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Eurípedes Alcântara: O ‘reset’ é o novo digital

Reset é o novo digital. Palavra da língua inglesa, seu significado é restabelecer, recompor e, especialmente, reiniciar. Por reset, agora se pretende englobar num único substantivo o fenômeno de adoção rápida em massa pelas empresas dos princípios do ASG — Ambiente, Social e Governança. É um caminho sem volta. Em junho do ano passado, o World Economic Forum, WEF, de Davos, na Suíça, dedicou sua reunião anual a “The Great Reset”. Sem o mesmo poder de impacto e influência de edições anteriores, o WEF 2020 foi mais o reconhecimento de um fato do que seu impulsionamento pelas correntes do pensamento empresarial.

Em anos passados, discutia-se qual seria o grau de digitalização ideal para as empresas — ou, melhor, qual deveria ser o limite de poder dos departamentos de Tecnologia da Informação (TI). Aos poucos, foi ficando claro que a discussão estava enviesada, pois o ideal seria não ter departamentos de TI, mas toda a empresa deveria digitalizar-se na forma de atuar e pensar seu negócio. O reset queimou etapas, e observam-se por toda parte empresas se engajando nas políticas de ASG em todas as atividades da organização, numa velocidade ainda mais formidável do que aquela em que o digital se impôs.

Fabio Barbosa, executivo de grandes empresas, pioneiro do ASG no Brasil, define bem o momento: “A cada dia sai do mercado um consumidor, um investidor, um profissional que achava tudo isso uma bobagem, e entra um jovem que toma suas decisões de consumo, investimento e carreira com base nos princípios de ASG.”

Reset é o capitalismo como conhecemos, mas regido por uma série de regras novas, às quais é preciso obedecer para obter o lucro desejado. Sim, o lucro continua sendo o grande motor das empresas. O reset não é modismo. É um movimento de sobrevivência do capitalismo, parecido com o que, na Igreja Católica nos anos 1960, se chamou de aggiornamento no pontificado do Papa João XXIII. São atualizações a que instituições seculares precisam se submeter com alguma regularidade para manter seu poder de influência.

Com o reset, o capitalismo toma das mãos da esquerda uma de suas bandeiras mais poderosas das últimas décadas, o ambientalismo. De quebra, captura também as bandeiras da responsabilidade social e da governança, que dá força aos stakeholders em oposição ao tradicional monopólio do poder dos shareholders. Ou seja, a orientação das atividades empresariais passa a ser realizadas em harmonia com os interesses não apenas dos acionistas, mas com igual satisfação dos empregados, consumidores e de todas as demais pessoas de qualquer forma afetadas pelas empresas, suas fábricas e seus produtos.

O economista Eugene Fama, da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel em 2013, vinha sendo um dos estudiosos mais descrentes da viabilidade de um “grande reinício” das economias ocidentais, principalmente em função do aumento dos custos de operação. Num artigo publicado no final de outubro de 2020 (“Contract Costs, Stakeholder Capitalism, and ESG”), Fama reconhece a inevitabilidade de um reset geral das empresas, mesmo com impactos negativos em seus resultados financeiros. Fama atribui o poder de transformação às forças de mercado. “Minha conclusão é que as soluções de mercado devem continuar moldando as empresas (para que se encaixem) nesse novo modelo.”

Michael Lind, da Universidade do Texas, concorda com os efeitos positivos do A e do G, mas é cético quanto aos avanços do S na sigla ASG. Em seu livro “The New Class War: Saving Democracy from the Managerial Elite” (“A nova guerra de classes: salvando a democracia da elite gerencial”), ainda sem edição em português, Lind enxerga uma batalha política global entre “oligarcas populistas” e “salvadores da democracia”. O respeito ao meio ambiente e a governança arejada são de pouca consequência para o desfecho desse combate, acredita Lind. A meu ver, Lind está sendo pessimista. O reset terá seu sucesso avaliado justamente por conter a fúria dos insatisfeitos à esquerda e à direita.


Hélio Schwartsman: O esquecimento como virtude

Seria útil se as "big techs" aperfeiçoassem seus mecanismos de busca

Agiu bem o STF em não reconhecer o direito ao esquecimento. Fazê-lo implicaria restringir perigosamente direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação. Em termos mais concretos, para dar eficácia ao direito ao esquecimento precisaríamos criar mecanismos que impediriam um sujeito de ir aos arquivos de um jornal e conferir o que foi notícia no passado. Não tem como funcionar.

Daí não decorre que o esquecimento não seja, tanto quanto a memória, um ingrediente importante para o bom funcionamento da sociedade e do próprio cérebro humano.

A razão pela qual humanos não temos uma memória perfeita não é de bioengenharia. Existe uma síndrome rara, a hipertimesia, que faz com que seus portadores se lembrem de praticamente tudo --algo próximo ao que Jorge Luis Borges descreveu no conto "Funes, o Memorioso".

E, como Borges já intuíra, uma memória perfeita tem como efeito colateral severas limitações ao pensamento. O personagem Funes era incapaz de abstrações, de compreender que o símbolo genérico "cachorro" abarcasse todos os diferentes cães dos quais ele se lembrava perfeitamente. Os cientistas cognitivos Steven Sloman e Philip Fernbach sustentam que nossos cérebros foram projetados para não guardar detalhes justamente para maximizar a capacidade de fazer generalizações.

A vida social também depende de esquecimentos, que às vezes chamamos de perdão. Na política, o termo "anistia" carrega os radicais gregos "a-" (não) e "mnestis" (lembrança).

Não dá obviamente para conceder a cada cidadão o poder de definir o que as pessoas podem lembrar sobre ele, mas seria útil se as "big techs" aperfeiçoassem seus mecanismos de busca para se parecer mais com o cérebro humano na capacidade de esquecer.

Não se trata de apagar os registros, mas de, conforme o tempo passa, jogar os pecadilhos e indiscrições das pessoas da primeira para a 18ª página do Google.