadores, uma enorme quantidade de poder político.

Por um conjunto fortuito de circunstâncias e pela inescrupulosa coesão dos senadores republicanos, o presidente Trump mudou por pelo menos uma geração, mais de trinta anos, a composição da Suprema Corte, tornando-a não só a mais conservadora desde sempre, mas também patentemente reacionária, vale dizer, disposta a fazer recuar a sociedade e a cultura por, no mínimo, cinquenta anos.

Nos estados que controlam, graças inclusive ao apoio de evangélicos e lobbies poderosíssimos, os republicanos estão agredindo o direito básico e fundamental de uma democracia: o voto. Tornar muito mais difícil, às vezes quase impossível, sua expressão: menos cadeiras, horários reduzidos, menos inscritos nas listas, e colocar sempre em discussão, até previamente, seu resultado. Não poucos estados dos Estados Unidos não satisfariam os requisitos básicos de adesão à União Europeia, e não só porque neles se pratica a pena de morte, mas por carência de democracia eleitoral e, às vezes, excesso de corrupção política.

Parceiros FAP

A abolição da possibilidade juridicamente reconhecida, garantida e tutelada, de recorrer à interrupção da gravidez, não menos grave porque antecipada por indiscrições, é o auge do ataque aos setores sociais mais frágeis, as mulheres das classes populares, as latinas, as mulheres negras, às quais faltarão redes de apoio e recursos e às quais, em boa medida, nega-se também o direito ao voto.

A lendária cidade que brilha na colina está perdendo a capacidade de iluminar e atrair aqueles que no mundo amam a liberdade.


A ucrânia se tronou um novo vietnã | Imagem: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: A Ucrânia se tornou um novo Vietnã

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

A guerra da Ucrânia está sendo para a Rússia de Vladimir Putin o que o Vietnã representou para os Estados Unidos. É uma guerra por procuração, na qual o que existe de mais moderno em termos de guerra híbrida está sendo empregado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, contra as tropas russas invasoras. Se havia alguma dúvida quanto a isso, dois vazamentos de informações foram esclarecedores:

No primeiro, o Times revelou que “os EUA forneceram informações de inteligência a respeito de unidades russas que permitiram aos ucranianos localizar e matar muitos dos generais russos que morreram em ação na guerra da Ucrânia, de acordo com graduadas autoridades americanas”. No segundo, após uma reportagem da NBC News, o Times noticiou que os EUA “forneceram informações de inteligência que ajudaram as forças ucranianas a localizar e atacar” o Moskva, o principal navio de guerra da esquadra russa no Mar Negro, que, depois, naufragou.

Na época da guerra fria, o equilíbrio estratégico militar entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética permitia que direita e esquerda disputassem o poder nos seus respectivos países, sobretudo na Europa, por uma via democrática, exceto nas áreas de influência das duas potências. Na zona do agrião, como diria o comentarista de futebol João Saldanha, as duas potências entravam de sola: foi assim na Hungria e antiga Checoslováquia, invadidas pelas tropas do Pacto de Varsóvia; e na América Latina, onde as intervenções diretas e os golpes militares apoiados pelos Estados Unidos barraram a ascensão da esquerda durante quase toda a guerra fria. A “crise dos mísseis” em Cuba, a exceção, em 1962, quase levou o mundo à guerra nuclear.

A derrota americana no Vietnã foi o primeiro de uma série de eventos nos quais os Estados Unidos fracassaram, como na Revolução Iraniana e no Afeganistão. A derrota soviética nesse país pode ser considerada o sinal de que a desintegração da União Soviética estava mais próxima do que se imaginava, antes mesmo que a queda do Muro de Berlim. O colapso do chamado “socialismo real” deu aos Estados Unidos a hegemonia nesse novo mundo unipolar, no qual a globalização avançou protagonizada por políticas neoliberais e a Otan demonstrou seu poder de intervenção na Sérvia, no Iraque, na Líbia e no Afeganistão. A emergência da China como potência econômica, nas últimas duas décadas, porém, colocou essa hegemonia em xeque no plano econômico.

Derrota anunciada

A Rússia já está derrotada, moralmente e financeiramente. Ao afrontar a Organização do Tratado do Atlântico Norte, Putin pavimentou o caminho para sua expansão, inclusive para países tradicionalmente neutros, como a vizinha Finlândia e a Suécia. Os dois países participaram da reunião da Otan realizada ontem, na qual a Turquia retirou suas objeções à expansão do organismo. Com isso, a Rússia fica extremamente isolada no Mar Báltico. O problema é que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, está ficando sem opções que não sejam humilhantes. A guerra pode lhe custar o poder, a grande aposta de Biden e dos líderes europeus.

Biden mantém uma posição firme, mas também não sabe como sair da confrontação com a Rússia. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, trabalha para tornar a Ucrânia membro da Otan ou obter um pacto militar bilateral com os Estados Unidos. Ambos acreditam que a Ucrânia pode pôr os russos para correr. Putin fracassou no seu objetivo original: tomar Kiev e mudar o regime ucraniano; agora, corre o risco de fracassar na tentativa de controlar o antigo centro industrial da Ucrânia, a região do Donbass, cuja população tem origem russa em sua maioria, numa guerra mais longa e muito desgastante.

A distância entre Washington e Hanói é de 13.336 km; entre Kiev e Moscou, são apenas 775 km. A doutrina militar russa se baseia na profundidade do território e na guerra aeroespacial. Uma derrota na Ucrânia nem se compara à dos Estados Unidos no Vietnã. Putin tem duas possibilidades: jogar a toalha e bater em retirada, diante da resistência crescente do Exército ucraniano, armado e assessorado pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos, ou escalar a guerra convencional e destruir a Ucrânia, com consequências imprevisíveis, porque isso pode resultar numa intervenção direta da Otan, como aconteceu com a Sérvia. A diferença é que a Rússia tem um arsenal nuclear.

Em termos globais, há outros aspectos a serem considerados: (1) As sanções econômicas adotadas contra a Rússia utilizam com êxito toda a institucionalidade da economia mundial; (2) o Reino Unido pós-Brexit, fora da União Europeia, em aliança com os Estados Unidos, reafirmou sua hegemonia político-militar na Europa; (3) a Alemanha e a França perderam o protagonismo;(4) a guerra da Ucrânia também serve de advertência à China, em relação a Taiwan; (5) o pacto militar entre Estados Unidos, Reino Unido e Austrália e os acordos bilaterais da Austrália com o Japão e a Índia representam a expansão da Otan para o Indo-Pacífico, principal eixo do comercio mundial hegemonizado pela China.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-ucrania-se-tornou-um-novo-vietna/

Militantes de direita pedem golpe militar na Avenida Paulista durante Manifestações do 7 de setembro | Imagem: reprodução/BBC News Brasil

Queremos eleições livres e justas no Brasil, diz subsecretária de Estado dos EUA

Mariana Sanches*, da BBC News Brasil

No momento em que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) volta a lançar dúvidas sobre o processo eleitoral, sugerindo que os militares deveriam supervisionar a contagem de votos do pleito presidencial de 2022, a subsecretária de Estado dos Estados Unidos, Victoria Nuland, afirmou em entrevista exclusiva à BBC News Brasil que, no Brasil, "o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando as estruturas institucionais que já serviram bem a vocês (brasileiros) no passado".

Nuland, responsável por assuntos políticos na diplomacia americana comandada por Antony Blinken, esteve há poucas semanas no Brasil, junto a uma delegação americana de alto nível. Os diplomatas dos dois países trataram, entre outros temas, de cooperação na área de defesa e de agricultura.

Na ocasião, os americanos voltaram a expressar "confiança na democracia brasileira". Segundo Nuland, no entanto, ela alertou o governo e a oposição sobre o risco de interferência russa nas eleições deste ano.

Candidato à reeleição e em segundo lugar nas pesquisas, Bolsonaro tem feito uma série de comentários sobre supostas fragilidades das urnas eletrônicas, sem apresentar provas, e atacado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que conduz o processo.

Na semana passada, a agência de notícias Reuters noticiou que, em julho de 2021, o diretor da agência de inteligência americana, a CIA, William Burns, teria advertido assessores diretos de Bolsonaro de que o presidente, que àquela altura já levantava dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral, deveria deixar de questionar a integridade das eleições no país.

Tanto Bolsonaro como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que teria estado presente na conversa, negam que ela tenha acontecido.

Victoria Nuland, subsecretária de Estado dos EUA
Victoria Nuland, subsecretária de Estado dos EUA

Questionada sobre o que os EUA fariam em caso de uma tentativa de golpe no país, Nuland afirmou: "Queremos eleições livres e justas em países ao redor do mundo e, particularmente, nas democracias. Julgamos a legitimidade daqueles que se dizem eleitos com base em se a eleição foi livre e justa e se os observadores, internos e externos, concordam com isso. Então, queremos ver, para o povo brasileiro, eleições livres e justas no Brasil".

Ao citar observadores externos, Nuland toca indiretamente em mais um ponto sensível no atual debate político brasileiro. Depois que o TSE remeteu dezenas de convites para instituições estrangeiras acompanharem o pleito, em outubro, o Itamaraty reclamou do convite à União Europeia, e o TSE teve de recuar. Bolsonaro também disparou críticas públicas à presença dos observadores, que acompanham eleições brasileiras ao menos desde 1994.

Brasil e EUA vivem uma "recalibragem" de suas relações, depois do mal-estar causado nos americanos pela visita do presidente brasileiro a Moscou em fevereiro, dias antes de o líder russo Vladimir Putin ordenar a invasão da vizinha Ucrânia. Entre diplomatas brasileiros existe a expectativa de que Bolsonaro e Biden se falem pela primeira vez pessoalmente em Los Angeles (EUA), em junho, durante a Cúpula das Américas.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concisão e clareza.

BBC News Brasil - Os EUA mudaram recentemente de tom em relação à Rússia: falam em 'enfraquecer' o país, enviam altos funcionários e parlamentares (como a presidente da Câmara, Nancy Pelosi) a Kiev, estão treinando soldados ucranianos. Não existe o risco de que essa nova postura contribua para o discurso de Putin de que esta é uma guerra do Ocidente contra a Rússia e aumente as chances de uma guerra nuclear? O que há para os EUA ganharem com essa nova abordagem?

Victoria Nuland - Eu diria que nosso tom em relação à Rússia é uma resposta direta ao fato de que Putin e seus militares invadiram a Ucrânia e à agressão cruel que estão perpetrando no país, incluindo os tipos de crimes de guerra que temos visto em Bucha e Kramatorsk etc. E os Estados Unidos, junto com o Brasil e muitos outros países, 141 países, foram ao Conselho de Segurança da ONU e à Assembleia Geral da ONU e disseram 'não' à agressão da Rússia.

Portanto, temos que chamar as coisas pelos seus nomes, e isso não é apenas uma guerra cruel contra a Ucrânia, mas uma violação de todos os princípios da carta da ONU e da soberania e integridade territorial dos países. Estamos defendendo o Estado de Direito, as regras globais que levaram à paz e à segurança por tantos anos e que a Rússia está violando flagrantemente agora.

Putin e Biden se cumprimentam
Biden e Putin se reuniram em Genebra em meados de 2021, em uma que reunião durou menos do que era previsto e não impediu o início da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022

BBC News Brasil - O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, favorito para vencer as eleições de 2022 segundo pesquisas eleitorais, deu uma entrevista recente à revista Time em que critica o presidente dos EUA Joe Biden por não ter embarcado em um avião para Moscou para tentar dissuadir o líder russo Vladimir Putin da guerra. Como os EUA recebem essa crítica?

Nuland - Bem, em primeiro lugar, o presidente Biden falou com o presidente Putin duas, três, quatro vezes antes desta guerra, argumentando com ele. Como você deve se lembrar, os EUA descobriram esses planos de guerra no final de outubro e começaram a alertar o mundo em novembro, dezembro, janeiro, fevereiro que Putin tinha esses planos.

E durante esse período, o presidente Biden trabalhou muito para tentar convencer o presidente Putin a não ir à guerra, e em vez disso, seguir um caminho diplomático, trabalhar conosco, trabalhar com aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), trabalhar com a Ucrânia, negociar quaisquer preocupações que ele tinha sobre as visões de segurança russas na Ucrânia. E nos oferecemos para ajudar. Tivemos uma rodada de conversas.

Enviamos uma proposta de dez páginas analisando todos os tipos de coisas, como preocupações (russas) com armas ocidentais, etc. Mas, em vez de vir à mesa diplomática, o presidente Putin optou por invadir e invadir de uma maneira muito, muito sangrenta. Portanto, não acreditamos que ele esteja ouvindo alguém.

BBC News Brasil - O presidente brasileiro Bolsonaro sugeriu ao governo turco recentemente uma missão conjunta a Moscou para participar das negociações para o fim da guerra. Os EUA diriam que essa tentativa é bem-vinda?

Nuland - Não temos dificuldade com nenhum líder global tentando convencer Putin a acabar com esta guerra. E vários já tentaram. O presidente Putin não está ouvindo. Esse é o problema. Então, torna-se uma questão de, se ao ir a Moscou você não for muito cuidadoso, parece estar dando apoio à guerra de Putin, especialmente visto que ele não mostrou nenhuma evidência de mudança de rumo com telefonemas e visitas recentes.

BBC News Brasil - Cerca de uma semana antes do início da guerra na Ucrânia, dois grandes líderes da América Latina, os presidentes da Angentina e do Brasil, foram a Moscou para se encontrar com Putin. O que isso diz sobre as relações dos EUA com esses países da região?

Nuland - Sabíamos que essas visitas iriam acontecer. Exortamos tanto o Brasil quanto a Argentina a darem a Putin a mesma mensagem que o presidente Biden estava enviando a ele e aos funcionários russos em todos os níveis, pública e privadamente, de que esta guerra seria um desastre, não apenas para a Ucrânia, mas para a Rússia, para a liderança de Putin e para sua economia e sua posição militar. E nosso entendimento é que em ambas as visitas, ambos os líderes, tentaram argumentar com Putin, mas ele não estava ouvindo. Então este é o problema, Putin não está ouvindo ninguém.

BBC News Brasil - Teremos eleições presidenciais este ano no Brasil. Os EUA têm alguma preocupação ou motivo para acreditar que os russos tentarão interferir ou se intrometer no processo?

Nuland - Obviamente, temos preocupações. Vimos a Rússia se intrometer em eleições em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e na América Latina. Por isso, em minha recente visita ao Brasil, exortei o governo a ser extremamente vigilante, e a oposição também, para garantir que forças externas não estejam manipulando seu ambiente eleitoral de forma alguma. Isso precisa ser uma eleição de brasileiros para brasileiros, sobre seu próprio futuro.

Bolsonaro e Trump
Legenda da foto,Assim como aconteceu com Trump 2020 nos EUA, o presidente Bolsonaro está lançando dúvidas sobre o processo eleitoral no Brasil antes do pleito

BBC News Brasil - Assim como aconteceu em 2020 nos EUA, Bolsonaro está lançando dúvidas sobre o processo eleitoral no Brasil de antemão, exigindo a participação do Exército na apuração dos votos e dizendo que pode não reconhecer os resultados. Como os EUA veem esse tipo de declaração?

Nuland - Acreditamos que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais fortes da América Latina. Vocês têm instituições fortes, salvaguardas fortes, uma base legal forte. Então, o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando suas estruturas institucionais que já serviram bem a vocês no passado. Temos confiança no seu sistema eleitoral. Os brasileiros também precisam ter confiança.

BBC News Brasil - O que os EUA fariam caso alguma tentativa de subversão dos resultados eleitorais acontecesse no país?

Nuland - Queremos eleições livres e justas em países ao redor do mundo e particularmente nas democracias. Julgamos a legitimidade daqueles que se dizem eleitos com base em se a eleição foi livre e justa e se os observadores, internos e externos, concordam com isso. Então, queremos ver, para o povo brasileiro, eleições livres e justas no Brasil. Vocês têm uma longa tradição nisso. E isso é o mais importante para manter a força do Brasil daqui para frente.

BBC News Brasil - Os fertilizantes são um suprimento crítico para a produção de alimentos e o Brasil enfrenta a falta do produto, importado principalmente da Rússia. Os EUA apoiariam a criação de algum corredor seguro ou um salvo-conduto para navios russos carregados de fertilizantes para o Brasil, como o presidente brasileiro solicitou recentemente à diretora da Organização Mundial do Comércio?

Nuland - O fato de haver uma escassez global de fertilizantes - e uma escassez no Brasil - é resultado direto da decisão de Putin de lançar essa guerra. No meu entendimento, a única coisa que impede o fertilizante russo de chegar ao mercado é a guerra que Putin lançou.

Então, o que os Estados Unidos estão tentando fazer é trabalhar com países como o Brasil. E o secretário Blinken terá uma reunião, para a qual o Brasil está convidado, em algumas semanas sobre alimentação, segurança e fertilizantes etc., para ajudar países como o Brasil que precisam de fertilizantes. E então, com fertilizantes, podemos ajudar a alimentar o mundo, porque também temos muitos países com insegurança alimentar que dependem de grãos vindos da Ucrânia.

Quando eu estive no Brasil, nós trabalhamos em um projeto do Departamento de Agricultura dos EUA, para ver como vocês usam os fertilizantes nas lavouras (brasileiras). Estamos tentando aumentar a produção de fertilizantes nos EUA.

Estamos trabalhando com o Canadá e outros países que podem ajudar, para acelerar isso, para que vocês tenham uma safra muito forte, para poder alimentar a si mesmos e seus parceiros de exportação habituais, mas também possa ajudar a alimentar o mundo, (para o Brasil) ser generoso com alimentos, como já foi com o petróleo, com o aumento da produção brasileira de petróleo neste momento de necessidade para o mundo

*Texto publicado originalmente no BBC Brasil


Estados Unidos dizem confiar plenamente na democracia brasileira

DW Brasil

O governo dos Estados Unidos afirmou nesta quinta-feira (02/12) ter plena confiança de que as eleições de 2022 no Brasil serão "livres e justas". A declaração foi feita por Juan González, encarregado de assuntos da América Latina do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

Ele respondia a uma pergunta sobre o risco de o Brasil ter no ano que vem o seu próprio "6 de janeiro", em referência à invasão do Congresso americano por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, que tentavam evitar a certificação da vitória de Joe Biden.

O presidente Jair Bolsonaro, apelidado por alguns analistas como "Trump dos trópicos", afirmou diversas vezes, sem apresentar provas, que o sistema eletrônico de votação no Brasil sofre fraudes e disse que não admitiria uma derrota eleitoral. "Só Deus me tira daqui", disse ele em maio, após defender a adoção do voto impresso.

González fez em abril sua primeira viagem oficial à América Latina, que incluiu Colômbia, Argentina e Uruguai. O Brasil ficou de fora.


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Cúpula pela Democracia

Na próxima semana, o governo Joe Biden realizará aCúpula pela Democracia, para a qual o Brasil foi convidado e terá Bolsonaro como participante.

A cúpula virtual reunirá líderes de governos, de organizações da sociedade civil e de empresas, e será realizada na próxima quinta e sexta.

Questionado sobre a pertinência de ter Bolsonaro na cúpula, tendo em vista seus constantes ataques ao sistema democrático, González disse que o Brasil "definitivamente precisava ter um assento na mesa". "Se olharmos a trajetória da democracia brasileira, creio que as instituições brasileiras têm muito a ensinar ao mundo sobre a democracia."

O assessor do governo Biden ressaltou que a cúpula não terá somente a participação de governantes. "Acho importante que os líderes escutem os jornalistas e a sociedade civil e os ajudem a assumir seus próprios compromissos sobre como os governos podem realmente responder a algumas das demandas que recebem da população", disse.

Bolsonaro também aceita convite de Putin

A Cúpula pela Democracia organizada por Biden convidou chefes de governo e de Estado de cerca de 110 nações, e deixou de fora a Rússia, China, Turquia, Hungria, Venezuela e Bolívia, entre outros países.

Uma das nações que ficou irritada com a iniciativa americana foi a Rússia. Em novembro, o Kremlin acusou os Estados Unidos de tentarem criar divisão entre os países com a cúpula.

Putin já veio ao Brasil em 2019 para Cúpula dos Brics, mas Bolsonaro ainda não fez viagem oficial à Rússia. Foto: Secom/PR

"Certamente temos uma atitude negativa em relação a esse evento. Não é nada mais do que uma tentativa de traçar novas linhas divisórias", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Ele acusou os Estados Unidos de tentarem "privatizar a palavra 'democracia'", acrescentando que, para Washington, democracia é apenas o que se encaixa em seu entendimento.

Nesta quinta-feira, Bolsonaro informou que aceitou um convite do presidente russo, Vladimir Putin, para viajar ao seu país em 2022. Segundo a agência de notícias estatal russa, Putin disse que o Brasil era um dos "mais importantes parceiros estratégicos" da Rússia.

Bolsonaro disse que havia aceitado o convite e está "feliz" e "honrado", pois a inciativa "abre uma janela de oportunidade" para o Brasil. "É um grande mercado consumidor. Vamos aprofundar esse relacionamento com a Rússia. (...) Vamos nos preparar para fazer dessa visita uma oportunidade de alavancarmos a nossa economia", afirmou.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/eua-dizem-confiar-plenamente-na-democracia-brasileira/a-60010425