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DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”
Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Cristina Serra: Bolsonaro e o trator da corrupção
Não é de hoje que as emendas parlamentares se prestam ao toma lá, dá cá. Mas a coisa ganha outra dimensão quando se sabe quem pediu o quê, para quem e quanto, como mostrou o repórter Breno Pires, de O Estado de S. Paulo. A reportagem revela a existência de um orçamento secreto e o intrigante pendor dos congressistas por máquinas agrícolas, especialmente tratores. A malandragem já vem batizada: é o tratoraço de Bolsonaro.
A reportagem é o roteiro de uma investigação. Nomes, valores e destinação das máquinas estão ali. Tudo cheira mal na rapinagem de R$ 3.000.000.000,00 do orçamento público. Teoricamente, as máquinas vão ser usadas em obras de prefeituras. Algumas estão localizadas a milhares de quilômetros da base eleitoral dos parlamentares, e foi detectado superfaturamento de até 259% nas compras. Ora, mas Bolsonaro não havia acabado com a corrupção?
O tratoraço de Bolsonaro explica a eleição folgada de Arthur Lira para a presidência da Câmara, o engavetamento dos pedidos de impeachment (além dos que foram herdados de Rodrigo Maia) e a dificuldade de criação da CPI da Covid-19 no Senado, arrancada a fórceps por decisão do STF. A pilhagem tem que ser investigada no contexto da pandemia. O mesmo Bolsonaro que usa dinheiro público para aliciar parlamentares é o que está no comando do genocídio brasileiro.
O que sobra para encomendar tratores e, claro, produzir cloroquina falta para comprar oxigênio, abrir leitos de UTI e para as tão esperadas vacinas. Por falta delas, capitais suspenderam a imunização. Sem a matéria-prima da China, o Butantan interrompeu a produção de doses. Sem vacina para todos, a morte, a fome e o desemprego seguirão nos ameaçando por tempo indefinido.
Penso no Brasil de Bolsonaro como a metáfora de uma casa abandonada, onde os ratos se sentem à vontade para disputar os despojos. Para não chegarmos a isso, é preciso CPI, impeachment, processo, condenação e prisão.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/bolsonaro-e-o-trator-da-corrupcao.shtml
Merval Pereira: Sem legenda
O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.
Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.
Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.
Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.
Não há dúvida de que o PSL cresceu nas eleições de 2018, tornando-se o segundo maior partido da Câmara, devido à onda bolsonarista. Mas, transformado em uma potência mais econômica do que política devido aos fundos partidário e eleitoral, transformou também seus “donos” em felizardos descobridores de uma mina de ouro, de cujo controle não querem abrir mão.
A desorganização de seu grupo político ficou demonstrada na tentativa de criar uma legenda própria, a Aliança pelo Brasil, que acabou abandonado antes de nascer por impossibilidade de conseguir as assinaturas necessárias. Em busca de um partido para disputar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro, que já foi de nove partidos diferentes, não consegue encontrar sua décima legenda.
Quando fazia parte do baixo clero, podia pular de legenda em legenda com a garantia de uma votação acima da média. Hoje, quer controlar o partido que o receber e, até agora, teve rejeitados todos os seus desejos. Acontece que, no Brasil, não há partidos programáticos, mas com “donos” controladores. Controlar um partido é negócio grande, o que ganha menos ganhou na recente eleição R$ 1,5 milhão do fundo eleitoral, mesmo sem ter cumprido as cláusulas de barreira.
Os que conseguiram cumprir as exigências novas da legislação eleitoral, além de tempo de televisão, ganham também os Fundo Partidário e o Eleitoral, que deram cerca de R$ 359 milhões ao PSL pelo resultado da eleição de 2018. O PRTB — Partido Renovador Trabalhista Brasileiro —, em que o vice-presidente Hamilton Mourão está inscrito, não cumpriu as cláusulas de barreira e ficou sem tempo de televisão e fundo partidário, mas, mesmo assim, a família de Levy Fidelix, que controla o partido com a morte de seu patriarca, não aceitou a condição de Bolsonaro de controlar suas finanças.
Quem hoje preside a legenda é a viúva Aldinea Fidelix, e um dos seus três filhos, Levy Fidelix Filho, é o secretário-geral. Um negócio familiar de que não desejam abrir mão, mesmo com a possibilidade de ter o presidente Bolsonaro como candidato à reeleição. Bolsonaro teria pedido carta branca, o que significa que, além dos fundos de financiamento, os Bolsonaros poderiam alterar o comando de diretórios estaduais e controlar as decisões da Executiva Nacional.
Não será por falta de partido que Bolsonaro deixará de disputar a eleição presidencial de 2022, mas a dificuldade para encontrar uma legenda demonstra também que já foi o tempo em que sua vitória era considerada favas contadas.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/sem-legenda.html
Carlos Andreazza: Uma aposta fatal
Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.
A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.
O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.
Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.
Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.
Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.
Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.
À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.
(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)
Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.
Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.
Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.
Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”, disse à agência de notícias Efe Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Joel Pinheiro da Fonseca: Esquerda precisa superar jogo infantil sobre Bolsonaro e impeachment de Dilma
Prosseguindo o debate com o professor Luis Felipe Miguel a respeito do impeachment de Dilma Rousseff, que completa 5 anos, autor argumenta que a esquerda constrói uma narrativa simples e maniqueísta para atribuir à “direita moderada” uma suposta ruptura do pacto democrático e a vitória de Bolsonaro, fechando os olhos para a crise no governo do PT e para a multidão que foi às ruas contra o partido
Rotular é o jeito mais fácil de não argumentar. No Brasil, então, é uma verdadeira arte: encontre os rótulos adequados, adjetivos e qualificações carregados de avaliação moral implícita, e já está comunicado para seu público quem é o bem e quem é o mal. Resta só contar a história.
Assim faz o artigo do professor Luis Felipe Miguel publicado na Ilustríssima em 16/5. Constrói uma narrativa simples e maniqueísta para jogar no colo da direita moderada brasileira (que não seria sequer moderada, mas radical) a eleição de Bolsonaro, seu suposto filho bastardo.
Foi essa direita —e sua aliada, a mídia— que cooptou os protestos de junho de 2013, que não aceitou a derrota nas urnas em 2014, que rompeu o consenso democrático, fez os protestos pelo impeachment e inventou a Lava Jato. A direita quer negar direitos, recusa a justiça social e mesmo a solidariedade. Em um verdadeiro primor de objetividade analítica, Miguel chega a caracterizá-la de “antipovo”.
É fácil jogar o jogo da responsabilidade. Eu também sei jogar. Se fosse entrar nele, diria que o próprio PT pariu Bolsonaro. Primeiro com a corrupção numa escala que chocou o Brasil. Segundo com a pose incessante de superioridade moral, e mesmo de monopólio da virtude, que jogava todo mundo que discordava de sua agenda no campo dos “antipovo”, polarizando o Brasil desde pelo menos 2010.
Foi a dissonância do discurso intolerante vindo de uma “goela muito aberta” pela corrupção (para usar a expressão de Emílio Odebrecht) que engendrou o ódio cego de tantos milhões de brasileiros pelo PT. Por fim, o partido promoveu uma farsa em 2018 com a falsa candidatura de Lula e com o real candidato, Fernando Haddad, inexpressivo, indo se consultar com seu mentor na prisão. O bebê é seu!
Jogar esse jogo, contudo, é perda de tempo. Primeiro porque, como argumentei anteriormente, os rumos da história são incertos. E segundo porque esse jogo nos fixa na percepção enganosa de que a história se faz entre as narrativas de elites opostas (seja a “direita moderadas” ou o PT), ignorando um ator que facilmente é esquecido justo pela esquerda, que gosta de se ver como seu intérprete oficial: o povo.
Na narrativa de Luis Felipe Miguel, o impeachment foi obra de uma decisão da direita de romper o pacto democrático que vigorava desde a redemocratização. Primeiro é preciso apontar que isso está factualmente errado. O impeachment de Dilma foi o segundo desde a redemocratização. Ou seja, não foi rompimento coisa nenhuma, e sim continuidade com nossa tradição democrática e constitucional, que inclui a possibilidade de retirar um presidente impopular que cometa crime de responsabilidade, como foi o caso de Collor e de Dilma.
O objetivo do “golpe” teria sido, ainda segundo Miguel, “impedir que o campo popular continuasse a ser admitido como interlocutor legítimo do jogo político”. Será? Segundo pesquisa Datafolha de março de 2016, 68% da população era favorável ao impeachment. A popularidade do governo estava ainda pior. Na mesma época, Dilma amargava 10% de aprovação. As multidões nas ruas assustavam e pressionavam o Congresso.
É no mínimo curioso que o suposto “campo popular”, acuado, tivesse tão pouco… povo! Custa a Miguel reconhecer que a queda de Dilma não apenas não contrariou como teve a adesão entusiasmada do “campo popular”.
No artigo de Miguel, sobram atores responsáveis pelos eventos de 2013 a 2018: a mídia, o PSDB, a Fiesp, a direita moderada, a burguesia. Só faltou o povo.
A questão é que o povo real, empírico, de carne e osso, sempre múltiplo, nem sempre deseja as mesmas coisas que seus porta-vozes da esquerda iluminada postulam. Ele tem uma autonomia própria para além das elites de direita ou esquerda que buscam domá-lo. Com as redes sociais, essa autonomia só aumentou.
E assim voltamos a 2013. Não houve um aliciamento da direita por obra da malvada mídia. A mídia já não tinha esse poder. Basta lembrar que jornalistas, especialmente da rede Globo, foram vaiados e atacados pela multidão, assim como representantes de todo e qualquer partido.
Com os fatos incontestes da crise econômica (14 milhões de desempregados e a recessão mais profunda jamais registrada em nossa história) e da corrupção do PT e aliados, era bem compreensível que grande parte do povo quisesse varrer os petistas do mapa em 2016.
Somem-se a isso os crimes de responsabilidade concretos —as pedaladas e a criatividade contábil que só aprofundaram a crise fiscal, e que Miguel nem sequer tenta defender— e temos todos os elementos para o impeachment.
Não foi uma pequena elite de direita que tramou e efetuou o impeachment. Ele foi demandado por uma maioria barulhenta da população, que não raro rejeitava também os cabeças dos partidos de centro-direita, que o apoiaram com alguma relutância (com a consciência de que poderiam facilitar a volta do PT).
Esses líderes não contavam com amor popular. Basta lembrar que Geraldo Alckmin e Aécio Neves chegaram a ser vaiados numa manifestação anti-Dilma, e que a popularidade de Temer, em seus melhores momentos, jamais superou os 10%.
O mesmo povo apoiou majoritariamente as greves dos caminhoneiros que colocaram o governo Temer de joelhos. Bolsonaro nadou de braçada. Por fim, nas urnas em 2018, embora contasse com diversos candidatos (Alckmin, Amoêdo, Meirelles), a direita moderada também perdeu feio.
Volto ao ponto central do meu artigo original: temos um forte sentimento antissistema, uma insatisfação profunda com a vida institucional brasileira e com a política como ela é feita. Bolsonaro foi capaz de encarnar esse sentimento.
De minha parte, tenho a consciência tranquila —sim, esta consciência supostamente extremista, antipovo, que nega a solidariedade e ainda quer criminalizar a esquerda— por ter apontado e combatido o movimento pró-Bolsonaro desde 2016, quando ele já exaltava Ustra e antagonizava com Jean Wyllys na Câmara.
Já fui mais radical pró-mercado, mas a vida intelectual é constante transformação. Ao longo desse processo, aprendi muito com autores e interlocutores de todos os vieses, inclusive de esquerda. E sei que o ponto de partida para qualquer troca é não bloquear a discussão desde o início, acusando as motivações alheias, verdadeiro cacoete marxista.
Grande parte da esquerda brasileira ainda está presa ao jogo infantil de tentar colar todo mundo que não compactuou com o PT no campo filobolsonarista. É confortável atribuir as piores intenções para não ter que discutir a realidade.
Houve o petrolão? É um avanço prender políticos e empresários corruptos? É preciso resolver o desequilíbrio fiscal brasileiro? E enfrentar as causas de nossa pouca produtividade no plano global? Não adianta vir com os rótulos de “antipovo” e “contra direitos”. Ou talvez pensem que quebrar o país, estourar o desemprego, derrubar nossa produtividade, fazer controle político de preços e maquiar números, isso sim, seja ser pró-povo!
Esse primarismo mata o debate no Brasil. Não é à toa que, hoje, a oposição eficaz ao governo Bolsonaro venha justamente da centro-direita, no Congresso e nos governos estaduais. Teto de gastos ou expansão fiscal, mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível, abertura ou fechamento comercial, direito penal mais garantista ou mais duro com a corrupção; todos são plenamente defensáveis dentro de uma estrutura democrática. Não há que se condenar a priori as supostas motivações (e portanto a legitimidade) de cada um.
Felizmente, parece que o surto que elegeu Bolsonaro começa a enfraquecer. Lula, por outro lado, se fortalece. A pergunta é: seu projeto de poder continuará fechado nesse solipsismo esquerdista ou voltará ao pragmatismo do diálogo de seu primeiro governo?
Vale lembrar que o Bolsa Família foi elaborado em colaboração pragmática com economistas supostamente “neoliberais”, “antipovo” —Marcos Lisboa, Ricardo Paes de Barro e outros—, contra os desejos de quadros históricos do partido. Foi o maior sucesso do PT.
Lulistas viscerais e inteligentes como Luis Felipe Miguel podem ajudar a qualificar o debate ou, viciados na ilusão da própria superioridade moral, acusar tudo e a todos que não se curvarem. Lula e Bolsonaro podem ser muito diferentes, mas o fanatismo de seus seguidores é parecido.
Enquanto culpam os adversários —o Judiciário, a CIA (ou a ONU), a elite, a imprensa—, se aliam a Renans, Liras e Sarneys para governar. Só não se esqueçam de que o povo está vendo. E não se espantem se ele não comparecer.
*Joel Pinheiro da Fonseca é economista, mestre em filosofia pela USP e colunista da Folha
Fonte:
Folha de S. Paulo
Pablo Ortellado: Sem medo do voto impresso
Precisamos ter cuidado com as tomadas de posição automáticas e irrefletidas que adotamos em tempos de polarização. Nem tudo aquilo que Bolsonaro propõe é ruim, apenas porque ele propôs. É o caso do voto impresso auditável, uma proposta bastante razoável, que tem o respaldo de muitos especialistas e é adotada com bons resultados noutros países.
Embora a medida seja apropriada, ela certamente não é oportuna, seja porque não temos tido casos de fraude, seja porque a substituição dos equipamentos é cara e a implementação, demorada. E deveríamos ter outras prioridades em tempos de Covid-19.
O voto impresso tem muitos apoiadores no Congresso. A medida chegou a ser aprovada na minirreforma de 2015, mas foi derrubada depois pelo STF. Agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprová-la por meio de uma proposta de emenda à Constituição de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF).
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, tem se esforçado em defender o legado da urna eletrônica, que pôs fim às fraudes recorrentes das cédulas de papel e aguentou bem o teste prático das eleições democráticas dos últimos 25 anos, sem que tenha mostrado problemas relevantes.
Mas, ainda que seja segura, ela tem problemas. Seu modelo de criptografia fechado tem sido alvo de críticas de especialistas, que defendem que um sistema aberto seria mais robusto porque permitiria uma auditoria permanente da comunidade acadêmica e de outros interessados.
Críticos também têm apontado que o sistema de impressão do voto, depositado automaticamente na urna, permitiria uma auditoria da máquina que não fosse apenas a inspeção do software, seria de melhor entendimento e transmitiria mais segurança aos eleitores.
Essa poderia ser uma discussão acadêmica sobre aperfeiçoamentos técnicos do sistema de votação, mas ela é hoje bem mais do que isso.
Desde as eleições de 2018, Bolsonaro tem criticado a confiabilidade da urna eletrônica sem que tenha apresentado qualquer evidência concreta de fraude. Apesar disso, acredita que ganhou as eleições passadas com uma margem maior que a oficialmente registrada e ameaça que, se o sistema de votação não for modificado, pode não aceitar o resultado das eleições, como fez Donald Trump.
Não está claro se o objetivo da proposta que está tramitando agora é realmente implementar o voto impresso auditável para as eleições de 2022 ou se é apenas um jogo de cena que permitiria a Bolsonaro dizer que tentou resolver o problema da confiabilidade das urnas, mas foi impedido pelo Congresso, pelo STF ou pelo “sistema”. Ainda que a proposta seja aprovada por Câmara e Senado antes de outubro deste ano, não seria viável implementar mais que um projeto-piloto para as próximas eleições.
Apesar de cara e apressada, pode ser conveniente aprovar a proposta de uma vez, dadas as circunstâncias políticas. No mérito, a proposta de fato aperfeiçoa o sistema de votação. E ela pode retirar dos autoritários um dos argumentos que seguramente serão usados para criar instabilidade nas eleições de 2022.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/sem-medo-do-voto-impresso.html
Murillo de Aragão: O jogo da polarização
As mudanças nas regras eleitorais em 2015, ainda vigentes, fizeram em 2018 a campanha eleitoral durar apenas 45 dias, em vez de noventa. Além disso, foram banidos os financiamentos empresariais de campanhas e estabelecido um teto de gastos por tipo de candidatura.
Outra consequência importante de tais mudanças foi dar maior relevância aos potenciais candidatos no período pré-eleitoral. É o que está acontecendo agora. No Congresso e nos partidos e, obviamente, na Presidência da República, a pré-campanha já está em curso.
Mas enquanto o debate sucessório toma o mundo político, o eleitorado ainda se mantém distante do tema. A Covid-19 e o desemprego são questões prioritárias e decisivas para a escolha do próximo presidente em 2022. E o debate midiático sobre a política ainda não causa efeito mobilizador entre o eleitorado.
No momento, dois presidenciáveis largam na frente. O primeiro é Jair Bolsonaro, que, pela força do cargo, tem condições de impor sua narrativa, o que, naturalmente, terá grande repercussão. Além disso, Bolsonaro conta com forte apoio nas redes sociais. Embora outros presidenciáveis também façam uso dessas mídias, só ele possui militância engajada com capacidade de disseminar conteúdo nas redes.
“Um problema do centro político é que, quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum”
Quem também leva vantagem na pré-campanha é o ex-presidente Lula (PT). Apesar de o Lula de hoje não ter, por exemplo, a força do Lula de 2010, quando foi o maior responsável pela eleição de Dilma Rousseff, ele mobiliza a maior parte das esquerdas. Sem contar que parte significativa do eleitorado, sobretudo no Nordeste, e os segmentos de menor renda têm uma lembrança positiva de seu governo no campo econômico e social.
As demais opções — João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Tasso Jereissati (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro — não estão apresentando narrativa consolidada nem militância partidária ou digital engajada.
No centro político existe uma dúvida sobre se o engajamento eleitoral deve ser antecipado. Tal dúvida se fortalece pelo fato de não haver um candidato natural que aglutine as forças de oposição. Quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum. É o caso. Nenhum dos nomes acima aglutina, e a luta por uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula parece difícil de ser construída. Mas isso não deixará de ser tentado.
Enquanto o centro político está desorganizado e parte do Centrão já foi cooptada por Bolsonaro, o que deve acontecer nos próximos meses? Enquanto se tenta uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula, eles devem tentar rachar o centro tendo em vista neutralizá-lo. A desunião do centro interessa tanto a Lula quanto a Bolsonaro.
Não à toa a estratégia preferencial de Lula é manter Bolsonaro sob pressão, sem, porém, que ele seja inviabilizado pela CPI da Covid: que ele se mantenha no poder, mas enfraquecido. Já Bolsonaro aposta que seu adversário ideal é Lula, uma vez que acredita que o antipetismo forçaria o eleitorado centrista a escolhê-lo. Sendo assim, a polarização acirrada interessa a ambos, ainda que não necessariamente ao país.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738
Fonte:
Datafolha: Lula lidera corrida eleitoral de 2022 e marca 55% contra 32% de Bolsonaro no 2º turno
Fábio Zanini, Folha de S. Paulo
Pouco mais de dois meses após ter seus direitos políticos restabelecidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno e venceria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda etapa, revela pesquisa Datafolha.
O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro.
Em um segundo pelotão, embolados, aparecem o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido), com 7%, o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), com 6%, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 4%, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que obtém 3%, e, empatados com 2%, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o empresário João Amoêdo (Novo).
Somados, os adversários de Lula chegam a 47%, apenas seis pontos percentuais a mais do que o petista. Outros 9% disseram que pretendem votar em branco, nulo, ou em nenhum candidato, e 4% se disseram indecisos.
O levantamento foi realizado com 2.071 pessoas, de forma presencial, em 146 municípios, nos dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%. Ele receberia a maioria dos votos dados a Doria, Ciro e Huck, enquanto o presidente herdaria a maior fatia dos que optam por Moro, seu ex-ministro da Justiça e atual desafeto.
O petista também venceria na segunda etapa contra Moro (53% a 33%) e Doria (57% a 21%).
Já Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria, marcando 39%, contra 40% para o tucano. E perderia para Ciro, obtendo 36%, contra 48% para o pedetista.
É a primeira pesquisa de intenção de voto do Datafolha feita desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações judiciais do petista, com a justificativa de que a Justiça Federal em Curitiba não era o foro competente para as ações.
A decisão de Fachin depois foi referendada pelo plenário do STF, que deu a Lula outra vitória relacionada à Lava Jato: o reconhecimento de que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar o petista no caso do tríplex de Guarujá (SP).
As decisões do Supremo não significam a absolvição de Lula, uma vez que as quatro ações penais do ex-presidente na Lava Jato foram transferidas para Brasília.
Na prática, o petista readquiriu o direito de disputar a Presidência no ano que vem, e não perdeu tempo em retomar contatos políticos.
Após ter sido imunizado com as duas doses contra a Covid-19, ele viajou a Brasília na semana passada, onde teve encontros com representantes de diversos partidos.
Além de contatos com a esquerda, também conversou com líderes do centrão e até do MDB, partido que capitaneou o impeachment conta a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Assim que a pandemia permitir, ele pretende também realizar viagens por estados brasileiros, numa espécie de pré-campanha. Segundo aliados, Lula pretende se apresentar como um político moderado, de centro, e cogita repetir a fórmula de suas duas vitoriosas campanhas presidenciais, em 2002 e 2006, com um empresário como vice.
Nesta pesquisa, Lula mantém seu padrão tradicional de apoio, com índices superiores de intenção de voto em segmentos de menor renda e escolaridade.
Ele marca 51% entre os que declaram ter ensino fundamental, e 47% na faixa de renda familiar de até dois salários mínimos mensais.
Por outro lado, seu índice cai para 30% nos que têm curso superior, e 18% no estrato mais rico, o de renda maior do que dez salários mínimos. Mais uma vez, o Nordeste demonstra ser o maior reduto eleitoral para o petista, onde ele atinge 56%.
Bolsonaro, por sua vez, vive um momento de abalo em sua imagem, em razão da criticada gestão da pandemia, que é objeto de uma CPI no Senado.
Ele tem 36% das intenções de voto entre os que declaram estar vivendo normalmente, mesmo com a pandemia, em empate técnico com Lula (33%). Bolsonaro tem promovido aglomerações, e muitas vezes dispensa o uso de máscaras.
Na outra ponta, aqueles que dizem estar totalmente isolados apoiam Lula de forma maciça (58%), contra apenas 8% dados a Bolsonaro.
O presidente tem mais apoio do que a média entre os homens (29%), os eleitores que têm ensino médio (26%) e os de renda de 5 a 10 salários mínimos (30%).
O presidente perde para o petista em todas as regiões, mas tem melhor desempenho no Sul e no Centro-Oeste/Norte, nas quais é forte o agronegócio, uma de suas grandes bases de apoio. Tem 28% em ambas.
Em outro segmento que costuma dar apoio ao presidente, o dos evangélicos, Bolsonaro tem 34%. Mas Lula também vai bem neste grupo, com 35% das intenções de voto, uma situação de empate técnico.
Bolsonaro também sofre os efeitos do aumento do desemprego e do repique da inflação, sobretudo a de alimentos.
No mês passado, o pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal foi retomado, mas com um valor mais baixo, o que limitou a recuperação da popularidade do presidente. Dentre os que receberam o benefício, 22% declaram intenção de voto em Bolsonaro, o que não destoa da média geral aferida pelo instituto.
Entre os que se declaram desempregados à procura de trabalho, Bolsonaro tem apenas 16% das intenções de voto. O único estrato profissional em que ele lidera é o dos empresários, com 49% contra 26% de Lula.
Com o avanço da CPI da Covid, os apoiadores do presidente retomaram a participação em manifestações de rua, muitas vezes ignorando os protocolos de proteção contra a pandemia. Isso ocorreu em diversas cidades no Dia do Trabalho, enquanto o próprio presidente prestigiou um ato de motociclistas em Brasília no domingo (8).
As últimas semanas também viram uma intensa movimentação de Ciro, que busca dar uma guinada ao centro, após a volta de Lula ao cenário eleitoral.
Seu partido contratou o publicitário João Santana, que trabalhou com o PT, para mostrá-lo como uma alternativa à polarização representada por Lula e Bolsonaro. Em vídeos divulgados em redes sociais, Santana também tem buscado suavizar a imagem do ex-ministro, conhecido pelo pavio curto.
Ele se sai melhor entre os que têm ensino superior (11%) e no estrato mais rico (13%).
A pesquisa revela ainda que Doria segue tendo dificuldades para capitalizar politicamente o fato de ter trazido ao Brasil a Coronavac, parceria do Instituto Butantan com um laboratório chinês.
Até o momento, cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil são fruto desta parceria, mas o tucano não tem conseguido transformar esse fato em intenções de voto.
Com relação aos demais candidatos, há dúvidas se vão mesmo concorrer. Huck teria de deixar um lucrativo contrato com a TV Globo, enquanto Moro desgastou-se após a série de derrotas sofrida pela Lava Jato.
54% DIZEM QUE NÃO VOTARIAM EM BOLSONARO DE JEITO NENHUM EM 2022
Para se reeleger em 2022, Jair Bolsonaro também terá de enfrentar um alto índice de rejeição, que ultrapassa metade do eleitorado e poderá ser um complicador, especialmente em um segundo turno.
Dentre os entrevistados pela pesquisa Datafolha, 54% dizem que jamais votariam nele.
A rejeição de Lula é a segunda maior, com 36%, seguida pelas de Doria (30%), Huck (29%), Moro (26%) e Ciro (24%).
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-lula-lidera-corrida-eleitoral-de-2022-e-marca-55-contra-32-de-bolsonaro-no-2o-turno.shtml
Ricardo Noblat: CPI da Covid vai desgastar o governo, mas não irá muito além
O presidente Jair Bolsonaro e seus asseclas acertam ao dizer que a CPI da Covid-19 no Senado não os derrubará de onde estão antes da eleição do ano que vem. Mas erram quando dizem que ela simplesmente “vai dar em nada”.
Se não vai dar em nada, por que tudo fizeram, embora mal feito, para impedir sua criação, depois sua instalação e tentaram indicar uma maioria de senadores que lhes fosse favorável? Conversa para boi dormir, ou para enganar os bolsonaristas de raiz.
O relatório final da CPI vai apontar todos os pecados mortais e veniais cometidos por Bolsonaro na luta que ele não lutou contra a pandemia. Deliberadamente, deixou-a correr solta e concedeu passe livre para que o vírus matasse.
A construção da narrativa para sustentar a acusação de que houve um genocídio será uma poderosa arma de campanha para dificultar a reeleição de Bolsonaro. Só isso bastaria para justificar a existência da CPI – e o presidente está cansado de saber.
Mas para além disso, o relatório não servirá. Manda a lei que ele seja enviado à Procuradoria-Geral da República que o arquivará ou oferecerá denúncia contra os acusados. Será arquivado porque Augusto Aras, o procurador, é amigão de Bolsonaro.
É mais do que amigão: Aras deve o cargo a Bolsonaro e espera que ele retribua seus favores nomeando-o para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal a ser aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Melhor que espere deitado.
O relatório poderia servir para a abertura de mais um processo de impeachment contra Bolsonaro, mas nesse caso, os interessados deverão esperar dormindo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, jamais fará uma coisa dessas.
De resto, nem a oposição quer que ele faça. A ordem é deixar Bolsonaro sangrando até 2022. Corre o risco de Bolsonaro receber uma transfusão de apoio popular e se reeleger.
Aspirantes a candidato à vaga de Bolsonaro batem em retirada
Tudo pode acontecer na eleição do ano que vem, inclusive o que se desenha hoje – Bolsonaro x Lula
O ex-juiz Sergio Moro saltou fora. Ou melhor: foi desclassificado da corrida preliminar para a vaga de presidente da República no ano que vem. Primeiro, foi empurrado para fora do páreo por Jair Bolsonaro, e teve que se demitir do Ministério da Justiça.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerá-lo suspeito no caso da Lava Jato e de anular as condenações de Lula acabou por selar o destino de Moro – atuar em um grande escritório de advocacia nos Estados Unidos, onde é sempre bem-acolhido.
Luciano Huck está mais para suceder Faustão nas tardes de domingo da Rede Globo do que para enfrentar a aventura de perder dinheiro e sair da campanha com sua fama de bom moço seriamente chamuscada.
Eleição é parada dura, e só os cascudos escapam de morrer, mesmo assim com graves escoriações. Huck voltou recentemente a repetir para um amigo: só seria candidato se Bolsonaro chegasse ao final deste ano com a língua de fora. Não será, portanto.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ainda sonha em ser o candidato dessa indefinida entidade chamada de centro (não confundir com o Centrão, de identidade mais do que conhecida). Mas, por via das dúvidas, admite disputar o governo ou o Senado.
Seu domicílio eleitoral é em Mato Grosso do Sul, onde se elegeu deputado federal duas vezes. Planeja transferi-lo para o Rio de Janeiro, de olho no governo ou em uma vaga no Senado. Para isso conta com o apoio do seu partido, o combalido DEM.
E assim vai se desidratando o contingente de nomes que ambicionavam concorrer à eleição presidencial de 2022. As prévias do PSDB deverão ser ganhas por João Doria, governador de São Paulo, que se apresenta como o pai da vacina anti-Covid.
Doria tem apetite, dinheiro e uma poderosa máquina governamental em suas mãos. Até lá, ou Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, ou Tasso Jereissati, senador pelo Ceará, desiste de disputar as prévias, ou Doria os esmagará.
Candidatos a presidente irremovíveis e com chances de ir para o segundo turno restarão Doria, Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Bolsonaro, por enquanto sem partido. Os demais serão figurantes. Aqui, de todo modo, cabe uma ressalva.
O Brasil é a pátria do aleatório. O acaso costuma surpreender contrariando o previsível. Lula, por exemplo, foi o presidente mais popular da história. Acabou preso e Bolsonaro, eleito. Agora, recuperou seus direitos políticos e poderá se eleger. Quem diria?
Fonte:
Metrópoles
El País: Bolsonaro tem alta na popularidade e só Lula o venceria no 2º turno em 2022, mostra pesquisa Atlas
Flávia Marreiros, El País
O presidente Jair Bolsonaro obteve uma melhora em seu nível de popularidade neste mês de maio em relação a março, revela pesquisa Atlas divulgada nesta segunda-feira. De acordo com os números, 40% da população aprova o desempenho do ultradireitista, contra 35% em março. A desaprovação também teve leve queda e foi de 60%, há dois meses, para 57% agora. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Para Andrei Roman, CEO do Atlas, a melhora de Bolsonaro tem relação direta com a volta do pagamento do auxílio emergencial, a partir de abril, apesar de ter valores mais baixos do que os do benefício pago em 2020. Na visão de Roman, há ainda “um alívio relativo em relação a situação da pandemia no país”, destaca. “A pesquisa anterior, de março, foi feita no ponto de maior estresse”, pondera ele. Março e abril foram os meses mais letais da pandemia até agora no Brasil. A média de mortes caiu nas últimas semanas, mas especialistas apontam que ainda é cedo para qualquer comemoração e alertam para risco de uma nova onda de contágios com os encontros do Dia das Mães neste fim de semana. Como esperado, os índices de avaliação do Governo Bolsonaro também exibiram melhora: 31% (contra 25% em março) consideram a gestão ótima e boa, contra 53% que a consideram ruim ou péssima (eram 57% em março).
Lula também tem melhora e 2022
A pesquisa Atlas também mostra que a melhora da popularidade de Bolsonaro se refletiu em uma melhor performance nas simulações eleitorais para a corrida pela sucessão presidencial em 2022. O presidente lidera numericamente a corrida no primeiro turno, quer com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou não. Com Lula, aparece em empate técnico. Tanto o mandatário como o petista tiveram melhor desempenho em maio em relação a março. Bolsonaro foi de 32,7% de intenção de votos há dois meses para 37%. O petista, que conseguiu reaver seus direitos políticos após decisões do Supremo Tribunal Federal que eliminaram o veto da Lei da Ficha Limpa, também surfou na nova conjuntura. No período, o ex-presidente foi de 27,4% em março para 33,2% em maio na simulação de intenções de voto no primeiro turno.
Lula, inclusive, é o único que continua vencendo o atual ocupante do Planalto em 2022 em um eventual segundo turno, fora da margem de erro da pesquisa. O ex-presidente aparece com 45,7% contra 41% de Jair Bolsonaro, uma diferença de quase cinco pontos percentuais, quando a margem de erro da pesquisa é de dois pontos. Ciro Gomes (PDT) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) aparecem numericamente à frente de Bolsonaro, mas em ambos os casos estão tecnicamente empatados.
Para Andrei Roman, Bolsonaro se beneficia da fraqueza cada vez maior de seus antigos rivais diretos no espectro de direita e centro-direita, com a redução da figura o ex-juiz Sergio Moro (aparece com 4,9% quando tinha 9,7% em março). “Há ainda a canibalização deste espaço com a entrada do Danilo Gentili”, aponta. O humorista e apresentador de TV vem sendo ventilado como um candidato da direita ―pelo mundo, vários comediantes já tentaram a sorte nas urnas como nomes antissistema, alguns com sucesso. Na pesquisa, Gentili aparece com 2%. Veja os demais nomes na simulação de primeiro turno.O levantamento também mediu a imagem positiva e negativa dos líderes. Nesse quesito, Lula e Bolsonaro aparecem quase numericamente empatados em termos de rejeição.PUBLICIDADE
A pesquisa Atlas foi realizada com 3.828 entrevistas entre os dias 6 e 9 de maio, todas feitas por meio de questionários aleatórios via internet. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com as características da população brasileira.
Fonte:
El País
Míriam Leitão: As boas notícias e o estraga cenário
Há notícias boas na economia, mas a incerteza permanece. O real zerou as perdas do ano em relação ao dólar, em parte isso é resultado do forte saldo comercial derivado da alta de produtos exportados pelo Brasil. O mais espantoso aumento é o do minério de ferro, que é de 47% este ano no mercado chinês e só ontem teve alta de 10%. O saldo da balança é de US$ 20 bilhões até a primeira semana de maio, 50% a mais do que no mesmo período do ano passado. Ouvi economistas e uma cientista política sobre esses dados e seus efeitos na economia e na política. A conclusão é que apesar do vento a favor, o ambiente de crise permanece.
Quando há alta de commodities, as moedas dos países fornecedores, como o Brasil, se valorizam. Mas no ano passado aconteceu o oposto. O real despencou. Isso se deve à incerteza. Vacinação atrasada, os conflitos criados pelo presidente e seus ataques às medidas de proteção fortaleceram o descontrole da pandemia. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, explica o que mais está alterando o fenômeno.
— O efeito das commodities nas moedas sempre existiu nos modelos, mas apesar dos ventos externos favoráveis, questões domésticas como confusões fiscais e políticas estão jogando contra. Medidas populistas, como a intervenção na Petrobras, também. O câmbio estaria muito mais apreciado se não fossem nossos problemas internos — diz Silvia.
Os cientistas políticos Daniela Campello e Cesar Zucco, da FGV, estudaram a relação entre o boom de commodities e o fortalecimento político dos governos. A pergunta que fiz à Daniela, ontem, foi se esse boom poderia favorecer a reeleição de Bolsonaro.
— Em tese, poderia favorecer, mas não acho esse o cenário mais provável. O que conecta o boom externo ao bem-estar das pessoas — que pode aumentar o apoio ao governo — é o câmbio. Até agora, não estava ocorrendo esse fenômeno. A subida dos preços foi forte, mas o dólar continuava alto. Acho que precisa ser um boom realmente duradouro — que segure até 2022 — e, ainda assim, que ele não seja enfraquecido pelo caos da pandemia. Não acho o cenário favorável de forma alguma para o presidente — disse Campelo.
Todos os economistas dizem que o primeiro trimestre está com dados melhores do que o previsto. É o que diz, por exemplo, a economista-chefe para Brasil e Argentina da Bloomberg Economics, Adriana Dupita. Ela ressalta que principalmente o mês de março foi melhor do que o esperado. Mas o alto grau de incerteza vem impedindo os investidores de terem uma visão mais otimista sobre o futuro do país:
— O auxílio emergencial chegou ao fim, e agora haverá uma reposição parcial. Na política monetária, há aumento de juros. No câmbio, mesmo com a queda, permanece a volatilidade. Na política fiscal, começa a pesar o calendário eleitoral do ano que vem.
O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, que acompanha de perto o agronegócio, diz que o interior está crescendo, por força da alta das commodities, porém o cenário é de estagnação na economia.
— O efeito das commodities é aumentar a renda nos segmentos respectivos. A renda do minério é injetada na Vale. É localizada. A do setor agrícola é bem espalhada, e o interior, onde o setor agrícola comanda, está vivendo um boom. Isso se traduz em construções e investimentos industriais ligados ao agronegócio. Entretanto, o atraso da vacinação leva ao risco de uma terceira onda, o que em alguns lugares acontecerá mesmo.
O melhor cenário para este ano é de crescimento de 3%, menos do que caiu no ano passado. E para 2022 as projeções em média dão 2%. É muito pouco. Outra coisa que afeta o cenário é o risco inflacionário. O custo da alimentação vai subir, uma nova rodada, por causa do custo global de grãos e commodities. E isso é péssimo para a atividade e para o poder de compra da população que está na pior da pior. Esse é um cenário de estagnação — diz o economista.
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que o IPCA de abril, a ser divulgado hoje, será de 0,30%, pela queda dos combustíveis, mas o acumulado em 12 meses vai a 6,75%. Em maio, vai para 7,5%. No segundo semestre, ele acha que o dólar não vai atrapalhar, mas não vai cair muito como poderia.
Conclusão minha depois dessa rodada de conversas. O governo Bolsonaro é tão incompetente que estraga até notícia boa.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/boas-noticias-e-o-estraga-cenario.html